Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito > c. 1972 > A equipa juvenil da "Ferrugem", futebol de cinco, orientada pelo 1º cabo Sérgio Rodrigues ("Gasolinas"). De pé: Adama Suntu e Saido ("Barbosa"); ajoelhados: Amadi, Cherno Balde ("Francisco" ou "Chico") e um colega que não consigo identificar ainda.
Legenda do Cherno Baldé. Foto (adaptada) na página do Facebook de Sérgio Rodrigues, publicada na sua página do Facebook, em 28/10/2019, 21:28 (com a devida vénia...)
O ex-1º cabo mecânico Sérgio Rodrigues pertencia à CCAÇ 3549, "Deixós Poisar" (Fajonquito, 1972/74).
Dr. Cherno Baldé, Bissau, foto atual |
(...) É verdade que os camponeses fulas não gostavam de vender o seu gado
e a razão é muito simples, era e continua a ser a única riqueza que têm e com a qual podem contar para se socorrer em casos de necessidade da família e da comunidade ou ainda em casos de calamidades naturais ligadas as suas atividades de sobrevivência.
Só quem (sobre)vive da terra, da agricultura, percebe as dificuldades e incertezas com que se deparam e num país onde não existem nem subsídios,
Só quem (sobre)vive da terra, da agricultura, percebe as dificuldades e incertezas com que se deparam e num país onde não existem nem subsídios,
nem financiamentos ao agricultor.
Para nós, na tabanca, tirar uma galinha já representa um grande sacrifício. E de mais a mais, as manadas representam uma propriedade coletiva onde crianças, mulheres e homens adultos, cada um tem a sua vaquinha para seu sustento (ordenha do leite) e a sua poupança para o futuro a titulo individual e coletivo.(...)
Para nós, na tabanca, tirar uma galinha já representa um grande sacrifício. E de mais a mais, as manadas representam uma propriedade coletiva onde crianças, mulheres e homens adultos, cada um tem a sua vaquinha para seu sustento (ordenha do leite) e a sua poupança para o futuro a titulo individual e coletivo.(...)
(ii) Poste P22232 (**)
Quanto ao texto de antologia sobre os fulas, se calhar já tinha lido, mas não tinha a mesma visão e capacidade analítica de hoje. Visto na sua forma, parece uma narrativa fundada numa boa observação de um estudioso do terreno, mas no fundo acaba por não fugir dos estereótipos coloniais do Estado Novo, do eurocentrismo típico, do menosprezo do africano em geral e dos "soit disant" "islamizados" com os quais estavam ligados numa aliança contra-natura e de ambivalência amor/ódio e onde a primazia dos interesses se sobrepunha à repugnância das relações socioculturais antagónicas.
A visão económica, profundamente materialista e gananciosa dos europeus, choca aqui com a simplicidade, precariedade e aparente falta de ambição dos africanos em geral e dos fulas em particular.
Numa coisa, o Dragomir tem razão, a relação de afeto existente entre um fula e um camponês europeu relativamente ao gado é muito diferente. O fula granadeiro e criador de animais ( não é a mesma coisa que o pastor), do gado bovino em particular, vê no seu animal uma extensão de si mesmo, da familia e da sua comunidade no seu todo.
Antigamente a morte de um animal representava a mesma dor que a perda de membro da familia, um ente querido, e realizavam-se cerimónias de choro na família. Portanto não era visto só como economia, mercado, riqueza e crescimento, era muito mais que isso, era algo que dava sentido à própria vida.
Mas, a conclusão mais sensata a que se pode chegar hoje é que, provavelmente, não será a forma mais eficaz de acumular riquezas, mas, no contexto das convulsões sociais internas, instabilidades e conflitos causados por interferências externas da época, seria muito difícil fazer melhor do que o precário modo de vida descrito pelo autor. (...)
PS - De referir que os criadores de gado em África não são completamente avessos à inovação e modernização desde que as condições se apresentassem para isso sem colocar em perigo a sua segurança e sobrevivência enquanto ser e agente económico.
4 comentários:
Já são mais de 10horas e estou na cama a ler estas deliciosas histórias e contos da nossa Guiné. Nem sei porque andamos à batatada tantos anos e tanta vida perdida!
Praticamente ninguém sabia nada sobre a Guiné além do que aprendemos na escola primária. Quando fomos mobilizados, pelo menos deveria haver um conhecimento básico daquilo que iríamos encontrar. A guerra foi nos impingida, mas não renego as minhas raízes e razões de fazer parte disto tudo. Fiquei mais rico apesar de tudo.
Lamento mas tenho que realçar o que de positivo nos trouxe esta passagem da vida. Falo assim porque fisicamente regressei inteiro,mas não na Psico, fica para sempre esta passagem única e irrepetível..
Desculpe me aqueles que com toda a razão podem não pensar assim, em especial os mutilado e os mortos que já não falam. Incluo aqui e pela primeira vez os então nossos inimigos e que ALA os proteja onde quer que estejam.
Se não fosse esta maldita guerra não estaria agora a escrever sobre isto. Tem os seus custos que nada pode pagar.
Mas é a vida.
Conhecemos agora um filho de Portugal que nasceu sob a nossa bandeira quer se queira ou não.
O Cherno Baldė que com a sua imensa sabedoria e cultura nos ajuda a conhecer melhor onde é que andamos e as culturas deste pedaço de terra que era tão desconhecido dos então então goververnantes portugueses brancos.
Um grande abraço ao nosso grande professor.
Virgílio Teixeira
Acima de tudo respeitar os outros. A sua cultura, os seus costumes e a sua forma de ver as coisas da vida. Tenho a certeza que muitos aprenderam em África a ver o mundo com outros olhos e a perceber o lamaçal para onde foram lançados. Outros porém nada quiseram aprender, por razões várias.
Obrigado Cherno ! É um privilégio poder ler o que escreves e aprender contigo.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela
Temos de ter sempre algum cuidado, por causa do "melindre" , quando falamos do passado (e do presente), em saber distinguir os povos e os seus dirigentes,elites, regimes políticos: eu, por exemplo, embora tenha sido obrigado a fazer a guerra colonial na Guiné (deram-me uma G3, um camuflado, pagaram-me um salário...), nunca me identifiquei com (nem fiz a apologia de) aquela guerra...
Mas "objetivamente" estive lá, formei, enquadrei e comandei soldados do recrutamento local (fulas), que também estavam sujeitos ao serviço militar obrigatório como eu. Mas, por favor, não ponham todos no mesmo saco!... Houve arbitrariedades, atrocidades, etc., do lado do PAIGC e das NT, houve miúdos arrebanhados à força nas suas tabancas, por um lado e outro (podendo variar o tipo de "violência"), houve tabancas queimas, destruídas, etc.
Houve antepassados meus/nossos esclavagistas e colonialistas ? Sim, dizem os historiadores... Mas recuso terminantemente o princípio jurídico (monstruoso) da responsalidade coletiva... A minha/nossa geração fez a guerra e a paz...Que o regime de Salazar / Caetano tenha desprezado totalmente o nosso sacrifício e recusado toda e qualquer solução política para aquele conflito, é outra coisa, é outra história...
Eu não confundo nem misturo os povos e os seus governantes...Russos, cubanos, chinesees, guineenses, cabo-verdianos, angolanos, moçambicanos, timorenses, norte-americanos, brasileiros, alemães, ingleses, holandes, judeus, árabes, coreanios, vietnamitas, fulas, balantas, mandingas, biafadas, ameríndios, etc., estão acima (ou deviam estar) das contingências da História...
Já nos bastou o anátema da "Torre de Babel"... Agora temos que aprender com os erros uns dos outros, e saber viver e sobreviver na nossa "casa comum"... Não está fácil, reconheço. Mantenhas. Luís
Obrigado, Cherno, percebe-se agora melhor por que é que tínhamos que ir comprar vacas a Sonaco (ou até roubá-las ao IN e no Senegal, como aqui já contou o nosso saudoso A. Marques Lopes)...
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