terça-feira, 22 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13430: Notas de leitura (615): "Guiné, Mal Amada, o Inferno da Guerra", por António Ramalho de Almeida (Virgínio Briote)




1. Em mensagem do dia 15 de Julho de 2014, o nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489 (Cuntima), e Comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá), CMDT do Grupo Diabólicos (1965/67), enviou-nos este apontamento sobre o livro de António Ramalho de Almeida, "Guiné Mal Amada - O Inferno da Guerra":




Guiné, Mal Amada, o Inferno da Guerra
António Ramalho de Almeida

António Ramalho de Almeida, estudante de medicina em 1963, foi mandado apresentar-se em Mafra para efectuar a recruta, após a qual foi destacado para a EPC em Santarém, onde tirou a especialidade de autometralhadoras Panhard. Logo a seguir, que o tempo urgia, foi mobilizado para a Guiné como alferes miliciano, recebendo como missão dar instrução a naturais da então Província, organizando-os em companhias de milícias.
Neste livro, António Ramalho de Almeida aproveita para nos descrever os contrastes a que assistiu. A guerra, ainda no princípio mas já na brutalidade em mortos e estropiados pelas minas, armadilhas, emboscadas e flagelações, os olhos a perderem-se nas maravilhosas paisagens, a presença de Portugal de mais de 400 anos praticamente ausente no interior da Província, de tal forma que, em certos locais, se julgava o primeiro branco a pisá-los e a vê-los.
Um testemunho interessante, este, escrito quase 50 anos depois de o ter vivido.
Fui contemporâneo do António Ramalho, conhecido, entre nós, por Toni Ramalho. Éramos companheiros assíduos, sempre que coincidia estarmos presentes em Bissau, na esplanada do Bento e nos jantares à mesma mesa do hotel. Muito do que aqui conta, regressou-me, vi, ouvi e vivi naqueles anos. Quanto mais não fosse estou-lhe grato por isso.

Começa por dedicar o livro, aos Netos, aos Filhos e à Mulher.
Depois não esquece “a minha geração…sacrificada! A todos dedico este livro, que não conta nada que se não saiba já, mas cuja narrativa biográfica, vai relembrar o que de bom e de mau se fazia naqueles anos 60, do início do conflito na Guiné”. Era assim a Guerra!

António Ramalho prometera à Mãe, antes de a ver morrer, que havia de ser médico. Fiel à promessa e ao desejo pessoal preparou-se para o ser e convenceu-se de que iria beneficiar do estatuto de adiamento de incorporação que o Exército então facultava, dada a escassez de médicos.
Houve, porém, um acontecimento, que lhe alterou a vida. Em Maio de 1963, comemorou-se em Lisboa o Dia do Estudante e esse dia trouxe-lhe consequências. Quando deu por si estava em Mafra a fazer o COM. Depois seguiu-se Santarém, o RC6 (Porto), o RC8 em Sta. Margarida e o embarque, em 12 de Outubro de 1964, no Niassa, rumo à Guiné.

Depois é a chegada a Bissau, as primeiras impressões da cidade, a entrada no QG. Seguem-se as peripécias típicas da tropa e dos princípios do conflito. Comunicaram-lhe que passaria a receber ordens directamente do QG. E não tardaram a dar-lhe notícias. Cerca de dez dias depois, um major do QG comunicou-lhe que, em virtude dos reduzidos efectivos militares havia que mobilizar e preparar os próprios naturais da província, conhecedores do terreno e dos hábitos das diferentes etnias. O objectivo era criar vinte companhias, com 120 homens cada, estrategicamente distribuídas por todo o território. E a missão do alferes Ramalho e do reduzido grupo de assessores era, em cerca de um mês, preparar militarmente essa gente.

Começou por Empada e por lá se manteve até quase ao Natal de 1964. Ele e o seu grupo, constituído por um sargento, um Furriel, três Cabos Atiradores e três Cabos Enfermeiros comemoraram o fim do primeiro trabalho no “Solar dos 10” a comer omeletes de camarão acompanhadas das inevitáveis cervejas.

No livro, o boato está sempre presente, às claras ou às escuras, e encontra-se frequentemente com o e no Bento. E a certa altura quase se pode afirmar que se não foi verdade andou por lá perto ou ainda vai ser.
O QG é passado a pente fino. Passa a trabalhar directamente com o capitão Passos Ramos, “uma figura notável, de presença, de calma, de ponderação, de saber...” Um dia atreveu-se e atirou-lhe: “Meu capitão, o senhor é mal empregue na tropa!”
“Ramalho, vamos fazer o nosso melhor, já que cá estamos vamos fazer o melhor, sem loucuras”, respondeu-lhe o capitão.

A tarefa seguinte foi em Nhacra e aqui o alferes Ramalho dedica uma especial atenção dadas as características da povoação, da etnia dominante, da proximidade estratégica com Bissau e de constituir um excelente local para recolher e trabalhar informações.
Seguiram-se Nova Lamego, as conversas com o Dr. Torres, médico da “Doença do Sono”, muito estimado pela população e, naturalmente pela guerrilha que começava a fazer o seu trabalho nessa zona, o martírio do calor, um episódio que ele ironicamente chama a “conquista de Bambadinca” e a visita a Piche.
“Eh pá, vocês meteram-se à estrada só para ouvir a minha voz?”, recebeu-os, surpreendido o famoso fadista coimbrão, Dr. Luís Goes!

Nova Lamego foi um marco na passagem do alferes Ramalho pela Guiné, afiram. As paisagens, as gentes tão simples, tão amáveis, prontas para ajudar, aquele mercado onde se vendiam as coisas mais simples do mundo como o mel bravio, o vinho de palma, o tamarindo, a papaia, nunca mais vai esquecer.

Depois de um intervalo em Bissau, o QG do “ar condicionado” volta a ser assunto e encarregam-no de tratar dos processos de condecoração. Sobre este assunto é ele que escreve e eu por aqui me fico.

São muitos acontecimentos, alguns trágicos, não é justo este recensor acidental pôr-se para aqui a plagiar um Camarada e Amigo. Limito-me a terminar, dizendo-vos que ainda não estamos a meio do livro, falta ainda muito para contar, desde as férias e do adeus de coração apertado à Família, ao regresso ao inferno da guerra, de novo na Guiné.

VB
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Nota do editor

(*) Vd. postes de:

16 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12048: Notas de leitura (520): "Guiné Mal Amada - O Inferno da Guerra", por António Ramalho de Almeida (Mário Beja Santos)
e
1 DE JULHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13352: Notas de leitura (607): Livro de memórias de guerra, de António Ramalho de Almeida, médico pneumologista, do Porto, ex-alf mil, GG, Bissau, 1964/66

Último poste da série de 21 DE JULHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13422: Notas de leitura (614): “Pluralismo Político na Guiné-Bissau", coordenação de Fafali Koudawao e Peter Karibe Mendy (Mário Beja Santos)

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