sábado, 25 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23384: Memória dos lugares (442): Apenas um mês em Bula e a Mata do Choquemone marcou para sempre a CCaç 4541/72 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 2 de Junho de 2022:

Amigos e camaradas da Guiné,
Apenas um mês em Bula e a mata do Choquemone marcou para sempre a CCaç 4541/72.

Chegados à Guiné em 21 de Setembro de 1972, estes "periquitos", numa das suas ações ofensivas no Choquemone e Ponta Matar tiveram o primeiro embate sério com o IN, na mata do Choquemone em 25 de Novembro de 1972 e são obrigados recolher a Bissau, embalar os seus mortos, para os enviar à família e tratar das suas feridas.

Ainda mal refeitos do desfecho desta operação, vão participar na Operação Grande Empresa em 12 de Dezembro de 1972 e posteriormente ocupar Caboxanque, na região de Tombali, onde estiveram mais de 15 meses e durante este período reforçaram ainda as posições de Jemberem, Cadique e Cufar.

Depois de quase 18 meses de Guiné, vão para Safim, onde chegaram em 6 de Março de 1974 e já com o estatuto de "velhos" foi o merecido descanso do guerreiro, mas para alguns durou pouco. O destacamento de Capunga a sul e o destacamento de João Landim a norte foram de seguida ocupados. Em Safim ficaram o Comando, a gestão corrente da Unidade e os restantes militares.

Fui ter com eles a Safim em Março de 1974, passados 15 dias escrevi um aerograma aos meus pais com uma pequena mensagem a dizer que estava na Guiné e bem. Escusado será dizer que nem eles sabiam que tinha sido mobilizado para a Guiné . Apesar de me sentir bem preparado física e psico e manobrar muito bem as armas, constatei que não era o suficiente. Aqui fui encontrar uma Unidade muito segura, disciplinada e eficiente, nas patrulhas pouco se falava e muito menos de noite, cada um sabia exactamente o que fazer e como fazer, o que tornava tudo muito simples.

Sob o comando do Alf. Mil. Pratas fomos ocupar o Destacamento de João Landim norte, constituído por um pequeno "Hotel" cavado debaixo da terra circundado por uma trincheira, com um chuveiro de água ligado a vários bidões de 200 litros, que deixava o cabelo duro como um capacete e um pequeno barraco com uma arca frigorífica a petróleo para bebidas normalmente quentes e dois unimogs, não existia arame farpado, mas também senti que não era necessário. Não havia nada em redor, nem árvores nem população e tudo isto localizado a meia distância entre Bula e o Rio Mansoa.

O abastecimento de água para os gastos gerais do destacamento, provinha de uma pequena fonte localizada nas imediações de uma Bolanha a uns escassos quilómetros da mata do Choquemone. Com um condutor e a Secção de infantaria armada, partimos na direcção de Bula com um auto tanque de 5000 litros atrelado ao unimog. Depois de passar o Quartel, virávamos à direita e íamos por uma picada que nos levava até à fonte e aqui, depois de encher o auto-tanque, regressávamos ao destacamento.

Tinham passado já 18 meses, todos haviam esquecido o nome Choquemone ou parecia. Na verdade os "velhos" pouco falavam disso, mas aquela mata e o dia 25 de Novembro de 1972 estavam bem presentes na sua memória e agora voltar ali a Bula, bem perto da mata foi quase como voltar ao princípio e vieram as recordações.

A minha integração foi muito simples, os problemas deles começam a interessar-me e passam também a ser meus. Fazer baixas ao IN era para mim estar do lado certo da História e bem, os nossos camaradas mortos assim o exigiam, sinto que pertenço a este corpo, o resto era conversa, a Figueira e a Metrópole eram para esquecer, tinham ficado para trás.

As patrulhas e as operações de segurança da travessia do Rio Mansoa, feitas pela secção de infantaria. decorriam sem problemas. Até parecia que a Maria-turra e o PAIGC também se lembravam bem da CCaç 4541/72, sabiam quem eram, de onde vinham e dos "coices de mula" que tinham trocado no Choquemone. Eu sabia apenas das nossas baixas mas não das deles.

Na Cronologia da Guerra Colonial - 1972 - 2/2-por José Brandão estão registados 6 mortos em combate (cinco da CCaç 4541/72 e um paraquedista do BCP 12) todos no dia 25 de Novembro de 1972.

Guardo na memória os lamentos e a revolta do Silva, um soldado experiente, (de 26anos) o de óculos escuros na fotografia à entrada da LDM no Rio Cumbijã, um dos que me relatou a operação na mata do Choquemone em 25 de Novembro de 1972, apenas 2 meses depois da CCaç 4541 chegar à Guiné e recordo também o 1.º Cabo Dantas de G3 na mão no meio da malta, ambos da minha Secção.
Choquemone > Posição relativa a Bula e Binar. Infogravura © Luís Graça & Camaradas da Guiné 

Tratou-se de uma emboscada seguida de outra, com envolvimento, numa mata densa do Choquemone de que resultaram 5 mortos e 12 feridos em combate e entre os feridos o Comandante Sr. Cap. Mil. Inf. Dias Silva, que obrigou à intervenção de 2 Fiat G91, 1 helicanhão e 1 helisocorro para evacuação de feridos, tendo a CCaç 4541/72 na sequência desta operação recolhido a Bissau.

Não sei se a morte do paraquedista das forças do BCP 12 neste mesmo dia, está relacionada com esta operação. Toda esta informação é resumida mas é tudo o que disponho.[1]

Será possivel tornar público o relatório desta operação na mata do Choquemone, comandada pelo Sr. Cap. Dias Silva no dia 25 de Novembro de 1972, ou alguma informação complementar da FAP, BCP 12 ou algum camarada, para conhecer em pormenor o que foi e como terminou esta operação, qual o número de baixas do lado do IN e corrigir algumas informações acima descritas que possam estar incorrectas.

Quero agradecer ao José Guerreiro da CCaç 4541/72 pelas fotografias do Sold. Silva e do 1.º Cabo Dantas aqui publicadas em 07 de Abril de 2013 e 31 de Janeiro de 2013, respectivamente, porque me permitiram recordar as acções e vivências do tempo de aprender com os "velhos", que influenciaram o meu percurso de vida ao longo destes anos. Por tudo isto eles merecem bem a minha homenagem.
1.º Cabo Dantas segurando a sua G3
Soldado Silva junto da LDM

Fotos: © José Guerreiro da CCAÇ 4541/72. Todos os direitos reservados

Junto fotografia da constituição da minha Secção de Infantaria

O meu obrigado e um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur. Mil. At. Inf.

____________

[1] - Notas do editor:

i - O militar paraquedista referido faleceu em combate durante a Op. Urso Vermelho em Cufar-Bedanda pelo que nada tem a ver com a emboscada sofrida pelo pelo pessoal da CCAÇ 4541/72. 

ii - Os militares da CCAÇ 4541/72 mortos na emboscada de 25 de Novembro de 1972, foram:

- 1.º Cabo Radiotelegrafista Fernando da Conceição Fernandes
- Soldado Atirador Germano de Jesus Almeida
- Soldado Atirador José António Ferreira Correia
- Soldado Atirador Manuel Gomes Neto

5 comentários:

Anónimo disse...

Lembro-me bem da C.CAÇ 4541, irmã, digamos assim, da C. CAÇ. 4540; participámos na operação Grande Empresa para ocupar o Cantanhês, a 4540 em Cadique e a 4541 em Caboxanque, um pouco mais acima. Tivemos mais sorte que os nossos camaradas porque estivemos só 8 meses em Cadique e fomos para Nhacra e tivemos apenas 1 morto em combate, Vitorino Susano Simão do 4º grupo de combate do Alferes Pereira.
Albertino Ferreira ex-alf, mil. da C. CAÇ. 4540

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Recordo-me de desembarcar em Bissau, em 30 de maio de 1969, e da toponímica mítica da guerra, os nomes que ficavam a fazer eco "cá dentro", aumentando as nossas pulsações, era o Choquemone, a par do Morés, de Gandembel, de Madina do Boé, de Guileje...

Logo na 5ª Rep, no Café Bento, e nas outras baiucas e esplanadas de Bissau por onde andávamos, quase a correr, a tentar matar a sede, eram os nomes que se ouviam... E contam-se "estórias" medonhas para "acagaçar os piras"...E no dia 2 de junho, lá vamos nós, CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12) rio Geba acima até ao Xime, com direito às primeiras morteiradas (dos fuzos) por alturas da Ponta Varela... E, claro,"escolta" de uma parelha de T6, "brinquedo" da FAP que nunca tínhamos visto... Largaram uams "ameixas" lá para o Poindon ou Ponta do Inglês (nomes que, passados dois meses, entraram no nosso vocabulário e no nosso currículo...).

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mesmo assim, faltam-nos histórias do Choquemone, descritor que tem apenas 16 referências no nosso blogue!... Ao fim de 18 anos, é pouco...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Choquemone

O Morés tem 96:

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Mor%C3%A9s

Gandembel, que só existiu (e resistiu) durante 9 meses (abril 68 / jan 69) e sofreu três centenas e meia de ataques e flagelações, tem 202:

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Gandembel

Victor Costa disse...

Camarada da C.Caç.4540 Albertino Ferreira
Obrigado pelo teu comentário, às vezes a vida obriga-nos a cortar com o passado e quando damos por ela já somos mesmo velhos. Espero ainda ir a tempo de encontrar alguns camaradas deste tempo. É sempre bom ouvir os outros a falar de nós porque é um sinal que ainda cá estamos. Nunca conheci ninguém da C.Caç.4540 mas isso não evitou que eu ouvisse falar e bem de vocês. Em Julho de 74 a C.Caç.4541 continuava a manter uma relação muito próxima com o BCP 12 em Bissalanca e o que aqueles rapazes diziam de vocês nada tinha de negativo. Como por exemplo não terem qualquer problema em realizar operações conjuntas com o Caso Sério (como eles vos chamavam) porque o vosso nível era muito bom, bem como o do vosso Cap.. Isto que eu ouvi dos Páras foi um elogio à vossa Unidade. Por isso a questão colocada por ti de que vocês tiveram mais sorte porque não tiveram tantos mortos como a C.Caç.4541,não me parece abrangente. Para mim entendo também que os periquitos antes de serem lançados no "ferro" devem primeiro serem bem preparados e apanhar tarimba, mas para isso é necessário mais tempo e a experiência dos "velhos". Esta era uma matéria, que competia aos que mandavam naquilo tudo e como é delicado, espero voltar a ela noutra oportunidade.
Um abraço,

Victor Costa

Anónimo disse...

Obrigado Victor Costa pelas suas amáveis palavras. É verdade tudo o que diz; aprendemos muito com os páras que nos acompanharam em Cadique durante algum tempo; foi um autêntico IAO que fizemos com eles, também confraternizámos com eles em Bissalanca e eles connosco em Nhacra; era uma tropa muito profissional, das melhores que nós temos; apesar de tudo eles tiveram alguns mortos, poucos, em Cadique; não é para me gabar mas mereci um elogio do cap. pára Terras Marques e a oferta do crachá da sua Companhia.
Albertino Ferreira, ex-Alf. Mil. C. CAÇ. 4540.