segunda-feira, 21 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18661: (Ex)citações (338): P18648 - Fiat G-91 abatido sob os céus de Gandembel em 28 de Julho de 1968 (Idálio Reis, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317)

Guiné > Bissalanca > BA 12 > 1968 > O Fiat G-91 R4, 5411, uns dias antes de ser abatido (em 28 de julho de 1968). No cockpit, o cap piloto aviador José Nico


1. Mensagem do nosso camarada Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69), autor do livro "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana, com data de 18 de Maio de 2018:

Quanto a este acontecimento[1], eis então o que escrevi no meu livro:

Mas já há muito tempo, e quase todos os dias, pelo entardecer, vinham 2 Fiats G-91 a descarregarem bombas sobre a já citada zona de Salancaur/Unal, de que se dizia terem abrigos inexpugnáveis, e destas tentativas intimidantes da aviação militar, surge a 28 de Julho, mais um dos casos inesperados, e que seria o primeiro a acontecer na Província nestas circunstâncias.

Neste dia, parte da Companhia tinha ido montar protecção a uma coluna de reabastecimentos, de modo que em Gandembel restavam apenas 2 grupos, um dos quais um Pelotão de Caçadores Nativos.

Ouve-se, vindo de longe e dos lados da fronteira, uns estampidos de metralhadora pesada. E passados alguns momentos, um dos soldados que estava atento às trajectórias das aeronaves, claramente distingue que se notava uma chama de fogo na cauda de um dos Fiats. 
Prontamente, via rádio, deu-se conhecimento aos pilotos. E vê-se nos céus, o avião a fazer uma curva acentuada, direccionando-se para o lado da fronteira. E quando a aeronave, já com as chamas bem visíveis na parte posterior da carlinga, passava sobre as imediações de Gandembel, distingue-se um pára-quedas que se ejecta do mesmo, e que vem a cair a cerca de 3 a 4 centenas de metros a sul do aquartelamento, com a aeronave a despedaçar-se em parte incerta, mas muito próximo da fronteira. 

Um documento oficial, refere que o piloto era um tenente-coronel, de nome Francisco Costa Gomes, comandante do Grupo Operacional 1201.

Aparentemente, o local da queda, não oferecia perigos para o seu resgate, desde que se conhecessem os locais das armadilhas em volta do cercado do arame farpado. Procurou-se de imediato arranjar um grupo com metade dos efectivos disponíveis, e então fomos ao encontro do piloto. 

Escondido num arbusto, estava o homem sem distinção da sua patente, e despojado da sua pistola de cintura [mais tarde foi encontrada, e julgamos que era uma Walther].

Já vínhamos a caminho do aquartelamento, e algumas unidades aéreas, como helicópteros e T-6 o sobrevoava, pelo que, franqueada a entrada, logo um dos helicópteros aterrava para o levar rumo a Bissau.

O abate desta aeronave, com fogo antiaéreo de metralhadora 12,7, teve uma óbvia repercussão a nível da Província, e muito certamente reforçou os ânimos dos combatentes locais do PAIGC. Contudo, não deixaremos de anotar, que nos parece que a probabilidade de uma bala anti-aérea, em acertar numa destas aeronaves, era extremamente diminuta, ainda que o IN parece que dispunha de um conjunto de metralhadoras quádruplas, em que os disparos eram bem audíveis em Gandembel. Mas o que é inegável, é que o avião se perdeu, e a perícia do piloto também foi notável para a integridade da sua própria pessoa, pois se tivesse caído em local fora do nosso horizonte de referência (não mais de 2 km), não se dispunha no momento, de condições para ir à sua procura. E muito provavelmente, o piloto poderia vir a ser capturado pelo inimigo.

Em jeito de remoque, parece que o piloto afirmou que teve de fugir de guerrilheiros do PAIGC, quando, na verdade, os elementos que primeiro o viram, pertenciam ao Pelotão de Caçadores Nativos.

Sempre esta dualidade da sorte e do azar, que nos espreitava na leveza de cada duro momento.
____________

Nota do editor

[1] - Vd. poste de 18 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18648: FAP (105): 28 de julho de 1968, o dia em que o Fiat G-91, nº 5411, pilotado pelo ten cor Francisco Dias Costa Gomes, foi abatido sob os céus de Gandembel, por fogo de AA (Antiaérea)

Último poste da série de 16 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18640: (Ex)citações (337): A propósito das deserções nas fileiras do PAIGC, há um provérbio africano que diz "Todos os cães podem ser bravos, mas são mais bravos dentro das suas moranças", o mesmo quer dizer, dentro dos seus "chãos" (Cherno Baldé, Bissau)

4 comentários:

Anónimo disse...

Idálio, tudo indica que o piloto, depois do "trauma" sofrido com o abate do seu avião e da ejecção, em paraquedas, preocupando-se com a sua segurança pessoal, e tendo confundido os homens do Pel Caç Nat [devia ser o 55, do nosso camarada Hugo Guerra], se tenha desembaraçado da sua pistola Walther, na circunstância completamente inútil e embaraçosa, a menos que ele quisesse ter um morte heróica, em glória...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2008/04/gin-6374-p2715-construtores-de.html

Qualquer um de nós, seres inteligentes, faria o mesmo... De Walther em punho, o ten cor pilav Costa Gomes, enfrentando um bigrupo IN, seria crivado de balas de Kalash... De qualquer modo,se fosse apanhado vivo, seria um grande ronco para o 'Nino' Vieira... Felizmente, as NT chegaram primeiro... Já bastou o calvário do sargento pilav António Lobato.

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Ant%C3%B3nio%20Lobato


Um abraço, Idálio


António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Segundo ouvi dizer, quando entrou em Gandembel terá ouvido o comentário: "Olha, afinal o gajo é velho!"
O Ten-cor afinou com aquela do velho, mas foi só lá no seu íntimo.
Como tudo está bem quando acaba bem, fica o apontamento curioso.
Um Ab.
António J. P. Costa

Mário Santos disse...

Olá camaradas!
Apenas uma pequena achega...Era eu o mecânico encarregado do Fiat 5411 abatido nesse dia.
Lidei durante quase dois anos no dia a dia com o Ten./Cor. Costa Gomes nosso comandante do Grupo Operacional 1201 que englobava todas as Esquadras, isto é, todo o tipo de Aviões que havia a voar nos céus da Guiné nesse tempo.

Era um homem vaidoso, arrogante e muito senhor do seu nariz. Pouco ou nada falava connosco pessoal da manutenção, e quando o fazia respondia apenas com monossílabos.


Deve ter sido humilhante ouvir alguém dizer "Afinal o gajo é um velho" uma vez que os demais pilotos andavam todos na casa dos Vinte. Excepção ao nosso comandante de Base que embora mais velho também voava nos Fiat`s.


O então Ten./Cor. Francisco da Costa Gomes já desaparecido, faleceu com o a patente de Tenente General na situação de reforma. Que descanse em paz!


Abraço a todos!

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mesmo nós, que somos ainda "jovens...idosos", não gostamos, no nosso íntimo, de ouvir essa expressão que às vezes nos dizem, os amigos, os parentes, os conhecidos: "Porra, estás velho como o c...".

Aquela guerra não era para... "velhos". Nós mesmos, na força da idade, vendendo energia, força, vitalidade, saúde, tusa... (e muita arrogância!), tínhamos esse preconceito em relação aos "mais velhos"...

Recordo-me que na minha companhia (CCAÇ 2590, mais tarde CCAÇ 12), havia dois sargentos, 1º sargento e um capitão, todos do quadro, quase com idade de serem nossos pais... Em relação aos alguns dos nossos soldados africanos (os mais novos, com 16 anos), eles tinham mais do que o dobro da idade... Nós, os graduados, metroçolitanos, andávamos na quase dos 22 anos, o capitão tinha 38 anos... CHegaria a major, já no fim da comissão... É evidente que ele se "popou" e nós poupámo-lo... O alf mil op esp era, em boa verdade, o comandante operacional da companhia... Vínhamos completamente de rastos de cada operação...

E o gen Spínola ? Como era tratado ? Cruelmente, pela alcunha "o Velho"... Em contrapartida, os nossos soldados mais novos, africanos, respeitavam os seus "mais velhos"...

A OMS (Organização Mundial de Saúde) reclassificou a população idosa, do ponto de vista cronológico, biológico e de saúde, em duas grandes categorias: "idosos jovens" (de 60 a 75 anos) e idosos velhos (de 76 ou mais)...

E viva o velho!... LG