sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16384: Blogoterapia (279): A odisseia da minha prótese (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), com data de 11 de Agosto de 2016, relatando a sua experiência de ser submetido a uma artroscopia da anca, que lhe vai proporcionar dias mais confortáveis, temos a certeza.


A odisseia da minha prótese

Fugi dela como o diabo foge da cruz, durante uns dez anos. Meu medo era poder ir parar a uma cadeira de rodas. Estou a vê-lo: "você tem esta anca destroçada"... me disse o médico ao ver a radiografia, com aquela frontalidade estranha que caracteriza a classe, ao dar a má notícia aos seus doentes...

As dores já eram muitas. - alternativa à operação? - perguntei. - ir aguentando com comprimidos. Basta um de 50mg por dia. Mas o fígado...

E assim fiquei todo este tempo, em queda lenta. Voltaren foi a minha prótese. Até que, um dia, o testemunho duma pessoa amiga me abriu o caminho e empurrou para a frente. Fora um bom médico que o libertou e repôs normal.

Fui consultá-lo. E voltei lá com uma radiografia. - oh! como isto está!... Quando quer ser operado? Uns exames e vamos pôr uma prótese. - pois sim. Só que tenho de voltar para a Alemanha e permanecer lá uns três meses. Estávamos em Março. - bom. Vamos esperar por Agosto. Quando eu vier de férias.

Assim foi. Nova consulta de preparação. Novos exames. - quando quer ser operado? - perguntou. - já!- respondi. Olhou-me fixo. Quer ser amanhã? Surgiu uma vaga. - Eh pa!... E quando voltará a ser possível? - só em Outubro. - então é já.

Minha mulher que me esperava, muito programática nos seus planos, cá fora no carro, com a canita ao sol, ar condicionado ligado, ficou desorientada. Mas rendeu-se. - então, vamos fazer por o operar amanhã, pelas 19 horas. Venha às 16 horas.

E assim foi. Pouco depois estava a entrar no meu quarto, voltado para o Tejo. Muito agradável. Vesti uma opa branca sobre o corpo nu. Pelas 18h e 30m chegou a equipa para me levar para a "forca".

Corredores e mais corredores, para a esquerda e para a direita. Por aquele cenário de camas e cadeiras espalhados, muito animadores. Sentia-me calmo e seguro.

Finalmente, aquela sala cheia de luzes no tecto. Transferiram-me para a mesa da operação. Um a um se me apresentaram os artífices da patifaria que me iam fazer... - eu sou o anestesista. um rapazote, com barba rala, olhos azulados e cabelos quase rapados, já com abertas. Depois as enfermeiras. Joviais. Muito descontraídas irradiando simpatia. - que tempo irá durar?- perguntei - umas duas horas. Passam depressa. Nem vai dar fé. Uma epidural. Só sente da cintura para cima. E um comprimido para adormecer.

Daí a pouco, ouvi a voz grave do médico operador. - Bem disposto? perguntou. - Estou tranquilo. Faça como se fosse ao seu pai. Ele sorriu. Ajeitaram-me o corpo para a melhor posição e passei-me, calmamente, para o outro lado.

Quando acordei, senti marteladas fortes, no meu osso da perna, como um pedreiro a abrir um furo numa laje de pedra. - que é isto? Dor não sentia... Só tinha de contrariar as pancadas. - pronto, já está!... me disse o médico, sorridente, levantando o lençol que me cobria a cabeça. Nem precisou de sangue alheio!... - agora vai para os cuidados intensivos, por precaução e depois, para o seu quarto. - Sim, senhor.

Artroscopia da Anca
Foto: The Porto Hip Unit - Unidade da Anca, com a devida vénia

De novo a cama de rodas e aí vou. Um salão amplo. Várias camas com recém-operados, separadas, lado a lado, por cortinas. À frente a legião de pessoal, enfermeiro e não, atendendo, registando e controlando quem chegava e saía, conforme as instruções médicas. Curvo-me perante a abnegação heróica e dedicação, com que estes iguais atendem os indefesos. Horas e horas sem fim, dia e noite. Só gente nova. Só com um clima de boa disposição a dominar aquele ambiente se pode aguentar. Tudo ouvi. Porque dormir não havia meio.

Só pelas 18 horas do dia seguinte entrei no quarto. Não o mesmo. Tinha ido à vida para outro. Receei perder as vistas. Mas não. Foi-me atribuído um semelhante.

Lentamente as pernas foram acordando da forçada hibernação. Tudo me era impossível de alcançar por mim. Fiquei reduzido ao zero. Que maravilha ver como aquelas enfermeiras nos cuidavam! Minha alma rejubilava por constatar que, afinal, neste mundo cruel há muito bem em acção...

No 5.º dia, o médico, sem qualquer dúvida, deu-me alta. Os resultados estavam todos muito positivos.

E aqui estou em casa. Canadianas. Subindo e descendo escadas, já com vontade de carregar no pedal do meu carro que ali me espera saudoso.

Mafra, 11 de Agosto de 2016
14h11m
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16263: Blogoterapia (278): A minha casa (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381)

7 comentários:

José Botelho Colaço disse...

Pelo que li a recuperação será rápida é o que se pode esperar de um resistente da guerra da Guiné e no Cachil Ilha do Como.
Um forte Ab. Colaço.

Hélder Valério disse...

Meu caro Joaquim Luís

Pelo que li, e li com gosto, como o relato de uma 'coisa simples', sabendo tratar-se de algo com alguma dose de incerteza e de angústia, mas plena de apontamentos de valorização humana, sinto que tudo está a correr de "vento em popa".

Pois então "que assim seja"!

As próximas notícias terão que ser as de que tudo continua pelo melhor.

Já agora.... não tenhas pressa em abandonar as canadianas. Um amigo meu, por sinal um "velho" camarada nosso da Guiné, teimoso como uma mula, desobediente, tentar apressar o fim do uso dessas companhias e ia complicando a 'coisa'....

Abraço e continuação de melhoras.
Hélder Sousa

Anónimo disse...



Camarada e amigo Joaquim L. M. Gomes:

Desejo-te uma rápida recuperação e que daqui a dois ou três meses possas estar a jogar futebol com os teus netos.
Um braço. Francisco Baptista

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, ganhaste uma "anca nova"... e uma "alma nova"! Como tu sabes, também passei por "isso", e tive no nosso Francisco da Silva o grande "taumaturgo"... Depois de 3 meses de muita paciência e melhor fisioterapia, no excelente departamento de fisioterapia do Hospital Amadora Sintra, voltei às lides profissionais... E hoje faço a minha "vida normal"... em terra e no mar... Boa recuperação!.... parabéns! LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, a minha artoplastia total da anca já foi há 2 anos!... Como o tempo voa... Este ano apanhei no nosso XI Encontro Nacional da Tabanca Grande, em 16 de abril de 2016, Leiria, Monte Real, Palace Hotel Monte Real (Termas de Monte Real), à mesa, juntos o Jorge Rosales, que também já claudica bastantye, e o Francisco Silva, e registei este curioso diálogo a três:

Jorge Rosales:

"Ó camarada doutor Francisco Silva, aqui só para nós... Então, o meu amigo é de Porto Salvo, Oeiras, e ainda não se dignou dar a honra da sua presença à mesa da Magnífica Tabanca da Linha ?!" (pergunta o régulo Jorge Rosales, para o Francisco Silva que, na Guiné, tinha fama de durão, e que acaba de se reformar, tendo um brilhante currículo como ortopedista no Serviço Nacional de Saúde, e nomeadamente no Hospital Amadora-Sintra, onde operou por duas vezes, o nosso editor-mor, a um joanete e à anca...

Francisco Silva:

"Ó Rosales, tu sabes que eu sou o médico privativo da Tabanca Grande, sem receber patacão... Já operei não sei quantos camaradas, o Humberto Reis, o Luís Graça... A artoplastia da anca que eu fiz ao nosso tabanqueiro-mor é uma obra-prima!...O felizardo do nosso editor deixou de claudicar, e de pôr em risco a continuidade do nosso blogue!"...

Luís Graça:

"É verdade: a Tabanca Grande devia estar reconhecida ao nosso camarada Francisco Silva e, tão proximamente quanto possível, devia fazer-lhe a merecida homenagem, no âmbito (mais restrito e aristocrático) da Tabanca da Linha... Com a presença (obrigatória) do Humberto Reis (, refugiado na Lourinhã) e de mim próprio (que sou da Lourinhã)...


Francisco Silva:

"Ó Rosales, pá, manda lá o teu secretário agendar esse almoço, que eu agora 'tou livre' [leia-se aposentado do serviço público]"...


https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2016/04/guine-6374-p15983-xi-encontro-nacional.html

Bispo1419 disse...

Votos de rápida recuperação, caro camarada Mendes Gomes.
Abraço
Manuel Joaquim

Joaquim Luís Mendes Gomes disse...

A todos meus camaradas eu agradeço vosso apoio. Continua tudo a correr bem. Terei todo o cuidado de não estragar o estrugido!...


Um grande abraço
Joaquim