Caros Grã-tabanqueiros
Beja Santos (BS), em “observações” ao Post P18465 de 29 de Março[1], ultrapassando uma simples questão de compreensão ou interpretação do que está escrito no meu livro “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”, procura desvalorizar o trabalho pondo em causa a sua eventual classificação como obra “historiográfica”. Assinalo porém, para quem desconhece, que aquele livro já foi apreciado pela Academia Portuguesa da História que o distinguiu com o “Prémio Fundação Calouste Gulbenkian 2016, História da Presença de Portugal no Mundo”.
Por outro lado BS faz uma observação relativamente a uma eventual falha da minha parte por não ter dado atenção ao quotidiano da Guiné visto por outros (refere o livro de Francisco Tabanez Ribeiro, livro posterior ao meu, e que, evidentemente, eu nunca poderia ter lido ou referido...). E continua, lançando a ideia de que “desajeitadamente” trago para discussão outros temas para “criar confusão”.
É evidente que esta “conversa” com BS não está a conduzir a qualquer fim útil e, por outro lado, também não interessa aos grã-tabanqueiros, não só pelo tom adoptado, como também pela dificuldade de ser ajuizada por a generalidade não ter lido o trabalho em toda a sua extensão. E por isso, por mim, aqui a encerro.
Mas como BS pretende que venha a público neste blogue um pequeno excerto do mesmo, designadamente o “Epílogo” (precisamente as três últimas páginas de um total de 825 páginas de texto), eu tenho o maior interesse em proporcionar a todos os grã-tabanqueiros a possibilidade da sua leitura, pelo que a seguir se reproduzem. Para complemento junto imagens de acontecimentos referidos naquele texto que tiveram lugar num tempo em que a Guiné vivia num clima de paz. Finalizo fazendo notar que, relativamente ao contido no último parágrafo sobre a quebra deste clima de paz, me refiro unicamente aos acontecimentos que tiveram lugar em Bissau em 1891, 1894 e 1915, e não a quaisquer outros.
Armando Tavares da Silva
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Beja Santos faz uma leitura e uma interpretação incorrectas do que está escrito em "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)". Nunca aí se disse ter havido na Guiné “uma espécie de luta de classes entre o Governo/administração e os comerciantes”, ou mencionado algo que pudesse ser considerado uma tal “luta de classes”. Quanto a “alguns levantamentos”, faço-lhe ainda notar uma diferença que convém ter bem presente: o que “aconteceu na luta armada” é uma coisa, e o que “motivou a luta armada” é uma coisa totalmente diferente.
Mas vejamos o que está escrito na obra mencionada. O que nela se escreve, por exemplo, pela mão de Manuel Maria Coelho, é que uma “chamada política da colónia” tinha separado em dois grupos os seus habitantes, “nativos ou emigrados, quer da metrópole, quer principalmente de Cabo Verde, compreendidos os funcionários públicos e até os militares”. Podiam classificar-se “simplesmente [por] patriotas e antipatriotas”. Acrescenta Manuel Maria Coelho: “Aqueles eram os que se sentiam orgulhosos por que a Guiné seja, efectivamente e inegavelmente uma colónia inteiramente portuguesa; e estes – os antipatriotas – os que se sentiam morder de raiva por a nação portuguesa, o governo, não continuarem à mercê das condescendências e das tolerâncias de quem exercia na Guiné um poder tão extenso e tão profundo, que as vidas dos cidadãos, e principalmente das autoridades, estavam pendentes das intrigas, dos ódios e das aspirações desordenadas desses ambiciosos sem escrúpulos”.
No relatório da sindicância de que tinha sido incumbido por António José de Almeida (1917), na qual que se incluía a abertura de um “rigoroso inquérito sobre a vida pública da província para assim se esclarecerem tantas e tão variadas queixas que chegavam ao Ministério das Colónias”, o mesmo Manuel Maria Coelho escreve que no decorrer dessa sindicância apercebera-se do clima de intriga política e de interesses das várias facções de que se compunha a sociedade guineense. Verificara que a presença do elemento cabo-verdiano desempenhava aí grande influência. Era o pano de fundo sobre o qual tudo se tinha passado e que em parte o explicava (as operações de Teixeira Pinto em Bissau em 1915 e o seu rescaldo, incluindo as acusações que a este foram dirigidas). Entre esta presença Manuel Maria Coelho ressalta a do secretário-geral, Sebastião José Barbosa. E escreve: “Sebastião Barbosa é de Cabo Verde, ilha do Fogo [...] e como quase todos os cabo-verdianos, do Fogo, principalmente, não têm o menor amor a Portugal, procurando todos os que pela Guiné se encontram, com raras excepções, tomar conta desta província, de cuja administração se apoderaram e que querem conservar em seu poder como colónia de Cabo Verde, porque a não consideram colónia portuguesa”.
Vejamos ainda o que disse o governador Oliveira Duque relativamente às operações em Bissau em 1915: para as iniciar teve de “lutar fortemente contra más vontades, que encontrei até em funcionários altamente colocados, más vontades que atribuía e ainda atribuo ao desejo de que as coisas se mantivessem no pé de soberania fictícia em que estavam, e outras provenientes de animosidades pessoais conta o capitão Teixeira Pinto”. E sobre as acusações que a este foram dirigidas, escreve Oliveira Duque: “A reputação de cada um está na Guiné à mercê dos nossos inimigos Cabo-verdianos, Guineensese e também índios que, conjuntamente com alguns, raros, europeus pretendem fazer da Guiné um feudo para seu exclusivo usufruto, o que vejo com pesar que cada vez mais se aproxima do seu desiderato”. Mas recuemos a 1891 e vejamos o relato dos graves acontecimentos de Bissau desse ano, das diligências tendentes a compreender e explicar a sua origem e a subsequente procura da paz e harmonia, relato que está cheio de referências a “intrigas”, e procuremos a sua razão de ser. Estes acontecimentos foram precedidos e desenrolaram-se no clima de hostilidade entre as duas tribos papeis da ilha de Bissau, Intim e Antula. Ora o governador Gonçalves dos Santos estava convicto de que estas hostilidades se deviam às ”intrigas dos habitantes da praça”, que “formando dois partidos” entre os beligerantes ”alimentavam a guerra”. O mesmo governador dirá que “o gentio branco e mulato (filhos da ilha do Fogo, principal colónia em Bissau) estão [...] mancomunados com os gentios e grumetes para nos desrespeitarem e desacatarem a autoridade; e os estrangeiros colaboram neste vil procedimento”, fim para que se serviam de “intrigas de toda a ordem”. E na procura de nomes dos instigadores do clima de desconfiança, um grumete afirma que “se fossem só portugueses e não do Fogo os que estavam na praça, não havia nunca guerra, nem com os grumetes, nem com Intim”. Pode perguntar-se: houve aqui algum “levantamento”?
A terminar mencionemos as palavras de Vellez Caroço no seu relatório de 1921-22 referindo-se aos problemas e dificuldades que teve de enfrentar para fazer “o saneamento” da província. Com a “compreensão nítida do presente” e a “visão segura do futuro” escreve Vellez Caroço: “Cairei, prestando um serviço ao meu país, sacrificar-me-ei servindo a República, porque o embuste, a falsidade e o despotismo jamais voltarão a imperar na Guiné, e a obra metódica e persistente da desnacionalização desta rica província, que dia a dia se ia afirmando, teve aqui o seu termo. Como governador assim o espero, e como patriota assim o desejo”.
Vellez Caroço tocava aqui num ponto que outros que o antecederam já tinham sentido: a tentativa surda de afastamento da colónia da esfera de influência portuguesa. Ainda no mesmo relatório escreve Vellez Caroço: “Hoje já é vulgar ouvir na Guiné, entre o elemento cabo-verdiano, que nós somos estrangeiros”. E pergunta: O que seria se “por qualquer motivo esta colónia amanhã deixasse de estar debaixo do domínio português?” Por considerar que “a obra de desnacionalização [da] colónia era lenta, mas era contínua e persistente”, tornava-se necessário actuar para que não se continuasse a dizer que a Guiné portuguesa era “uma colónia de Cabo Verde”. E para isso era preciso mais atenção dos “compatriotas metropolitanos”, para que para a Guiné “lancem as suas vistas […] e para aqui venham trabalhar”. E, a propósito, nota que “o nativo da Guiné tem tantos direitos como o natural de Cabo Verde, e na sua colónia, até tem mais. Auxiliemo-los, pois, nesta simpática empresa. Façamos do guineense um cidadão português com plena consciência dos seus direitos e correlativos deveres”. Era um desejo patriótico do governador, porventura difícil de atingir.
Para finalizar e voltando às considerações de Beja Santos em que refere o “projecto de independência de que Amílcar Cabral foi a bandeira”, creio poder dizer ter esse projecto terminado com os acontecimentos de 14 de Novembro de 1980. É bom perguntar-se: que motivação esteve na base destes acontecimentos e quais foram as suas consequências?
E os “grandes comentadores” que dislates é que cometem? É preciso é não ir atrás deles...
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PS: Veja-se o meu Post P17819 de 3-10-2017[2] no qual estas questões são afloradas e se constata que Beja Santos nos comentários à obra acima referida resumiu a duas linhas a presença de Manuel Maria Coelho na Guiné, na prática olvidando um período de tempo e de acção reflectidos em quase dois capítulos desta obra.
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Por ocasião das Comemorações de V Centenário da Descoberta da Guiné
Foto 1 - Durante a visita do Secretário de Estado Ruy de Sá Carneiro, os felupes ouvem as palavras do Governador Sarmento Rodrigues (3 de Fevereiro de 1947)
(In Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Número Especial, Outubro 1947)
Durante a visita do Chefe do Estado General Craveiro Lopes, Maio de 1955
Foto 2 - À chegada, passando revista à guarda de honra
Foto 3 - Dando entrada em Bissau
Foto 4 - Depois das boas-vindas, manifestação em Bissau
Foto 5 - Em Bafatá, entregando medalhas comemorativas
(In: M. Henriques Gonçalves, “Jornadas na Guiné”, Lisboa 1955)
(Digitalizações de exemplar na minha posse)
Por ocasião do VIII Centenário da Tomada de Lisboa
Foto 6 - O Chefe do Estado Marechal Carmona, recebendo os régulos da Guiné no Palácio de Belém (31.05.1947) (Diário de Notícias, 1.06.1947)
Foto 7 - Os régulos da Guiné, ostentando os seus albornozes e montando cavalos brancos, seguidos pelos guerreiros fulas, descendo a Avenida da Liberdade, no fecho do “Cortejo Histórico” comemorativo do VIII Centenário da Tomada de Lisboa (1.06.1947) (Diário de Notícias, 2.06.1947)
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Notas do editor:
[1] - Vd. poste de 29 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18465: (Ex)citações (332): Comentário do historiador Armando Tavares da Silva ao Poste 18460: Notas de leitura (1052) de Mário Beja Santos
[2] - Vd. poste de 3 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17819: Historiografia da presença portuguesa em África (95): A intriga política na Guiné, 1915-1917 (Armando Tavares da Silva, historiador)
Último poste da série de 3 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18481: (Ex)citações (333): Danças e contradanças da “clara certidão da verdade” (Mário Beja Santos)
2 comentários:
Armando Silva a questão é muito simples. sempre que MBS pensa ou lê algo que não está de acordo com o plano de inclinação dele, é o bota abaixo.E as criticas dele por vezes pecam por esse excesso.Há que dar um desconto (maior do que os saldos) para não se ficar aborrecido.
C.Gaspar
Os camaradas demoram anos e anos para conhecer o Mário Beja Santos.E mais não digo.Já disse desde 2008, em éne postes e comentários neste blogue, tanta vez mariobejasantiano.
Abraço,
António Graça de Abreu
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