sábado, 25 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18012: Efemérides (265): 25/26 de novembro de 1967: a notícia da tragédia diluviana na Região de Lisboa que chegou a Gadamael pelas ondas hertzianas (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


1ª  página do Diário de Lisboa, 2ª edição, domingo, 26 de novembro de 1967 (Ano 47, nº 16143; diretor: António Ruella Ramos). Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Diário de Lisboa / Ruella Ramos.

Fonte:

(1967), "Diário de Lisboa", nº 16143, Ano 47, Domingo, 26 de Novembro de 1967, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_11918 (2017-11-23)

O maior desastre natural ocorrido em Portugal depois o terramoto de 1755... Nem os senhores coronéis da censura conseguiram apagar os títulos de caixa alta dos jornais, fizeram  tudo  no entanto para impedir que os diretores dos jornais  dessem o número exato dos mortos... Ainda hoje não sabemos quantos portugueses morreram: nos [atuais] concelhos de Lisboa, Loures, Odivelas, Vila Franca de Xira e Alenquer.


1. Mensagem de Mário Vitorino Gaspar [ foto atual à direita; ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associação APOIAR]

Data: 25 de novembro de 2017

Assunto: FAZ HOJE 50 ANOS

Camaradas Luís,

Lembrei-me e disparei. Este tiro. Levei com diversos estilhaços a 25 de Novembro de 1967. 

Atravesso um péssimo período da minha vida. Ambos os filhos (42 e 47 anos foram vítimas de Síncopes Cardíacas), o mais novo a 14 de Maio, só há um mês saiu do Hospital de Santa Maria. O mais velho foi a 14 de Outubro, só fez o cateterismo, não foi à Cirurgia de Bypass como o pai a 12 de Março de 2002 e o mais novo que com três entupimentos só fez um Bypass, mas teve de seguida uma gravíssima inflamação, ou vírus como lhe chamaram.

Simultaneamente, por insistência da minha parte, fiz Exames necessários para saber se tinha ou não a Doença de Parkinson. Tive a novidade que sim. Outro estilhaço. Sempre a verdade, custa escutá-la. Sei ser doloroso para todos, a verdade é essencial na minha vida, detesto os mentirosos. Mentem tanto que eles próprios acreditam que a sua mentira, é a verdade. "Verdade dos mentirosos", bom chavão e título para um Romance, Peça de Teatro, Filme – por que não de um filme – e nessa Guerra Colonial tantos são os mentirosos…

Pois há 50 anos "passei as passas do Algarve" e, na cama, mesmo ao meu lado, estava o meu Camarada Algarvio (Loulé) o Furriel Miliciano José Manuel Guerreiro Justo, dono do aparelho de Rádio. Armadilhei a sua cama até se convencer. Camas duras como os cornos e os mosquitos até comiam os mosquiteiros da cama.

Os camaradas de que falo estão todos vivos, incluindo o Capitão e Sargento Barreira que rondam os 84 anos e mantenho-me em contacto com todos.

Vou-me esquecendo de acontecimentos próximos, motivado pelo Parkinson, a memória arquivada decerto com falhas, mas viva ainda. Por vezes é difícil recordar um nome, aborreço-me. Teimoso como sou, recordo.

Ando há anos com as rodas avariadas, o problema é não ter um mecânico à altura, e talvez quinze dias rebentaram as pernas, sangue e pus a escorrer para os sapatos. Pernas inchadas e ardem, mais parece o Nosso Portugal a Arder. Há muito que ardemos… Matas e casas a arder? Calamidade.

Pois se considerarem serem textos a publicar no Blogue, façam-no. Nasceram agora, não são plagiados…

Um abraço para a Tabanca.

NOTA: Quando me for embora posso ser embrulhado em papel de jornal, no "Correio da Manhã" não quero…

Mário Vitorino Gaspar

2. Efemérides > Faz Hoje 50 Anos > Grandes Cheias de 25 de Novembro de 1967 (*)

A 25 de Novembro de 1967, estava eu em Gadamael Porto no sul da Guiné, numa guerra que não era minha. A minha Companhia era a CART 1659, com o lema "Os Homens não Morrem".

Os aparelhos Rádios comprados através de alguém que se deslocava a Bissau, normalmente de evacuados por ferimentos ou doenças, serviam para ouvirmos de Batuque, Mornas e Coladeiras da Ex Guiné Francesa (Conacri). Insistia no aparelho de Rádio comprado pelo Furriel Miliciano Mecânico José Manuel Guerreiro Justo (Loulé). Procurava com insistência alguém que falasse, de música estávamos fartos. 

De botão em botão, até que apanho um posto de Portugal. Milagre, autêntico milagre. Dormiam a meu lado os Sargentos Abílio Seabra de Oliveira Barreira (área da cidade do Porto); Manuel da Silva Pereira (Massamá) e António Martins Reis Dores (Elvas) e os Furriéis Milicianos Augusto Varandas Casimiro (área do Porto), Manuel Ferreira Jorge (Massamá), Joaquim Fernandes Alves (área do Porto), José Nicolau Silveira Santos (Açoriano a viver há 47 anos no Canadá) e Manuel Adelino Alves de Campos (vive no Faial).

Gritei para o pessoal. Sucede o inacreditável e assustador. Percebi estarem as populações de Alhandra e povoações próximas a serem vítimas de Inundações. Entendi o nome da vila de Alhandra. Terra para onde fora aos 3 anos era lá a terra onde viviam meus Pais; um dos meus Irmãos, o José, Fernanda minha cunhada, meu sobrinho Luís Filipe que nascera em Abril e todo um mundo de Amigos.

As notícias iam chegando, sabia bem que o Tejo galgava para a terra e estendia os braços pelas ruas mais próximas.

Pior que um ataque do PAIGC que lutava pela libertação. Longa a angústia. Nada poderia fazer. O rádio, aquele aparelho de mornas e coladeiras era já um amigo. Gosto dessa música, pudera… Comecei por ter pormenores das cheias e resolvi falar com o Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha sobre o assunto. Estranhou apanhar uma Rádio Portuguesa. Eu próprio nem acreditava. Um milagre, talvez pela calamidade da situação as Rádios tivessem colocado a funcionar outros meios que projectaram as emissões para outras distâncias.

Pois o Capitão enviou via Bissau um telegrama para os meus Pais. Ao fim de pouco tempo recebi a resposta da minha Mãe. Nunca cheguei a saber como conseguiu fazer chegar esse telegrama aos Correios da terra que ficavam bem perto do rio Tejo. As águas atingiram, no denominado pela população Largo da Praça, 2,20 metros de altura. Ainda hoje nas paredes da Junta de Freguesia existe a marcação dessas águas. O povo sofre, Alhandra recebe ajuda e o Povo mais prejudicado pouco ou nada recebe.

Este Portugal que Ardeu e Arde e as terras inundadas pelas chamas receberão todo o material e dinheiro vindo do País e Estrangeiro?

Em 1967, em Alhandra, colchões, cobertores fugiram para as mãos de quem não teve danos. Alguns Amigos meus que ficaram sem nada foram habitar para outros ares.

Nunca mais apanhámos uma emissão de Rádio de Lisboa.

Batuque, Mornas e Coladeiras. Gostava e gosto de Mornas e Coladeiras. (**)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  20 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14905: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (10): Não, nunca percebi para que serviam os CTT no CTIG... Notícias de Alhandra, da minha família, por ocasião da tragédia, as grandes inundações, de 25 para 26 de novembro de 1967, que atingiram a Grande Lisboa, recebi-as através de telegrama militar... (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

(**) Último poste da série > 29 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17711: Efemérides (264): O antropólogo e professor doutor Mesquitela Lima, natural do Mindelo, São Vicente, que eu conheci na Academia Sénior de Lisboa... Morreu há 10 anos (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

6 comentários:

Valdemar Silva disse...

25NOV1967. Lembro-me que estava na EPA, em Vendas Novas, na especialidade do CSM.
Choveu durante vários dias, mas mesmo assim eramos obrigados a fazer tudo.
Só quando toda a gente, nós, os cabos-mil., aspirantes e o próprio capitão,
ficou sem roupa seca para vestir e apenas restava a farda da saída é que
acabou a instrução à chuva no exterior. Passou a haver apenas instrução teórica
nas salas do Quartel, todos de blusão e engravatados.
Só soubemos da verdadeira calamidade passados uns dias. Verdadeira não foi
bem assim, que tinha havido umas grandes cheias e morrido umas pessoas.
Afinal o que se passou foi muito grave. Foi uma grande calamidade com centenas de
mortos e milhares de desalojados, que mostraram bem a miséria em que as pessoas
viviam.
Até a censura foi por água abaixo nesses dias.

Valdemar Queiroz

José Botelho Colaço disse...

Amigo Mário eu sou mais velhinho quando das cheias já tinha regressado da guerra da Guiné, morava em Moscavide (Loures) por isso vivi mais de perto essa tragédia, mas muito me admira principalmente o pessoal das transmissões não ouvirem a emissora nacional em ondas curtas no rádio ANGRC9 ouvia-se muito bem principalmente à noite no noticiário da 1 da manhã, dava para ouvir entre muitas a rádio Moscovo, os pescadores na faina da pesca do bacalhau, a voz da liberdade onde pontuava a voz do Manuel Alegre e mais tarde a Maria Turra, bem se sabe que isto era ouvido a socapa durante a noite quando quase todo o pessoal dormia, eu na minha companhia era o pombo correio para muitos camaradas.
Um abraço e votos que esse mau momento passe.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

José Colaço, Mário Gaspar_ vejo que a malta das transmissões era "privilegiada" no que diz respeito ao acesso à receção das emissões de rádio, nacional e internacional...

Quanto à rádio "Libertação". do PAIGC, a emitir a partir de Conacri, nunca gastei muito tempo a ouvi-la, já que tinha/tínhamos uma vida operacionbal intensa e quando era "descansar o corpo dorido", era mesmo para descansar... Ou então passávamos as noites no convívio entre copos e cantorias...

Lembro-me de ter ouvido, na rádio da "Maria Turra" (ou era na rádio da Guiné-Conacri, a emissor oficial ?), o interrogatório, em Francês, do tenente comando Januário Lopes que ficou preso em Conacri (ou que terá desertado...), na sequência da Op Mar Verde... Faz agora 47 anos...

Estávamos apreensivos, com o que tinha sucedido em 22 de novembro de 1970... Conheci o Januário, infelizmente ele foi dos que não regressou da Op Mar Verde, ele e os seus homens, a Fá Mandinga. Vi-os regressar, de Bambadinca, aos nossos camaradas da 1ª CCnds Africanos...

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Estes acontecimentos de que o Mário Gaspar veio trazer à lembrança também por mim foram vividos 'in loco'.

Ao tempo vivia em Vila Franca de Xira e estudava no Instituto Industrial de Lisboa, então na Rua de Buenos Aires, na zona da Estrela/Lapa. Nesse dia, sábado 25 de Novembro, tal como hoje, tinha aulas às 08:00 pelo que saí de casa para apanhar o comboio das 06:52 e por essa altura já ia caindo uma chuvinha miudinha, tipo "molha-tolos".

Depois de almoço, aí a meio da tarde, talvez 17:00 (já era noite) a chuva já tinha 'engrossado' mas nada que não se suportasse. Equipado como era hábito naquele tempo, com botas, gabardina, boné e chapéu de chuva, lá fui apanhar o comboio de volta a casa, jantei e como estava desconfortável com o tempo que fazia e com a humidade relativa que estava alta, ao contrário do que sempre fazia e fiz, fiquei em casa a estudar e a ouvir música.

Entretanto a chuva aumentava de intensidade.

Pela madrugada, não sei precisar agora a hora, talvez pelas 3 ou 4, tocaram insistentemente na campainha da porta da rua (morava num 3º andar) a avisar o meu pai e o sócio (porta ao lado) que a água estava a entrar na loja de mobílias que tinham na Rua Serpa Pinto, paralela ao caminho de ferro e ao rio Tejo. As sarjetas em vez de recolherem a água estavam a debitar pois a água não só era imensa, devido à intensa chuva e às enxurradas que entretanto tinham vindo a encher a Vila pelos diversos leitos de cheia que ali iam dar, como o caso da ribeira de Santa Sofia e que já tinham alagado a zona da "Barroca" havendo já muitas coisas arrastadas entre as quais automóveis, acrescendo ainda que o Tejo ia com a maré bem alta.

A partir dessa hora o trabalho foi dirigido "para dentro" ou seja para cuidar nas "nossas coisas", tentando barrar a entrada de mais água através da porta e transportando para o interior da loja, que era mais alto, o que foi possível. Nessa altura, até à manhã, sabia-se que tinha havido inundações, ouvia-se dizer que teriam havido alguns 'desastres', mas não havia ainda ideia da extensão da tragédia.

Isso só se foi conhecendo e tomando consciência durante a manhã e tarde desse domingo dia 26. Revolta, dor, perplexidade, também alguma incredulidade inicial. Começou-se a saber dos casos de Quintas (muitos mortos, quase todos, dizia-se), de Alhandra (sendo na altura muito falado a perda da quadra de cavalos de toureio do cavaleiro José Mestre Batista) e de Alenquer, pois situações mais afastadas mas também afectadas como as de Odivelas, por exemplo, eram 'longe' tendo em conta os meios de comunicação da época.

Na segunda-feira dediquei o meu dia integrado em brigadas de estudantes em acções de limpeza em Alhandra, onde tinha vários amigos de escola e precisavam de ajuda. Mais tarde também estive em Alenquer.

Para não me alongar fico por aqui, pois reviver também dói. Mas não posso deixar de dizer que esses momentos foram para mim muito determinantes em opções que depois fiz.

Hélder Sousa

José Botelho Colaço disse...

Luís: o governo de Salazar muitas vezes omitia é um facto. Mas a razão porque eu ouvia a voz da liberdade era para ter conhecimento da campanha publicitária falsa e mentirosa, eu já citei isto no blogue no dia 16/11/1964 a minha companhia tinha sido dizimada todos os soldados colonialistas do aquartelamento do Cachil tinham sido todos mortos, de facto atacaram o quartel durante 2 horas e 15 minutos tempo controlado pelo o furriel Santos Oliveira mas nós nem um único ferido sofremos em contrapartida eles deixaram no terreno um morto a arma uma Kalashnikov, a pistola de defesa pessoal, cantil tudo de uso pessoal desde amuletos e pela apresentação, a farda tudo fazia crer que era um homem credenciado no meio da guerrilha, isto além de grande quantidade de rastos de sangue pelos corredores da mata, Outra em
03 de dezembro de 1964

Colide com o arvoredo em Cabedu - Guiné o Auster 3515, número de fabricante 3665, morrendo no acidente o 2º Sargento Piloto André Miranda Farinha; o Tenente Meteo Austrelindo Gaspar Dias e o 1º Cabo Meteo Humberto Manuel Holgrim Silva Matos.
O serviço que o tenente Austrelindo foi fazer a Cadedú gravar mensagens de Natal dos nossos militares para serm enviadas para Portugal. Noticia da voz da liberdade mais ou menos isto os nossos soldados abateram um avião bombardeiro das forças colonialistas morrendo toda a tripulação.
Um abraço.

Mário Vitorino Gaspar disse...


As inundações dão-se em Novembro. Correspondência nem sempre, e muitas vezes tínhamos de ir a Sangonhá para trazermos o "correio". Diziam que servia para patrulharmos a zona, desconfiavam não o termos feito já. 24 horas por dia de Serviço. Em Gadamael Porto só ouvi uma única vez a voz de posto de rádio de Lisboa. Foi nessa fatídica data. Ao ouvir notícias de Lisboa naquele ridículo rádio fiquei entusiasmado e gritei. Pior foi saber tratar-se de uma catástrofe. Mas o milagroso rádio do Furriel Miliciano Mecânico José Manuel Guerreiro Justo "deu o berro". Passados uns dias tive conhecimento que não tinha sido a água do Tejo a inundar Alhandra. Um abraço