Camaradas
Ponderosas, e inesperadas, razões da minha vida pessoal fizeram com que tardasse em cumprir com o pedido que me fez o nosso muito estimado camarada José Teixeira, membro da Tabanca de Matosinhos. É que no passado dia 2, a Tabanca de Matosinhos homenageou a memória de um dos seus maiores, o João Rebola, e o Teixeira pediu-me que vos falasse dos momentos de profundo recolhimento que se viveram no cemitério da Senhora da Hora, e, depois, no almoço, das palavras solidárias que foram dirigidas à D. Elsa Rebola, a viúva do João.
Já no dia anterior teve lugar, na Igreja da Senhora da Hora, uma Missa de Sufrágio em intenção do primeiro aniversário do seu desaparecimento físico, porque o seu espírito de grande humanidade, de grande camaradagem, de homem sério e sempre presente ao lado daqueles que mais precisavam de uma palavra, de um gesto de conforto, esse continua presente junto dos familiares que amou, e dos camaradas que honrou.
À romagem ao cemitério, o Teixeira chamou o ex-combatente Inácio para fazer ouvir, no seu trompete, Toque de Silêncio.
O padre Augusto Baptista, Ten-Cor Reformado, que ainda alferes miliciano foi nosso Capelão em Bissorã, e que com o Rebola, já na sua freguesia de Perosinho, estabeleceu fortes laços espirituais e de amizade, dirigiu palavras de conforto à Maria João, filha do Rebola e ali presente, e recordou, num momento que causou grande comoção entre os presentes, que foi através dele que o João sentiu o último conforto da sua imensa fé católica.
O Capitão Abreu, que foi comandante da CCAÇ 2444, a Companhia do Rebola, falou das suas qualidades de homem e militar de grande postura, convidando-me depois o José Teixeira a que eu usasse da palavra para exprimir a profunda amizade que nos ligava desde o nosso encontro em Bissorã (ver os meus P12905 e P11195), e tendo eu ainda vivas as conversas que mantínhamos pela manhã, através do Skype, onde a vida da Tabanca de Matosinhos, e a sua obra social na Guiné, estiveram sempre presentes.
A campa do ex-Fur Mil João Rebola, no cemitério da Senhora da Hora, onde os seus camaradas da Tabanca de Matosinhos foram prestar-lhe homenagem |
Ao lado da Maria João Rebola, filha do João, o Pe. Augusto Baptista, Ten-Cor Ref. na sua alocução |
O ex-Fur Mil Armando Pires recordando a sua grande amizade com o Rebola, nascida em Bissorã, e depois mantida vida fora |
No uso da palavra, o Cap. Abreu, Comandante da CCAÇ2444, a Companhia do João Rebola |
O Pe. Augusto Baptista, Ten-Cor Ref, numa conversa privada com a Maria João Rebola |
Ao almoço, no restaurante Espigueiro, "quartel-general" da Tabanca de Matosinhos |
Por último, falou-nos a Maria João Rebola:
“Eu cresci a ouvir falar de vós. Por vezes não vos reconheço porque a última vez que estive convosco foi a vinte e tal anos, trinta anos, mas os vossos nomes eu sei-os. O meu pai falava muito dessas estórias que partilharam aqui também e sei de muitas outras que aconteceram na Guiné. Sei que foi um período muito importante para o meu pai. Sei que o meu pai fez irmãos na Guiné e é muito bom saber que esses irmãos o acompanharam até aos últimos momentos. E, quando o Pe. Baptista chegou agora de manhã eu disse-lhe que foi muito importante ter ido visitar o meu pai naquele domingo por que eu sentia que o meu pai não passava desse dia e disse-o ao Pe. Batista quando estive com ele no sábado e o Pe. Baptista conseguiu reformular a sua vida toda para esse domingo e ir lá ao Hospital naquela manhã e estar com o meu pai e dar-lhe a bênção. Eu soube logo, de certeza absoluta, que isso foi muito bom para o meu pai, porque, assim como o Pe. Baptista disse esta manhã, o meu pai era uma pessoa muito espiritual e ter aí nesse momento a bênção de um irmão da Guiné que representava tudo o que vocês sabem para ele, foi o fecho, não sei se hei de dizer, perfeito. Por isso queria agradecer, o acompanhamento todo, os projetos que fizeram juntos, pelos tempos bons que passaram juntos e os difíceis também, e por estarem aqui hoje a partilharem connosco. Obrigado.”
Que o João Rebola repouse em paz, que viva está a sua memória junto de nós.
Fotos: José Teixeira
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Nota do editor
Último poste da série de 7 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20211: In Memoriam (351): António Leal Faria (c. 1942-1966), ex-alf mil SG, AB3, Negage, Angola, natural de Torres Novas e antigo seminarista, capturado e executado pela FNLA, na sequência de acidente com DO 27, em Ambrizete, em 24/3/1966... O seu corpo, tal com o dos seus restantes companheiros de infortúnio, não foi resgatado
3 comentários:
Palavras lindas, a da filha do João, que me comoveram ao lê-las!... Obrigado, Armando Pires, obrigado Zé Teixeira e demais camaradas da Tabanca de Matosinhos, pelo vosso gesto magnânimo, ao recordar um ano da morte do João!... Comvosco, aí no Norte, connosco, aqui no Sul, o João não foi parar à "vala comum do esquecimento"... Um abraço fraterno para todos/as. LG
Caros amigos
É verdade que vamos tendo e fazendo amigos
De um modo geral, a maior parte daqueles que acabaram por integrar este espaço comum de memórias e afectos, são assim classificados.
No entanto também não será de estranhar que acabemos por criar mais empatia com uns quantos, seja lá por que motivo, pretexto, sintonia ou outra coisa qualquer.
Não fui contemporâneo do Rebola nem, naturalmente, estive com ele naquela terra que tanto nos "tocou", duma forma ou de outra.
Conheci o Rebola através dos textos e fotos do Armando Pires.
Fiquei logo a simpatizar com ele. Pela beleza dos textos e das circunstâncias que ambos viveram e que nos foi transmitido. E também da emotividade colocada nos reencontros.
Por força das circunstâncias acabei por ter contactos pessoais directos com o Rebola,
Sou sócio (com quotas em dia) da Tabanca de Matosinhos e sendo o Rebola o Tesoureiro trocámos algumas vezes telefonemas. Recordo que uma das últimas vezes (se não mesmo a última), estava ele a piorar, e muito preocupado que não dessem seguimento à confirmação do meu pagamento da quota de 2018 fez o telefonema para me dizer que estava tudo bem e que certamente outro haveria de pegar na tesouraria....
Tentei animá-lo mas... a garganta afogava um bocado as palavras.
Quanto a esta homenagem, para além de justa e muito merecida, vem dar algum alento na medida em que revela que ainda há solidariedade, que nem tudo está perdido.
Gostei da reportagem do Armando, das fotos do José teixeira e das palavras da filha do Rebola.
Hélder Sousa
... com a devida vénia, faço minhas as palavras de Luís Graça.
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