Guiné > Região de Quínara > Empada > CCAÇ 1587 (Cachil, Empada, Bolama e Bissau, 1966/68) > Ualada > Destacamento do "Rancho da Ponderosa> O soldado Jorge Patrício, à porta do destacamento. Em 2009, vivia em Viseu, aposentado da função pública.
É a única foto que conhecemos do "Rancho da Ponderosa" (*)... Foi a CCAÇ 616, sob o comando do alf mil Joaquim Jorge, quem fundou o "Rancho da Ponderosa", começando a construi-lo a partir de 17 de março de 1965, como ele nos explica neste poste. (**)
A CCAÇ 616 foi depois substituída, no subsector de Empada, pela CCAÇ 1423 entre janeiro de 1966 e novembro, com um pelotão destacado em Ualada. Seguiu-se-lhe a CCAÇ 1587 e depois a CCaç 1787, a partir de janeiro de 1968 (***). Teve um pelotão em Ualada até março de 1968,
A partir daquela data deixa de haver referências a Ualada nos livros da CECA. È possível que a tabanca terá sido abandonada pela população e o destacamento desativado no segundo semestre de 1968 na sequência da retração e racionalização do dispositivo no CTIG, no início do "consulado" de Spínola, altura (2º semestre de 1968/ 1º semestre de 1969) em que foram abandonadas outras posições como Ponta do Inglês, Gandembel, Ganturé, Cacoca, Sangonhá, Beli, Madina do Boé, Cheche...
Foto : Cortesia do CM - Correio da Manhã, edição de 4/10/2009. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Brasão da CCAÇ 616 (Empada, 1964/66).
A divisa, em latim, "Super Omnia", quer dizer "acima de tudo".
Foto do álbum do Francisco Monteiro Galveia
(ex-1º cabo op cripto, vive em Fronteira)
CCAÇ 616 > Empada, 1964/66 > Pequeno resumo dos dois anos
em que estive na guerra (*)
III (e última ) Parte - 1965: A reconquista da bolanha de Ualada
e a construção do "Rancho da Ponderosa"
O ano de sessenta e cinco, ao contrário daquilo que esperávamos, não nos foi muito favorável; não no aspecto de ataques ao aquartelamento, mas na questão do trabalho e entradas em operações, coisa que tinha andado esquecida pelos “maiores” desde que entráramos em quadrícula.
Guiné > Região de Quínara > Carta de Empada (1961) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Empada e, a sudeste, Ualada, onde a CCAÇ 616 passou a ter um pelotão destacado a partir de março de 1965. O destacamento foi batizado como "Rancho da Ponderosa". A bolanha de Ualala era também conhecida como bolanha de São Miguel.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)
(**) Vd. postes anteriores da série >
Diga-se, em abono da verdade, que uma Companhia quase independente como era a minha, não podia dispor senão de dois pelotões para operações, pois não íamos deixar o aquartelamento quase abandonado quando nos tinha custado suor, lágrimas e sangue para conquistarmos uma posição mais ou menos sossegada. Mas quem manda pode e vimo-nos obrigados a entrar em operações somente com os componentes da milícia e às vezes protegidos e ajudados pela força aérea.
Era ideia fixa a conquista da bolanha de Ualada, há vários anos inculta e mais ou menos em poder do inimigo. Não haja a menor sombra de dúvida de que a única maneira de se acabar com a guerrilha é roubar ou reconquistar os fulcros da alimentação do inimigo. Bolanha é um campo ou vários campos de cultivo de arroz banhados pelo mesmo rio por meio de ouriques.
A bolanha de Ualada, também chamada bolanha de São Miguel, que a nossa companhia cognominou de “Ponderosa”, em lembrança da série “Bonanza” da TV. cultivada na sua totalidade, dava para cima de vinte toneladas de arroz, arroz esse que viria acabar com o problema da fome em Empada. [ A série do faroeste "Bonanza", com a saga da família Cartwright, proprietária do rancho da "Ponderosa", no Nevada, estreou-se, na televisão americana, em 1959; foi um extraordinário de caso de popularidade e longecidade; começou a ser exibida na RTP em 1961. (LG)]
Depois de várias divergências entre o coronel, comandante de sector, e eu, comandante da companhia, apoiado pela população, ficou decidido que iríamos ocupar Ualada para construirmos uma posição de autodefesa à bolanha…(mais à frente relataremos em pormenor esta divergência.)
Foi com muita ansiedade e espectativa que chegou o dia dezassete de Março, pois foi neste dia que chegámos a Ualada (“Ponderosa”), distante quatro quilómetros de Empada, com armas, pás, picaretas, arame farpado, chapas de bidão e algumas rações de combate, prontos para a sua reconquista e instalação de um novo “quartel”.
Foi com muita ansiedade e espectativa que chegou o dia dezassete de Março, pois foi neste dia que chegámos a Ualada (“Ponderosa”), distante quatro quilómetros de Empada, com armas, pás, picaretas, arame farpado, chapas de bidão e algumas rações de combate, prontos para a sua reconquista e instalação de um novo “quartel”.
Coube ao 2º pelotão, comandado pelo alferes Pedro Oliveira e a um pelotão de milícias a permanência dos primeiros dez dias e nesses dez dias dormiram em buracos cavados no chão abertos no primeiro dia com chapas de bidão por cima para se protegerem de possíveis ataques.
Rapidamente e com muito esforço, a “Ponderosa” ganhou forma e a bolanha começou a ser preparada. Além dos buracos e abrigos construímos algumas casas para aquartelamento em adobes artesanais feitos com as mãos e os pés, pois não tínhamos utensílios necessários para a sua fabricação de outra forma. Mas foi uma obra feita com gosto e entusiasmo.
Os pelotões eram rendidos de dez em dez dias e todos queriam fazer melhor que os anteriores. Tentámos construir o aquartelamento imitando o oeste americano que conhecíamos através da série televisiva “Bonanza”, por isso batizámos o aquartelamento por “Rancho da Ponderosa”. A bolanha começou a produzir e assim a render o benefício do esforço dispendido por nós, militares, pela milícia e pela população e a "Ponderosa" começou a crescer também como “Tabanca” e a fome desapareceu da população de Empada.
Foi um grande orgulho para a Companhia 616 esta obra que mereceu a visita e a admiração do Governador General Arnaldo Schulz, de outras altas entidades militares, assim como da Embaixada Militar Americana em Portugal e ainda de uma equipa de jornalistas de “O Século” em cujo jornal foi publicada uma grande reportagem.
No período em que andámos ocupados com as obras da Ponderosa, os “grandes da guerra” deixaram de pensar na nossa companhia para outras operações. Pensámos então nós que a "Ponderosa" tinha sido a nossa tábua de salvação, mas assim não sucedeu. Quando a "Ponderosa" já não oferecia qualquer possibilidade ao inimigo, voltámos às operações embora já com a companhia em precárias condições gerais de saúde. Operações como as que efectuámos em Aidará, Satecuta, Gã-Eugénia, Batambali, Darsalame e tantas outras, para não mencionar todas, não mais se apagarão das nossas memórias, tão gravadas ficaram pelo esforço, suor, sangue e lágrimas em todos os militares da Companhia de Caçadores 616.
No período em que andámos ocupados com as obras da Ponderosa, os “grandes da guerra” deixaram de pensar na nossa companhia para outras operações. Pensámos então nós que a "Ponderosa" tinha sido a nossa tábua de salvação, mas assim não sucedeu. Quando a "Ponderosa" já não oferecia qualquer possibilidade ao inimigo, voltámos às operações embora já com a companhia em precárias condições gerais de saúde. Operações como as que efectuámos em Aidará, Satecuta, Gã-Eugénia, Batambali, Darsalame e tantas outras, para não mencionar todas, não mais se apagarão das nossas memórias, tão gravadas ficaram pelo esforço, suor, sangue e lágrimas em todos os militares da Companhia de Caçadores 616.
Não há dúvida nenhuma de que a CCAÇ 616 fez um grande trabalho a nível militar e social durante os seus dois anos de comissão em Empada Não quero com isto dizer que a nossa companhia tenha acabado com a guerra nesta região. Esse não é trabalho para uma só companhia, mas sim para um efectivo militar muito maior e bem organizado. Todavia de todos os locais que pertenciam ao nosso subsector, só nos faltou “visitar” os acampamentos inimigos de Pobreza e Cachobar.
Lembramos que a nossa área de acção foi o maior subsector do sul da Guiné, indo, no sentido este/oeste, de Antuane e Batambali até Darsalame e Madina de Baixo, não esquecendo de Pobreza para sul. Tudo isto dava uma extensão de cerca de quarenta quilómetros no seu maior comprimento.
O convívio constante e fraternal e o nosso trabalho de apoio incondicional criaram a amizade e a confiança de todos os nativos. Estou a recordar-me agora de um acontecimento que mostrou bem a amizade e a confiança que toda a população de Empada votava em nós: No regresso da operação a Darsalame, considerado por todos uma aventura e um mito perigosíssimo, pois há três anos que lá não iam tropas, ao regressarmos e apesar da hora tardia, vinte horas, toda a população veio para as bermas da rua que dava para o aquartelamento agradecer, incitar e gritar por Empada e pela 616.
Depois de um esforço tão grande da nossa parte e do êxito alcançado, nada melhor para retemperar as forças do que ter ouvido os incitamentos e manifestações de alegria por parte daquela magnífica e saudosa população de Empada que sabia viver e reconhecer os momentos difíceis pelos quais atravessávamos. Na luta, no trabalho, na compreensão e na amizade, o branco era de cor e o de cor era branco.
Apesar de tudo quanto sofri, sempre sentirei saudades da “querida” Empada.
Ferrel, 8 de Janeiro de 2022 – Dia do 58º aniversário da minha partida para a Guiné.
Apesar de tudo quanto sofri, sempre sentirei saudades da “querida” Empada.
Ferrel, 8 de Janeiro de 2022 – Dia do 58º aniversário da minha partida para a Guiné.
Guiné > Região de Quínara > Carta de Empada (1961) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Empada e, a sudeste, Ualada, onde a CCAÇ 616 passou a ter um pelotão destacado a partir de março de 1965. O destacamento foi batizado como "Rancho da Ponderosa". A bolanha de Ualala era também conhecida como bolanha de São Miguel.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)
_________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 16 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20246: Episódios da minha guerra (Manuel Viegas, ex-fur mil, CCAÇ 1587, Empada, Catió e Ilha do Como, 1966/68) - Parte I: O ataque ao destacamento avançado, "Rancho da Ponderosa", na tabanca de Ualada, subsetor de Empada
(**) Vd. postes anteriores da série >
28 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23040: Pequeno resumo dos dois anos em que estive na guerra (Joaquim Jorge, ex-alf mil, CCAÇ 616 / BCAÇ 619, Empada, 1964/66) - Parte I: 1964: 30 de maio, um ataque de seis horas!
(***) Vd. poste de 22 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15780: Consultório militar do José Martins (18): Forças Militares Portuguesas que passaram por Empada
4 comentários:
Olá comtemporâneo Quim Jorge: Faz lembrar em parte a contrução do quartel do Cachil pela C.caç. 557, mas estes factos á juventude de hoje não lhes diz algo, só quem passou por eles sabe dar o referido custo e valôr. Abraço.
Quando leio estes testemunhos, penso sempre que fui um privilegiado, somente sete meses na Guiné.
Mas sempre tive noção de que tudo o que se encontrava feito nos nossos quartéis, tinha sido feito pelos camaradas das companhias anteriores. Com muito esforço e sangue.
Para que a memória não se apague é bom o testemunho dos que desejam partilhar, tais vivencias e acontecimentos.
"Infelizmente os jovens habituaram-se a comprar tudo feito".
Um grande abraço.
José Emídio Marques
Luís Graça (by email)
6 mar 2022 14:29
Joaquim, leste o que o teu camarada Francisco Galveia, 1º cabo cripto, escreveu no Facebook da Tabanca Grande no dia 3 do corrente )? Aqui vai, para o caso de não leres lido. Vou publicar em poste. Continua a escrever, faz-te bem, a ti e a nós. E precisamos de fotos de Empada e seu subsetor dessa época...
Ab, saúde. Luís
https://www.facebook.com/people/Tabanca-Grande-Lu%C3%ADs-Gra%C3%A7a/100001808348667
Francisco Monteiro Galveia (que é membro da nossa Tabanca Grande):
Olá, Jorge, obrigado pelas tuas memórias. Embora fales nesse grande ataque muito resumidamente, tivemos muita sorte, as morteiradas do IN, passando por cima do nosso quartel, foram cair próximo dos que nos atacavam do lado contrário. Tínhamos uma metralhadora sempre apontada a uma árvore de grande porte que estava a poucos metros do arame farpado e de cima dessa árvore o IN atingia o centro do nosso quartel, devemos muito ao apontador dessa metralhadora, pois ficaram objetos e uma espingarda caída debaixo da árvore.
Mesmo sem feridos, uma parte do nosso pessoal reagiu tarde e mal ao ataque, no posto de rádio só estive eu e o Simões, radiotelegrafista, o resto do pessoal só apareceu de manhã, o Guilherme (desculpa) entrou de gatas para o centro cripto, ficou deitado por baixo duma secretária durante horas. Não era fáceis as comunicações de noite. No entanto, durante a madrugada com os dados que eu tinha enviamos uma mensagem para Bissau via Bedanda a pedir socorro e a comunicar que tínhamos algumas munições quase esgotadas. A resposta foi a presença de uma avioneta a muita altitude pelas 8 da manhã a procurar saber o que se passava.
Jorge, muitas outras situações de Empada gostava que abordasses, entre elas a operação que fizemos à terra do José P Pinto Leite, a uns 20 quilómetros de Empada, fomos a pé e voltámos em lanchas da marinha.
Joaquim, o Galveia deve ter trocado os nomes, o James Pinto Bull (1913-1970) é que era guineense, nascido em Bolama... O outro deputado, chefe da ala liberal da União Nacional, na Assembleia Nacional, José Pedro Pinto Leite (1932-1970), era de Cascais... Ambos morreram, como sabes, juntamente com mais outros 2 deputados, num acidente de helicóptero, sob o rio Mansoa, no regresso a Bissau, em 25/7/1970, em circunstâncis não totalmente esclarecidas.
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/James%20Pinto%20Bull
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/J.%20P.%20Pinto%20Leite%20%281932-1970%29
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