quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17949: Notas de leitura (1012): "A Antepenúltima Caravela", de Emanuel Filipe, inserido na obra “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (Abel Santos)



1. Em mensagem do dia 2 de Novembro de 2017, o nosso camarada Abel Santos, (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), enviou-nos o texto, que se publica com a devida vénia, da autoria de Emanuel Filipe, que faz parte da obra “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988.[1]


A ANTEPENÚLTIMA CARAVELA 

pp. 205-212) (excerto)

por Emanuel Filipe

Há treze anos de guerra, e ainda se julgam inocentes, limpos, sem nódoas de sangue na roupa, nem indícios de pólvora nos poros minúsculos das mãos. Deixara apenas de poder suportá-los, tanto quanto ao homenzinho que, lá dentro aos microfones de bordo, entre uma música e a seguinte, aproveitava para contar uma anedota sem graça. Esgotara-se há muito o reportório das suas mulheres maliciosas e cínicas. Não havia pachorra para ouvi-lo imitar os improvisos do general Spínola. E a ninguém ocorria que o general Kaúlza pudesse ser comparado a um treinador de futebol.

Quem poderá compreendê-los, a esses homens, quando daqui a algum tempo, estando nós longe deles, pudermos acusá-los de tudo o que nos aconteceu em África? Vê-los-emos baixar os olhos e cerrar os punhos, apenas. Seremos infinitamente piores do que eles. Somos a geração do ódio, da vingança desnecessária e do discurso fácil. Cometeremos não os seus crimes sórdidos, mas crimes de palavra, delitos ociosos. Quem poderá então compreender-nos também a nós?


Homens geralmente brunidos, em cujas fisionomias avançavam já os primeiros sinais de velhice, mas os subalternos jamais perdoariam o toucinho dos seus ventres, o princípio da calvície, as suíças ruivas ou malhadas e sobretudo os dentes postiços. Começavam a cheirar a treze anos de guerra, em comissões sucessivas, e ao sacerdócio político das armas. Não poderia haver compaixão para esses homens proscritos?


Passaram os anos, mas nunca mais seremos os mesmos. Vivos e mortos por dentro, e não mais aqueles rapazinhos especializados à pressa, para fazer uma guerrazinha menor, onde nunca nada de importante aconteceria. Passaram os anos, e o país continua heroicamente de cócaras, mas se o puserem a falar do seu remorso de guerra, só um arrepio conseguirá atravessar-lhe a voz. (...)


Vd. aqui o índice da obra, na qual colaboraram alguns escritores consagrados.
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Notas do editor

[1] - Vd postes de:

23 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16124: Nota de leitura (841): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (1) (Mário Beja Santos)
e
27 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16140: Nota de leitura (842): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17940: Notas de leitura (1011): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (2) (Mário Beja Santos)

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