Foto: © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)
1. Mensagem,. de 12 do corrente, de Abílio Duarte
[ex-fur mil art, CART 2479 (que em janeiro de 1970 deu origem à CART 11, Os Lacraus, que por sua vez em junho de 1972 passou a designar-se CCAÇ 11), Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70; bancário reformado; foto atual à diireita]
Olá, Luís,
No próximo dia 20, passa mais um ano (faz 44 anos!) do fatídico dia em que faleceu o meu companheiro de muitos dias e noites vividos nas matas do leste da Guiné.
Quero neste momento recordar o ser humano, não um mais número nas estatísticas, apesar de o seu nome estar gravado no monumento aos mortos da Guerra Colonial [, em Belém, Lisboa,] e por isso não será esquecido.
Quero neste momento recordar o ser humano, não um mais número nas estatísticas, apesar de o seu nome estar gravado no monumento aos mortos da Guerra Colonial [, em Belém, Lisboa,] e por isso não será esquecido.
Lidei com ele durante muitos meses, desde a recruta, até aquele desgraçado dia.
Junto remeto a folha da história da minha companhia que relata o acontecimento, e fotos dele, e dos sítios onde nasceu e faleceu.
Não quero deixar de dar a minha explicação para o que aconteceu, pois estava bastante próximo.
Quando o Pelotão se aproximou da tabanca em causa [, Sinchã Molele, a noroeste de Paunca.], era já bastante de noite, mas estava uma noite de luar, que parecia que a tabanca estava debaixo de um holofote.
Junto remeto a folha da história da minha companhia que relata o acontecimento, e fotos dele, e dos sítios onde nasceu e faleceu.
Não quero deixar de dar a minha explicação para o que aconteceu, pois estava bastante próximo.
Quando o Pelotão se aproximou da tabanca em causa [, Sinchã Molele, a noroeste de Paunca.], era já bastante de noite, mas estava uma noite de luar, que parecia que a tabanca estava debaixo de um holofote.
Entre a mata onde estávamos instalados e a tabanca havia um campo de cultivo de mancarra, o que dificultava a entrada para a mesma, pois era a céu aberto e muito iluminada. Na altura, o Pelotão era chefiado pelo furriel Cândido Cunha, pois julgo que o Alf Martins estava de férias. Foi decidido enviar alguém que fizesse o reconhecimento do que se passava, e para isso foi lá o guia que nos acompanhava. Ele voltou e comunicou que não havia inimigo e só pessoas feridas.
Então o pelotão preparou-se para entrar na tabanca, em fila com alguma distância entre os militares. Eu era o terceiro elemento depois do guia e do Aladje.
Quando estávamos a chegar à abertura da paliçada , cujo trilho nos conduzia, apareceu um elemento da tabanca, aos gritos e a chamar a nossa atenção.
Aproximei-me do Aladje e disse-lhe;
- Aladje, vê lá o que o homem quer...
Quando estávamos a chegar à abertura da paliçada , cujo trilho nos conduzia, apareceu um elemento da tabanca, aos gritos e a chamar a nossa atenção.
Aproximei-me do Aladje e disse-lhe;
- Aladje, vê lá o que o homem quer...
Pum!!!... Foi um momento que não consigo esquecer. O que o homem estava a tentar fazer era para nos alertar que o trilho estava minado, o que foi demasiado tarde.
Depois do estrondo, da chama e do pó que se levantou, ninguém no momento sabia o que se estava a passar, se era emboscada, morteiro, confusão.
Só quem passa por elas é que pode explicar, se é que consegue, em momentos como aqueles. E assim se perdeu uma vida. Paz à sua alma, e que Alá o guarde.
O Aladje era natural de uma tabanca perto de Che Che [, a sudeste, junto ao Rio Corubal, na estrada para Madina do Boé,], chamada Marià, e faleceu em Sinchã Molele.
[...] Não te incomodo mais, e mais uma vez os meus agradecimentos pela existência do Blog.
Um Abraço
Depois do estrondo, da chama e do pó que se levantou, ninguém no momento sabia o que se estava a passar, se era emboscada, morteiro, confusão.
Só quem passa por elas é que pode explicar, se é que consegue, em momentos como aqueles. E assim se perdeu uma vida. Paz à sua alma, e que Alá o guarde.
O Aladje era natural de uma tabanca perto de Che Che [, a sudeste, junto ao Rio Corubal, na estrada para Madina do Boé,], chamada Marià, e faleceu em Sinchã Molele.
[...] Não te incomodo mais, e mais uma vez os meus agradecimentos pela existência do Blog.
Um Abraço
Abílio Duarte
Guiné > Zona leste > Região de Gabu > CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) > Algures no mato: O fur mil art Abílio Duarte, com soldados do seu pelotão.
O Sold Aladje Silá foi um dos mortos da CART 2479 / CART 11 que se formou, em Contuboel, na mesma altura da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12. O seu nome figura no mural com os nomes dos mortos na guerras do ultramar, no Monumento aos Combatentes do Ultramar, no forte do Bom Sucesso, Belém, Lisboa. Morreu a 21/7/1970. Está sepultado no cemitério fula de Nova Lamego.
Fotos: © Abílio Duarte (2010). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)
CART 2479 / CART 1969/71) > História da unidade - Cap II -Pág 70
Carta da província da Guiné > 1961 > Escala 1/500 mil > Zona leste > Região do Boé > Posição relativa da tabanca de Mária, no triânguilo, Ché Ché - Madina do Boé - Belel. O Aladje Silá era natural daqui.
Carta da província da Guiné > 1961 > Escala 1/500 mil > Zona leste > Região de Gabu > Posição relativa de Paunca, tendo a noroeste Sinchã Molele, e a nordeste Pirada (junto à fronteira com o Senegal). Foi em Sinchã Molele que morreu o Aladje Silá, em 21/7/1970, sequência de uma mina A/P accionada na noite de 20/7/1970. Ficou também ferido, mas sem gravidade, o Abílio Duarte.
Infografia: © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)
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Nota do editor:
Último poste da série > 14 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13399: Efemérides (164): O Ramadão de 1970 em Paunca (Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 / CART 11, Os Lacraus, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)
9 comentários:
Abílio, tenhas um bom dia.
Esse já longínquo dia 20 de Julho de 1970, data em que eu cheguei ao "Pijiguidi", a bordo do "Carvalho Araújo", depois de onze dias de viagem cheia de tormentos e a dormir no convés em condições deploráveis (navio obsoleto onde fomos transportados como animais para abater nos matadouros de Lisboa), foi o do funeral do Salazar!... Foi para Santa Comba Dão. Esperemos que não o transladem!... Mantenham-lhe a pedra em cima! Dizem que todos lucrarão!...
Um abraço
Lamentavelmente, em cada dia do ano, há que lamentar a baixa de um Camarada, por ferimento ou morte.
A guerra, todas as guerras, devem devem ter um rosto. É bom que os portugueses (e os guineenses que combateram do nosso lado) saibam mostrar o dia a dia daquela guerra, dita de "baixa intensidade", insidiosa, mortífera, estúpida e inútil (, pesem embora as opiniões contrárias de muitos camaradas meus!)...
É importante, até para memória futura, que sejam contados, aqui, todos os dias da nossa guerra, e evocados os seus mortos e feridos, como o Aladje Silá e o António Duarte.
Madalena, Vila Nova de Gaia, 20 de julho de 2014
Abílio, os nossos soldados africanos , fulas, os da tua CART 2479/CART 11/CCAÇ 11, e os da minha CCAÇ 2590/CCAÇ 12, que nós formámos em Contuboel, foram bravos, leais, valorosos combatentes...
Mas passados todos estes anos, eu continuo a sentir juma esgfranha de culpa por, de algum modo, ter também, direta ou indiretamente, alimentsdo, a ideis de que o seu sacrifício, a ser necessário, não seria inútil...
Eu sei que os nossos fulas não tinham a noção de "Pátria", mas deram o seu melhor (, e até em muitos casos a sua vida) pela defesa do seu "chão"... Foi o caso do teu Aladje Silá... Sempre os tratámos como camaradas, e sabíamos que eles eram capazes de dar a sua vida por nós, por mim, por ti, "tugas" que vieram do norte...Afinal, éramos os únicos símbolos que eles conheciam de Portugal...
Madalena, Vila Nova de Gaia, 20 de julho de 2014
De acordo com o que acabas de escrever.Naquela altura nós éramos
As suas referências
e a sua lealdade e respeito para connosco, nada tinha a ver com o Governo de Portugal.
Ainda me lembro dessa noite e, sobretudo do Aladje . Não me lembrava da data,mas lembro-me de todos os pormenores dessa noite.
Um abraço para ti Abílio e obrigado pela memória .
Boas, Duarte.
Não conhecia estas fotos, da rapaziada do teu Pelotão, armados até aos dentes, assim como, também não sabia, ou fazia confusão, como aconteceu a primeira baixa, em combate, da nossa CART.11. Eu, na altura, estava de férias em Lisboa (até fui aconselhado a não ir para a praia, por causa do funeral do Botas da Calçada)e só, depois, quando cheguei a Paunca é que soube do acontecido, mas, até hoje, estava convencido que tinha sido com a entrada na tabanca de Guiro Iero Bocari. Como eu já disse, noutra altura, morreu o nosso primeiro soldado e não me lembrava do nome, fosse ele Baldé, Jaló, Colubali, Jau, mas foi o jovem Aladje Silá que fez a recruta em Contuboel, jurou à Bandeira em Bissau e o seu nome está, infelizmente, no Memorial dos Mortes em Combate, junto da Torre de Belém, em Lisboa.
São estas datas que nós recordamos, datas de mortos em combate, morte de jovens, datas da guerra.
Também faz agora, mas 45 anos que o homem chegou à Lua. Descia eu o rio Geba, de Bambadinca para Bissau para entregar material de guerra já usado, quando ouvi, num rádio a pilhas a chegada do homem à Lua. São estas datas que toda a gente comemora, mas nós que estivemos na guerra temos, também, outras recordações.
Um abraço
Queiroz
Acho muito curiosa a forma de tratamento "o meu soldado". Devia ser muito forte a vossa ligação com os militares africanos para os tratarem dessa maneira passados 40 anos. Lamento que depois da independência tenham sido votados ao abondono, muitos deles foram fuzilados sem dó nem piedade. Os nossos soldados africanos foram verdadeiros Portugueses e ninguém foi capaz de os proteger. Paz para a alma deste bravo sodado Português. Que descanse em paz.
Em toda a noticia, não consigo ver a frase- o meu soldado- mas companheiro e amigo. Eu de meu só tinha a a minha vida.
Mas é verdade, nós éramos companheiros, e muitos daqueles soldados, mereciam o meu respeito.
Pois quando cheguei á Guiné, muitos deles já tinham anos de guerra, quer como milicias, quer como soldados de 2ª. linha.e para mim foram sempre leais.
Se eles foram massacrados, eu não me sinto culpado.Cumpri a minha obrigação, e não fugi.Quem esteve lá como eu, O Otelo, o Fabião, o Eanes, o Vasco Lourenço, e muitos mais, o que fizeram eles por aquelas gentes.Sobre isso, durmo descansado.
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