1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Memórias de Gabu
Camaradas,
Neste deambular constante pelas histórias
das nossas vidas como antigos combatentes, ocorreu-me rever o Natal de 1973, em
Nova Lamego. Tempo de paz celestial onde as homilias metropolitanas
proliferavam por tudo o que era sítio, enquanto, lá longe, ou seja, nos três
palcos da guerra - Angola, Moçambique e Guiné - jovens se debatiam com as
agruras de uma peleja que teimava em não dar tréguas.
Falo-vos, especificamente, do Natal que
vivi, melhor vivemos, na região de Gabu. Neste contexto, deixo-vos mais um texto
deste vosso velho camarada numa Guiné que forçosamente marcou gerações.
A todos os camaradas as minhas BOAS FESTAS!
A consoada
A noite da consoada de 1973, quente e de
luar, deixou-me imensas recordações. Lá longe, num outro ambiente completamente
antagónico, a família juntava-se à volta de uma lareira e cumpria a tradição.
Era a noite do Menino. Em Nova Lamego, Gabu, a festa era uma outra. A malta não
se deliciava com as filhoses da avó, não comia o ensopado do galo à
meia-noite, não sujava os lábios com os finos e doces
chocolates, nem tão-pouco contemplava as prendas deixados no
sapatinho pelo Menino Jesus a um canto da chaminé, enfim, uma série de
tradições que se protelavam nessas épocas no tempo.
Na região de Gabu o Natal desse ano, já
longínquo, foi inteiramente adverso àquele que marcou a minha juventude.
Recordo que os momentos de festa nos palcos de guerra deixavam antever, e
sempre, preocupações acrescidas.
Fazendo jus ao calor que se fazia sentir por aquelas bandas de África, resolvi alegrar a maltacom momentos de atração teatral, recordando, com ênfase, o momento vivido. Ah, naquele instante já me sentia atraído pelas gotas de whisky que baldavam o meu corpo e me atacavam as pernas.
O almoço recomendava-se
O Natal sempre se apresentou, para mim,
como um momento nostálgico que curto com um místico de eterna saudade e de
sentimentos múltiplos que muito me ajudaram a entender a filosofia da vida.
Recordo os velhos tempos na minha aldeia e as noites infinitas, e chuvosas, de
natais passadas a apanhar o calor do lume feito no chão.
Diz o poeta que “Natal é sempre quando o
homem quiser”. É verdade. Partilho por inteiro esta tamanha convicção. Na
Guiné, aliás, como em qualquer outra parte do Mundo Cristão, vive-se o Natal de
acordo com o ambiente em que fomos criados. A tradição propaga-se de geração
para geração.
A noite de 24 para 25 de Dezembro em Nova Lamego esteve ao rubro. Alguém (eu, particularmente) acicatou a malta e toca a lembrar a rapaziada que o tempo, aclamado de divino, proporcionava, também, momentos de laser e de relaxe puro. Procurei a indumentária que julguei apropriada, escrevi dizeres equacionados com a época vivida e toca a alegrar os camaradas de armas. Escusado será dizer que a noite foi regada com uma mistura de álcool que me levou para a cama completamente toldado. Mas a noite da Consoada foi passada com euforia. Uma achega: uma Ballantines velha – 12 anos - custava naquela época qualquer coisa como 40/50 escudos, se a memória não me falha. O seu beber era divinal. Aliás, a destilação do precioso líquido era feita em pleno coração da Escócia.
Messe de sargentos em dia de Natal e com almoço reforçado. Em pé o então 2º sargento Martins, o homem que geria a messe
No dia 25, dia de Natal, o 2º Sargento da nossa messe, de nome Martins, um alentejano de Elvas, brindou-nos com um almoço reforçado, a malta agradeceu e divertiu-se à brava. Momentos imperdíveis que jamais esqueceremos e passados em pleno palco de guerra.
Um
abraço, camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.:
Vd. também o
poste anterior desta série:
9 DE SETEMBRO DE 2020 >Guiné
61/74 – P21341: Memórias de Gabú (José Saúde) (96): A fé na guerra (José Saúde)
3 comentários:
Apesar da camaradagem, nunca a solidão era tão forte como no Natal...
Obrigado, Zé, pela partilha...
Mas, já agora, uma observações: o uísque Ballantines velh0, 12 anos, não podia custar, nessa época, "40/50 escudos" (pesos)... Isso er o uísque novom o Vat 69, o White Horse, etc. Devia ser o dobro...O "Ol Parr" custava para aí 110 pessos, no meu tempo (1969/71)...
A preços de hoje, os 40/50 escudos da Guiné, em 1973, corresponderia a 9,5 euros...
Também aljudei os "escoceses" nesse tempo... Agora, bebo pouco ou raramente um uísque. E sou "nacionalista": prefiro a aguardente DOC Lourinhã...
Olá, Luís Graça, meu amigo e camarada de armas na Guiné!
Boa! Eu "atirei" com aquele preço porque, na altura, as garrafas de uísque rondavam aqueles valores. Os novos eram mais baratos, os velhos os mais caros. Daí que ficasse a minha dúvida. Mas, obrigado pela tua rectificação.Creio, porém, que não me recordo comprar um uísque velho a mais 100 pesos. Valores sempre inferiores.
Abraço, grande amigo.
Zé Saúde
Ok, Zé, é possível que os preços tenham baixado no teu tempo... Estamos a falar do Natal de 73, o único que felizmente tu lá passaste. Houve quem apanhasse três, malta que chegou em dezembro de 1971, por exemplo, e só regressou em princípios de 1974, com mais de 24 meses de comissão. Eu apanhei dois Natais: 1969 e 1970...
Festas, boas e quentes!... Bebo um copo à tua, Zé!
Enviar um comentário