sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15223: Da Suécia com saudade (52): Em 1974, foi criticado, no parlamento, o fornecimento ao PAIGC, sob a forma de ajuda, de produtos como o tabaco e o álcool, considerados nocivos para a saúde e, em 1975, postos na "lista negra" (José Belo)


Página oficial, em inglês, do famoso Systembolaget, o monopólio estatal sueco do álcool.


1. O que é o  Systembolaget ? 

(i)  é uma empresa estatal de lojas de bebidas alcoólicas na Suécia;

(ii) tem o  monopólio da importação, distribuição e venda;

(iii)  é o único sítio onde se podem comprar bebidas com teor alcoólico superior a 3,5%.

O controlo rigoroso da venda e compra de bebidas alcoólicas, assim como a imposição de elevados impostos sobre estas bebidas, faz parte da severa política sueca para evitar os problemas causados pelo consumo exagerado de álcool.

As lojas estatais de bebidas alcoólicas – chamadas popularmente ”systemet” ou ”bolaget” – não vendem os seus produtos a: (i)  menores de 20 anos; (ii) pessoas embriagadas;  ou (iii) suspeitas de venda ilegal. 

Há uma rede nacional de 431 lojas que  vendem cerca de 2400 diferentes bebidas,  da cerveja ao  vinho, do licor à  aguardente, etc. provenientes de cerca de 40 países.  Há cerca de 500 agentes que servem as pequenas comunidades locais. estes agentes não tem "stocks", mas encomendas são feitas através deles... 

Fonte: Systembolaget. [Se quiserem saber mais, têm aqui, em inglês, o "Responsibility Report 2014"]


2. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia...

[ foto atual à direita: José Belo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); atualmente é cap inf ref e vive na Suécia há quase 40 anos]



Data: 2 de outubro de 2015 às 12:29

Assunto: Ainda os "olhos azuis", em perspectivas da raposa e das uvas quanto ao..."estão verdes"?


Uma moção no Parlamento sueco relacionada com a ajuda ao PAIGC, em tabaco e álcool...


Em 1974, foi enviada pela Organizacäo Nacional dos Estudos Relacionados com os Produtos do Tabaco uma carta à ministra responsável pelos auxílios aos países em desenvolvimento, na qual se protestava quanto ao facto da SIDA (iniciais da agência estatal sueca de auxílio aos países em desenvolvimento) estar a fornecer cigarros e bebidas alcoólicas às Lojas do Povo, administradas na Guiné-Bissau pelo PAIGC.

Nesta carta foi sugerida a substituição destes produtos por outros,  não prejudiciais à saúde dos guinéus.

Esta sugestão veio a provocar vivo debate no Parlamento.

Em esclarecimentos prestados perante a Assembleia,  a então ministra Gertrud Sigurdsen salientou dois pontos:

i)  as encomendas em cigarros e bebidas alcoólicas teriam sido sugeridas nas listas de produtos apresentadas pelo PAIGC;

ii)  segundo as informações disponíveis, o valor anual dos fornecimentos destes dois produtos não ultrapassava as 185 mil  coroas suecas, enquanto o auxílio ao PAIGC era de 15 milhões (!).

Foram então colocadas à ministra as seguintes perguntas finais:

(i) seria no futuro tolerado que a Suécia forneça a título de auxílio produtos que são reconhecidos pela opinião pública como causadores de sérios riscos para a saúde?

(ii) seria esta a função do auxílio prestado?

(iii)  quais os resultados perante a opinião pública, até então tão participativa, e as consequências que daí poderiam advir para programas futuros?

Em 27 de janeiro de 1975 o parlamento do Reino Sueco decidiu que produtos prejudiciais para a saúde, como o tabaco e álcool, não poderiam  fazer parte dos fornecimentos de auxílio aos países em desenvolvimento.

Como curiosidade, a Suécia (System Bolaget), a Finlândia (Alko), a Noruega (Vinmonopolet) e a Islândia (Vinbúö) têm um monopólio estatal de todas as bebidas alcoólicas, sendo a Suécia um dos maiores compradores mundias de produtos relacionados

O parlamento sueco.
Foto enviada pelo José Belo
sem indicação de fonte.
Quanto ao tabaco, a Suécia foi o primeiro país a estabelecer um monopólio estatal no século XVI.
A produção de tabaco (na Suécia!) foi iniciada em 1724 por decreto real, sendo todas as cidades obrigadas a reservar terrenos para este fim.

Por volta de 1800 o número de fábricas era superior a 100, tornando-se o tabaco uma produção importante no reino.

A última plantação de tabaco, existente na província da Skåne, foi encerrada em 1964.

Hoje, 81 municipalidades e organizações exigem uma lei parlamentar para proibir totalmente os produtos relacionados com o tabaco até ao ano de 2025.

(A propósito, a produção de fósforos também é propriedade estatal).

Um grande abraço do José Belo.




Fonte: Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Mocambique e Guiné-Bissau". Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa, p. 277" [, disponível aqui, em formato pdf, clicar no link].


Fonte: Ibidem, p. 275

3. Informação recolhida pelo José Belo sobre consumo de álcool na Suécia, em Portugal e na Guiné-Bissau


Relatório da OMS (Organização Mundial de Saúde), de 2010, publicado em 2014,  com projeções futuras, quanto a consumos de bebidas alcoólicas.

Incluem-se  pessoas com 15 anos de idade ou mais. É referido o consumo de álcool puro em litros (!), per capita e por ano: numa vasta lista de consumidores desde os maiores para os menores: Portugal estava em 6º lugar, muito à frente  da Suécia (50º) e Guiné-Bissau (124º).

Outros indicadores de consumo:

(i) Cerveja (litros per capita /ano): Portugal (30,8), Suécia (37), Guiné-Bissau (19,6);

(ii) Vinhos (litros per capita /ano): Portugal (55,5), Suécia (46,6), Guiné-Bissau (14,9);

(iii) Destilados (litros per capita /ano): Portugal (10,9), Suécia (15,1), Guiné-Bissau (22,4);

(iv) Outras bebidas alcoólicas (litros per capita /ano):  Portugal (2,8), Suécia (1,4),  Guiné -Bissau (43) 

Cervejas / cervejas de malte
Spirits / bebidas destiladas
Vinho /feito de uvas
Outros /bebibas alcoólicas feitas de arroz, sake, kumi kumi, kwete e cidra.

Aparentemente a medida Parlamentar Sueca...

Um abraço do José Belo
_____________________

Nota do editor:

Último poste da série > 1 de outubro de 2015 >   Guiné 63/74 - P15184: Da Suécia com saudade (51): Mais um detalhe da pequena história do auxílio sueco ao PAIGC: a emissão, ultrassecreta, de 40 mil selos de correio, para comemorar a independência (unilateral) em 24 de setembro de 1973 (José Belo) 

12 comentários:

Luís Graça disse...

Mais um excerto do livro de Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Mocambique e Guiné-Bissau". Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa, p.156:



(...) Beneficiando de um amplo apoio político, com necessidades quase ilimitadas e dando
provas de uma boa capacidade administrativa, o PAIGC conseguiria tornar-se numa
força dominante entre os movimentos de libertação africanos durante a década de setenta,
recebendo ajuda oficial sueca. O valor inicialmente concedido foi de um milhão de
coroas suecas, depois aumentado para 1,75 milhões em 1970–71, 4,5 em 1971–72, 10
em 1972–73, 15 em 1973–74 e 22 milhões em 1974–75.101 Tal como foi dito acima,
dos 67,5 milhões de coroas suecas realmente gastos pela Suécia como ajuda humanitária
directa aos movimentos de libertação na África Austral e ao PAIGC entre 1969–70
e 1974–75, 64,5 milhões (ou seja, 96 por cento do valor total) foi pago ao MPLA de
Angola, à FRELIMO de Moçambique e ao PAIGC da Guiné-Bissau e de Cabo Verde,
o que indica uma clara concentração nas colónias portuguesas. Desse total, uns surpreendentes 45,2 milhões foram pagos ao PAIGC. Durante os primeiros seis anos da ajuda
oficial aos movimentos de libertação, o PAIGC recebeu dois terços dos fundos pagos, daí
que não surpreenda que os movimentos de libertação da África Austral com os quais a
Suécia tinha relações estreitas há já mais tempo, se sentissem prejudicados. Entrevistado
em 1996, o líder do MPLA Lúcio Lara declarou que o apoio ao PAIGC ”até nos deixou
com algum ciúme”, acrescentando que ”comparámos os valores e constatámos a diferença”. (...)

Luís Graça disse...

Nota de pé página, na pág. 159, do livro de Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Mocambique e Guiné-Bissau". Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa:


(...) Uma das muitas ironias da guerra na Guiné-Bissau era que as sardinhas em lata, um produto tipicamente português, tinham de ser adquiridas na Suécia e enviadas para este país, tão rico em peixe. As latas pesavam 225 gramas cada. A ”remessa de propaganda” com a bandeira do PAIGC era composta por cerca de 400.000 latas. Não é portanto de admirar que o PAIGC tenha reencaminhado parte do lote dos armazéns do povo para as zonas detidas
pelos portugueses. Para além de estar mal escrita (”zonas libertas” em vez da expressão correcta, que seria ”zonas libertadas”) a etiqueta identificava claramente o fornecedor sueco, mas também a Suécia como país de origem. Os armazéns do povo recebiam também cigarros, produzidos na Suécia com o rótulo propagandístico Nô Pintcha, tendo
o PAIGC sido também, neste caso, o autor da embalagem. O fornecimento deste produto não de primeira necessidade à luz do protocolo de ajuda humanitária foi fortemente criticado. A Associação Nacional Sueca de Informação sobre os Malefícios do Tabaco (Nationalföreningen för upplysning om tobakens skadeverkningar, NTS) enviou uma carta ao Ministro sueco para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, a Sra. Gertrud Sigurdsen, exigindo
que ”instruísse imediatamente a ASDI para que substituísse a planeada operação de exportação de cigarros para a Guiné-Bissau por ajuda em bens mais de primeira necessidade” (Carta de Eric Carlens e Lars Ramström, NTS, a Gertrud Sigurdsen, Estocolmo, 25 de Junho de 1974) (SDA). Vendo que os cigarros representavam apenas 185.000 coroas suecas, de uma dotação total para o PAIGC de 15 milhões, e vendo também que desempenhavam um papel importante na economia de troca directa dos armazéns do povo, a ministra respondeu que os bens para os armazéns do povo faziam parte integrante do ”apoio explícito dado pela Suécia ao trabalho dos movimentos de libertação” e que ”em todos os casos deste tipo, tem de ficar à responsabilidade da ASDI a avaliação da adequação ou não do fornecimento de tais produtos” (Carta de Gertrud Sigurdsen a NTS, Estocolmo, 2 de Julho de 1974) (SDA). Cf.
Möllander op. cit., pp. 16–17 e entrevista com Stig Lövgren, pp. 310–11). (...)

Luís Graça disse...

53, 5 milhões de coroas suecas (total da ajuda sueca ao PAIGC) representavam em meados de 1970 cerca de 12,85 milhões de dólares (1 SEK= 0, 24 US dolar, em 1975)...

Anónimo disse...

Por também documentado nas listas dos fornecimentos suecos ás Lojas do Povo administradas pelo PAIGC surgem (de vez em quando),algumas garrafas de cognac de primeiríssima classe (Calvados,entre outros) e embalagens de charutos e cigarrilhas (curiosamente näo cubanos).

"O Sol quando nasce é para todos"!

Quem seriam os utentes destes productos?
Os que de armas na mäo lutavam na mata...ou?

Um abraco do José Belo

JD disse...

Camaradas,
respigou o Luís um pedaço que refere uma breve análise sueca sobre o PAIGC: ..."dando provas de uma boa capacidade administrativa, o PAIGC conseguiu tornar-se numa força dominadora entre os movimentos de libertação africanos"...
Grandes tó-tós foram os suecos que não devem ter ido além da corte de Cabral, não estudaram a história de extermínio alegadamente ideológico do movimento, nem a falta de adesão popular dos guinéos residentes, nem avaliaram a incapacidade para constituir a super-estrutura do estado independente.
Amilcar, de facto, produziu obra suficiente para o impor como um grande ideólogo africano, mas não foi capaz de avaliar o imenso atraso do seu povo para chegar à independência, ou pelo contrário, talvez por isso manifestou por várias vezes a vontade de cooperar com os portugueses para valorização das gentes da Guiné, mas, infelizmente, não foi considerada a pretensão.
Tanto ele como os suecos parecem ter confiado na sorte do destino, e o resultado está à vista nos antigos territórios colónias portuguesas, pois foi interrompido um ciclo de verdadeiro desenvolvimento e harmonização em Angola e Moçambique, que poderia ter chegado aos restantes territórios, enquanto a ajuda externa nas independências foi desbaratada pela boçalidade dos dirigentes.
Assim, pode recolocar-se a questão da solidariedade internacional com vista à melhoria das condições de vida dos africanos.
JD

Anónimo disse...

"tanto ele (A.Cabral) como os suecos parecem ter confiado na sorte do destino"

Além dos citados, outros teräo confiado na sorte do destino.
O governo da ditadura na sua política face a face à Uniäo Indiana aquando da ocupacäo
de Goa,Damäo e Diu.

"Amilcar Cabral manifestou por várias vezes a vontade de cooperar com os portugueses para valorizacäo das gentes da Guiné"

Como mais tarde,e também por várias vezes,Spínola manifestou a vontade de valorizar as gentes da Guiné numa busca de solucöes constructivas para terminar a guerra.
O governo da ditadura (entäo reformista?) de Marcelo Caetano recusou terminantemente tal caminho.

Quais as alternativas para o..."se assim tivesse sido"...se os geniais políticos intervenientes nunca o viriam a aceitar?

A tal derrota militar aceitável para Marcelo Caetano em repeticäo dos gloriosos resultados no Estado da Ìndia?

Näo viria esta "derrota" a ter sérias repercurssöes nas Forcas Armadas,aparentemente täo dóceis no início dos anos sessenta,mas defenitivamente mais,em linguagem diplomática "complicadas", nos anos setenta?

A solidariedade internacional terá o valor que tem quando os ideais e os lucros se misturam em sombras convenientes.

A gigantesca ajuda Norte Americana em cereais aos países em desenvolvimento,ou em situacöes de crises agudas,é o outro lado do espelho do apoio vital, (através das compras do producto),por parte do governo central aos agricultores norte americanos.

As companhias de transportes navais e aéreos norte americanas também partilham dos lucros quanto ao transporte dos productos.

É um exemplo, entre muitos outros,do auxílio internacional.

As convenientes sombras (agora bancárias) lá estaräo nos auxílios internacionais "a juros" da Uniäo Europeia a Estados membros em graves dificuldades económicas.

As alternativas?

Um abraco do José Belo.


Antº Rosinha disse...

Se Salazar tem colaborado numa independência da Guiné a "meias" com Amílcar Cabral, ou outros estudantes do império, ou futebolistas do império, como a maioria desses estudantes sonhava, estes tinham sido trucidados imediatamente.

E pior, a comunidade internacional, (Rússia/EUA), mais os vizinhos das ex-colónias, anexavam e diluiam imediatamente aqueles territórios.

Tal como aconteceu com a India, e momentaneamente aconteceu com Timor.

Como o Salazar sabia tanto sem lá ter ido ver, é que é de admirar.

No caso da Guiné sabemos o que pensavam Seku Touré.

Luís, ainda não vi no livro, referências ao fornecimento da infinidade de Volvos de luxo ao PAIGC, que faziam gincanas, nos buracos das ruas de Bissau e tabancas e à caça.

Mas tenho que rever, porque eram renovados constantemente devido à curta vida, o que deve ter sido contas astronómicas, até que apareceram os jipes japoneses.

Luís Graça disse...

António Rosinho vê pp. 160/161, do ficheiro pdf que te mandei (Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Mocambique e Guiné-Bissau". Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa):

(...) Contudo, no início da ajuda aos movimentos de libertação, deu-se uma discussão
mais importante quanto ao fornecimento de veículos, nomeadamente de camiões. Anders
Möllander, o secretário do Comité Consultivo para a Ajuda Humanitária, acompanhou
de perto esse debate, e escreveu mais tarde que ”alguns argumentavam que meios
de transporte tais como camiões poderiam sempre ser usados para fins militares e que,
por isso mesmo, não deveriam ser incluídos na ajuda sueca”.123 O contra-argumento do
PAIGC e dos movimentos de libertação na África Austral era que não poderiam deslocar
nem distribuir os bens recebidos sem uma capacidade de transporte adequada. Este último
ponto de vista vingou e Lövgren comentou depois a principal razão pela qual acabámos por fornecer camiões foi porque as mercadorias fornecidas pela ASDI tinham de ser transportadas de uma forma ou doutra, dos portos para os armazéns nas bases do PAIGC. Afinal, chegámos à conclusão de que seria razoável disponibilizar um número limitado de camiões ao mesmo tempo que fornecíamos grandes quantidades de comida. [...] Daí que tenhamos fornecido Land Rovers e outros veículos de tracção às quatro rodas. Decorridos alguns anos, esse assunto deixou de merecer discussão, e até fornecemos veículos das marcas Volvo e Scania, especialmente concebidos para as forças armadas suecas, mas que também estavam disponíveis em versão ”civil”.(...)

Na verdade, a disponibilização de veículos ocupava um lugar relevante, e muito apreciado,
no contexto da ajuda do governo sueco aos movimentos de libertação.125 No caso
do PAIGC, a componente dos transportes representava já em 1970–71 cerca de 11 por cento do valor total da ajuda. (...)

Três anos mais tarde, ou seja, em 1973–74, essa percentagem tinha aumentado para os 18 por cento.127 Do ponto de vista dos custos, o transporte era, na altura, a segunda maior componente do programa de ajuda, a seguir aos alimentos, mas acima dos medicamentos e do equipamento escolar.128 Só nesse ano, incluiu a disponibilização de doze camiões de grande porte (Volvo) e seis de pequeno (GAZ 66), 15 jipes (Unimog) com atrelado, 2 ambulâncias (Peugeot) e duas carrinhas (Peugeot), bem como peças sobressalentes, pneus, óleos e lubrificantes, etc.129 Além disso, foram também fornecidos dez motores fora de bordo para transporte fluvial por meio de piroga e quinhentas bicicletas. (...)

Luís Graça disse...

António Rosinha vê as pp. 160/161, do ficheiro pdf que te mandei (Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Mocambique e Guiné-Bissau". Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa)... A Suécia forneceu viaturas Volvo ao PAIGC (mas também ao MPLA), "para fins civis":

(...) Contudo, no início da ajuda aos movimentos de libertação, deu-se uma discussão
mais importante quanto ao fornecimento de veículos, nomeadamente de camiões. Anders
Möllander, o secretário do Comité Consultivo para a Ajuda Humanitária, acompanhou
de perto esse debate, e escreveu mais tarde que ”alguns argumentavam que meios
de transporte tais como camiões poderiam sempre ser usados para fins militares e que,
por isso mesmo, não deveriam ser incluídos na ajuda sueca”.

(...) O contra-argumento do PAIGC e dos movimentos de libertação na África Austral era que não poderiam deslocar nem distribuir os bens recebidos sem uma capacidade de transporte adequada. Este último ponto de vista vingou e Lövgren comentou depois a principal razão pela qual acabámos por fornecer camiões foi porque as mercadorias fornecidas pela ASDI tinham de ser transportadas de uma forma ou doutra, dos portos para os armazéns nas bases do PAIGC. Afinal, chegámos à conclusão de que seria razoável disponibilizar um número limitado de camiões ao mesmo tempo que fornecíamos grandes quantidades de comida. [...] Daí que tenhamos fornecido Land Rovers e outros veículos de tracção às quatro rodas. Decorridos alguns anos, esse assunto deixou de merecer discussão, e até fornecemos veículos das marcas Volvo e Scania, especialmente concebidos para as forças armadas suecas, mas que também estavam disponíveis em versão ”civil”.(...)

Na verdade, a disponibilização de veículos ocupava um lugar relevante, e muito apreciado,
no contexto da ajuda do governo sueco aos movimentos de libertação. (...) No caso
do PAIGC, a componente dos transportes representava já em 1970–71 cerca de 11 por cento do valor total da ajuda. (...)

Três anos mais tarde, ou seja, em 1973–74, essa percentagem tinha aumentado para os 18 por cento. (...) Do ponto de vista dos custos, o transporte era, na altura, a segunda maior componente do programa de ajuda, a seguir aos alimentos, mas acima dos medicamentos e do equipamento escolar.

(...) Só nesse ano, incluiu a disponibilização de doze camiões de grande porte (Volvo) e seis de pequeno (GAZ 66), 15 jipes (Unimog) com atrelado, 2 ambulâncias (Peugeot) e duas carrinhas (Peugeot), bem como peças sobressalentes, pneus, óleos e lubrificantes, etc.

(...) Além disso, foram também fornecidos dez motores fora de bordo para transporte fluvial por meio de piroga e quinhentas bicicletas. (...)

Luís Graça disse...

Tó-tós, os suecos ? Zé Manel Dinis, António Rosinha, Zé Belo, claro que há "ingenuidades" neste livro do Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau". Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa)... Veja-se as pp. 155/156...

Recorde-se que a população guineense da época era de meio milhão (50 anos depois triplicou)... A propaganda do PAIGC consegiu impingir a ideia que controlava 80% da população (, o que todos sabemos, aqueles que por lá passaram, na guerra, que era manifestamente impossível, e que não correspondia à simples realidade dos factos)...

Por outro lado, sabemos pouco sobre a rede de "lojas do povo" (que, a seguir à independência, iriam transformar-se, desgraçamente para o povo da Guiné, num fiasco e num mito)...

Os suecos, que foram à Guiné, não foram "ver para crer", foram "crer para ver", foram ver o que o PAIGC lhes quis mostrar, e que à partida correspondia às suas crenças, expetativas, valores.. O mesmo acontecia com os jornalistas e observadores, nacionais e estrangeiros, "amigos de Portugal", que iam visitar a Guiné, a convite do governo português ou do governador-geral...

Os suecos, que foram à Guiné, convidados pelo PAIGC, não eram (nem podiam ser) observadores independentes, estavam empenhados numa causa... E quando é assim, vê-se a realidade com a "grelha ideológica" que nos impõem, ou nos interessa, ou nos convém... Também nós levávamos a nossa, quando embarcámos nos Niassa, nos Uíge, nos Ana Mafalda..., a caminho da "província portuguesa da Guiné"... Depois tivemos tivemos o "choque da realidade": por exemplo, dos nossos 100 soldados do recrutamento geral da província, que nos foram entregues para formar a futura CCAÇ 12, só um, o José Carlos Suleimane Baldé, falava e escrevia português, o único dos soldados arvorados que chegou a cabo no meu tempo!... Todos os demais eram "soldados de 2ª classe"...

(Continua)...

Luís Graça disse...

Vamos lá então a mais um excerto do nosso livro sueco que corre o risco de se tornar "livro de cabeceira" (!):

Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau". Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa), pp. 155/156:


(...) Enquanto isso, o PAIGC estava confrontado com enormes desafios. Em 1971, calcula-
se que viviam 400.000 pessoas nas zonas libertadas da Guiné-Bissau, (...) na sua maioria
artesãos e camponeses.

A taxa de analfabetismo era de cerca de 80 por cento e a situação geral em termos
de saúde era complicada. Largos extractos populacionais, nomeadamente as crianças,
sofriam de desnutrição. (...)

Ao tentar construir uma sociedade nova nas zonas libertadas, pela via da disponibilização de serviços sociais e desenvolvendo a economia, o PAIGC (que, antes de mais, estava empenhado numa guerra generalizada contra Portugal, que era apoiado pela OTAN) assumia o papel de um governo e de uma administração de um estado independente. (...) Em contraste vincado com um estado independente, o movimento de libertação não controlava os recursos nacionais nem podia conduzir operações de comércio internacional. (...) Pelo contrário, num país com um enorme potencial para as pescas, a população que vivia nas zonas libertadas sofria de falta de proteínas o que, paradoxalmente, levou o PAIGC a incluir no pacote de ajuda humanitária sueca pedidos de grandes quantidades de conservas de peixe. Para além disso, o PAIGC não podia cobrar impostos à população residente nas zonas libertadas porque, para já, não havia matéria tributável e também porque, de forma ainda mais clara, a economia de base monetária tinha sido abolida e substituída por um sistema de trocas directas, no qual os bens das pessoas tinham um papel economicamente crucial e politicamente delicado.
Os armazéns do povo tinham como função servir de centros de comércio ou depósitos,
onde os aldeões podiam trocar os seus produtos agrícolas por outros bens de primeira
necessidade e de consumo, como têxteis, óleo de cozinha, sabão, fósforos, utensílios domésticos e agrícolas ou cigarros. (..:) Como notou Rudebeck, tratava-se de uma ”função altamente política. Caso não fosse realizada a contento da população, toda a credibilidade
do PAIGC sairia diminuída aos olhos do povo”. (..:) O sistema que consistia em regatear
a aquisição de produtos só poderia funcionar devidamente se as lojas do PAIGC dispusessem
de stocks suficientes de produtos. (...)

Anónimo disse...

Compreensöes quanto aos motivos e ideais que levavam muitos à luta armada contra a política colonial do governo da ditadura continuam,e por certo continuaräo até ao fim da nossa vida a provocar sensíveis perguntas pessoais.
Alguns dos democratas do pós Abril(näo menos os militares) aparentemente "descartaram-se"com facilidades várias do problema.
Outros,educados dentro de conceitos,valores e tradicöes muito específicas da nossa sociedade ,resultantes do isolamento (conscientemente provocado pela classe governante)em relacäo à restante Europa,continuam a olhar o inimigo como sendo exclusivamente o... externo.

Os apoios suecos aos movimentos de libertacäo africanos näo surgem nem de "inocências de olhos azuis feitas",como alguns em leituras aparentemente muito rápidas acabam por inferir,ou outros tipos de ingenuidades que qualquer um dos nossos inúmeros "chicos espertos" de há muito näo teria compreendido... melhor.

(Resta-nos a pergunta:Como terá esta sociedade progredido social e economicamente com tantos olhos azuis e täo poucos chicos espertos de olhos castanhos como os meus?)

Foram políticas governamentais,baseadas em vasto apoio popular,religioso,sindical,intelectual,económico,jurídico interno,e näo menos ,a nível das instäncias jurídicas internacionais....tudo muito longe do entäo menos eficiente nos resultados...orgulhosamente sós.


No respeitante aos auxílios suecos,o papel de Amilcar Cabral foi factor de grande importäncia.

Com a sua sensibilidade política soube sempre ler "nas entre-linhas" do que os responsáveis suecos queriam "ver" no PAIGC como movimento "ideal" de libertacäo africano.
E,quando surgiam algumas dúvidas menos convenientes,lá viajava incógnito para Estocolmo para pessoalmente as esclarecer.

Será exemplo típico o caso surgido quando as autoridades suecas procuravam analisar em detalhe
"nórdico" quais os materiais e equipamentos civis que poderiam vir a ter utilidade militar.

Ao chegarem ao fornecimento de alguns milhares de sapatilhas de plástico täo usadas pelos guinéus,surge a dúvida de se as mesmas näo poderiam vir a ser usadas em combate pela guerrilha.

Amilcar Cabral,presente neste encontro,olha demoradamente, para a caneta que tem entre os dedos.
O seu prolongado silëncio chama a atencäo de todos.
Continuando a olhar a caneta pergunta em voz alta :Näo será esta caneta uma arma bem mais perigosa que muitas outras?
E as sapatilhas lá seguiram para a Guiné.

Näo terá sido por acaso que....

Um abraco do José Belo