Foto do álbum do Rui Esteves, ex-furriel miliciano enfermeiro (CCAÇ 3327, Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73), e que vive em Vila Nova de Gaia; é um dos primeiros membros da nossa Tabanca Grande. (*)
Foto (e legenda): © Rui Esteves (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
(*) Vd. poste de 30 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P305: A escola de Bissássema (CCAÇ 3327, 1971/73) (Rui Esteves)
(...) Em Novembro de 1971 fomos transferidos da região de Teixeira Pinto para a região de Tite, ficando a quase totalidade da CCAÇ 3327 instalada em Bissássema. Ficámos aqui até ao fim da nossa comissão de serviço.
(...) Instalados em Bissássema, começámos vida nova: em Teixeira Pinto, terra do povo manjaco, tínhamos servido de seguranças ao pessoal que abria a nova estrada; aqui, na terra dos balantas, íamos continuar a construção do novo aldeamento.
Passado poucos dias, chama-me o Capitão Alves (Rogério Rebocho Alves, Capitão Miliciano, comandante da CCaç. 3327, tão periquito quanto nós todos!) e comunica-me que vou ser professor dos soldados que pretendessem completar o Ensino Primário. (...)
(...) Um dia, pela manhã, descobrimos que o caminho entre Bissássema e Tite estava minado: o PAIGC tinha colocado algumas minas anti-carro no caminho e também anti-pessoal num local onde escreveram “VIVA O PAIGC”. A mina anti-pessoal foi detonada da pior maneira: um guia ficou sem a perna.
Estava descoberto tema para essa noite: os meus alunos iam escrever sobre as minas. Nunca me esquecerei da redacção do Cabral, o nosso cozinheiro, e o meu melhor aluno: escreveu ele, “Há minas boas e minas más. As minas boas são as que nós pomos aos turras. As minas más são as que eles põem a nós.” (...)
Foto (e legenda): © Rui Esteves (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mais uma pequena história do Carlos Barros, enviada por mensagem de 26 de junho passado:
Doidas, doidas, doidas... andavam as galinhas!
por Carlos Barros (**)
Eu, ex-furriel miliciano, 2ª CART / BART 6520/72, fui escalado para manter a segurança, na estrada Tite-Bissássema e levei o meu grupo (3º) para colocar os soldados, nos diversos postos, estrategicamente situados ao longo dessa estrada.
Por volta das 11h40, andavam umas galinhas, bem gordinhas, a “pastar”. Os nativos Balantas e Biafadas, tinham as galinhas contadas e matar uma era um risco porque o Comandante teria de atuar disciplinarmente, pois nessa altura vigorava a política de Spínola, por uma “Guiné melhor", e não se podia molestar ou maltratar um africano guineense, o que se compreendia, no contexto dessa política “ultramarina”…
Disse ao soldado Lurdes, natural do Vitorino de Peães, concelho de Ponte de Lima:
Disse ao soldado Lurdes, natural do Vitorino de Peães, concelho de Ponte de Lima:
− Ó Lurdes, atire aquele pau para enxotar aquelas galinhas!
Ele pegou num tronco seco e atirou às galinhas, mas à sorte!... O milagre aconteceu… Não é que o pau, às cambalhotas, caiu na cabeça da galinha e matou-a fulminantemente! Nem queria acreditar!...
− Lurdes, vá a correr, pegue na galinha e ponha-a no bolso grande do camuflado e vamos mas é já embora− disse-lhe eu, perante o ar estupefacto dos outros soldados que estavam perto de mim, coçando-se do exército de formigas que os atormentavam…
Metemo-nos na Berliet Tramagal e só paramos no quartel de Tite. Pedi aos soldados para isto ficar em segredo.
Tenho uma foto (que ainda não consegui enviar), em que estão o Araújo, o Guimarães e outros dois soldados a depenar o galináceo e, como uma galinha era pouco, arranjámos mais uma, mas esta teve de ser comprada por 10 ou 20 pesos (moeda da Guiné).
Quando o Capitão, soube do nosso manjar, disse-nos:
− Vocês...estão a viver bem!
Comemos um bom arroz de cabidela, com a ajuda dos cozinheiros que participaram no repasto…
Foi das melhores refeições que tomei na Guiné… Obrigado, galinhas!...
A Guiné, que poucas alegrias me deu, assim como aos demais militares, sempre tinha destas histórias que atenuavam o sofrimento das situações trágicas e dramáticas que vivemos.
Hoje, estou numa de escrever, e envio esta história real, passada na Guiné em 1973, apenas como mera curiosidade no seio de um ambiente hostil em que a guerra, com todos os seus impactos trágico-dramáticos, infelizmente, “ditava lei “!
Ele pegou num tronco seco e atirou às galinhas, mas à sorte!... O milagre aconteceu… Não é que o pau, às cambalhotas, caiu na cabeça da galinha e matou-a fulminantemente! Nem queria acreditar!...
− Lurdes, vá a correr, pegue na galinha e ponha-a no bolso grande do camuflado e vamos mas é já embora− disse-lhe eu, perante o ar estupefacto dos outros soldados que estavam perto de mim, coçando-se do exército de formigas que os atormentavam…
Metemo-nos na Berliet Tramagal e só paramos no quartel de Tite. Pedi aos soldados para isto ficar em segredo.
Tenho uma foto (que ainda não consegui enviar), em que estão o Araújo, o Guimarães e outros dois soldados a depenar o galináceo e, como uma galinha era pouco, arranjámos mais uma, mas esta teve de ser comprada por 10 ou 20 pesos (moeda da Guiné).
Quando o Capitão, soube do nosso manjar, disse-nos:
− Vocês...estão a viver bem!
Comemos um bom arroz de cabidela, com a ajuda dos cozinheiros que participaram no repasto…
Foi das melhores refeições que tomei na Guiné… Obrigado, galinhas!...
A Guiné, que poucas alegrias me deu, assim como aos demais militares, sempre tinha destas histórias que atenuavam o sofrimento das situações trágicas e dramáticas que vivemos.
Hoje, estou numa de escrever, e envio esta história real, passada na Guiné em 1973, apenas como mera curiosidade no seio de um ambiente hostil em que a guerra, com todos os seus impactos trágico-dramáticos, infelizmente, “ditava lei “!
Como homem de paz vivi quase 27 meses, num desses ambientes.
Um abraço grande de profunda amizade mas, com confinamento…
Esposende 9 de Junho de 2020,
Esposende 9 de Junho de 2020,
Carlos Manuel de Lima Barros
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Notasdo editor:
(*) Vd. poste de 30 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P305: A escola de Bissássema (CCAÇ 3327, 1971/73) (Rui Esteves)
(...) Instalados em Bissássema, começámos vida nova: em Teixeira Pinto, terra do povo manjaco, tínhamos servido de seguranças ao pessoal que abria a nova estrada; aqui, na terra dos balantas, íamos continuar a construção do novo aldeamento.
Passado poucos dias, chama-me o Capitão Alves (Rogério Rebocho Alves, Capitão Miliciano, comandante da CCaç. 3327, tão periquito quanto nós todos!) e comunica-me que vou ser professor dos soldados que pretendessem completar o Ensino Primário. (...)
(...) Um dia, pela manhã, descobrimos que o caminho entre Bissássema e Tite estava minado: o PAIGC tinha colocado algumas minas anti-carro no caminho e também anti-pessoal num local onde escreveram “VIVA O PAIGC”. A mina anti-pessoal foi detonada da pior maneira: um guia ficou sem a perna.
Estava descoberto tema para essa noite: os meus alunos iam escrever sobre as minas. Nunca me esquecerei da redacção do Cabral, o nosso cozinheiro, e o meu melhor aluno: escreveu ele, “Há minas boas e minas más. As minas boas são as que nós pomos aos turras. As minas más são as que eles põem a nós.” (...)
(**) Último poste da série > 28 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21398: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (8): os meus livros de bolso, da RTP, oferecidos pelo MNF, em 25/1/1973, deixei-os a alguns guerrilheiros do PAIGC, em 17/7/1974... E comigo trouxe "farrapos" da nossa bandeira, e ainda os guardo, como símbolo do nosso sofrimento e coragem
1 comentário:
Carlos, como a tua história vinha sem título, e metia galinhas, eu lembrei-me da canção do Avô Cantigas que todos os avós da nossa santa terrinha têm que saber de cor e salteado, por causa dos netinhos... Tenho uma netinha com 10 meses, e já tive que aprender a canção...
Lembrar a letra é, pois, "serviço público" do nosso blogue, em tempo de pandemia da Covid-19, em que andamos todos doidos, e não só as galinhas:
Doidas, doidas, doidas, andam as galinhas
Para pôr o ovo lá no buraquinho
Raspam, raspam, raspam pra alisar a terra
Bicam, bicam, bicam pra fazer o ninho
Raspam, raspam, raspam pra alisar a terra
Bicam, bicam, bicam pra fazer o ninho
Arrebita a crista o galo vaidoso
Có-có-ró-có-có
Canta refilão
E todo emproado com ar majestoso
É o comandante deste batalhão
E todo emproado com ar majestoso
É o comandante deste batalhão
Doidas, doidas, doidas, andam as galinhas
Para pôr o ovo lá no buraquinho
Raspam, raspam, raspam pra alisar a terra
Bicam, bicam, bicam pra fazer o ninho
Raspam, raspam, raspam pra alisar a terra
Bicam, bicam, bicam pra fazer o ninho
Arrebita a crista o galo vaidoso
Có-có-ró-có-có
Canta refilão
E todo emproado com ar majestoso
É o comandante deste batalhão
E todo emproado com ar majestoso
É o comandante deste batalhão
E todo emproado com ar majestoso
É o comandante deste batalhão
Artista: Avô Cantigas
Álbum: É Bom Sonhar
Data de lançamento: 2012
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=K2txDZowfks
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