1. Em mensagem do dia 1 de Março de 2018, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais uma memória boa da sua guerra, desta vez uma incursão na Escola Básica da Bandeira para recriar o seu "Bife à Dunane".
MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA
49 - O “Senhor Badalhoco” foi à Escola
- “Avô” Zé, tem de ir à Escola. – dizia-me o meu genro Abel, há uns dias.
- Fazer o quê? Sou “burro velho” e já não aprendo mais nada.
- Não. É para ir contar uma das suas histórias boas da guerra lá, na “Escola da Bandeira”, está a decorrer um programa de “Leitura em Família” e já descobriram que o “Bô-Zé” é escritor. Escolha a história mais adequada para a nossa família não ficar mal.
A verdade é que me esforcei, esforcei… a rever, de entre as 86 histórias já publicadas, qual seria adequada. Certo é que, atendendo ao público a que se destinava, eu me sentia muitíssimo… limitado.
- Só se for o “Bife à Dunane”, porque não estou a ver-me a contar as outras histórias. E mesmo essa… tem que levar uma volta.
- Não se preocupe, “Bô Zé”. Vai correr tudo bem.
E foi desta maneira que o dia 27 de Fevereiro de 2018, também vai ficar ligado às “Memórias boas da minha guerra”. E estou ciente de que este singelo acontecimento é merecedor de ficar registado na memória colectiva da Guerra do Ultramar…
FOI ASSIM:
No dia anterior gastei a tarde no Porto a tentar “apanhar” o Magalhães Ribeiro, para que me emprestasse alguns “adereços guerreiros” para eu criar na Escola um ambiente adequado à minha intervenção. Mas, mal experimentei o “dólmen” XL, verifiquei que seria difícil apertar os botões. Pensei que tirando mais duas camisolas poderia “emagrecer” o suficiente para o vestir. Todavia, à cautela, ainda em viagem, informei a minha mulher telefonicamente de que eu ia aproveitar para fazer uma caminhada e que ela deveria preparar um jantar frugal, bem como o almoço do dia seguinte, uma vez que eu teria que perder um bocadinho de barriga, para caber dentro da roupa militar emprestada.
Coberto pelo meu tradicional chapéu de abas largas (que, já em cena, trocaria por uma boina militar) e encoberto por uma avantajada casaca (que cobria o tal dólmen), apresentei-me na “Escola da Bandeira”, acompanhado pela minha mulher. Ali, tive a prestimosa colaboração profissional do Pai-Bel e da Professora Lara Lima.
Quando me apresentei fardado (de camuflado e boina) dentro da sala de aula, dei dois passos em frente e me apresentei à Professora (incluindo continência e “batedura” de tacões), foi o delírio dos seus alunos. Pedi-lhe então licença, para ler uma das histórias das “Memórias boas da minha guerra”, o que ela aceitou com satisfação.
Tive cuidado na aproximação ao assunto da guerra, que não foi referido na descrição e caracterização do ambiente militar em que a história decorre.
Por isso, avancei para a questão do “Bife à Dunane” sob o ponto de vista da “logística” que implicava a sua confecção, bem como da exigência profissional que seria compatível. E quando descrevi a figura do cozinheiro Madeirense, também conhecido como Senhor Badalhoco, foi um fartote de gargalhadas. A partir daqui, tivemos que dar algum tempo para ”recuperar o auditório”, no sentido de tentar controlar a risota, que era contínua.
O maior problema foi a sensibilidade de alguns alunos que insistiam em saber o que acontecera aos pintainhos que caíam na improvisada frigideira. Outros manifestavam-se muito mais interessados em ouvir as frases que eu pronunciava com sotaque madeirense, tentando imitar o cozinheiro.
Se não estivéssemos limitados pelo tempo, ainda agora lá estaríamos a responder aos mais entusiasmados.
Foi uma tarde inesquecível! Certamente que todas as crianças presentes falarão durante muitos anos desta sua experiência. E eu, que pouco tempo mais vou andar por aqui, não esquecerei jamais os momentos invulgares e belos que vivi.
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Nota:
Não poderia deixar de referir que, em determinado momento, me senti bastante comovido quando:
- A Mafalda se lamentou que o seu avô morrera na guerra e
- A Leonor contou que a sua avó, durante dois anos, só recebeu uma carta do avô, que não voltou da guerra.
JFSilva da Cart 1689
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Nota do editor
Último poste da série de 13 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18313: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (48): Clube de Cabuca
7 comentários:
Afinal o avô "badalhoco", escritor de histórias com muitos pipiiiiiiiiiiis, também tem um coração de gigante, solidário... e ficou aprovado como contador de histórias.
Já era escritor encartado, com direito a figurar na BibLioteca Nacional, agora passa a ostentar também o título de contador de histórias da guerra para crianças... Seguramente um papel muito mais difícil do que o de contar histórias da treta para adultos...As criancinhas não se deixam enganar...
Zé, os meus parabéns, por este teu grande gesto de ternura...Quem vê caras raramente vê corações... Mas quem tem te conhece e olha para ti, vê logo que tens o coração ao pé da boca...
Esta é seguramente mais uma história boa da tua/nossa guerra... Não precisas de parabéns!... Mas agora estás feito... ao bife!... Vais ter que fazer o périplo das escolas da região...O melhor é arranjares um camuflado com as tuas medidas, vai à feira da Vandoma...
Zé, o conto "Bife à Dunane" foi o teu cartão de visita quando, em boa hora, te apresentaste, a rigor, à Tabanca Grande, em 8 de julho de 2010...
Reproduzo aqui a tua singela apresentação:
(...) Caros Editores
Venho acompanhando o blogue já há algum tempo e decidi fazer a minha apresentação.
Sou José Ferreira da Silva, fui Furriel Miliciano de Op. Esp. da CART 1689/BART 1913, que esteve na Guiné entre 1967/1969.
Proponho escrever uns textos que possam ser agradáveis, recordando situações vividas na Guiné, sugerindo um nome – “Memórias boas da minha guerra”.
Talvez escreva também outras coisas mais sérias.
Junto as duas fotografias da “ordem” e, desde já, envio o meu primeiro texto – “Bife à Dunane”.
Os meus cumprimentos para todos.
José Ferreira da Silva
(Silva da CART 1689)
A receita do "bife" vinha a seguir:
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2010/07/guine-6374-p6696-tabanca-grande-227.html
Amigo e camarada José Ferreira gostei muito da tua ida à escola falar com os alunos da tua experiência como escritor e combatente da Guiné. Retratas bem, sentimos ao ler-te, a comunicação entusiástica que houve entre ti e a garotada. Tens também essa capacidade de voltar a ser garoto para te divertires na companhia deles. Os meus parabéns. Depois deste sucesso acho que devias ir a mais escolas. Seria lúdico e didáctico.
Para não me deixar influenciar pelo Luís, esse grande camarada, escritor e comentador só depois de escrever o meu comentário li o dele mas até parece que o plageei, em parte.
Um abraço aos dois
Zé, deixa-me dizer-te, mais uma vez, que a tua entrada na nossa "seleção", em 8/7/2010 (na altura, éramos uns 400, hoje já somos 766...), foi memso um "ronco", como escreveu o poeta Manuel Maia, o bardo do Cantanhez, que anda desaparecido... "em combate".
Tu não nos dececionaste, não perdeste o pio, e ainda continuas a cantar... de galo!... És mesmo um corredor de fundo!... És um exemplo, vivo, de como um homem pode andar na picada da vida, ao km setenta e tal, sem medo das minas e armadilhas, distribuindo amor e humor...
Este "Avô ZE" cada dia nos surpreende mais.Não sou muito de palavras,mas quero dizer-te que es um tipo porreiro.Aceita um forte abraço deste camarada.Longa vida!!!!!!!!!!!!!!
Não conhecia o bife à Dunane, mas conheci Dunane perfeitamente. Depois da Tabanca ter sido atacada, fomos tomar conta do local, para protecção da estrada entre Piche e Canquelifá. Fomos por 2/3 dias, até que viesse um pelotão de Nova Lamego para nos substituir. Nós eramos o 1º Grupo de Combate da C.C. 727 e estávamos adidos à C.C. 509 de Piche. As ordens foram alteradas e ficámos lá cerca de 50 dias. Como só tinhamos levado comida para 3 dias, veio uma coluna ccom reabastecimentos que constavam só de arroz, massa de tomate, atum, óleo e sal. (alguém devia estar desejoso de se ver livre desta quantidade). Agora imaginem, pequeno almoço, almoço e jantar trocando estes ingredientes entre si para não ser sempre a mesma coisa. O nosso cozinheiro que era de Braga e parecia o "Badalhoco" ainda brincava comigo a perguntar-me como é que queria o atum!! Malandro!!. O que nos salvou foi ter aparecido uma vaca que devia andar perdida no mato e voltou à povoação e que de imediato foi sacrificada com um tiro de G3 antes que fugisse novamente. E assim, estávamos na Páscoa e no sábado e Domingo de Páscoa, comemos vaca.
Manuel Palma - Furriel Miliciano atirador e Minas e Armadilhas C. C. 727 - Guiné 1964/1966
Oh Zé deixa-te de merdas...
O "Bife à Dunane" do "Badalhoco" é uma das poucas histórias que conheço, pelas razões que já te expliquei (o sono dos inocentes) e só porque tu a contaste numa das tuas apresentações do livro. Nesta tua outra faceta de "Historiador Escolar", reti aqui uma outra história que andaste a contar durante todo o ano, resumida neste parágrafo: "E eu, que pouco tempo mais vou andar por aqui...". F...-se Zé, tinhas previsto morrer o ano passado, (e então?) como tal não aconteceu, vais ter que andar cá mais uns anitos para a gente te "aturar" com estas tuas porras de histórias e agora também "Aventuras Escolares" (não te esqueças de pedir umas equivalências), que pelos vistos deste conta do recado!...
Um abraço Zé
cumprim/jteix
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