1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2016:
Queridos amigos,
Tudo começou por um bate-papo com um desses fotógrafos de revistas, falou-se no Convento de Jesus em Setúbal e ele discreteou sobre luz, hora e estação do ano, para interessados em captar a verdadeira cor da brecha da Arrábida, fora da norma as cores desbotam-se, são fingimento.
Consultou-se a meteorologia e o viajante pôs-se ao caminho na mira do sucesso. Viajou por outras paragens mas a sua grande consolação foi encontrar-se com aquele gótico-manuelino como não há outro em Portugal, até porque foi o primeiro.
Em podendo, confirmem o que vem nestas imagens.
Um abraço do
Mário
O gótico-manuelino da Igreja do Convento de Jesus
Beja Santos
O viajante consulta a meteorologia, para captar a verdadeira cor da brecha da Arrábida precisa de determinada luz no interior e um céu pouco brilhante, foi o que um fotógrafo especializado em monumentos lhe propusera. À cautela, para fazer horas, visitou em primeiro lugar a Galeria Municipal de Setúbal para ver o famoso retábulo da capela-mor, e agradou-lhe o belíssimo restauro e a forma como está exposto. Deu uma saltada para visitar a coleção de arte e muito lhe agradou confrontar-se com obras de Álvaro Perdigão e Celestino Alves, dois setubalenses.
Nunca entendi a injustiça à volta do relativo silêncio sobre a obra de Álvaro Perdigão, engenhoso no tratamento das formas, contido nas cores, inclassificável na modernidade. Celestino Alves nunca abjurou o modernismo, há quem lhe atribua semelhanças com a pintura de Cézanne, tal a delicadeza entre volumes e a delicadeza na ocupação da tela. Visita que se recomenda, o tempo mudou, ala que se faz tarde, o viajante ruma para o Convento de Jesus, nem vem à procura do local onde se ratificou o Tratado de Tordesilhas, para o caso não interessa.
O Convento de Jesus é uma das marcas do património europeu, há sobejas razões para assim o classificar. Veja-se a elegâncias das colunas, o tom afogueado da pedra, a forma como Diogo Boitaca estudou a correspondência entre o tempo, o espaço do coro, o altar e as capelas. Há também a ter em conta o aformoseamento dado pela arte azulejar, num dia assim respira-se claridade, nem é necessário a música de fundo para a concentração espiritual, acresce o dado determinante de que tudo saiu da oficina de Boitaca antes do século XV expirar, os Jerónimos muito depois. Não faço analogias, seriam absurdas, o que para o caso interessa é que é percetível o ponto de partida neste templo de arquitetura ascendente.
Estou a lutar contra o tempo porque o tempo está a mudar, o céu embaciou-se, sem aquela luminosidade perco o prodígio da cor da brecha da Arrábida. O coro baixo é elegantíssimo, percebe-se bem como a humidade é o grande inimigo oculto, aliás o Convento, mesmo ao lado anda num restauro que custa uns bons milhões, barrar o caminho a esta humidade tem muito que se diga. Veja-se um pormenor da beleza azulejar, é uma cercadura de volta inteira e que qualidade a da oficina que por aqui andou. O viajante deteve-se diante do púlpito, cirandou e voltou a cirandar, não que o púlpito tenha uma pedra trabalhada que corte o fôlego, é a intensidade da brecha, a sua explosão mineral e a singularidade da cor, inacreditável, é preciso mesmo ver.
Estamos agora na zona portuária, há um belo passeio pedestre à beira mar, o sol voltou a brilhar e é no cruzamento de olhares com Tróia ao fundo, as embarcações de um lado para o outro, os namorados nos bancos, que o viajante foi confrontado com uma árvore rastejante, desconhece-lhe o nome, bem perguntou a quem passava, recebeu indiferença, até o olharam como um tolo ou como pedinte a fazer aproximação. Entusiasmou-o o restauro de um edifício que talvez tenha servido para sala de espera, tudo leva a querer que podia ser uma estação, o que verdadeiramente gostou foi do atrevimento de Arte Deco, ressalvem-se as distâncias e até parece que andou por aqui o Siza Vieira ou um seu ancestral.
Quem vem a Setúbal e não contempla pormenores da Arrábida é como ir a Roma e não ver o Papa. Chegou-se a uma praia, a neblina desce suavemente, podia estar um pintor naturalista que agarraria a oportunidade para tentar pincelar este céu de bruma, uma rocha à vista, seca e árida, e a outra ao fundo, até parece que vai navegar sobre o oceano, segue atrás de um porta-contentores. Aqui finda a viagem, melhor dito, esta nunca acaba o viajante é que percebeu que é impossível continuar a fotografar. Mais haverá que venha entusiasmo para regressar em breve.
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Nota do editor
Último poste da série de 9 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16373: Os nossos seres, saberes e lazeres (167): Rapazes (e raparigas), bebam vinho português, comam pêra rocha portugesa e cantem o fado português, porque no céu... não há disto!
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Muito bem!
O Convento de Jesus, sendo relativamente pequeno, em extensão, tem de facto um conjunto de conteúdos que são de grande interesse para quem quiser ver.
As colunas torcidas, as ogivas, a aparente leveza das formas, os azulejos, a pedra "brecha" da Arrábida.
Quanto ao tal edifício recuperado foi a bilheteira dos "troieiros", os barcos só de passageiros, semelhantes aos "cacilheiros" que faziam a ligação entre as duas margens do Sado.
Sobre a tal árvore.... nada posso adiantar, por agora.
Hélder Sousa
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