"Por detrás do Marão, mandam os que lá estão"... Tabanca de Candoz, 27 de dezembro de 2015.
Foto (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados.
Lembrei-me de fazer aqui, para os meus amigos e camaradas da Guiné, que apreciam este singelo género literário, uma pequena seleção de algumas das quadras, ditas à mesa da consoada, no Norte, onde costumo passar o Natal. Tenho sempre a preocupação de escrever um ou mais quadras personalizadas, dirigidas a cada um dos convivas, das crianças aos adultos...
Mas também, há quadras mais gerais, brejeiras, jocosas e satíricas, na velha tradição bem portuguesa das cantigas de escárnio e maldizer, alusivas ao estado do país e da governação... Nesta amostra só inclui, por razões óbvias, as quadras não personalizadas... São uma forma de homenagear e dar continuidade à tradição popular, tão portuguesa e sobretudo nortenha e beirã, de "cantar as janeiras" (em geral, no período que vai do 1º dia do ano até ao dia de Reis).
É também um momento de partilha dos nossos melhores sentimentos e valores como pessoas, famílias, comunidades e povo... Momento de gratidão, de alegria e de esperança. Momento também de saudade: nos nossos tempos de Guiné, recordo-me de cantarolarmos, com acompanhamento à viola, no bar de sargentos de Bambadinca, o Natal dos Simples, do Zeca Afonso (do disco "Cantares de Andarilho", 1968).
Aproveito, para em nome pessoal, e dos demais editores e colaboradores do blogue, desejar a todos/as os/as /nossos/as leitores/as e autores/as, que tenham passado um bom momento de fim de ano, com bons augúrios para o ano (novo, dizem ) que aí vem (e que já chegou hoje)...
É uma ilusão circadiana, essa do ano novo, mas os seres humanos precisam disso: somos, como todos os seres vivos, "heliotrópicos" e "heliocêntricos", e na realidade a nossa vida (biológica e social) acaba por funcionar em regime binário, em função do solstício do inverno e do solstício do verão... Por agora é tempo de "carregar baterias"... Que o 2016 não defraude as nossas melhores expectativas... E que Deus, Alá e os bons irãs nos protejam. LG
Mas também, há quadras mais gerais, brejeiras, jocosas e satíricas, na velha tradição bem portuguesa das cantigas de escárnio e maldizer, alusivas ao estado do país e da governação... Nesta amostra só inclui, por razões óbvias, as quadras não personalizadas... São uma forma de homenagear e dar continuidade à tradição popular, tão portuguesa e sobretudo nortenha e beirã, de "cantar as janeiras" (em geral, no período que vai do 1º dia do ano até ao dia de Reis).
É também um momento de partilha dos nossos melhores sentimentos e valores como pessoas, famílias, comunidades e povo... Momento de gratidão, de alegria e de esperança. Momento também de saudade: nos nossos tempos de Guiné, recordo-me de cantarolarmos, com acompanhamento à viola, no bar de sargentos de Bambadinca, o Natal dos Simples, do Zeca Afonso (do disco "Cantares de Andarilho", 1968).
Aproveito, para em nome pessoal, e dos demais editores e colaboradores do blogue, desejar a todos/as os/as /nossos/as leitores/as e autores/as, que tenham passado um bom momento de fim de ano, com bons augúrios para o ano (novo, dizem ) que aí vem (e que já chegou hoje)...
É uma ilusão circadiana, essa do ano novo, mas os seres humanos precisam disso: somos, como todos os seres vivos, "heliotrópicos" e "heliocêntricos", e na realidade a nossa vida (biológica e social) acaba por funcionar em regime binário, em função do solstício do inverno e do solstício do verão... Por agora é tempo de "carregar baterias"... Que o 2016 não defraude as nossas melhores expectativas... E que Deus, Alá e os bons irãs nos protejam. LG
Vamos cantar as janeiras...
por Luís Graça
Manda a
nossa tradição
Que se
cantem as janeiras,
À patroa e
ao patrão,
Gente boa,
com maneiras.
Mais os seus
convidados,
Companheiras
e companheiros,
À mesa bem
instalados,
Com fama de
lambareiros.
Mesa farta,
caldo quente,
Na ceia de fim de ano,
É sinal de boa gente,
Bato à porta, não m’ engano.
Na ceia de fim de ano,
É sinal de boa gente,
Bato à porta, não m’ engano.
É entre a
gente do norte
Que se bebe
o verde vinho,
Gente de
altivo porte
P’ra quem
amigo é vizinho.
Saibam todos
que isto não é convento,
Nem a patroa
abadessa,
No Natal
estica o orçamento,
E põe alegria na travessa.
O patrão,
esse, dá de frosques,
Para não ser
mais roubado,
Foge do
Robim dos Bosques,
E evita o Zé
do Telhado.
Nesta noite
de encantar,
Cantemos, e
com a voz quente.
Mesmo
c’o a crise a durar,
Ninguém
chora, minha gente.
No Natal dos
sem abrigo,
Não há de
faltar cá nada,
Bem dispenso
o formigo,
Mas como um
rabanada.
Pode a saúde
estar em cacos,
Acabar-se o
alcatrão,
A rua ser
só buracos,
Mas faltar
esta noite, não!
O Natal não
se compadece
Das tristezas e mazelas,
Quem é vivo sempre aparece,
Todos juntos, eles e elas.
Das tristezas e mazelas,
Quem é vivo sempre aparece,
Todos juntos, eles e elas.
Saúde agora
é saudinha,
Diz o rei
mago Gaspar,
Medicamento
é mezinha,
Sopa do
pobre, jantar.
Tristezas
não pagam dívidas,
As tuas e as
da Nação,
Muito menos
faces lívidas
Ficam bem
aos que aqui estão.
Mandam-me
ser responsável
Em matéria de consumo,
Mas é pouco aceitável
Em matéria de consumo,
Mas é pouco aceitável
Esta mesa só
ter sumo.
Manda a troika comer pouco
E, ainda menos, beber,
O Pai Natal está taralhouco
Vão-se todos mas é f…
E, ainda menos, beber,
O Pai Natal está taralhouco
Vão-se todos mas é f…
Diz o povo,
que é otimista,
“A cada dia
Deus m’lhora”,
Eu, que sou
racionalista,
Não me fui
ainda embora.
Comam e
bebam sem IVA,
Diz o dono, com todo o gosto,
Que ele tem escrita criativa,
Seu Natal não paga imposto.
Diz o dono, com todo o gosto,
Que ele tem escrita criativa,
Seu Natal não paga imposto.
Lá sem guita
não há… broas,
Mas ó da casa, ó patrão,
Tantas coisas e tão boas,
Vão p’ró rol da gratidão.
Mas ó da casa, ó patrão,
Tantas coisas e tão boas,
Vão p’ró rol da gratidão.
E a ter que
pedir, neste ano,
Algo à troika e ao Pai Natal,
É que volte a ser soberano
O nosso querido Portugal.
Algo à troika e ao Pai Natal,
É que volte a ser soberano
O nosso querido Portugal.
Olha a bela
rabanada,
As pencas e o bacalhau,
Ceia farta, bem regada,
Nesta noite sem igual.
As pencas e o bacalhau,
Ceia farta, bem regada,
Nesta noite sem igual.
Nem faltou o
bacalhau,
Que já foi mais fiel amigo,
Anda com cara de pau,
Estando agora em perigo.
Estando agora em perigo,
Nas mãos dos noruegueses,
Quiçá até inimigo,
À mesa dos portugueses.
Que já foi mais fiel amigo,
Anda com cara de pau,
Estando agora em perigo.
Estando agora em perigo,
Nas mãos dos noruegueses,
Quiçá até inimigo,
À mesa dos portugueses.
Boas festas,
patrão justo,
Nesta noite
de cegarrega,
Não quero
saber o custo
Do bacalhau
da Noruega!
Os nossos anfitriões
Têm direito a gabadela,
Dos pequenos aos matulões
Todos vêm comer... na gamela.
Viva a fada deste lar,
Que dá o melhor que tem,
É por muito nos amar
Que a gente de longe vem.
Que dá o melhor que tem,
É por muito nos amar
Que a gente de longe vem.
O patrão com
o acordeão,
O outro com
o violino,
Dispenso o
rabecão,
Mas não o
meu vinho fino.
Só nos resta
o triste fado,
Feito o
balanço da Nação
Que penhorou
o seu Estado,
Do hospital
à prisão.
Chamam-lhe a
dama de ferro,
À ministra das
finanças,
Não deixemos
que vá ao enterro
Das nossas
melhores esp’ranças.
Boas festas,
senhores doutores!
Se aí vem o
fim do mundo,
Pra quê
quererem ser prof'ssores
Se isto vai
tudo ao fundo ?
Pandemias e
pandemónios
Vão e vêm
com o inverno
Entre
anjos e demónios,
Lá escaparemos
ao inferno.
Boas festas, senhor engenheiro,
Um bom ano
p’ra sua empresa,
Que ganhe
muito dinheiro,
Tenha farta
e rica mesa.
Nada mais
belo no mundo,
Que as nossas criancinhas,
Que as nossas criancinhas,
Seus
sorrisos calam fundo,
São elas as melhores prendinhas.
São elas as melhores prendinhas.
Vamos pôr o
melhor sorriso,
E ajudar este mundo,
Que precisa de mais siso,
P’ra gente não ir... ao fundo.
E ajudar este mundo,
Que precisa de mais siso,
P’ra gente não ir... ao fundo.
Há no céu
uma estrelinha,
Que a todos alumia,
Uma é tua, outra é minha,
É a da vida e da al'gria.
Que a todos alumia,
Uma é tua, outra é minha,
É a da vida e da al'gria.
Pois que
brilhe em esplendor
E em charme, este hotel,
Onde a comida é amor
E Natal se diz… Nöel.
E em charme, este hotel,
Onde a comida é amor
E Natal se diz… Nöel.
Vamos cantar
as janeiras
A todos os que aqui estão,
Gente fina e sem peneiras,
Fizeram um belo serão.
A todos os que aqui estão,
Gente fina e sem peneiras,
Fizeram um belo serão.
Parabéns às
cozinheiras
Deste tão
lauto jantar,
Já não digo
mais asneiras,
Vou à rua
apanhar ar.
Estão as
janeiras cumpridas,
Obrigado, ó patrão,
Estavam boas
as comidas
P’ro ano
virei ou não.
Boas festas,
boas festas,
Boas festas viemos dar,
C’o a promessa, mais que certa,
De p’ro ano cá voltar.
Boas festas viemos dar,
C’o a promessa, mais que certa,
De p’ro ano cá voltar.
O Novo Ano é
sempre assim,
Traz sonhos
e inquietações,
Em português
ou em mandarim,
Aguardaremos
as instruções.
Sintam-se
todos contemplados,
Nestas
letras sem maldade,
Nelas vão
embrulhados
Os melhores
votos de fraternidade.
Natal e Ano Novo, 1999-2015
(Seleção de quadras de LG)
__________
Nota do editor:
(Seleção de quadras de LG)
__________
Nota do editor:
Último poste da série > 24 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15534: Manuscrito(s) (Luís Graça) (72): Um dia de cada vez...
5 comentários:
Puxa, Camarada!
Quadras ao gosto popular!...
Já estava com dores no espírito daqueles versos brancos, à Fernando Pessoa.
Um Abraço e parabéns.
António J. P. Costa
Pois... pela minha parte foram bem recebidos, principalmente os votos de melhor Ano Novo.
Que o possa ser, na medida do possível, para todos nós, com a consciência de que este desejo é um tanto utópico, já que a Vida ensina-nos que mais alguns encetarão a 'última viagem', só que não podemos saber quem!
Abraços e Bom Ano
Hélder Sousa
Tens razão, bom amigo, Hélder: a vida tem uma porta só; a morte tem cem, diz o provérbio popular... Para alguns de nós, para alguns daqueles que amamamos, o 2016 pode ser o km final da picada...
A vida é uma longa maratona, felizmente que a esperança média de vida dos portugueses que nascem hoje é já superior aos 80 anos, para ambos os sexos... Quando nós nascemos, estava abaixo dos 60... Saibamos valorizar dar "graças à vida" e ao esforço (coletivo) que fizemos para melhorar a nossa qualidade de vida e os nossos indicadores de saúde.
Tudo de bom para ti e família!... Um alfabravo fraterno.
Tó Zé, obrigado pela crítica literária...
Como vês, também sou capaz de escrever quadras ao gosto popular, o mais singelo dos géneros poéticos que tem grandes cultores entre nós, a começar pelo genial Fernando Pessoa... Não tenho a veleidade de chegar aos calcanhares dos grandes, e entre eles incluo António Aleixo e muitos outros poetas populares anónimos...
E por falar do maior de todos os poetas portugueses, a par do Luís de Camões, aqui fica uma quadra do Pessoa, "ao gosto popular", de que gosto muito, mesmo que o 1º verso não rime com o terceiro:
Do alto da torre da igreja
Vê-se o campo todo em roda.
Só do alto da esperança
Vemos nós a vida toda.
Mas tens aqui mais... O Pessoa também tinha humor e brejeirice, contrariamente a muitas ideias feitas sobre ele:
A vida é um hospital
Onde quase tudo falta.
Por isso ninguém te cura
E morrer é que é ter alta.
A Senhora da Agonia
Tem um nicho na Igreja.
Mas a dor que me agonia
Não tem ninguém quem a veja.
Aquela loura de preto
Com uma flor branca ao peito,
É o retrato completo
De como alguém é perfeito.
Duas horas te esperei.
Duas mais te esperaria.
Se gostas de mim não sei...
Algum dia há de ser dia...
Se há uma nuvem que passa
Passa uma sombra também.
Ninguém diz que é desgraça
Não ter o que se não tem.
A rosa que se não colhe
Nem por isso tem mais vida.
Ninguém há que te não olhe
Que te não queira colhida.
Tenho um relógio parado
Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio.
Entreguei-te o coração,
E que tratos tu lhe deste!
É talvez por 'star estragado
Que ainda não mo devolveste…
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/fileadmin/CASA_FERNANDO_PESSOA/Imagens/servico_educativo/Quadras_ao_gosto_popular_.pdf
Pois é Camarada
O Pessoa é o maior afora todos os outros bons, como António Aleixo, florbela Espanca, Augusto Gil, Carlos Paião, Ary dos Santos.
A musiquinha da métrica e da rima são inconfundíveis e a única coisa que vale a pena. O resto é paisagem.
E os versos brancos? Não é por nada, mas prefiro os versos tintos, já que não os há verdes nem rosés.
Um Ab.
António J. P. Costa
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