quinta-feira, 5 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18488: (Ex)citações (335): a crítica "agridoce" de Mário Beja Santos ao meu livro "Guiné-Bolama, história e memórias" (Fernando Tabanez Ribeiro)


Fernando Tabanez Ribeiro [, foto que nos enviou o autor, e que será proximammete apresentado como membro da nossa Tabanca Grande, nº 770]


Capa do livro de Fernando Tabanez Ribeiro, "Guiné-Bolama, história e memórias" (Lisboa: Âncora Editora, 2018, 224 pp.)


1. Sobre o autor, Fernando Tabanez Ribeiro:

(i) nasceu em Coimbra a 11 de Junho de 1946;

(ii) viajou para a Guiné Portuguesa ainda na primeira infância, onde fez a escola primária e o antigo primeiro ciclo dos Liceus na modalidade de ensino particular, em Teixeira Pinto (Canchungo) e Bolama;

(iii) voltou à Metrópole para concluir o ensino secundário em Coimbra e seguidamente, o curso de Engenharia Química (1971) do Instituto Superior Técnico em Lisboa;

(iv) cumpriu o serviço militar na Armada entre 1971 e 1973, tendo sido mobilizado para a Guiné como oficial imediato de uma Lancha de Fiscalização Grande (LFG), navio patrulha das águas territoriais e dos principais rios da Província, durante a guerra colonial;

(v) o conhecimento da sociedade na Guiné e particularmente em Bolama, nestes dois períodos marcantes da sua vida, em criança e na fase adulta, analisado à luz da nossa histórica presença naquele território, está na origem deste livro;

(vi) regressado à Metrópole em 1973, desempenhou a sua actividade profissional na área da indústria alimentar como engenheiro, consultor e gestor, em Portugal e na R. P. Angola, encontrando-se hoje aposentado.

Fonte: Adapt. de Âncora Editora


2.  Mensagem do nosso leitor e camarada Fernando Tabanez Ribeiro, com data de 29 de março último:

Prezado Professor Luis Graça , editor do Blogue LG & Camaradas:

Dirijo-me a si deste modo, já que em breve formalizarei a minha inscrição no V/ Blogue, um ambicioso projecto que constitui hoje precioso acervo de documentação para a História da Guiné e da Guerra do Ultramar.

Apresento-me: sou o Fernando Tabanez Ribeiro, ex-militar miliciano da Armada em comissão de serviço na Guiné (1971/73) com o posto de 2º Ten. da Reserva Naval (Classe de Marinha) e autor do livro "Guiné-Bolama. História e memórias", da Âncora editora, recentemente vindo a público(26 Fev. 2018).

Digo-lhe ao que venho: o meu livro foi objecto de recensão por Mário Beja Santos nas colunas do V/ Blogue (Parte 1 em 15 Março seguida de Parte 2 em 26 Março), o que me leva a solicitar a divulgação do texto (em Anexo) no mesmo espaço. É o meu contraditório e,  de algum modo, uma crítica à crítica de MBS.

Antecipadamente grato pela V/ atenção envio cordiais saudações

Fernando Tabanez Ribeiro

3. "Guiné – Bolama, história e memórias" e a crítica de M. Beja Santos

por Fernando Tabanez Ribeiro

Li com muita atenção a análise crítica (Parte 1 e 2 do Blogue) de Mário Beja Santos [, MBS,]  do meu livro Guiné-Bolama (*), o que à partida, vindo de quem vem, me deixa lisonjeado, para mais, quando nos diz que leu atentamente tudo e por duas vezes. E mais satisfeito fico, ao constatar que o “Guiné-Bolama” justifica a pormenorizado exame de três páginas que dele faz MBS. Se o livro o não merecesse, certamente não perderia tempo com ele. Só por isso, o livro algum mérito terá.

A critica de MBS é “agridoce”, porventura mais acre do que doce, mas não me surpreende, pois tenho a noção de que, alguns dos factos e temas abordados, podem ser discutíveis e até mesmo objecto de alguma polémica. E ainda bem que assim é.

Comecemos pelo lado “doce” do mail introdutório à sua crítica, quando refere a “ternura e o saudosismo” da minha descrição e a compara com Fernanda de Castro, nome grande das nossas letras. Concordo em que este aspecto saudosista seja comum a ambos, o que muito me honra. No entanto, a minha vivência e da Mariazinha em África foram forçosamente diferentes, dadas as mudanças operadas na sociedade colonial, desde os anos vinte até aos anos cinquenta do meu tempo. A paisagem, no que se refere à “exotismo e à sedução”, continuaria a ter o mesmo efeito aos olhos do europeu, mas em relação ao “desconhecido” já não e ao paternalismo muito menos, porque entretanto muita coisa se passou na Guiné. Essa mudança tem a ver com Velez Caroço, Sarmento Rodrigues e principalmente ...trinta anos de aceleração do tempo histórico.

Há uma enorme diferença de grau quanto ao paternalismo das nossas visões, a dela e a minha. Apesar do longo caminho para a integração social que ainda faltava percorrer, a verdade é que a relação entre o patrão europeu e os criados indígenas (que continuavam a existir no meu tempo), não era a mesma e na escola, entre professores e alunos e de condiscípulos entre si, também não. Mas, no essencial estou de acordo com MBS neste ponto e havendo acordo, não há polémica.

Passemos agora ao lado acre da crítica propriamente dita, quando MBS começa por se interrogar (referindo-se a mim): “ ...a que público,em que sala de conversa ele se põe para falar de uma História da Guiné aos solavancos, glosando descrições já referenciadas em inúmeras obras, tudo contado até à
exaustão, tudo documentado e conhecido? Não se consegue entender.” E questiona-se sobre a razão porque “não relevei documentação científica recente acerca do que era a Guiné quando lá chegaram os portugueses, da literatura de viagens e das janelas para a presença portuguesa na Senegâmbia
no séc XVI, a exemplo do historiador guineense Carlos Lopes e José Silva Horta e Eduardo Costa Dias que constituem um património da historiografia luso-guineense de valor incalculável”, … e “não compreende a minha preocupação em voltar ao assunto da escravatura”. No entender de MBS, a descrição que faço do ciclo da escravatura é “consabida até à exaustão”, nada nos ensina de novo, rematando com Vitorino Magalhães Godinho [, VMG,], onde o essencial está dito e explicado.

A isto, eu limito-me a dizer: Valha-me Deus! É sabido que se escreveram milhares de livros e textos sobre História de Portugal, os quais necessariamente se reportam aos mesmos factos (não há outros). É óbvio que a esmagadora maioria destes autores se repetem de algum modo, na medida em que nos contam a mesma coisa de forma mais ou menos interessante, consoante o talento de cada um e a respectiva interpretação dos factos. Mas, basicamente dizem-nos o mesmo ou parecido. É certo que há autores inovadores, embora poucos, a começar por Fernão Lopes, a que todos os outros recorrem se querem falar acerca da crise de 1383-85 e a acabar modernamente, como muito bem diz MBS, em Magalhães Godinho, o “Papa” da economia e sociologia dos Descobrimentos e da Colonização, igualmente uma referência, pelo novo tipo da abordagem que faz da Expansão.

Quanto à Guiné, também André Álvares de Almada, António Carreira e Teixeira da Mota, além de outros em aspectos mais pontuais, são inovadores. São por isso fontes do conhecimento histórico. Mas haverá sempre muito para dizer, quanto mais não seja para efeitos de divulgação ou enquadramento de realidades sociais que se pretendem explicar, como modestamente pretende ser o “Guiné-Bolama”.

Tomemos como exemplo, o que MBS escreve no seu excelente trabalho, de parceria com Francisco Henriques da Silva, intitulado “Da Guiné portuguesa à Guiné-Bissau – Um Roteiro” (principalmente na sua 1ª parte dedicada à História da Guiné e tratada com grande pormenor), em que é tudo (ou quase), mais ou menos “consabido”, consoante o grau de conhecimentos dos respectivos leitores. Devo confessar que o li com muito agrado e que lá aprendi muita coisa que desconhecia ( por ignorância minha e não porque seja novidade o que lá vem descrito), embora não me tenha socorrido dele para o meu trabalho. 

Considero por outro lado que o “Roteiro” e o “Guiné-Bolama”, se dirigem a leitores com interesses diferentes, o primeiro para iniciados que queiram aprofundar o seu conhecimento global sobre a Guiné e o segundo de carácter mais superficial e numa perspectiva especialmente direccionada para
Bolama. Já agora, aproveito para me penitenciar pelo facto de, no meu livro, ter referido o “Roteiro” apenas na Bibliografia, sem uma palavra especial no miolo do texto, como de facto merecia.

Não sou historiador, nem sociólogo, tão pouco escritor, o que não me coíbe de ter opinião.E foi porque entendi que a minha vivência na Guiné e particularmente em Bolama durante a derradeira fase da época colonial deveria ser partilhada com os outros, que decidi escrevê-la, tanto mais que o desconhecimento do cidadão comum em relação à Guiné é enorme, o que é compreensível.  E o que sabem sobre a Guiné, confina-se normalmente à Guerra Colonial de que há ainda memórias vivas e pouco mais. O meu propósito limitou-se a transmitir ao leitor comum alguma coisa do que sei, e não a especialistas (a esses nada tenho para ensinar), exceptuando a descrição à lupa que faço de Bolama e da pequena comunidade colonial bolamense da década de 1950 que poderá, essa sim, ter algum interesse como contribuição sociológica confinada à micro-história e se perderia, não fosse este registo.

Aqui,  MBS é parco em encómios, limitando-se a referir a “ternura com que falo da rapaziada”.

Correndo o risco de me repetir, direi que a minha proposta foi apenas e tão somente, a de traçar um bosquejo histórico do que foi a Guiné Portuguesa, como apareceu e evoluíu ao longo do tempo, para a partir daí, dotar o leitor do enquadramento indispensável à compreensão do que foi, representou e como entrou em declínio Bolama, uma criação sui generis da nossa colonização, ao fim e ao cabo, o objectivo central a que me proponho. E nas palavras de um crítico que muito prezo, fi-lo “ ... sem renegar o passado da Guiné Portuguesa e pondo o dedo nas feridas coloniais, nas da transição e nas actuais ...”

É ainda nesta perspeciva de abordagem genérica do quadro histórico da Guiné que eu justifico a omissão dos nomes de Carlos Lopes, Silva Horta e Costa Dias, investigadores de referência de primeira linha no âmbito das “sociedades pré-coloniais da Senegâmbia e das trocas civilizacionais ocorridas com a presença portuguesa no séc. XVI”, como muito bem refere MBS. Trata-se de estudos claramente do domínio de especialistas e investigadores e que se situam para além do nível de divulgação, como é o caso de “Guiné-Bolama”.

E aqui, volto a lembrar uma vez mais, que o meu objectivo central é Bolama.

Se já em relação a outros temas estruturantes, MBS considera que me alonguei de mais, então se entrasse em linha de conta com todos estes aspectos... nem daqui a dois anos acabaria de escrever o livro.De qualquer modo aqui fica o mea culpa pelo facto de não ter citado estes autores, ao menos na Bibliografia, a qual, enferma ainda de outras lacunas (reconheço).

Do exposto, espero que MBS tenha ficado com uma ideia de qual é a “sala de conversa em que me situo” e por conseguinte qual é o “público” a que me dirijo (não é a ele com certeza, que é um especialista).

Outro ponto: Discorrer sobre a escravatura como tema fulcral do quadro histórico da Guiné colonial parece-me inevitável, ou não fosse este período a principal razão de ser da nossa presença na Guiné ao longo de três séculos e meio, ou seja, muito mais de metade de um total de cinco séculos, desde os
Descobrimentos até à Independência. Aqui, para além de ser criticado pelo tema “consabido até à exaustão”, também o sou por ter, pretensamente, “desassombrado” o esclavagismo português face ao de outras potências europeias. Uma tal asserção só pode ter a ver com o facto de eu ter enfatizado
a justificação do nosso pioneirismo nesse campo, no que teria sido entendido como uma defesa do nosso esclavagismo, ou por ter analisado o sistema com os óculos da época em que isso aconteceu e não pelos critérios de hoje, ou por ter associado ao negócio os irmãos étnicos dessas vítimas, realçando a sua coparticipação no tráfico a par dos negreiros ou ainda porque importa condenar,
avant tout, o colonialismo português, independentemente dos contextos em que se insere.

É certo que MBS também não rejeita a minha análise, antes se limita a referir que tudo foi dito e explicado por VMG, sendo por isso redundante voltar a falar nisso, “remexendo em matéria consabida” como ele diz. Eu não penso assim e entendo que é, e continua a ser, um dever imperativo insistir na cabal e correcta clarificação desta questão central, até porque desse modo, estou também a defender o meu país. Alexandre Sousa Pinto no Prefácio do “Guiné-Bolama” está em sintonia com isto, o que me faz sentir confortável. Não sou inocente, na medida em que há autores (MBS pensa que são “fantasmas” mas eu afirmo-lhe que eles existem e não são poucos), que continuam a iludir muita gente com informação tendenciosa, ou ideologicamente retorcida a ponto de subverter a verdade e que estão apostados em classificar o nosso colonialismo, incluindo a vertente esclavagista, como sendo o pior de todos, ou dos piores. 

Penso que são benvindas todas as contribuições no sentido de valorizar a análise do tema com verdade, imparcialidade e distanciamento a fim de pôr termo a tais equívocos. Daí a minha intransigência nesse ponto, bem explícita desde logo na dedicatória do meu trabalho, quando afirmo: Dedico este livro a Bolama, à Guiné Portuguesa e ao meu país. Não incluo MBS neste rol, mas que a sua posição de omitir o tema, alegando que “Há dezenas de anos que está tudo dito sobre o assunto”, não ajuda muito, lá isso é verdade.

MBS considera ainda que a minha narrativa do quadro histórico da Guiné, é feita “aos solavancos”e aqui terá alguma razão; eu próprio me apercebi disso, obrigando-me a reformular o texto por forma a minimizar o defeito. Isso decorre da minha tentativa de conciliação da abordagem temática (mais clara e elucidativa) de certos assuntos, sem perder o fio cronológico dos acontecimentos, igualmente importante. O discurso ganha em clareza mas admito que tenha custos (os tais “solavancos”).

A 2ª Parte da recensão nada nos traz de novo. Que é matéria mais que conhecida, o não envolvimento da PIDE no assassinato de Amílcar Cabral e o papel de Sekou Touré, as várias hipóteses goradas visando a Independência da Guiné, assim como a triste sucessão de golpes, confrontações, a luta pelo
poder, a venalidade, etc, que continuam a marcar o quotidiano do cidadão comum desde a Independência até hoje, a justificar o desencanto dos guineenses, dando exemplos de vários autores e trabalhos onde tudo isso vem explicado.

Eu por mim, continuo a achar que faz sentido a abordagem destes assuntos, ainda que a traços largos, para assim fechar o quadro histórico da realidade em que se insere Bolama, tanto mais que o faço por palavras minhas.Falei da Guiné antes de Bolama e voltei a falar dela depois da Bolama “moribunda” que antecede a Independência, procurando caracterizar a Guiné nos seus aspectos mais conspícuos. 

Faz ainda um reparo, nomeadamente a falta de rigor quando digo que AC teria sido expulso por Melo e Alvim. É um aspecto que pouco afecta a narrativa do curso dos acontecimentos mas, o rigor acima de tudo e terá razão MBS, pois não duvido da credibilidade das suas fontes.

MBS termina com ainda com dois reparos à melhor obra que, do meu ponto de vista se produziu até hoje sobre a História da Guiné (1879-1926) de Armando Tavares da Silva [ATS]. Acontece que, precisamente à hora de concluir este meu arrazoado, acabo de tomar conhecimento dos esclarecimentos dados pelo professor ATS sobre este assunto...e mais não digo. (**)

A “decepção” de MBS acerca do meu livro “Guiné-Bolama” é precisamente a mesma que para mim representou a sua recensão.

Fernando Tabanez Ribeiro
_____________

Notas do editor:

(*) Vd.postes de:


26 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18460: Notas de leitura (1052): “Guiné-Bolama, História e Memórias”, por Fernando Tabanez Ribeiro; Âncora Editora, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

Sem comentários: