quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23577: Notas de leitura (1486): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VI: "Cercados de guerrilheiros por todos os lados", diz o alf mil Ribeiro, no "briefing" da praxe...

 

Croquis, basedo na carta de Bedanda (escala 1/50 mil), abrangendo os subsectores de Bedanda e Cufar... O rio principal era o Cumbijã, de que o rio Ungarinol era afluente (aqui se situava  o porto interior de Bedanda). Em 1965/67, as "barracas" do PAIGC e outros pontos logísticos (com população) vão assinaldos a vermelho... A 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, com sede em Bedanda, ao tempo do cap inf Aurélio Manuel Trindade, "partiu mantenhas" com a gente do mato que vivia por aqui... Em Cufar, estava  a CCAÇ 763 (1965/66), do nosso amigo e camarada Mário Fitas, ex-fur mil oo esp. E mais abaixo, a sede de batalhão, em Catió, sector S3: primeiro o BCAÇ 619 (jan 1964 / jan 1966),e  depois o BCAÇ 1858 (jan 1966 / mai 1967).

Infografia: Aurélio Manuel Trindade / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)










Anúncios de casas comerciais que, em meados dos anos 50, operavam no sul da Guiné, na região de Tombali, na altura o celeiro da província... Fonte:Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (Recolha do nosso camarada Mário Vasconcelos, 1945-2017)



1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67, exemplar gentilmente facultado, a título de empréstimo, pelo cor inf ref Mário Arada Pinheiro, com dedicatória autografada do Aurélio Trindade, datada de 13/12/2020] (*).


Mas a patir de agora, tomamos como referência a edição de autor, de 2010 , de 399 pp., il.,, disponível em formato pdf,  na Biblioteca Digital do Exército (Panteras_a_Solta (PDF, 6 MBlink para descarregar o ficheiro em pdf, cortesia do autor e da Biblioteca Digital do Exército).

O cap Cristo ("alter ego do cmdt da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, no período que vai de meados de 1965 a meados de 1967)  não nos explica  por que razão Bedanda  estava em decadência, e isolada do resto do território, com a população dependente do exterior para se alimentar, quando uma dezena de anos antes fazia parte, com Catió e Cacine, do grande celeiro da província (**)...

A Guiné que exportava arroz, teve que começar a importá-lo. A explicação era, naturalmente, a guerra, com a consequente destruição do tecido económico e social do território. Na aregião de Tombali, no sul, a população balanta caiu sob o controlo do PAIGC e os fulas refugiaram-se em Bedanda, A admitraçao civil era totamente inoperante. Como dizia o seu responsável, Fernandes, cabo-verdiano, ao capitão Cristo, no dia em este o foi cumprimentar: (...) "Sou o administrador mas quem manda é a tropa, porque eu estou limitado a ir do posto para casa e de casa para o posto. É uma dura rotina." (... )pág. 19),

Leia-se o, entretanto,  o que o autor escreveu no início do capítulo intitulado "Reforma Agrária" (pp. 76-82):

(...) Em tempos, um outro capitão tentou levar os nativos da povoação a cultivar as ricas bolanhas de Bedanda. Era uma pena ver estas terras que antes da guerra roduziam muito arroz quando trabalhadas por balantas, agora cheias de mato. A população de Bedanda é hoje predominantemente fula, quando a região foi sempre, ao longo dos anos, chão balanta. O fula é fundamentalmente negociante e não gosta muito de lavrar a terra. No entanto, todos nós militares víamos que a actual situação não se podia manter. A população não produzia nem para comer. Vivia, por um lado, do trabalho de guia e da milícia, isto os homens, e por outro, de relações com os militares, as mulheres.(...) 

Veja-se também este diálogo entre o capitão e o régulo Samba Baldé (pág. 77/78)  

(...) "─ As pessoas não têm o que comer, passam muita fome e eu não quero que vivam pior que a gente do mato. Samba, tu és o homem grande e eu preciso de saber o que devemos fazer.
─ Nosso capitão, não há trabalho em Bedanda, apenas na milícia. Mulher é lavadeira da tropa e mais nada. O dinheiro é pouco, não dá para comprar arroz, peixe e óleo. Nosso capitão tem razão. A gente passa fome.
─ Samba, eu não compreendo a tua passividade. É preciso arranjar maneira de toda a população ter comida. Está na altura de preparar a bolanha para semear o arroz. emos muito boa bolanha em Bedanda. Toda a gente vai cultivar arroz. Tu divides a bolanha por todos e verás que ainda sobra bolanha.
─ Nosso capitão não pode ser, fula não cultiva arroz. Fula é comerciante e no seu chão faz arroz de sequeiro, não de bolanha. Fula da população não sabe cultivar arroz.
─ Samba, ouve bem o que eu te digo. Eu sou filho de pessoas que cultivam a terra lá no puto. Eu cultivei a terra. Já aprendi com o senhor Aniceto a cultivar arroz e já andei pela bolanha a ver as terras. Há terras livres para toda a gente. E vamos cultivar rroz porque eu não quero que as pessoas passem fome. Quero que cultivem arroz para comer e para vender. A bem ou a mal vamos cultivar arroz. (...)

O sucesso da sua  "reforma agrária" deve ter sido motivo de orgulho para o cap inf Aurélio Manuel Trindade. Naturalmente, não temos  acesso a outras fontes para comprovar a eficácia e a eficiência das medidas então tomadas pelo capitão. Confiamos no seu testemunho (Ou nas suas memórias passadas ao papel meio século depois).

Para o novo comandante da 4ª CCAÇ, Bedanda é uma ilha, fisica e metaforicamente falando

(...) "─ Ilha,  não digo, ─ diz o Dino [antigo tropa, agora pequeno conerciante]   ─ pois Bedanda é mais uma península cercada de água por todos os lados menos por um que é Guilleje.
─ Sabe Dino, ─ esclarece Cristo ─ eu falava de ilha em sentido figurado, eu não queria dizer cercada de água mas de guerrilheiros, que estão por todo o lado, e Bedanda é de facto uma ilha nesse sentido". (...)  (pág, 22).

E a verdade é que o croquis que publicamos acima, não enganava... Tirando Bedanda e Cufar, a guerrilha parecia estar por todo o lado... Era o "reino do ino" (pp. 354-365): Comumba, Bobedê/Melinde, Cabolol,Incala, Salancaur (já no corredor de Guile), Chugué, Cabedú, Nhai,Buchenon, etc., são topónimos de guerra... E sobre todos eles há histórias que ficaram para sempre gravadas na memória dos bravos de Bedanda e, naturalmente, do capitão Cristo que as viveu e escreveu, com paixão, coragem, inteligência e desassombro...

(...) "Em zonas mais afastadas como Salancaur, Nhai, Caboxanque e Cabolol, só duas companhias dão garantia de sucesso da operação. " (...) (pág. 101). Por sua vez, "Bobedê era considerada uma área onde só se ia com três pelotões" (pág. 107). E estamos a falar de uma companhia que era não de intervemnção mas de quadrícula, da guarnição normal, incialmente constitu+ida por "matrapilhas" (com a velha farda do caqui amarelo, esfarrapada, equipada com a velha Mauser, bebendo o café por latas de salsichas, sem roupa de cama, nem mosquiteiros)...Mas que, quando vai para o mato com o cap Critso,  não vai me "traje de passeio:

(...) "O Antunes prepara fogos de artilharia, a executar à ordem, sobre Samenhite. Levamos rações de combate para um dia, 200 cartuchos por homem, 2 granadas ofensivas por militar, 4 granadas de morteiro 60 por cada morteiro e 3 de lança-granadas por pelotão. Não se esqueçam de verificar se os homens levam água. A água que vamos encontrar é salgada" (...= (pp- 107/108)-

2. Quantos militares estavam aquarelados então em Bedanda, incluindo um pelotão de milícias (40 homens), e eçotão de artilharia, com duas bocas de 8.8  ? 

(...) A companhia tem cerca de duzentos e cinquenta homens na sua maioria negros. Quando na companhia houve uma tentativa de revolta, o Comando do Batalhão fez deslocar para Bedanda duas secções de brancos de outras duas companhias do batalhão. Essas secções ainda permanecem em Bedanda. Deve haver cerca de quarenta brancos, entre oficiais, sargentos e praças, para duzentos e dez negros. No sul da Guiné, em que a maior parte do território está controlado pelos guerrilheiros, existe uma companhia de nativos que soma êxitos sobre êxitos nas operações contra eles." (...)  (pág. 103). 


Embora extenso (pp. 26/27), vale a pena repoduzir a seguir o "briefing",  feito a sério e a brincar (também fazia parte da "praxe" aos "maçaricos", como então se dizia),  ao capitão Cristo, pelo  alf mil Ribeiro, o mais velho e o melhor operacional dos oficais milicianos da 4ª CCAÇ. (Vd. foto à esquerda, fonte: "Panetras à Solta", ed. autor, 2010, pág. 395; descobrimos que se trata de José Augusto Nogueira Ribeiro, natural de Fafe, 1940 - 2017, cor inf ref, condecorado com a "Torre e Espada" por feitos nos TO da Guiné Moçambique, vd. aqui no portal UTW . Ultramar Terra Web, Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.)

(...) "─ Meu capitão, estamos na cantina, no ponto mais alto da Companhia. À nossa frente temos um rio navegável que separa, a norte, a área controlada pelos guerrilheiros, é o rio Ungauriuol. Este rio nasce a leste e corre para oeste, indo desaguar no rio Cumbijã que contorna a área da Companhia a oeste. A norte do Ungarinol, começando junto à sua foz, temos uma mata muito densa, mais ou menos paralela ao rio e que serve de esconderijo a vários acampamentos de guerrilheiros de efectivos variáveis mas com capacidade para se apoiarem uns aos outros quando atacados. 

Aoeste e a norte do rio Ungarinol, na mata referida, temos primeiro Incala, um dos pontos fortes dos guerrilheiros donde controlam a navegação não só do rio Cumbijã mas também do Ungarinol. A sudoeste de Incala o rio faz uma curva muito acentuada que é conhecida como a curva da morte. A última vez que a tropa tentou trazer um barco até ao porto interior de Bedanda, o barco foi fortemente atacado nesse local tendo morrido ou ficado feridos vários militares.  partir desse dia a Marinha recusou se a navegar no rio Ungarinol por falta de segurança. 

Desviando a nossa vista mais para leste encontramos primeiro Contumbum e depois Samenhite. Sabe-se que há um acampamento de guerrilha entre estas duas localidades que nunca conseguimos referenciar ou localizar em patrulhas pela zona. A seguir temos Bobedê, um dos pontos fortes dos guerrilheiros para evitar a passagem do rio Ungauriuol pelas nossas tropas. Já ali demos e levámos muita porrada.

 Mais para norte e na outra extremidade da mata fica Nhai e depois Salancaur, esta já no conhecido corredor de Guileje por onde passam os reabastecimentos dos guerrilheiros provenientes da Guiné-Conacri. Salancaur é mais um dos pontos fortes e mais ainda por ser um ponto de passagem, de concentração e descanso antes das colunas aí se dividirem em duas, uma seguindo para sul, para a mata do Cantanhez, onde está o Nino, o comandante guerrilheiro de todo o sul da Guiné, e a outra, atravessando o rio Cumbijã, vai com destino à base de Cansalá que fica para os lados do nosso Comando do Batalhão sediado em Catió

De novo para leste encontramos uma densa mata, já dentro dos limites do Cantanhez, que
é atravessada pela estrada que, vinda de Salancaur, segue depois até Cabedú, a sul dos
limites do Cantanhez, onde está estacionada uma companhia do nosso Batalhão. Não
há ligação entre a nossa Companhia e a de Cabedú. É uma zona completamente dominada pelos guerrilheiros. 

Partindo daqui para leste para alcançar Bedanda, encontramos outra estrada que se embrenha na mata. Esta estrada conduz até à fronteira da Guiné-Conacri, encontra-se cheia de abatizes5, de minas e de armadilhas,  e a primeira tropa que se encontra nessa direcção é um pelotão estacionado no Mejo, já pertencente à companhia de Guileje. Houve em tempos uma ligação terrestre entre Bedanda e Mejo, mas actualmente não conseguimos sequer chegar ao cruzamento para Salancaur. Sempre que tentámos chegar ao cruzamento fomos emboscados e retirámos com mortos e feridos. É uma zona dos diabos que os guerrilheiros querem controlar a todo o custo para garantirem o reabastecimento do Cantanhez. 

Voltando-nos agora para sul, vemos outra mata que, começando nas imediações de Bedanda, termina no rio Cafunebom, afluente do Cumbijã. O Cafunebom pode ser atravessado a vau. Antes de alcançarmos esse o rio, encontramos duas povoações, Cura e Braia. Estão na orla da mata, uma na margem do Cumbijã, a outra voltada para as tabancas de Flanque Injã e Caboxanque. São zonas onde se pode ir com um grupo de combate com muito cuidado pois é possível ter encontros com patrulhas dos guerrilheiros. Cura e Braia estão destruídas e desabitadas. 

Ainda mais a sul, já para lá do rio Bixanque, fica o coração do Cantanhez onde está o Nino, ocupando fortemente vários pontos da mata em que os mais conhecidos são Cadique e Cafal. A sul do Bixanque é já zona de acção da companhia de Cabedú. Para oeste, a nossa zona de acção termina no Cumbijã, via fluvial que é preciso manter a todo o custo pois é por ela que, uma vez por mês, nos chegam os reabastecimentos. É neste rio que fica o porto exterior de Bedanda. 

Este porto, onde já estivemos no outro dia quando da primeira saída do meu capitão, fica a
4 kms de Bedanda, em frente a Cobumba que já pertence à zona da acção da companhia de Cufar. Ponto muito forte dos guerrilheiros que dele precisam para garantirem a passagem e o reabastecimento dos seus acampamentos de Cabolol.

Cobumba é atravessada pela estrada que a cerca de 8 kms cruza com a que vem de Catió. Esta estrada segue depois para Cufar onde está mais uma companhia do nosso
batalhão. Seguindo para norte, até Empada, aí fica ainda mais outra companhia do batalhão. 

Na mata a sul de Cobumba ficam as tabancas de Cabolol e Cantumane, onde é muito difícil entrar. A norte de Cobumba fica Chugué, dominado pelos guerrilheiros, onde em tempos esteve destacado um pelotão da companhia. Uma noite, o pelotão foi atacado, arrasaram tudo e nunca mais lá conseguimos ir. Os sobreviventes do ataque retiraram para o quartel destroçados tanto física como moralmente. Aconteceu o mesmo em Salancaur onde no início existia uma secção destacada. Uma noite a secção foi atacada e só dois soldados conseguiram chegar à companhia. Dos outros elementos ainda nada se sabe, se terão sido mortos ou raptados. 

Resumindo, eu diria que estamos cercados de guerrilheiros por todos os lados e que sempre que saímos do quartel e nos afastamos mais de 4 kms, acabamos a tomar banho nas bolanhas ou nos rios e tiroteio também não nos deve faltar. Terminei a minha exposição. Espero ter sido explícito e desejo que tenha sido útil para o meu capitão poder ficar com uma ideia da área onde veio cair. Nenhuma das companhias mais próximas de Bedanda pode vir em nosso auxílio, em tempo útil se formos atacados. " (...)

12 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Meu caro capitão, o que seriamos nós sem os "nossos fulas" ? Pastores, guerreiros e místicos, claro que nunca foram bons orizicultores... Mas os balantas, meu Deus, por que é que nunca quiseram serem nossos amigos e deixaram-se aliciar pela cantiga do bandido ?

Era uma questão que não se discutia na Escola do Exército (depois Academia Militar), meu general. Estou-lhe grato pelo livro. LG

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

A publicidade que acompanha este post dá uma ideia de um certa "monotonia" que era o comércio na Guiné. De que viveriam o detentores daquelas casas de "comércio geral" e de "produtos da província" que estavam "lançados" para o interior?
Sabemos que o PAIGC destruiu bastantes destes estabelecimentos/casas, mas, para quem recuperou aquelas árias não foi possível reconstruir a vida de quem por ali viveu. Ainda ouvi dizer que tropa de Cacine ia à água a Campeane, talvez onde o Toneca tinha uma loja. Ainda conheci a loja/casa dele em Cacoca, então ocupada pela tropa. Em Cacine, tinha ele a última de 4 lojas/casas.

Um Ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Estas lojas e os seus lojistas foram todos substituídos pelos gloriosamente celebérrimos Armazéns do Povo impostos pelos Cabrais, Amílcar e Luís.

Eram estas lojas que mais falta o povo sentia durante a fome imposta pelo PAIGC, que o "racionamento" praticado pelos Armazens do povo, mal dava para os "membru" Combatentes da Liberdade da Pátria, que comiam tudo do pouco que havia.

Então para o pouco que sobrava formava-se a bicha, que em crioulo se diz "forma", à volta do quarteirão e que podia durar mesmo 24 horas.

Será que o PAIGC teria feito o mesmo ao povo em Caboverde? não acredito que os caboverdeanos aceitassem tal imposição.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Rosinha, pelo comentário...

Sobre os "armazéns do povo" (uma das utopias do Amílcar), ler:

16 DE SETEMBRO DE 2008
Guiné 63/74 - P3211: PAIGC: Instrução, táctica e logística (15): Supintrep, nº 32, Junho de 1971 (XV Parte): Os Armazéns do Povo (A. Marques Lopes)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2008/09/guin-6374-p3210.html

... Curiosamente não temos o descritor "armazéns do povo". Mas há vários postes sobre a crise alimentar na Guiné-Bissau, a segurança alimentar, etc.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Já inseri o descritor "Armazéns do Povo"... Temos vários postes com referências à organização económica, política e administrativa do PAIGC nas zonas que eles consideravam como "regiões libertadas" (e onde na realidade não flutuava a bandeira portuguesa, temos que ser francos...).

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Estas lojas do tempo do colonialismo eram a actividade comercial das pequenas localidades do interior e começaram por ser abandonadas pelos seus lojistas (normalmente também proprietários, assistidos por empregados localmente contratados) por acção da guerrilha do PAIGC. Era de calcular. Provavelmente não seriam muito populares. Talvez por serem tidas como uma "forma de exploração" até seriam um mal necessário.
Os "Armazéns do Povo", do tempo do Luís Cabral não têm nada que ver com este assunto. Só surgem após a independência e falham porque o "Partido" não tinha nada para dar e o pequeno aparelho produtivo do país estava desorganizado. Admito que existissem "armazéns" nas bases da Rep. Guiné e Senegal. Como funcionavam não sabemos.

Após o início da guerrilha o aparelho produtivo do país ficou muito reduzido quer pela impossibilidade de produção de produtos agrícolas, quer pela impossibilidade de livre circulação de bens. A Guiné vivia, a todos os níveis, do que importava da metrópole. (Ex. arroz vendido a 5$00/Kg, nas tabancas).
O PAIGC apresentou-se às populações com as "canhotas às costas" mas de mãos vazias, e a gritar que iria resolver tudo, especialmente o abastecimento. O "racionamento" praticado pelos Armazéns do Povo não resolveu o problema, pelo menos nos primeiros tempos. Não se pode dividir o que não se tem. A corrupção e o mercado negro instalaram-se, como sempre sucede. Além disto o PAIGC não tinha qualquer capacidade para organizar administrativamente o país. Mas isto já são outros "caminhos da História".

Um Ab.
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

Julgo que muitas desta casas espalhadas por várias tabancas, com o abandono dos proprietários, foram utilizadas para instalações militares, nomeadamente do Comando.
Os armazéns da mancarra, para a "espera da inflação", foram utilizados para casernas dos soldados. O exemplo de Paúnca com a casa a servir de Comando/Secretaria/Posto Trans. e o Armazém de caserna dos soldados.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Unknown disse...

estive na guiné em 72 72 c cav8352 fomos abrir destacamento em caboxanque e tb estive em bedandano dia seguinte a serem atacados por blindados e nossa missão era destruir um pontão que estava na mata quando lá chegamos tinham feito outra estrada ao lado e ficou como estava fomos substituídos pelos fuzas e voltamos a caboxanque fala-se pouco dos carros blindados do in porquê?? um abraço

Unknown disse...

estive na guiné em 72 74 c cav 8352 um abraço

Antº Rosinha disse...

Olá Camarada(s)

Não foram os Governadores Gerais nem os funcionários públicos nem os militares que iam para África e assentavam nas capitais das colónias que durante anos e anos (500?)até 1961, marcavam presença no meio dos indígenas, num isolamento completo da chamada civilização do branco, durante meses consecutivos.

Apenas duas figuras representavam a presença de Portugal naqueles cus de judas, sem estradas sem carros com tração às quatro rodas, sem tipoias, quem andava de tipoia eram os governadores.

Essas duas figuras eram os chefes de posto e os "exploradores" dos pretos, os comerciantes do mato a que me quero referir.

Claro que os últimos 13 anos, quem foi para "Angola e em força", é uma geração que custa a compreender o que foi a vida dessas duas figuras, porque não a viveu, pois praticamente desapareceram com a guerra, tanto o papel do chefe de posto como o comerciante do mato, que passaram para segundo ou terceiro plano.

Refiro-me principalmente a muitos doutores "milicianos" mais politizados, e não só, que ficaram com a ideia que foram mobilizados para a guerra porque essas duas figuras uns "exploravam e outros maltratavam os pretos".

O Chefe de posto era o policia, o juiz, o enfermeiro, o conciliador nas guerras de tabanca a quem o régulos recorriam e o cobrador de impostos, e tudo o que mais se possa imaginar, era assim que o indígena via o chefe de posto nos cus de judas.

Aqui havia tanto metropolitanos como caboverdeanos, indianos e mestiços de toda a ordem.

Os comerciantes, em maioria, transmontanos e minhotos, não sei explicar, já brasil Rio e São Paulo era a mesma coisa os restaurantes, lojas e supermercados, minhotos e transmontanos um ou outro madeirense.

Sabemos, toda a gente que conheceu sabe, que essa gente isolada da civilização, eram os únicos estranhos em que o indígena depositava toda a sua confiança.

Mesmo brancos que viviam nas capitais, como Bissau, Luanda, Nova Lisboa...não conheciam bem essa realidade africana.

E quando se diz que os comerciantes exploravam os pretos, no tal negócio de permuta, um quebra-cabeças que era bastante complicado, está a apelidar de "burro ao preto", está a menosprezar a capacidade de raciocínio do africano.

O indígena conseguia provocar a concorrência entre comerciantes (brancos gananciosos), mesmo que tivessem que percorrer quilómetros com mercadorias às costas, (o tempo não contava), ao ponto de branco acusar branco de roubar fregueses uns aos outros.

O indígena sabia, e de que maneira "negociar a fidelização".

Há muito miliciano que ainda julga que o africano era (é)um coitadinho.

Alguns milicianos, ainda foram a tempo de se elucidar.

Este assunto daria pano para mangas, que não cabe aqui.

E sobre os armazens do povo, não funcionou com os Cabrais nem com mais nenhum estudante do império, não por falta de produtos para distribuir, mas no caso da Guiné que eu vi, não funcionou porque pura e simplesmente o povo não colaborou, nem com os "membru" do PAIGC, que eram os ladrõezinhos, mas o povo simplesments baixou os braços, que não estava para trabalhar para malandros.

Até o camarão que as mulheres apanhavam nas marés do canal impernal, estavam proibidas de vender, tinham que entregar nos Armazens do povo.

Eram um novo processo de colonização, totalmente estranho ao africano daquele tempo, e no caso da Guiné imposto, se não ia a bem ia a mal.

Enfim, um povo nunca devia colonizar outro, apenas conviver, comerciar/permutar, e vá lá, acasalar se fosse o caso, e reproduzir o fenómeno da mestiçagem, e mais nada.









António J. P. Costa disse...

Confere, Camarada Valdemar Silva!

A casa comercial de Cacoca era onde estava instalado o comando e os "apoios" do Gr. Comb. que ali estava. No Xime recebi a visita de um delegado(?) do Sr. Riciuli (italiano) que ali tinha vivido e queria tomar posse do que era seu e que as NT utilizavam. Não sei se queria voltar e continuar com o negócio... Julgo que terá desistido da ideia, dada a situação táctica que se vivia. Em Cacine e Mansabá as casas comerciais (uma delas da Gouveia) continuavam na posse dos respectivos donos no 25 de Abril.
Nunca estive em Bedanda, mas creio que a regra geral - e lógica - seria que tropa utilizasse as instalações particulares e até públicas (caso da escola de Mansabá) que lhe surgissem, à medida que recuperava o controlo das localidades devastadas pelo In.

Um Ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Ao fim de treze anos de guerra e de cinco anos de PAIGC e Luis Cabral, era daquelas velhas casas comerciais que as famílias guineenses sentiam mais falta e mais saudade, era precisamente daqueles comerciantes uns libaneses outros portugueses, sempre de portas abertas onde desde o meio quilo de arroz ao pedaço de sabão...estava tudo ao alcance das parcas economias familiares.

Falavam daqueles balcões e daquelas prateleiras que conheceram, como se de uma miragem se tratasse.

Os guineense apenas a partir de 1988 (perestroica)aproximadamente começaram a ver lojas livres com gilas, muçulmanos e um outro velho comerciante resistente à antiga.

Mas de notar, que Luis Cabral não hostilizava os velhos comerciantes que ficaram por lá com a independência.

E Nino ainda incentivou os antigos comerciantes desistentes a regressar e retomar os velhos hábitos comerciais

Mas agora é tarde e a inês é morta!

Apenas falo destas cosas porque há uma ideia na cabeça de muita gente que passou por lá que não compreende e jamais compreenderá que foi o comerciante do mato com quem o indígena africano mais se entendia.

Não só o indígena, mas também a indígena.

Muitos dos seus descendentes foram alguns dos tais "estudantes do império".