Carlos e Luís
Não é muito mais do que já se sabia sobre o triste acontecimento mas mesmo assim aqui vai.
Seguem também algumas fotos
Juvenal Amado
Em conversa com o João(1) chegámos à conclusão que entrámos no CICA-4 no mesmo dia para fazer a recruta embora em pelotões diferentes. Findo que foi esse período eu rumei ao RI-6 e ele ao RC-6, no Porto, para a especialidade e finda que foi esta, ele foi para a Figueira da Foz, RAL-2, e eu para Abrantes, RI-2.
Quis a roleta dos números mecanográficos que nos voltássemos a encontrar, eu na CCS e ele na 3491 do Batalhão 3872. Mas ao João tinha o destino reservado uma das mais duras e temidas provas que a vida militar nos podia reservar, ao cair numa emboscada e ver a morte bem na frente dos olhos e sentir o seu bafo.
Em 17 de Abril de 1972 caiu na emboscada do Quirafo que vitimou praticamente todos o que seguiam na viatura da frente da coluna. Ele era o condutor da segunda viatura e foi a rapidez do desenrolar dos acontecimentos que impediu de entrar na zona de morte.
Não foi um combate mas sim um massacre que podia ter sido evitado em última instância, quando foram avisados 10 km antes pela população de Sincha Made Bucô que o IN estava à espera algures na picada. O que leva os homens a dissidirem sobre a sorte e o azar numa espécie de roleta russa? Talvez a vontade de sermos superiores aos comuns dos mortais, ou pensarmos que só acontece aos outros.
Ele hoje só se lembra do fogo, das explosões, do som das armas automáticas, do desnorte e do camarada Azevedo que procurou abrigo junto dele, mas que, já estava mortalmente ferido com pelo menos três tiros. Logo de seguida, o abrigo onde se tinha refugiado foi atingido por uma explosão e confessa não saber o que aconteceu ao camarada que estava junto dele. Lembra-se dos Fiat's aparecerem e bombardearem, mas não sabe se foi o transmissões(2) que antes de morrer os chamou, pois garante que o camarada ainda saltou da viatura e se meteu mato dentro.
Uma coisa é certa, os Fiats apareceram e bombardearam, embora também não saiba quem os orientou para eles fazerem o seu trabalho. O resto, ficamos a saber pelos PelRec que no dia seguinte arrancaram de Galomaro ainda a tempo de levantar uma mina que possivelmente foi lá posta depois.
Aquele dia ficou assim marcado num misto de terror e zona cinzenta na sua memória, talvez como mecanismo de autodefesa, mas com o passar dos anos essa proteção abriu fendas e de lá saíram qual monstros, as insónias e os pesadelos onde revive noite após noite aquela manhã de má memória.
Felizmente está já a ser ajudado com consultas psiquiátricas em Coimbra, após pedido de ajuda no Núcleo da Liga dos Combatentes da Batalha, concelho a que pertence.
Por seu intermédio estou a tentar contactar o Moniz que era o condutor da GMC da qual só ele e o António Baptista(3) escaparam com vida. O Moniz é natural de Reguengo do Fetal mas não está a ser fácil encontrá-lo.
Junto envio umas fotografias cedidas pelo João Maximiano.
Um abraço para todos meu e do João que não tem computador nem sabe mexer-lhe.
Juvenal Amado
S/legenda
Monumento aos mortos da CCAÇ 2406
Ponte do Saltinho
Canhão s/recuo
Condutores: Granja; Gilberto; Maximiano e Moniz, que conduzia a primeira viatura na coluna emboscada e o Mec Auto Joaquim.
S/Legenda
Viatura do Maximiano
____________Notas do editor
(1) - Vd. poste de 22 DE NOVEMBRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13927: Ser solidário (174): Vamos ajudar o nosso camarada João Maximiano, que encontrei em Leiria, ex-sold cond auto da CCAÇ 3490 (Saltinho), que continua a sofrer com as recordações da terrível emboscada de que foi vítima no Quirafo, em 17/4/1972... (Juvenal Amado, ex-1º cabo cond auto, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)
(2) - António Ferreira, 1.º Cabo TRMS da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, morto na emboscada do dia 17 de Abril de 1972
(3) - António da Silva Batista (o morto-vivo), ex-Soldado At da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, dado como morto na emboscada do dia 17 de Abril de 1972. Viria a ser libertado pelo PAIGC em Setembro de 1974.
Vd. último poste da série de 22 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14069: Blogoterapia (264): Infelizmente para mim e para quem me é mais próximo, este Natal não será como dantes (Joaquim Cardoso)
1 comentário:
Amigo Juvenal Amado:
Acho muito louvável a tua iniciativa de dares voz às memórias do camarada Maximino ao narrares esse episódio de guerra tão sangrento e terrível que a alguns tirou a vida e a outros terá deixado marcas físicas e psíquicas para toda uma vida, como aconteceu a esse teu amigo.
Já nos habituaste a todos à tua escrita fluida e elegante que aliada à tua habitual bonomia definem muito do teu caracter.
Com palavras tuas, de amigo sincero, diz ao Maximino, (que não tem computador) que milhares de camaradas, alguns que passaram também por situações difíceis como ele e outros, provavelmente a maioria, que passaram por situações menos difíceis, mas de qualquer modo bastante penosas, que todos estão com ele e lhe enviam um abraço solidário para ajudar a aliviar o seu sofrimento. Nalgum tempo e lugar nessa terra quente banhada pelo mar pelos rios e bolanhas fomos irmãos e os irmãos nunca se abandonam.
Há dias, estava um dia cinzento e frio, três amigos e vizinhos, aproveitamos a vinda ao continente dum amigo açoreano e fomos os quatro lanchar a uma churrasqueira próxima de casa. Entre alguns petiscos e copos de tinto, algumas larachas e piadas passamos quase duas horas divertidas.
Ao sair estava à porta, do lado de fora do restaurante, um homem , pela aparência teria à volta de setenta anos, magro, de faces um pouco cavadas, que estava a fumar um cigarro. Talvez por vir mais descontraído do que de costume, disse-lhe que fumar fazia mal à saúde. Ele perguntou-me se eu já teria fumado e eu respondi-lhe que há três anos tinha deixado porque os médicos me apontaram uma metralhadora
A palavra metralhadora despertou más recordações nele pois de imediato disse-me que tinha passado momentos muito maus, nos anos 60, na guerra em Angola na zona de Uíge. Disse-lhe que tinha estado na Guiné.
A nossa conversa ficou por aqui pois os meus amigos já tinham ido para o carro e eu não os quis fazer esperar.
Não sei se esse camarada estava só ou acompanhado no restaurante, mas depois da partida, ainda hoje, penso que devia ter partilhado um pouco das suas más memórias e talvez esse camarada voltasse para casa um pouco mais aliviado dessa carga que como no caso do Maximino talvez ainda hoje lhe esteja a pesar demasiado na alma.
Faltaste-me tu amigo Juvenal para me ajudar nessa tarefa.
Por causa disso é que alguns fazem o bem e os outros, a maioria, ficam-se pelas intenções.
Um grande abraço
Francisco Baptista
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