Tabanca da Lourinhã > 23 de novembro de 2020 > Um prato típico da "terra fria transmontana", o Butelo com casulas, aqui confeccionado à moda da "Chef" Alice... Receita para quatro à mesa (2 famílias), com a devida distância de 2 metros... Nada de "tudo à molhada e fé em Deus, como na ceia do Natal"...
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2020) . Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. No dia 23 de março de 2020, há 9 meses atrás, eu escrevia aqui (*):
(...) O que é que vamos comer hoje ?...
Obrigados a ficar em casa, com os restaurantes todos fechados, por todo o lado, devido à pandemia da COVID-19, esta deve ser uma pergunta que muitos dos nossos leitores começam a fazer, compulsiva e repetidamente...
E os bens essenciais, nomeadamente o pão, os iorgurtes, as frutas,os legumes, o peixe, a carne...começam a escassear no frigorífico e na despensa...Nem todos tiveram tempo (nem dinheiro...) para encher as "arcas frigoríficas", preparando-se para o "estado de emergência", que nos foi imposto, ironicamente, no "Dia do Pai", 19 de março...
É uma pergunta complicada (e que vai começar a ser mais angustiante, nos próximos tempos...) para os pais, que têm ainda filhos menores em casa, para os casais idosos (que não podem nem devem sair de casa, nem sequer para fazer compras...), para quem vive sozinho, mas também para os heróis dos dias de hoje que cuidam de nós e nos protegem (a começar pelos profissionais do SNS, proteção civil, forças de segurança, etc.)...
Obrigados a ficar em casa, com os restaurantes todos fechados, por todo o lado, devido à pandemia da COVID-19, esta deve ser uma pergunta que muitos dos nossos leitores começam a fazer, compulsiva e repetidamente...
E os bens essenciais, nomeadamente o pão, os iorgurtes, as frutas,os legumes, o peixe, a carne...começam a escassear no frigorífico e na despensa...Nem todos tiveram tempo (nem dinheiro...) para encher as "arcas frigoríficas", preparando-se para o "estado de emergência", que nos foi imposto, ironicamente, no "Dia do Pai", 19 de março...
É uma pergunta complicada (e que vai começar a ser mais angustiante, nos próximos tempos...) para os pais, que têm ainda filhos menores em casa, para os casais idosos (que não podem nem devem sair de casa, nem sequer para fazer compras...), para quem vive sozinho, mas também para os heróis dos dias de hoje que cuidam de nós e nos protegem (a começar pelos profissionais do SNS, proteção civil, forças de segurança, etc.)...
Enfim, uma pergunta complicada para a generalidade dos portugueses e das portuguesas em "tempo de guerra"...
Haveremos de "sair desta"... Mas até lá, é tempo de começar a puxar pela imaginação e "fazer das tripas coração"... Muitos de nós nascemos na "época da fome"... Refiro-me aos nossos pais (nascidos por volta dos anos 20 do séc. XX) mas também à nossa geração, a nós, ex-combatentes da guerra colonial (nascidos nos anos 40).
Haveremos de "sair desta"... Mas até lá, é tempo de começar a puxar pela imaginação e "fazer das tripas coração"... Muitos de nós nascemos na "época da fome"... Refiro-me aos nossos pais (nascidos por volta dos anos 20 do séc. XX) mas também à nossa geração, a nós, ex-combatentes da guerra colonial (nascidos nos anos 40).
Quem de nós, crianças, bebia leite de vaca, pasteurizado ? E quem comia queijo ? E os iorgutes ? E os ovos ? E o pão de trigo ? E o peixe fresco, tirando a "sardinha para três" e o "bacalhau a pataco" ?... Par não falar das "guloseimas"...
(...) E nós próprios, na Guiné, durante a nossa "comissão de serviço militar"... A pergunta "o que é que vai ser hoje o tacho?", era recorrente, depois de uma noite emboscados, ou de sentinela, ou no regresso de um patrulhamento ofensivo, ou no decurso de uma operação no mato, de dois ou até três dias, a "rapar fome e sede"...
Sonhávamos, acordados, com água, com comida...E no quartel, vingávamo-nos com os petiscos... Quem tinha messe, como os oficiais e sargentos, sempre comia um pouco melhor do que a generalidade das praças... A verdade é que se gastava uma boa parte da energia a resolver o angustiante problema da "bianda": onde comprar (ou "roubar"...) um leitão, um cabrito, uma galinha, uma vaca ?!... Um ou outro caçava ou arranjava caça: lebres, galinhas do mato, gazelas... Que o peixe da bolanha, esse, era intragável...
Estas lembranças vêm.nos à baila, agora que a nossa dieta alimentar é condicionada pela falta de recursos, como os "frescos"...tal como na Guiné há 50 anos atrás.
Talvez por isso não seja má ideia de passarmos a comer também "com os olhos" (...)
(...) E nós próprios, na Guiné, durante a nossa "comissão de serviço militar"... A pergunta "o que é que vai ser hoje o tacho?", era recorrente, depois de uma noite emboscados, ou de sentinela, ou no regresso de um patrulhamento ofensivo, ou no decurso de uma operação no mato, de dois ou até três dias, a "rapar fome e sede"...
Sonhávamos, acordados, com água, com comida...E no quartel, vingávamo-nos com os petiscos... Quem tinha messe, como os oficiais e sargentos, sempre comia um pouco melhor do que a generalidade das praças... A verdade é que se gastava uma boa parte da energia a resolver o angustiante problema da "bianda": onde comprar (ou "roubar"...) um leitão, um cabrito, uma galinha, uma vaca ?!... Um ou outro caçava ou arranjava caça: lebres, galinhas do mato, gazelas... Que o peixe da bolanha, esse, era intragável...
Estas lembranças vêm.nos à baila, agora que a nossa dieta alimentar é condicionada pela falta de recursos, como os "frescos"...tal como na Guiné há 50 anos atrás.
Talvez por isso não seja má ideia de passarmos a comer também "com os olhos" (...)
2. Ao longo destes 9 meses temos aqui deixado algumas sugestões gastronómicas, nacionais e internacionais (**), apropriado para combater o "corno...vírus", e sobretudo para que os nossos "vagomestres" e os/as nossos/s cozinheiros/as não deem em doidos/as... (E nós com eles: não há um "bom moral na tropa" sem um bom rancho.)
Uma das sugestões que já aqui apresentámos foi justamente o "Butelo com casulas", um típico prato do nordeste transmontano que eu desconhecia por completo até há uns anos, e de que hoje sou feito fã.... A "chef" Alice trouxe, adotou e adaptou a receita, há uns anos...Mais difícil é arranjar os ingredientes, o butelo, as casulas...
"Comida dos pobres", em Trás-os-Montes, tal como as "sopas dos ganhões" no Baixo Alentejo, são hoje "comida gourmet", redescoberta e reiventada pelos "chefs"...
E, em Bragança já há a "Confraria do Butelo e da Casula", com página no Facebook, embora sem dar notícias desde o carnaval de 2019...
Recorde-se o que é:
(i) o butelo: enchido grosso, feito com carne e ossos partidos do espinhaço e das costelas do porco, envoltos na bexiga ou no bucho do animal.
(ii) as casulas: vagens seca do feijão, colhidas ainda verdes e cortadas em pequenos pedaços que secam ao sol e que, depois de demolhados, são cozidos e usados na alimentação, e nomeadamente no célebre "butelo com casulas" (Vd. fotos acima).
(ii) as casulas: vagens seca do feijão, colhidas ainda verdes e cortadas em pequenos pedaços que secam ao sol e que, depois de demolhados, são cozidos e usados na alimentação, e nomeadamente no célebre "butelo com casulas" (Vd. fotos acima).
É um prato típico para partilhar com os amigos, sobretudo nesta altura do ano... Por causa da pandemia. precisamos de uma mesa grande, para quatro...
Foi o que fizemos há dias, repetindo a dose de há 9 meses atrás, tendo como convidados os "Duques do Cadaval", régulos da Tabanca do Atira-te ao Mar (Porto das Barcas, Lourinhã) que visitamos também com alguma regularidade...
Desta vez eles vieram à casa dos "viscondes da Lourinhã"... E a propósito, hoje é dia de dar os parabéns à Maria do Céu Pinteus, a "duquesa"; já lhe mandei, pelo correio, o soneto que ela merece, por mais um aninho de vida; ela e ele, o Joaquim Pinto de Carvalho, os "duques do Cadaval", têm sido, de resto, uns magníficos companheiros de viagem nesta "travessia do deserto da pandemia"; eles e outra gente da "nobreza local", como, por exemplo, o Jaime Bonifácio Marques da Silva, "marquês do Seixal".
Cansados da "guerra" (a pandemia já vai em 9 meses, e está para durar...), nem por isso podemos "baixar a guarda"... E, a propósito, já encontrei por estas bandas, mais dois "refuguiados de guerra", o José Ramos e o Luis Mourato Oliveira, ex-combatentes na Guiné e membros da Tabanca Grande... Têm cá casa, tal como os "Duques do Cadaval"... Por enquanto a Lourinhã ainda não está na "lista...vermelha".
E, ainda a propósito, andamos para combinar, com o Luís Mourato Oliveira (que nos arranjou umas batatas "raiz de cana", uma raridade...), uma "batatada de peixe seco"... Temos tudo (, o peixe e as batatas), só falta a data e o local mais convenientes...
O Luís andou em tempos, com uns amigos da Marteleira, entusiasmado com a ideia, tal como eu, de se criar uma "confraria do peixe seco e da batata raiz de cana", no concelho da Lourinhã... Até já fizeram estatutos!... A pandemia não tem ajudado a avançar o projecto...
Temos que continuar a alimentarmo-nos bem (,adaptando a "dieta mediterrânica" às circunstâncias), e a fazer algum tipo de exercício (físico e mental), sem nunca descurar as regras de proteção sanitária, enquanto aguardamos a "milagrosa" imunização, a vacina, contra o Sars-CoV2.
E já que chegámos até aqui, camaradas e amigos, não vamos morrer na praia!... Festas, quentes e boas, mas com cautela...! LG
___________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 23 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20762: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (3): Favas suadas e Butelo com casulas
(*) Vd. poste de 23 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20762: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (3): Favas suadas e Butelo com casulas
5 comentários:
Bela apresentação, D. Alice, senhora professora, o sabor adivinha-se muito bom! Prato típico da minha região, não me lembro de outro, discordo do Luís , quando escreve que era um prato dos pobres pois era igualmente de ricos. Um prato com bom sabor e muitas calorias que aquecia os corpos e almas das gentes do Nordeste Transmontano nos messes frios do Inverno. No Domingo Gordo e no Entrudo era obrigatório. O butelo . chama-se bulho na minha terra, dá um sabor especial ao prato e beleza também. Todos os anos além de o comer em Brunhoso, quando vou lá, nessa quadra tenho-o comido em casa do João, meu irmão, que mora também no Porto, a cerca de um quilómetro de minha casa. Ele sabe cozinhá-lo bem, segundo a opinião sábia da minha mulher. Passados oito ou quinze dias costumamos convidá-los a eles para comerem uma feijoada, que a D. Fátima cozinha muito bem, a nossa casa. Este ano não sei se a pandemia o vai permitir.
Luís Graça, muito obrigado pela divulgação.
Abraço
Francisco Baptista
Francisco, ti e Tras-Os-Montes merecem tudo.Temos a obrigação de divulgar as coisas boas e belas da nossa terra. Muitos conhecem mal o interior do país.
Confesso que não queria ofender nem os ricos nem os pobres de Brunhoso...A distinção não é fácil hoje em dia e ainda bem.No passado dizia-se,em Pitoes das Junias, que quem tinha 20 vacas etapa rico..O pobresto teria no máximo 4...
Fui atrás dos ossos...Os ossos eram para os cães e os pobres...Mas o Botelho vem desmentir o ditado...
Já reli o teu livro. A nota de leitura está na calha...Festas quentes e boasecos. Luis
.
.
Luís , regiões diferentes e economias diferentes, conheço Pitões das Junias e gosto muito de ir lá, com semelhanças com o Minho e Trás-os-Montes, mas acredito que nesse tempo o lavrador da minha aldeia com 4 vacas e seis vitelos, seria tão rico como um lavrador e da aldeia do Gerês com vinte vacas, porque esse lavrador teria muito azeite e muito trigo também.
A carne perto do osso é a mais saborosa.
Errei quando disse que as "casulas com bulho" seria o único prato típico que conheço da minha região, porque há outro mais conhecido e aclamado que é a posta à mirandesa. Posta criada nas barracas de comes e bebes, nas feiras do Planalto de Miranda, em Mogadouro, Vimioso, Sendim e Miranda do Douro e que a velha Gabriela , uma mulher de barba rija, deu fama, quando a passou a servir, no pequeno restaurante da sua pensão em Sendim, onde dava dormidas a caixeiros viajantes, andarilhos e palradores que a divulgaram por todo o país.
Abraço
Francisco Baptista
Francisco, como deves imaginar "sou mais peixeiro do que carneiro"... mas também não resistir a um bom naco de posta mirandesa... Fui à Gabriela, há muitos anos, quando começou a ter fama... Adoro todo a gastronomia do todo o nosso Norte,incluindo os pratos minhotos de bacalhau...
Boa continuação das festas. Luis
Quando volto a Portugal farto-me de comer os nossos pratos tradicionais que não apanho aqui no Canada oeste ou não sei fazer...e mesmo sabendo nunca têm o mesmo sabor! Mas sou algarvio e não conhecia estes manjares transmontanos! Por isso venho perguntar, sobre o "butelo"
...o butelo: enchido grosso, feito com carne e ossos partidos do espinhaço e das costelas do porco, envoltos na bexiga ou no bucho do animal...
...é só usada a carne junto aos ossos, não?
Achei muito interessate dar o nome "casulas" ao feijao com casca e seco...
Estamos sempre a aprender. Obrigado.
Boas Festas
Antonio Marreiros
Enviar um comentário