Caros Editores,
Cumprindo a intenção manifestada, quando da minha inscrição na TG,[1] de enviar umas fotografias, aqui vai uma resumida descrição da vida da CCAÇ 2753, nos Destacamentos Provisórios, de apoio à construção da estrada Mansabá – Farim, acompanhada de fotografias.
É quase um atrevimento descrever o que no seu notável estilo de escrita, já foi abordado pelo nosso amigo Vítor Junqueira, mas deixo a quem de direito, decidir da sua divulgação.
Ao Carlos Vinhal, que conheceu estes cenários, as minhas saudações e agradecimento também pelo trabalho desenvolvido, na sua envolvência da Tabanca Grande.
Ao vosso dispor, para todos um abraço do,
José Carvalho
A CCAÇ 2753 (1970-1972) e os Destacamentos Provisórios
A CCAÇ 2753 formada no BI 17, Angra do Heroísmo, constituída maioritariamente por açorianos, com representantes da totalidade das Ilhas, partiu em Maio de 1970, para Lisboa.
Sediada no Regimento de Infantaria 1 - Amadora, em 25 de Maio, onde acontece a concentração de todo efectivo inicial da Companhia. Fazendo parte daquela unidade, foi incorporada nos seus efectivos, nas cerimónias do 10 de Junho, no Terreiro do Paço.
A 15 de Junho inicia-se o IAO, na zona de Caneças, alcançando um grupo da companhia, folgadamente o primeiro lugar no campeonato de tiro de combate, da escola de recrutas de 1970, da Região Militar de Lisboa.
No final de Junho a companhia fica a aguardar embarque, na 9.ª Bateria do 3.º Grupo Misto da RAAF no Pragal, o que aconteceu no dia 8 de Agosto, a bordo do N/T Carvalho Araújo.
A companhia chega a Bissau a 17 de Agosto, depois de uma agradável escala em Cabo Verde.
Os primeiros dois dias a ração de combate e dormidas em camas metálicas sem colchões. A recepção foi fraca, mas longe se adivinhava, o que viria mais tarde…
Colocada depois no COMBIS, com excelentes instalações, foi dada à companhia a missão de patrulhamento terrestre, fluvial e ainda rusgas de modo a evitar infiltrações do IN na Ilha de Bissau.
Depois de cerca de três meses de bonança, adivinhava-se a tormenta…
No dia 30 de Novembro um primeiro pelotão da Companhia, deixa a região de Bissau e conhece uma nova realidade, chegando ao Bironque, o primeiro dos dois Destacamentos que iríamos conhecer.[2]
A 7 de Dezembro, o Comandante da Companhia, Cap Mil Art João da Rocha Cupido, assume o comando daquele Destacamento Temporário, que em meados de Dezembro, aloja os operacionais da CCAÇ 2753 e ainda alguns elementos sapadores - BCAÇ 2885 e dum ESQ MORT 81, após a retirada da CCAÇ 17.
Estrada Mansabá-Farim - O troço entre o Bironque e o K3 foi asfaltado no tempo da CART 2732 e da CCAÇ 2753. Localização dos destacamentos de Bironque e Madina Fula e, na margem esquerda do rio de Farim (Cacheu), em frente a Farim, o aquartelamento do K3 (Saliquinhedim)
© Infografia Luís Graça & Camaradas da Guiné - Carta da Província da Guiné, 1:500.000
Os efectivos militares presentes, tinham como missão, montar a segurança dos trabalhadores (centenas) e as máquinas envolvidos na construção da nova estrada Mansabá – Farim.
A reabertura desta rodovia, constituía um importante óbice à movimentação estratégica do IN na área do Morés, aonde concentrou um importante contingente de combatentes, calculado na época, em 4 a 6 bigrupos e ainda outros efectivos representativos nas áreas de Canjaja, Biribão, Queré e Maqué.
Foto 1 - Bironque - A “enfermaria”, algumas tendas, uma máquina no abrigo e uma das barracas cobertas por vegetação
Foto 2 - Bironque – Espaldão do morteiro 81 e tenda
Foto 3 - Bironque – Telheiro cozinha e os bidões das lavagens
Foto 4 - Bironque – Messe de oficiais depois de uma flagelação, em que o fogareiro a petróleo, do Alf Mil Junqueira, que no momento cozinhava uma galinha “turra”, explodiu.
Decorrido cerca de mês e meio, o Destacamento do Bironque, foi abandonado e os efectivos militares, ocuparam o novo destacamento de Madina Fula, situado a cerca de 5 Km a norte.
O segundo local nada de novo ou de mais confortável proporcionou, pois o modelo era o mesmo, com a agravante de ser mais afastado de Mansabá e por consequência pior nas situações de necessidade de auxílio.
Estes destacamentos tinham uma área de cerca de um hectare, de forma quadrilátera, localizados em zona pré-desmatada, contíguos à nova via e delimitados por barreiras de terra deslocada e acumulada na periferia. Esta terra era retirada de vários pontos do interior, resultante da abertura de valas de grandes dimensões, destinados a proporcionar estacionamentos/abrigo às máquinas pesadas, envolvidas na construção da estrada.
As barreiras tinham uma altura de dois a três metros e a sua crista teria cerca de dois metros de largura, onde eram escavados covas para protecção das tropas, postos de sentinela e colocação de armas pesadas. Nesta crista, estavam também colocados vários holofotes, que permitiam iluminar as imediações do destacamento, numa distância de cerca de 50 metros.
No interior deste espaço, além dos referidos buracos destinados às máquinas, situados na zona central, a periferia era segmentada por barreiras de terra com cerca de 1,5 m de altura, com área reduzida, onde eram colocadas, as tendas cónicas de lona com capacidade de alojamento para vários homens e um número apreciável de pequenas barracas feitas de ramos e folhagem de árvores.
Existia um gerador, que fornecia energia para a iluminação periférica, para um telheiro apelidado de cozinha, para uma roulotte “enfermaria” e mais uma dezena de lâmpadas espalhadas, entre as quais para as “messes” dos sargentos e oficiais.
Havia um espaldão para o morteiro 81, sendo as munições colocadas em bidões colocados na horizontal e cobertos de terra.
Na entrada do destacamento havia uns cavalos de frisa, não havendo qualquer vedação de arame farpado. Recordo-me que em alguns locais, foram colocadas armadilhas, em que caíram alguns animais selvagens. O abastecimento de água era feito diariamente a partir de Mansabá em pequenos atrelados-cisternas destinado à precária higiene das tropas, reduzida confecção de alimentos, lavagem de roupa, panelas, pratos, etc. Havia uns bidões colocados em cima de uma armação de paus e que debitavam uns borrifos, para o duche!
A lavagem dos utensílios de cozinha era feita segundo as mais exigentes normas de higiene. Existiam cinco meios bidões, com água, numerados de 1 a 5, começando a imersão das louças sujas no bidão 1 e depois sucessivamente nos restantes até sair do bidão 5, em perfeitas condições de adequada utilização…
Cada militar dispunha de um colchão pneumático, com esvaziamento automático ao fim de poucas horas. Muitos dormiam nos buracos, na crista das barreiras, envoltos em panos de tenda e com a G3, colada ao corpo.
A alimentação disponibilizada era ração de combate, intervalada, com cavala de conserva com batata cozida ou esparguete, dia sim, dia sim! Havia quem descobrisse umas iguarias selvagens e variasse um pouco a dieta. No tocante a líquidos menos mau… coca-cola, cerveja, vinho, whisky!
Vivíamos sempre em coabitação com um pó vermelho, principalmente durante o período de trabalho na estrada, que até o esparguete no prato, ficava enriquecido com este “ketchup”, se não deglutido rapidamente.
Em relação às condições de vida da CCAÇ 2753 durante estes três meses, talvez houvesse igual, até talvez pior, mas para muito mau bastava!
O relacionamento com o IN era verdadeiramente íntimo, pois raro terá sido o dia ou noite que por flagelações, emboscadas, minas, não houvesse “festa”.
Foto 5 - Madina Fula
Foto 6 - Madina Fula ao fim de um dia de trabalhos, coluna dos trabalhadores regressando a Mansabá, com segurança de helicóptero (ponto minúsculo no horizonte)
Foto 7 - Um felídeo, que tropeçou numa das armadilhas NT, nas imediações do destacamento
Foto 8 - Trabalhos na abertura da estrada
Foto 9 - Damas… só as do tabuleiro de jogos improvisado numa barrica pintada. Eu e o Vítor Junqueira no Bironque, dias antes do Natal de 1970
No início de Março deixámos Madina Fula, que foi aterrado e substituímos a 27.ª Companhia de Comandos, nas instalações “muitas estrelas” do K3, que até eram visíveis do interior das casernas… mas mesmo assim foi um dia inesquecível, julgo que para toda a companhia.
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Notas do editor
[1] - Vd. poste de 25 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20900: Tabanca Grande (493): José Carvalho, natural do Bombarral, com amigos na Lourinhã, ex-alf mil inf, CCAÇ 2753, "Os Barões do K3" (Bissau, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim / K3 e Mansába, 1970/72): senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar n.º 807
[2] - Vd. poste de 10 DE ABRIL DE 2009 > Guiné 63/74 - P4168: Os Bu...rakos em que vivemos (4): Acampamentos de apoio à construção da estrada Mansabá/Farim (César Dias)
5 comentários:
Belíssimas fotos, ótimas legendas... Prometo ler com toda a atenção...Mas, para já, destaco o enorme interesse documental deste álbum... Onbrigado, grande Barão do K3!...
Em Bironque e Madina Fula parece apanhaste o tempo seco...Sei o que é o terrível pó vermelho, das colunas logísticas, que fiz de Bmabadinca ao SDaltinho, via Mansambo e Xitole... Mas também para o Xime, antes da nova estrada alcatroada (que já não conheci)...
E também posso avaliar o que é viver em "Bu...rakos" como estes... E muito pior era o tempo das chuvas...
Quanto à foto nº 7, que me chamou particular atenção: tu que és médico veterinário, diz-que que felído é esse... É um belíssimo e portentoso animal que teve o azar de cair nas vossas armadilhas...
Para mim é um leopardo ("Panthera pardus"), e não uma "onça" ("Panhera onca", ou jaguar, que só existe no "Novo Mundo")... Mas na Guiné-Bissau sempre ouvi falar em "onças", até há emissões de selos...
Um abraço afetuoso do Luís
Ao ler este poste fui confrontado com uma situação que também aconteceu comigo, em Cobumba, que foi dormir cerca de nove meses num colchão pneumático que esvaziava de forma automática. A partir de certa altura para não me chatear mais acabei por ter de o esvaziar aproveitando apenas a almofada.
Alguém disse que nós atingimos a maturidade quando conseguimos rir de coisas que noutro tempo nos faziam chorar. Ao ler esta passagem dei comigo a rir...
António Eduardo Ferreira
José Carvalho, também estive nesses destacamentos, mas só fui até Madina Fula, entretanto felizmente acabou o prazo, era a hora de regressar, eu era do batalhão de Mansoa, do pelotão de sapadores e gostei de ter partilhado aquele tempo com a vossa Acoriana, também tenho por aí fotos desses locais que vão ficar sempre na memória.
Abraços
César Dias
Muito bem amigos tambem andei por ai nesta mesma aletura como ex alferes Jose carvalho era o comandante do meio pelotao o 2 andou muita vez comigo ao meio lado no Hunimogos ou na Berliets ja vimos uma vez quando comemoramos os 30 anos num convivio na ilha terceira acores por acompanhia era quase toda composta por acoreanos do BI17 estas fotos para mim sao lindas rcordacoes nestes acampamentos so dormi uma vez mas todos os dias ia levar abastecimentos ou fazer seguranca a construcao e durante o dia venhamos manter seguranca ao auto tanque de agua para aconstrucao da estrada Manssaba Farim era o cabo condutor da companhia Um grande abraco atodos nos que andamos por estas paragens
Caro Ildeberto Manuel,
Só pelo teu comentário merecia a pena ter colocado no blogue da Tabanca Grande, as fotos e descrito um pouco a vida dos Barões da C. Caç 2753,que na altura ainda não eram do K3.
Faremos em Agosto meio século que chegamos á Guiné, mas recordo-me com saudade do cabo condutor Medeiros, de quem muitas vezes fiz de pendura.
Proximamente penso enviar mais fotos, desta vez serão sobre o K3 e julgo que tenho alguma contigo.
Muita saúde e um até breve.
Abraço,
J.Carvalho
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