quarta-feira, 8 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23338: Fotos à procura de... uma legenda (165): A Mona Lisa de Bubaque, 2008: "O que dizem os teus olhos, mulher bijagó ?" (Tiago Costa / Joaquim Costa)...

 


Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 > “O que dizem os teus olhos, mulher bijagó”?


Foto (e legenda) © Tiago Costa / Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Esta foto tem 14 anos. Foi tirada pelo Tiago Costa, engenheiro, da empresa Soares da Costa, num fim de semana de descontração e passeio a Bubaque, nos arquipélago dos Bijagós. O Tiago e os seus colegas da empresa estavam então a construir a ponte sobre o rio Cacheu, em São Vicente (*). 

O nosso camarada Joaquim Costa (ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) nunca foi a Bubaque, onde não havia guerra. Muitos de nós nunca fomos a Bubaque. Um ou outro, mais felizardo, conseguiu lá dar um salto durante a guerra (1961/74).  

O Joaquim Costa nunca mais voltou à Guiné, com pena sua. Mas "regressou lá em pensamento" através das fotos do filho. E a esta (reproduzida acima) põs uma legenda interrogativa: "O que dizem os teus olhos, mulher bijagó?"...

Está lançado o mote para mais um poste desta série "Fotos à procura de...uma legenda" (**).


2. Já temos três comentários... Oxalá os nossos inspirados leitores acrescentem mais uns tantos... Afinal há qualquer coisa de intrigante, sedutor, misterioso, desafiante, irónico, quiçá de angustiante e de  trágico... no olhar desta Mona Lisa de Bubaque. É um olhar humano, que pode ter mil e uma leituras... (**)

Recorde-se que os Bijagós já há muito que está colocado na lista dos 10 lugares mais ameaçados do planeta face às mudanças climáticas. E Bubaque restá a sofrer forte pressão humana e turística... mas não tem água potável, saneamento básico, recolha de lixo...

(i) Cherno Baldé:

Caro amigo Joaquim Costa,

“O que dizem os seus olhos” ?

Os seus olhos dizem o que , de facto, ela é, mulher bijagó, orgulhosa, simples e sem medo, ligada à terra e às suas profundas raizes culturais. Os seus olhos trazem em si o desassossego das águas do mar Atlântico e a resiliência de quem sempre lutou para continuar a existir por si e ainda acredita na infinidade da vida e do mundo que os rodeiam e dão sentido à sua existência.
Ali, num espaço de uns reduzidos 2 metros quadrados, tens a descriçao completa do mundo bijagó:

  • a força da tradição, expressa numa saia de fibras extraidas de ramos da palmeira;
  • os seus utensilios artesanais de carga e de transporte, com que se constrói a vida diária da mulher bijagó;
  • as folhas de plantas com que fabricam as esteiras entrelaçadas, utilizadas como camas:
  • e, sobretudo "o chabéu" os frutos da palmeira (tchebém em Crioulo), a arvore “fétiche” e polivalente que fornece mais de que metade da alimentaçao diaria do povo Bijago, sem precisar , quase, de nenhuma assistância do exterior..

Um olhar de confiança e de aconchego que convida os estrangeiros para uma convivência plena e pacífica, num mundo que pertence a todos.

Conta-se sobre os bijagós que, numa das muitas campanhas (guerras) de pacificação vs repressao entre portugueses e bijagós, particularmente na Ilha “rebelde” de Canhabaque, derrotados mas não convencidos, foram-lhes impostos condiões de rendição segundo as quais deveriam pagar de forma imediata e sem derrogações, todos os impostos em dívida durante muitos anos de rebeldia e ainda acrescidos de coimas por incumprimento de prazos legais. 

O chefe ou a chefe dos bijagós pediu aos seus para que trouxessem o que chamou de dinheiro bijagó. E assim, diante do Comandante, foram depositos os sacos cheios de nozes do fruto da palmeira (coconotes) sobre os quais o chefe, retomando as palavras iniciais dirigidas aos brancos e seus auxiliares fulas, informou que o coconote (fruto da palmeira) era o único bem valioso que o bijagó conhecia e detinha, porque o outro bem ou dinheiro ao qual, certamente, o chefe fazia alusão era dos brancos, fabricado na sua terra de origem e com a efige do seu rei e soberano a que eles, bijagós, nao dizia respeito e nem possuiam na sua humilde terra para se servirem como meio de pagamento.

Os bijagós eram assim, simples, directos e destemidos.
Com um abraço amigo, Cherno Baldé

8 de junho de 2022 às 16:17

(ii) Tabanca Grande Luís Graça:

Magnifico comentário, Cherno, grande homenagem às mulheres e aos homens bijagós, gente que faz gala da sua dignidade e orgulho.

Mantenhas.

8 de junho de 2022 às 16:24

(iii) Joaquim Costa:

Obrigado, Cherno. Pela tua extraordinária, e quase comovente, descrição sobre esta linda mulher Bijagó

Este olhar não deixa ninguém indiferente. É um olhar que alcança muito para além daquilo que os olhos vêm.

Neste olhar não há tristeza, não há medo, não há rancor… Há LIBERDADE

Joaquim Costa

8 de junho de 2022 às 16:46

______________

Notas do editor:

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quando falo em Mona Lisa de Bubaque, estamos a comparar duas imagens "incomparáveis": uma, é um pintura renascentista, do genial Leonardo Da Vinci, do início do séc. XVI, talvez a pintura mais famosa (e misteriosa) de todos os tempos.. A outra imagem é uma simples foto, digital, tirada por um turista, em Bubaque, Bijagós, Guiné-Bissau, no 1º trimestre de 2008 (talvez a 2 de fevereiro de 2008, sábado, na altura do Carnaval, que foi a 5)...E, claro, editada por nós...

Mas o Da Vinci teria gostado de conhecer (e retratar) esta "bajuda" bijagó...A "Giaconda" de Bubaque... LG

__________

https://pt.wikipedia.org/wiki/Mona_Lisa

https://en.wikipedia.org/wiki/Mona_Lisa

Valdemar Silva disse...

A Bajuda de Bubaque parece estar curiosa a tentar perceber o que estão dizer sobre ela: parece-lhe ser um elogio.
O fotógrafo apanhou-lhe o sorriso de vaidosa a meio de querer perguntar bo misti ke?

Valdemar Queiroz

José Saúde disse...

Bajudas

Creio que as bajudas da Guiné eram, e são, jovens de uma pura e exímia beleza. Estas fotos, e as suas legendas, são da autoria de Tiago Costa e Joaquim Costa e revelam uma sensibilidade sublime de uma mulher cujo olhar seria, no fundo, motivo para o saudoso Leonardo Da Vinci dela se encantar e originar mais uma magnifica tecla do seu excelente espólio, como se depreende do texto do nosso camarada Luís Graça.

Além do mais, temos uma extraordinária informação do nosso amigo Cherno Baldé, um homem que bem conhece a natureza das etnias guineenses e que fala (e escreve) com elevada exatidão dos seus concidadãos.

Zé Saúde

O olhar desta mulher/bajuda bijagó tem um louvável encanto e, sobretudo, uma digna ternura. Bem-haja aqueles que “da lei da morte se vão libertando” e trazendo a todos camaradas a exemplaridade de jovens guineenses que outrora conhecemos em tempo de guerra, mas hoje de liberdade.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, obrigado pelo teu comentário, tu, que como a maior parte de nós, jovens na "flor da idade", fomos sensíveis à beleza e à sensualidade da mulher guineense...Para mim, esta linda bijagó de Bubaque (terra que infelizmente não tive tempo de conhecer, a não ser também através das belas fotos do meu filho, que lá passou um fim de semana, 11/13 de dezembro de 2009)... mete a "pálida e aristocrática" Giaconda a um canto...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/03/guine-6374-p7931-notas-fotocaligraficas.html

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/03/guine-6374-p8005-notas-fotocaligraficas.html

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/04/guine-6374-p8043-notas-fotocaligraficas.html

Hélder Valério disse...

Acho que, no essencial, o mais importante que esta(s) foto(s) nos mostra(m) está já bem caracterizado.
Considero que tudo o que foi dito, o foi com a propósito e só posso concordar.
Além do mais, as fotos são, e estão, muito boas

Hélder Sousa