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1. Mensagem do nosso camarada Ribeiro Agostinho (ex-Soldado Radiotelefonista / Condutor Auto e Escriturário da CCS/QG/CTIG, 1968/70), com data de 30 de Julho de 2015:
Boa noite Camarigos
Após vista de olhos, habitualmente diária, acabei de ler a história do António Medina, que me fez lembrar uma passagem também secreta, na época, que vou agora descrever, e que se acham que interessa, podem publicar.
Quando cheguei à Guiné, em rendição individual, desembarquei e fui apresentar-me nos Adidos em Brá.
Na secretaria foi-me dito que a Companhia, à qual ia destinado, tinha regressado à Metrópole havia dois dias (18-08-1968 no UÍGE), estávamos a 20-08-1968.
Então o Sargento da Secretaria perguntou-me se eu tinha carta de condução pois poderia ficar lá como condutor do Comandante, o que eu de imediato aceitei.
Foi preciso ir ao QG, a Santa Luzia, para pedir a minha colocação e lá fomos os dois. Em conversa com o chefe da Secretaria do QG, o Sr. Major Vilas Boas Mouzinho de Albuquerque, apercebendo-se de que eu tinha estado na Secretaria do Comando do RI 6 no Porto, disse que precisava de mim lá e que se arranjaria um condutor para o Sr. Comandante dos Adidos, outro que não eu.
Acabei por cumprir toda a comissão na secretaria do QG, que só foram 16 meses, pois soube contornar os obstáculos, como manda a tropa, desenrascando-me da melhor forma, mas isso contarei noutra oportunidade. Agora vamos ao tal segredo.
Um belo dia estava eu à porta da Secretaria, no corredor do QG, quando ia para entrar e vejo chegar, pela porta principal, um periquito (camuflado novinho ainda sem lavagem) cheio de pompa.
Fiquei ali parado a vê-lo passar cheio de cagança e reparo que era Capitão. Eu que trabalhava sem boina, fui ocupar o meu lugar na secretária, num gabinete só meu, com vista para a parada e refeitórios da CCS e da PM, por trás do balcão onde trabalhavam outros colegas que atendiam quem vinha do corredor.
Ainda não me tinha sentado quando ouço perguntar pelo soldado que estava há pouco ali à porta, pensei logo de quem se tratava, do periquito, pois eu não lhe bati a pala.
O Sargento que chefiava a parte do balcão, chama-me e eu apareço por trás da parede divisória dando de frente com o Sr. Capitão, que de pronto dispara:
- Oh pá, não me conheces? Não me respeitas?
Eu, já em sentido, peço-lhe desculpa e digo-lhe a todo o momento estamos em contacto com patentes superiores às nossas e é normal proceder assim.
Ele virou-me as costas a remoer qualquer coisa e foi-se.
Retomei o meu trabalho, que era o registo de toda a correspondência que entrava no QG, à excepção da Secreta, que era tratada pelo meu chefe directo, o Sr Major Mouzinho de Albuquerque, do qual tenho saudade e de quem gostaria de saber, pois me despedi dele com um grande abraço, deixando-o a chorar. Era da Póvoa de Varzim, mas não mais soube dele.
Estava eu a retomar o trabalho no registo de correspondência e de novo ouço a perguntar algo ao balcão, e o Sargento indica que é ali atrás que deve dirigir-se. Aparece-me outra vez, de repente, o periquito. Desta feita para me perguntar se eu tinha alguma correspondência relativa a ele próprio. Perguntei-lhe o nome e respondi-lhe que não tinha nada relacionado com ele, ao que ele me pergunta como é que eu sabia. Eu explico-lhe que normalmente fixo o que escrevo e com aquele nome não tinha passado lá nada. Ele replica que tinha urgência em tratar do assunto e de novo lhe digo que logo que apareça, eu despacho para a repartição a que vier destinada.
Ele lá sai a falar sozinho e eu, de imediato, procuro a correspondência que tenho na secretária e encontro um envelope que era mesmo o que ele queria e escondo-o no fundo da gaveta. Primeiro irei despachar todos os outros e depois vou pensar o que irei fazer com o dele.
Ainda estou a pensar no caso, quando de repente me aparece o Major, meu chefe, e o periquito de novo. O Major com todo o respeito, como era seu hábito, cumprimenta-me, pois estava noutro gabinete e pergunta-me se eu não teria a dita correspondência que o nosso Capitão pretendia.
- Meu Major, pois se o nosso Capitão ainda há pouco esteve aqui e eu lhe disse que não tenho.
Lá me recomendou que mal chegasse, despachasse de imediato, pois o nosso Capitão tinha muita urgência.
Mais tarde, com calma, lá analisei o assunto e como não havia registos que me comprometessem até ter chegado ali esse envelope, e como o assunto que já nem sei de que se tratava, não era tão importante, e só me comprometeria se o registasse, não o fiz. Rasguei pura e simplesmente.
O que custa ser periquito numa terra como a Guiné.
Foi caso único aquele rasgar de correspondência, mas atrasei vários casos, de alguns oficiais que entravam por lá dentro e ao deparem com um soldado disparavam com o: Óh pá tens aí este processo, ou esta correspondência, ou isto, ou aquilo?... Se tivesse passado, dizia que já estava em tal repartição. Se não tivesse passado, quando me chegasse às mãos, ficava mais uma ou duas semanas à espera, dependendo de onde me chegasse essa correspondência, se da Província se da Metrópole.
O respeito é muito bonito e alguns não tinham mesmo categoria nenhuma, apesar de terem galões a pesar nas suas responsabilidades. Mas depois dessas entradas desses oficiais, quando viravam costas, normalmente a seguir vinham com a cunha do meu Chefe, ao que eu já estava habituado e ao que sabia dar a volta.
Mais um segredo que fica contado. Façam o que entenderem.
Um abraço a cada um de vós.
Ribeiro Agostinho
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Nota do editor
Último poste da série de 2 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14962: O segredo de... (20): Fernando Brito (1932-2014), ex-1º srgt, CCS/BART 2917 (1970/72): quadro, em "folha de capim", do seu infortunado filho (, morto mais tarde num trágico acidenrte, em 2001), pintado pelo caboverdiano Leão Lopes, em Bambadinca, 1971 (Cláudio Brito, neto)
5 comentários:
Agora percebo porque perdemos as guerras. E não foi nas frentes. Com retaguarda destas não precisávamos de IN. Deve sentir-se muito orgulhoso. Se hoje ainda for assim é um grande cidadão. Mas guarde só para si.Não ofenda as pessoas sérias.
José Pedro Caiado dos Santos.
Contribuinte 177934 632
Com os impostos em ordem
Com comentários como este muitos segredos passados na guerra vão juntos com o militar para a cova, é quanto a mim uma perda irrecúperavel.
Colaço:
A reacção do J. Pedro Santos é normal. E muitos de nós suponho que a maioria, assim pensarão. Porém tens razão pois alguns, inconscientes maus caracteres, irão abster-se de se revelar, mas como amostra chega.
Um abraço a todos os que tendo sofrido na guerra, deram o seu melhor,
JS
Se te serviu a carapuça, deves ser como o capitão piriquito, que por lá passou, mas podes estar descansado porque, apesar de já ter passado muitos anos, de duas coisas tenho a certeza;
A 1ª, é que não foi por causa do assunto pessoal desse capitão que se perdeu a guerra e nós não perdemos guerra nenhuma na Guiné.
A 2ª é que tenho a certeza que não foi o teu nome que li no assunto que iria dar seguimento, portanto o assunto não era contigo.
Conheço também muita gente arrogante, que parece que são sérios quando são ofendidos, que também pagam os seus impostos e parecem o dono disto tudo e depois até se esquecem que afinal não tinham pago.
Consta na minha Caderneta Militar o seguinte ( CORRECTO, DISCIPLINADO E COM MUITO BOAS QUALIDADES DE TRABALHO, ESTE SOLDADO É MERECEDOR DA ESTIMA E CONSIDERAÇÃO DOS SEUS SUPERIORES E DE SER APONTADO COMO EXEMPLO AOS SEUS CAMARADAS. O.S. nº 154 de 24/12/1969 Q.G./C.T.I.G.)
Para terminar acrescento que mais vale aturá-los, que ser como eles.
Ribeiro Agostinho.
O soldado Agostinho é um exemplo de como a estupidez é perigosa.
Mendes
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