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segunda-feira, 16 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26924: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Adenda: Kalú de Nhô Roque e a sua "circunstância"



Capa do livro de Carlos Filipe Gonçalves (que teve a gentileza de nos mandar, a título pessoal, uma cópia em pdf deste seu livro; a edição de 2019 está esgotada).

Ficha técncia:

Título: Bá Da'l na Rádio – Memórias da Rádio Barlavento
Autor: Carlos Filipe Gonçalves
Editora : LPC – Livraria Pedro Cardoso – Bairro da Fazenda, Cidade da Praia, Cabo Verde.
Ano : 2019
Nº páginas : 252
ISBN : 978-989-8894-34-2


Sinopse: o titulo é em crioulo, significa literalmente: Vai dar isso na rádio. Ou seja, vai difundir isso na rádio. Trata-se uma frase jocosa que surgiu depois da invasão / assalto da Rádio Barlavento, na Ilha de S. Vicente, em Dezembro de 1974, em pleno período «revolucionário» após o 25 de Abril. É que o assalto ou «tomada da rádio» foi justificado por uma «soit disant» democratização/pluralismo de acesso, o que na verdade não se verificou porque todos os elementos contrários à «Unidade entre a Guiné e Cabo-Verde» foram presos poucos dias depois...

Teve início então uma avalanche de «comunicados revolucionários» depois das reuniões do comités do PAIGC, que eram enviados à rádio! Surgiu então esta frase jocosa, a criticar esta situação… Começou deste modo o «regime de Partido Único»…

Carlos Filipe Gonçalves, que começou a trabalhar na Rádio Barlavento aos 16 anos, conta as recordações dele, de colegas e amigos que lá trabalharam, descreve o contexto social da época e traça o percurso histórico que culmina no assalto e encerramento daquela rádio e do Grémio Recreativo Mindelo em 1974: um acerto de contas numa luta de classes latente desde inícios do século XX que terminou com a nacionalização dos órgãos de comunicação social e um monopólio/situação dominante do Estado que vigora até ao presente. (*)


I. O Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense,  CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde (ver aqui entrada na Wikipedia). 

Fez questão de partilhar connosco, em 9 (+5) postes, as suas recordações desse tempo (**). Por dever e direito de memória, que assiste a qualquer um de nós, antigos combatentes. 

Temos trocado com ele algumas mensagens, e ele tem gentilmente respondido a perguntas nossas ou comentários dos nossos leitores. 

Os excertos que aqui publicámos fazem parte de um livro que ele tem em mãos, mas, para efeitos de publicação no nosso blogue, ele omitiu as notas de rodapé  e outras informações mais detalhadas. Daí fazer sentido publicar uma "adenda" à sua série, "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74)".


II. Mensagem de Carlos Filipe Gonçalves, com data de 10 de junho último:


Olá caro amigo e camarada:

Antes de mais, desejos de vida e saúde.

Sobre a tua pergunta, o conteúdo dos pontos 1 e 2 é público; são dados conhecidos de biografias dessas pessoas.

O ponto 3 é a minha resposta a alguns comentários que foram feitos, nos meus postes. Logo é público.  

Sobre o teu comentário, em que dizes que passaste a conhecer melhor as minhas origens e ligações - afinal o mundo é pequeno!... Devo chamar a tua atenção, no meu texto já publicado (Despedida e Partida para a Guiné, poste P26819, de 20 de maio de 2025), faço uma referência à minha tia Orlanda Amarílis (1924-2014), que foi se despedir de mim no cais da Alcântara. 

Aliás, durante o tempo que estive em Portugal desde Dezembro de 1971 a Fevereiro de 1972 passava os fins de semana em casa da Orlanda Amarílis e do meu tio Manuel Ferreira, em Linda a Velha.

Outro dado, que devo indicar é que Manuel Ferreira  conheceu e namorou a Orlanda na mesma casa de família onde eu cresci, em Mindelo, onde vivia o meu avô, Roque da Silva Gonçalves, pai de António Aurélio Gonçalves, o escritor, um dos fundadores com Baltazar da revista Claridade em 1936. 

Ora, o meu avô Roque faleceu e o filho, António de Nhô Roque, acabou a ser conhecido apenas, por Nhô Roque! Bem, eu como fui educado pelo meu tio António de Nhô Roque, acabei também por passar a ser chamado de Kalú de Nhô Roque. 

Devo explicar, em Cabo Verde, tradicionalmente, as pessoas, são referidas pela evocação da ascendência dos familiares mais próximos ou diretos, ou seja, pai, avô ou bisavô: António de Nhô Roque, é, pois, António, filho de Nhô Roque... 

Continuando, Manuel Ferreira acabou por se integrar na elite literária de Mindelo, através das relações que desenvolveu com a nossa família. O meu tio António é primo da Orlanda, é parente próxima do poeta José Lopes, a quem ela e minha mãe chamavam tio José Lopes. 

O pai da Orlanda Amarílis, que é Armando Napoleão Fernandes (meu avô),  é o autor do primeiro Dicionário Crioulo Português, já pronto em meados dos anos de 1940.

 Manuel Ferreira casou-se com a Orlanda, em casa do genro, em Santa Catarina (Vila da Assomada),  Ilha de Santiago; foi uma festa que contou o tradicional Batuque que antecede as bodas. Como estás, a ver o Manuel Ferreira teve contactos profundos com Cabo Verde e com a elite literária, daquele tempo....

Agora, referencias num poste e comentário, sobre o Grémio Recreativo Mindelo, alguém escreveu sobre Rafael Torres e outros a tocarem naquele clube... pois, é, esse conjunto era do meu pai, Arnaldo Gonçalves (Naldinho) pianista, muito conhecido. 

No meu canal You Tube poderás escutar Naldinho Morna Perseguida FINAL uma faixa do conjunto Centauros; na foto pode-se ver, Rafael Torres, o primeiro à direita, a seguir, Ângelo Lima, afamado guitarrista, foi um membro ativo do partido UDC (União Democrática de Cabo Verde), foi preso dezembro de 1974, enviado para o Tarrafal, juntamente umas dezenas dos chamados «contrarrevolucionários», seriam soltos na véspera da Independência. 

O meu pai não foi preso, foi para Portugal em março de 1975, como era casado com uma grega, foi para Atenas, onde faleceu em fevereiro de 1991.

O livro sobre a Rádio Barlavento, está esgotado, mas, vou te enviar uma cópia em PDF, para teu consumo privado, agradecia que não fosse divulgada, devido aos direitos editoriais e de autor.



Fonte: (1963-1973), "Júlio de Carvalho, Tchifon, Cláudio Duarte e Valdemar Lopes", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43496 (2025-5-31) (Coim a devida vénia...)


III. Mensagem  anterior, com data de 2 de junho, do Kalú de Nhô Roque:


1. Sobre a foto, eis as pessoas nela constantes (vd. poste P26871) (**): 

  • Eduardo Silva Santos ("Tchifon"). Mindelo, S. Vicente 1942 – 22 de Janeiro de 1997. Depois de uma comissão na tropa em Moçambique, integrou o PAIGC; 
  • Claúdio Duarte, vive desde 1975 na Praia, foi estudante em Louvain na Bélgica (não tenho a data de nascimento, mas se conseguir envio; 
  • Valdemar Lopes da Silva ("Val de Nhô Balta"),  músico, violão – Mindelo, S. Vicente, 1943 – 2000. Filho do célebre escrito Baltazar Lopes da Silva. Organizou o grupo musical que gravou o disco de música revolucionária, em 1973 intitulado “Música Cabo Verdiana Proteso e Luta” que marca uma época depois do 25 de Abril. 

Nota – enviarei por outro email a biografia do Valdemar Lopes da Silva que consta do meu livro, “Kab Verd Band Música & Tradições” ed. do autor Carlos Filipe Gonçalves, em 2023; é um dicionário da música de Cabo Verde, com mais de 3 mil entradas/verbetes 700 páginas.


2. JJ não consta da foto – Dados, resumidos: João José Lopes da Silva, mais conhecido por JJ, Ilha do Fogo, 26 de Dezembro de 1947 – Praia, Janeiro de 2015. Abandonou em 1969 o curso de engenharia na Universidade de Coimbra para integrar o PAIGC.

 Li os comentários no Blog. Como já esperava, surgem questões sempre relacionadas com a ausência dos rodapés que explicam pormenores no texto, neste caso, as biografias do JJ e Tchifon. 

Por outro lado, por se tratar de extractos, muitas descrições, ficam desenquadradas de contextos anteriormente descritos. Note-se, este meu livro, não é simplesmente uma descrição do que eu vi ou do meio em que vivi em Bissau. No livro, descrevo as impressões de um cabo-verdiano (que sou eu) no ambiente social em Bissau, os problemas vários que enfrentei, etc. 

Por isso, vou te enviar, não para publicação, mas para tua informação, o capítulo 4 (completo) do livro, que que te dará uma outra visão. 

Nos capítulos anteriores sobretudo durante a viagem de Lisboa a Bissau, em «flash back» conto toda uma história da pressão da Pide em Mindelo, de como isso afectava os jovens, depois, como eu, faço tudo em Tavira, para eu e outros colegas, nos «safarmos» e passar aos serviços auxiliares…. 

Surpresa, foi numa consulta no Hopistal Militar em Évora que encontro, um oficial que tinha uma filha casada com um cabo-verdiano e tinha sido minha professora… não vou contar mais… Bem, acredita acabei até por voltar a Mindelo, antes do final da recruta…. Etc. e tal…

A segunda parte do livro, que pode parecer apenas do interesse de guineenses e cabo-verdianos…, conta como vivi e vi o início de uma «repressão» violenta que foram vítimas, antigos militares e pessoal civil guineense… assisti à purga de Março de 1975…. Apresento biografias e dados sobre os cabo-verdianos envolvidos nessas prisões, felizmente, não foram fuzilados…


3. Como, sou o sobrinho e fui educado por António Aurélio Gonçalves, o escritor mentor do movimento Claridade juntamente com Baltazar Lopes da Silva, fui bem acolhido em Bissau depois da vinda do PAIGC,


III. Mensagem de 9 de junho:


Respondi à tua msg, sobre esse assunto, não foi enviado, por isso utilizo agora este meu outro email:

Acabo de receber o teu link, já vi a foto do meu post que publiquei há uns anos. Olha trata-se do Grémio Recreativo Mindelo, era um clube que reunia as pessoas da sociedade mindelense; era a proprietária da Rádio Barlavento. Olha, escrevi um livro sobre a Rádio Barlavento e o Grémio. O meu pai foi um dos fundadores e o último director dessa rádio, aconteceu com ele a «tomada da rádio» pelo PAIGC, eu me encontrava em Bissau, foi em 9 de Dezembro de 1975...

No livro desmistifico a propaganda que foi feita sobre o Grémio e os seus associados, conto a História da Rádio Barlavento. O meu pai acabou exilado em Atenas, Grécia, só nos, vimos 15 anos depois, os meus irmãos, só, nos vimos em 2007 e 2009 respectivamente. Estás a ver a tragédia que foi isso tudo… O título do livro: «Bá D’al na rádio Memórias da Rádio Barlavento, ed. Livraria Pedro Cardoso, 2019.

Quanto ao Zeca Macedo, é um amigo meu desde a infância, a família é do Fogo, são parentes próximos da família do escritor Dr. Teixeira de Sousa. Estivemos juntos na Guiné, era fuzileiro, telefonou-me há dias, mas a chamada caiu, voltei a ligar não respondeu.

Olha, aconteceu, com este teu email, o mesmo que aconteceu com o último que te enviei: só cá chegou metade do teu texto… Parece que há algo com o meu gmail. Já Chamei o meu neto para vir ver. Por isso, eis o meu Hotmail, para caso de dúvidas (...).

Vou passar a utilizar este na nossa correspondência. Olha, não tive tempo, na semana passada para reescrever a mensagem que foi pela «metade», porque estava preparando uma palestra sobre a «música revolucionária/de intervenção» no âmbito dos 50 anos da Independência. Por outro lado, tenho estado com o problema da doença de uma das minhas filhas (...)

Aquele abraço.


IV. Comentário do editor LG:

Afinal, a História com H grande e a história com h pequeno (entre)cruzam-se e, no meio, lá estamos nós, indivíduos e famílias, apanhados desprevenidos...Nos períodos revolucionários (e contrarrevolucionários), ou quando o poder "cai na rua" (ou nas mãos de minoria pretensamente "iluminadas"), tudo pode acontecer...

Seguramente essa foi uma tragédia familiar que tiveste de viver em silêncio, durante os 15 anos que durou o regime de partido único. Não deve ter sido fácil para o teu pai viver no exílio, num país onde, apesar de tudo, também tinha, como nós, reconquistado a democracia. Só agora fico a saber que a tua mã era a escritora Ivone Ramos, a mana da Amarília (temos diversas referências no blogue ao Manuel Ferreira, 3 anos mais velho do que o meu, Luís Henriques, estiveram os dois no MIndelo, durante a II Guerra Mundial,. o meu entre julho de 1941 e setembro de 1943).

Obrigado pela confiança e amizade que demonstraste ao partilhar este teu "segredo"...Já agora, como foi a receção do teu livro ? Vou ver se o encontro por aqui, mas não deve ser fácil...

Há uns anos ofereci o teu "Kap Verd Band" ao meu filho que já tocou em diversas ilhas da tua (é psiquiatra e músico) (já não sei se era a edição antiga, 1998: pensando bem, talvez tenha sido o "Cabo Verde, 30 anos de música 1975 - 2005" in "Cabo Verde 30 Anos de Cultura. Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2005)


(...) Mantenhas. Um forte abraço, Luis
____________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20658: Agenda cultural (741): "Bá D'al na Rádio: memórias da Rádio Barlavento", livro do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74, membro da Tabanca Grande, nº 790, mindelense, jornalista e radialista, a viver na Praia, Santiago, Cabo Verde

(**) Vd. poste de 13 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26917: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - X (e última) Parte : a guerra de nervos nos últimos seis meses

Vd. postes anteriores da série:

8 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26899: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) Parte VIII: quando cheguei a São Vicente, de férias, em outubro de 1973, fiquei encabulado, não sabiaaticamemte nada sobre a proclamação unilateral da independência pelo PAIGC

4 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26880: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte VII: Os "turras" têm agora um míssil que abate aviões e helicópteros


27 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26853: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte V: aqui sinto-me em casa, encontro tias, primos, vizinhos, colegas de escola e do liceu...

25 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26843: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte IV: Na Repartição de Autos Víveres, tenho de assinar o ponto todos os dias, trabalha-se das 8h00 às 12h30, e das 15h00 às 18h30, sábado e domingo de manhã... "Estamos em guerra, até em Bissau", dizem-me!...

22 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26829: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte III: Desembarque e colocação em Bissau, na CEFINT, 1ª Rep QG/CTIG, em Santa Luzia

20 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26819: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte II: De Lisboa a Bissau, no T/T Uíge

19 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26815: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte I: Em Lisboa, à espera do embarque, aproveitando a farra para esquecer


Vd. também a série complementar:

3 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26760: No 25 de Abril eu estava em... (40): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte V

30 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26744: No 25 de Abril eu estava em... (39): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte IV

29 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26739: No 25 de Abril eu estava em... (38): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte III

28 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26738: No 25 de Abril eu estava em... (37): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte II

27 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26736: No 25 de Abril eu estava em... (36): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, vive hoje no Mindelo) - Parte I


quarta-feira, 5 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26554: Ainda o desastre do Cheche (Virgínio Teixeira, ex-alf mil SAM, BCAÇ 1933, Nova Lamego e Sáo Domingos, 1967/69)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Gabu > Cheche > Rio Corubal > CART 1742 > c. set 1967 / c. abr 1968 > A jangada com estrado assente em três canoas... O Abel Santos diz que a a foto é de janeiro de 1968, ou seja, um ano antes da Op Mabeco Bravios.


Foto (e legenda): © Abel Santos (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Texto enviado pelo Virgílio Teixeira (ex-mil SAM, BCAÇ 1933, Nova Lamego e Sáo Domingos, 19567/69), comj data de 10 de fevereiro passado, 16:27: "Caro Luis, estive a desfolhar o meu imenso arquivo a que chamo "CTIG 67/69". E enciontro tantas coisas...  Vi este tema do Cheche, que já saiu, embora diferente há uns anos. Se vires interesse em repescar mais alguma coisa, podes dispor. Fiz uns pequenos aumentos, que na época deixei passar. Um abraço. VT."


CHECHE - AINDA ALGUNS CONTRIBUTOS PARA A TEORIA DO ACIDENTE

por Virgílio Teixeira



O DESASTRE DO CHE-CHE - PARTE I

Alguns contributos para a tentativa de, senão esclarecer, pelo menos contextualizar, no tempo e no espaço, aquele terrível acidente, que por muito tempo que ainda andemos por cá, nunca será esclarecido, é um daqueles mistérios, que ninguém quer ver revelados, é a minha opinião, sem qualquer intenção de julgar, até porque nada sei mais do que os outros.

O Abel Santos, que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente, e
steve em Nova Lamego e Buruntuma (julho 1967/ junho 1969). É mais antigo que eu, gostava de lhe poder perguntar se esteve lá no mesmo período que eu, em Nova Lamego (NL): 21-09-67 até 26-02-68. 


A CART 1742 fazia parte de um grupo de 17 subunidades que estiveram naquele período sob o comando do meu BCAÇ 1933. Mas e
u não conhecia bem as instalações da chamada Companhia de Baixo, em Nova Lamego.

A CART 1742, ao contrário em São Domingos, com a CART 1744, que conhecia e bem e confraternizávamos, pois, aquilo era mais pequeno. Sei que, no setor de Nova Lamego, ficou na dependência do BCav 1915, depois do meu  BCaç 1933 e ainda do BCaç 2835. 

Tomou parte em operações realizadas nas regiões de Ganguiró, Canjadude, Cabuca e Sinchã Jobel, entre outras e ainda em operações conduzidas em outros sectores da zona Leste, bem como em escoltas a Béli e Ché-Ché. Em meados de abril de 1968, foi transferida, para Buruntuma, a fim de render a CCaç 1588... Portanto, já estava no setor L5 quando se realizou a Op Mabecos Bravios e se deu o desastre de Cheche, em 6 de fevereiro de 1969. (Regressaria à metrópole em junho de 1969.)
 
Estive a ler a História da Unidade (BCAÇ 1933), todos os acontecimentos no período de Nova Lamego, e não encontro referência a muita coisa, não sei qual o critério que seguia  essa brochura.

Contudo vejo que a CART 1742 estava sediada em NL, apenas o 3º pelotão estava em Camabajá. O Abel não sei de que pelotão era.

Ele diz que a foto nº 1  é de janeiro de 1968 (*), estava eu lá, em Nova Lamego, e notava-se sempre grande burburinho com as famosas colunas para Madina e Béli, tudo se agitava à volta deste tipo de acontecimentos, eu tenho reportagens feitas de madrugada a quando da saída das colunas.

Na história da Unidade (HU) não consta por exemplo a emboscada que provocou a morte do alferes Gamboa e outros, perto de Piche, da CCAV 1662, e que foi no 4º trimestre de 67.

Como também não refere aqui um caso que muito chocou a malta em NL, a emboscada de uma coluna vinda de NL, após rebentamento de minas perto do Cheche, e na sequência da qual foi morto com uma bazuca o major Ruas, entre outros. Este acontecimento causou grande consternação, em especial à mulher e família que estavam em Bissau. Os pormenores foram-me contados por um dos meus amigos, um soldado condutor, que estava lá presente, e que eu encontro com frequência em Vila do Conde, é um empresário da Têxtil em Guimarães, que me tem muito em consideração, e que eu retribuo.

Este oficial, major Ruas, que eu conheci na messe, pertencia ao Batalhão de Engenharia, e vinha com frequência a NL, pois era o responsável pela operacionalidade da jangada da morte.

Nunca me ocorreu, mas agora pergunto: essa foto nº 1 seria já de uma nova jangada com as 3 pirogas mandada construir pelo major Ruas? Não sei mais nada.

Mas a HU que não sei quem a supervisionava, era escrita pelo tenente Albertino Godinho, mas seguia as instruções do Comando, penso eu, mas nada sei.

Falhou muita coisa que eu vi e seria objecto de uma nota, nem que fosse pequena. Constava por exemplo coisas de nenhum interesse, passo a citar:
 
  • No dia X o comandante do batalhão deslocou-se a Piche;
  • No dia Y o comandante do batalhão deslocou-se em coluna a Pirada, acompanhado pela esposa do nosso Médico, vestida a rigor de camuflado...

Esqueceram-se de mencionar, por exemplo, um facto inédito:

  • No dia Z um alferes miliciano do CA, deslocou-se a Susana, comandando um grupo de 5 homens, num barco da Engenharia denominado de Sintex, para ir levantar alguns mantimentos que não existiam em S. Domingos, sede do Batalhão. Depois de 3 ou 4 dias, regressou no mesmo barco, carregado de vários mantimentos, entre eles um saco de batatas da Manutenção militar.
  • Só que o piloto do mesmo barco, com grande experiência dos imensos rios e riachos, acabou por se perder sem se saber onde fomos parar, a uma pequena povoação de Felupes.
  • Não tendo Rádio para transmissões, o piloto fez várias tentativas por rios que nunca acabavam, até que acabou mesmo foi a gasolina dos dois motores. Sem rações de combate, sem bebidas por ali esperamos que fosse avistado um meio aéreo, que naturalmente teria sido pedido uma vez que a data de saída de Susana foi transmitida ao comando do BCAÇ 1933, mas a chegada nunca aconteceu no tempo certo.
  • Após dois dias de calor, fome e sede, lá vimos uma avioneta a rondar o nosso frágil meio de transporte e depois deu-se a evacuação, já nem me lembro como foi.
  • Sendo eu o "comandante" daquela força expedicionária, não sabia o que fazer, muito menos os outros, e passei o tempo, ou parte dele, a dormir na banheira em cima do saco de batatas.
  • Por ignorância e coisas da idade, nunca me preocupei, pois pensei sempre que nos vinham buscar, antes se possível, de sermos levados como reféns para Conacri!

A razão desta falta (referência na HU), penso eu, ainda hoje, deve-se à ocultação do facto por ter sido um oficial dos SAM a comandar aquela força militar por sítios que nunca conheci, e não tinha formação militar para isso, foi um abuso de poder do major de operações, na falta do nosso original comandante, evacuado por ferimentos em combate.

Há um cabo das transmissões que mantinha informações permanentes com a BA12 e sabia do que se passava e foi com a sua insistência que acabaram por nos encontrar, isso deu muito que falar, mas poucos sabem do que realmente se passou.

E assim os Felupes não tiveram o gosto de comer carne humana, num churrasco num sítio que só podia ter sido no cu de judas (estiy a reinar, sei que eles só praticavam o necrogafia, cortando para isso a cabeça dos inimigos). E gostava de saber em que povoação fomos parar. 

Então a HU não conta tudo, só o que for relevante para as operações militares e não só.

Isto bem contado com os pormenores que não sei, até dava uma série televisiva (...).

No dia 17 de janeiro de 1968, dá-se a operação Lince, nome dado à operação de retirada da CCaç 1589 de Madina, e substituída pela CCAÇ 1790 do meu Batalhão e do capitão José Aparício.

Esta operação de 5 dias mobilizou enormes meios humanos e materiais, e lembro-me de ter assistido à chegada dos homens daquela companhia a NL completamente pirados, com o devido respeito, tinham passado um ano naquela fogueira, isolados do mundo.

O Abel, caso tenha participado nesta operação deve saber muito mais, e pelo menos sabe mais do que eu mesmo que não tivesse estado nessa operação.

Fica aqui o meu pequeno contributo, para a história deste caso, macabro.


O DESASTRE DO CHE-CHE  > PARTE II - PASSAGEM DE TESTEMUNHO

Acerca das dúvidas aqui levantadas, o porquê de irem primeiro alguns membros das companhias e batalhões, posso esclarecer com o meu caso.

O BCAÇ 1933 tinha feito o IAO em Santa Margarida, onde estive, quando vem uma Nota para seguirem à frente alguns oficiais e sargentos, com o objectivo de passar o testemunho, era assim que se dizia. Ou seja, tomar conta do espólio deixado pelas unidades que iam ser substituídas por outras e tomar conta dos acontecimentos mais relevantes:

Assim, consta na HU que o meu BCAÇ1933, tinha a CCS, as CCAÇ 1790, 1791 e 1792. Embarcaram para a Província da Guiné gvia Aérea, num velho DC6, do tempo da 2ª guerra mundial e com carga diversa, os seguintes oficiais e sargentos:

OFICIAIS DO COMANDO E CCS:

Tenente Coronel de Infantaria, Armando Vasco de Campos Saraiva, Comandante;
Major de Infantaria, Graciano Antunes Henriques, Oficial de operações;
Alferes Mil do SAM, Virgílio Oscar Machado Teixeira, Conselho Administrativo

COMPANHIA DE CAÇADORES 1790:

Alferes Mil de Infantaria, Evélio F. S. Amorim, Comandante de Pelotão
2º Sargento de Infantaria, Carlos de Oliveira, Comandante de Secção

COMPANHIA DE CAÇADORES 1791:

Alferes Mil de Infantaria, Antero T. Igreja, Comandante de Pelotão
2º Sargento de Infantaria, José Carlos A. Canas, Comandante de Secção

O restante pessoal do batalhão, o grosso dele, seguiu em 27 de setembro de 1967, no navio T/T Timor, chegando a Bissau em 03out67.

A CCAÇ 1792, não veio neste transporte, seguiu no Uíje um mês depois, juntamente com o BCAÇ 1932, e nunca mais esta Companhia esteve junto ao seu Batalhão orgânico.

A razão de ser desta força militar ir à frente, tem a ver com a tal passagem de testemunho, e pelo que toca aos Alferes das 2 companhias, eles são talvez dos mais antigos.

O NIM (Nº de Identificação Mecanográgico) acaba em 66 para o Eurélio, é, portanto, da inspecção de 65, nascido em 45, incorporado em 1965. Os outros são terminados também em 66 ou 65. O NIM do Igreja acaba em 65, inspecção de 64, nascido em 44, e possivelmente incorporado em 1964. Os outros são terminados em 65.

Para o meu caso, que nada tem a ver com estes, o NIM acaba em 64, inspecção de 63, nascido em 29-01-1943, e devido a adiamentos incorporado em Mafra, EPI, em 03-01-1967.

Quanto aos Sargentos, também me parece que é pela antiguidade, uma vez que os Furriéis são todos mais novos, e os 1º Sargentos eram da Secretaria, e não faziam parte destas contas.

Curiosamente, eu fui substituir o meu homólogo do BCAV 1915, do qual herdei imensos problemas, que tiveram de ser resolvidos por mim, e que ele nunca me agradeceu.

Por outro lado, o meu homólogo do BCAÇ 1932, seguiu junto das restantes tropas e não sei se os comandos foram também à frente de avião. Sei que regressou comigo, por isso fez menos um mês de comissão do que eu.

Salvo alguns lapsos, acho que dei conta da nossa situação, que era generalizada para todas as Unidades.


O DESASTRE DO CHE-CHE >  PARTE III

Cumprimento o Abel Santos, pelo desempenho e pormenor dos seus comentários, e fica claro que não quero falar em nome de ninguém e casos que não conheço no terreno.(**)

Infelizmente, nunca tive a oportunidade de viver no terreno, as experiências terríveis de combates, minas, emboscadas, apenas levei com bombardeamentos no quartel, e chegou.

Começo por dizer que não estamos aqui a julgar ninguém, nem nada, eu apenas me limitei e fazer eco daquilo que se dizia, mas nunca vi nada, porque não tinha de estar lá nem ver.

Muito menos quero fazer da minha intervenção casuística, um caso de justiça ou investigação.

O Abel não confirmou, mas pelas datas da sua estadia em Nova Lamego, estivemos lá na mesma época, sem dúvida. Como a vila era relativamente grandinha, não dava para se ver ou encontrar tanta gente que lá fazia o seu serviço militar.

Vou fazer um reparo, que pode confirmar-se ser engano, ou troca de números, pois, segundo diz, a sua CART 1742, foi substituir em 14set67 a CCAV 1963 (ou 1693?). Erro gráfico.

(i) Caso alferes Gamboa: Como disse estive com ele, conforme foto já divulgada nos postes, pouco antes da sua morte. Fiz várias vezes, colunas, entre NL-Piche - NL, e nunca aconteceu nada de especial, graças a Deus. Tive conhecimento da trágica morte deste amigo, uns dias depois, e cada um conta à sua maneira, como aliás tantas vezes aqui se contradizem uns aos outros.

E já agora, acho que não vi isso aqui escrito, mas falou-se que os terroristas, lhe arrancaram o coração, e no seu lugar colocaram os galões de tenente que ele trazia consigo, pois estava à espera da sua promoção para breve, o que nunca chegou a acontecer, infelizmente.

(ii) Caso major Pedras: conheci-o na messe de oficiais, embora diga-se que não sabia na altura qual era a sua função, o que se confirma agora, pois já falei com as minhas fontes. Este soldado condutor, que fazia parte de um grupo restrito dos petiscos, fez várias colunas para o Cheche, Medina e Beli, conduzindo a sua GMC. 

Ele contou, exactamente o que o Abel diz, o major Pedras,  do Serviço de Material, ia na viatura da frente juntamente com o furriel Jorge, da Engenharia, que nunca conheci, julgo eu. Este ex-militar contou-me há cerca de meia dúzia de anos aquilo que ele presenciou, nos termos em que contei e não vou repetir. 

Mas se o Abel estava lá, deve ter a sua versão, que, com bazuca ou com minas e armadilhas e emboscadas, o certo é que ele foi gravemente ferido e evacuado, acabando por falecer no HMP 241. E que tendo o tal soldado condutor ajudado a transportar o corpo para o Heli. Como não conheço estes factos, fico por aqui, e tanto faz para o efeito.

(iii) A jangada: Já foram aqui apresentadas várias versões do acidente mortal da fraca jangada, que nada tem a ver com essa da foto 1. Como eu não estava lá, nunca a vi, ficam as imagens que vão aparecendo nos Postes.

Com isto termino a minha intervenção.

Obrigado pela chamada aos postes desta tragédia que nunca deveria ter acontecido. E aproveito para desejra as melhoras do Abel Santos, que afinal é meu vizinho aqui do Norte.

Virgílio Teixeira
____________


31 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22053: Casos: a verdade sobre ...(21): a jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche, já era assente em três canoas, no meu tempo, c. set 1967 / c. abr 1968 (Abel Santos, sold at, CART 1742, Nova Lamego e Buruntuma, jul 1967 / jun 1969)

(**) Vd. postes de:


2 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22059: (In)citações (183): A propósito da(s) jangada(s) do Cheche... e lembrando aqui mais mártires do Boé: o major Pedras, da Chefia do Serviço de Material, QG/CTIG, e o fur mil Jorge, do BENG 447 (Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM; CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26434: A extinção dos Conselhos Administrativos dos batalhões de reforço no CTIG (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, Chefe do CA, BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte I

 


Virgílio Teixeira ex-alf mil SAM, Chefe do CA, BCAÇ 1933
 (Nova Lamego e São Domingos, set 67 / ago 69); tem 190 referèncias no nosso blogue;
membro da Tabanca Grande desde 19/12/2017



A EXTINÇÃO DOS CONSELHOS ADMINISTRATIVOS (CA)  DOS BATALHÕES DE REFORÇO (BR) 
NO CTIG

por Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, BCAÇ 1933 
(Nova Lamego e São Domingos, set 67 / ago 69)


I – Introdução

Este tema tem em vista explicar qual foi esta especialidade administrativa militar, que é pouco conhecida da maioria dos nossos militares que estiveram nas guerras de África desde 1961/68

Foi sugerido pelo editor Luis Graça a propósito de um Poste para ser editado nos anos 2017 ou 2018, o qual eu tinha denominado de “A minha fuga de São Domingos” (*) e as peripécias que isto acarretou, e que não gosto de me lembrar, mas nunca as esqueço (1).


II – O que são os CA (Conselhos Administrativos) num Batalhão de Reforço

O CA é formado por uma estrutura Administrativa e Financeira, e é composto por 3 elementos:

Tomamos o caso do CA do BCAÇ 1933 a que pertenci:

  • O Presidente do CA, que é o segundo comandante (no nosso caso o major Américo Correia);
  • O Tesoureiro do CA, com a missão de movimentar os dinheiros, em Cash  (no nosso caso o alf mil inf Joaquim Custódio de Araujo Carneiro) (2);
  • O Chefe de Contabilidade (título que faz parte da estrutura do CA), cujo responsável era o alf mil SAM, Virgilio Teixeira (3),

Como nota explicativa, podemos  fazer um paralelo entre:

  • Os conselhos administrtivos das Unidades Militares (CAM);
  • Os Conselhos de Administração das Empresas (CAE).

As empresas privadas, de um modo geral, as médias e grandes empresas, são sociedades anónimas, que funcionam com uma estrutura, como todos sabem, os chamados os Conselhos de Administração, compostas no minimo com 3 elementos:

  • Um presidente, confundido atualmente com o CEO ("Chief Executive Officer");
  • Um vogal com funções multidisciplinares e que serve para desempatar em caso de litigios;
  • Um Administrador financeiro.

Sem me referir a nenhuma empresa em particular, existem muitas delas, em Portugal, nomeadamente, com unidades do mesmo grupo espalhadas por diversos pontos, e que tudo somado formam a empresa ou Grupo X, as quais devem apresentar as suas contas do exercicio à sua Holding , após devidamente aprovadas por orgãos independentes, normalmente os chamados "Auditores".

Compete ao CAE reunir, e apresentar o relatório e contas   em reunião formal aos Accionistas da Empresa, os quais aprovam ou não.

A grande parte deste trabalho é organizado pelo Administrador Financeiro.

O paralelo entre os CAM e os CAE é muito parecido, conquanto que os CAE são , mais unidades, sejam outras companhias operacionais espalhadas pelo sector que comandam, sejam pelotões independentes – Pel Rec Daimler, Pel Canhões sem Recuo, Pel  de Morteiros, Esquadrões de cavalaria, companhias de milicias, e outras mais subunidades... Tudo podendo perfazer no total mais de 3000 miitares, sob o comando do Comandante do Batalhão e sob a esfera administrativa do CAM .

No caso presente,  em Nova Lamego o meu BCAÇ 1933 tinha anexadas 17 subunidades independentes com um total de mais de 3000 militares para gerir,  o que era uma grande carga e trabalho e organização incompativel para um local de trabalho distante cerca de 300 quilometros da capital e sede da sua Chefia de Contabilidade (os "Auditores" ),

São grandes empresas privadas de até 4000 colaboradores que o aqui narrador teve a oportunidade de gerir na vida civil. Mas quero chamar a atenção que nunca fui Presidente de nada na minha vida toda.

Aliás, e melhorando a ideia, fui nomeado uma vez há muitos anos, para presidente da mesa numa assembleia de condóminos do meu empreendimento. Começaram a chamar-me "Senhor Presidente tem a palavra", meteu-me tanto asco por estas etiquetas que ao fim de uma hora terminou e jamais passei por essa cena vergonhosa.

Voltando ao cargo de CC do CA do BCAÇ 1933:

O paralelo está mais ou menos feito, mas claro que não são todas iguais. O CA do BCAÇ 1933, tinha a seu cargo múltiplas responsabilidades a saber:

  • A gestão do Fundo do Tesouro;
  • A gestão do Fundo Privativo;
  • A gestão dos Fundos Privados ("saco azul");
  • Os Fundos Confidenciais, a cargo do Comandanta do Batalhão (4);
  • A supervisão e acompanhamento dos pagamentos dos vencimentos a todo o pessoal, quer a parte que ficava na Metropole, quer a que recebia no CTIG;
  • Controlar e supervisionar as verbas de alimentação, a cargo dos Vagomestres, mas com prestação de contas ao CA (5);
  • Conferir, e reunir com todas as partes, e decidir de aprovar ou não, os famosos "Autos de Destruição", apresentados pelas Companhias e outras subunidades independentes, e que no fundo era listar e contabilizar os danos sofridos em flagelações do IN aos aquartelamentos, o que era dificil porque era tudo uma grande mentira do tamanho de todo o Sector (6);
  • Os gastos com despesas diversas, sejam de material corrente, sejam de materiais comprados no  comércio local para a protecção das tropas e pessoal civil (arame farpado, cimento, blocos, etc.);
  • As compras de alguns equipamentos de uso especifico, frigorificos, arcas, rádios, ventoinhas, e tanto outro material, as BIC e a Papelada !

Isto significa que não se podia gastar um Peso, sem a autorização formal do CC do CA, embora todos os restantes membros tinham de assinar os documentos de despesas.

O CC do CA também não poderia nunca fazer tudo isto sozinho, nem os outros, havia 3 assinaturas que não podiam faltar.

A prestação da contas, mensalmente, era feita junto da Chefia do Serviço de Contabilidade e Administração no QG em Bissau – pelos CC dos CA.

Este trio do CA era assim responsabilizado, cada um na sua função, pelo bom andamento das contas, e no todo, que teriam de ser aprovadas mensalmente na Chefia de Contabilidade (7).





Foto nº 1 > CTIG > QG > Chefia de Serviço de Contabilidade e Administração > Circular nº 51/68 > Bissau, 16nov68 >  Enviada para todos os Batalhões de Reforço, transcrevendo uma diretiva do Ministério do Exército, que determinava a extinção dos CA dos BR no CTIG, devendo a respectiva liquidação estar terminada em 31 de dezembro de 1968. 


Virgílio Teixeira ex-alf mil SAM, Chefe do CA, BCAÇ 1933
 (Nova Lamego e São Domingos, set 67 / ago 69) 


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


III - O fim  dos CA na Guiné

Feita esta explicação perliminar, vamos resumir como tudo acabou.

Não sei ainda se esta determinação da extinção dos CA dos Batalhões de reforço (BR), era dirigida apenas para a Guiné ou se era geral para todos teatros de operações.

  • No dia 16 nov  68 a Chefia do Serviço de Contabilidade e Administração- Secção do Orçamento, emite uma Circular para todos os Batalhões, trancrevendo uma diretiva do Ministério do Exército, Circular nº 51/68, determinando a extinção dos CA dos BR no CTIG, devendo a respectiva Liquidação estar terminada em 31 de dezembro de 1968. (Foto 1);
  • E as subunidades passariam a ser independentes para efeitos administrativos a partir de 1 janeiro de 1969;
  • E que brevemente seriam emitidas as normas para as subunidades.

E nada foi feito no nosso caso, porque no dia 20 desse mês de novembro o nosso comandante é ferido em combate e evacuado para o HMP na Estrela, e nunca mais apareceu.

Por causa disso, o Presidente do CA , 2º Comandante passa a ocupar interinamente o Comando do Batalhão, e o Oficial de operações major Graciano Henriques ocupa também interinamente a Presidência do CA, ou seja passa a ser o meu Chefe direto, o diabo caiu do Céu, pois este senhor era e sempre foi o meu maior inimigo no CTIG (8).

E assim, após uma fase atribulada com este Senhor, continuãmos no ritmo normal.

Chegamos ao final de 1968, e em janeiro de 1969, chega o novo reforço – O coronel Renato Xavier – a quem o pessoal deu o seu nome original – o "Papaias" (em alegoria ao seu principal modo de vida, a agricultura intensiva no nosso aquartelamento, uma vez que os terrenos eram escassos, e a tropa precisava de frutas e produtos frescos, e ele vendendo para as messes, cantinas e refeitórios, ganhava algum dinheiro extra, era o que diziam, pois já não é do meu tempo).

Na minha apresentação ao novo Comandante, acho que ele me viu com indiferença, mas não me lembro desse episódio, e eu com mais indiferença para ele.

Penso que o meu ‘amigo’ o major Graciano, que voltou para a sua função normal nas operações, deve ter-lhe enchido os ouvidos e olhos.

Daí por diante começa, um período negro nas relações pessoais, já nada era como antes (9).

O encerramento das contas, não foi obviamente feito no prazo, devido a estas contingências, e em 31/12/68 continuávamos com tudo igual.

Começo a perceber que as coisas vão demorar, não há diretivas internas como proceder.

(Continua)

(Revisão / fixação de texto: LG)

_______________

Notas do autor;

(1) Já foi postado há anos, mas escaparam outros contornos que agora já poderei contar.

Este Poste que o editor alterou o titulo, porque segundo ele explicou, um Militar nunca foge!

É verdade, mas não foi uma fuga à guerra, mas sim aos novos comandos do meu batalhão, face à evacuação do nosso comandante ten cor inf, Armando Vasco de Campos Saraiva, devido a ferimentos graves em combate, no dia 20 de novembro de 1968, a curta distância do fim da pista em S.Domingos.

(2) Nunca percebi porque esta função foi cometida a um militar de infantaria, quando devia ser alguém oriundo da Escola Prática de Administração Militar (EPAM) . Esta Escola Prática de Serviços funcionava na zona de Alvalade e Lumiar. Há poucos anos ainda perguntei a este membro porquê ele foi desviado de infantaria para o CA? Sempre se desviou da conversa, mas julgo que foi uma cunha de alguém, porque já era casado e tinha um filho de 2 anos! 

(3) Esta função em qualquer CA quer seja de Batalhões de Reforço, ou de unidades militares fixas, como seja o caso dos Comandos, Paraquedistas, Adidos, Bases da Força Aérea, Bases dos Fuzileiros, do Quartel General e outros é da responsabilidade máxima da Administração Militar, que no fundo gere os fundos dde todas as subunidades operacionais.

Vou relevar aqui as relações entre eu o CC do CA e o meu comandante de batalhão, por achar dever ser do conhecimento de todos os interessados.

O comandante é o primeiro responsável pelas contas certas do batalhão. Mas essa função é cometida ao segundo comandante, por lei, como presidente do CA. Ele só pode regressar após a  aprovação das contas do seu batalhão.

Ele pode,  se assim entender, ordenar os gastos da sua unidade como quiser, ficando como o seu responsável final,  caso as verbas sejam desviadas para outros fins.

Quando o BCAÇ 1933 se formou em Tomar, no RI 15, julgo que começou por volta de junho 67, ele ficou à espera do seu chefe do CA para tomar decisões quanto às compras de várias coisas, sejam administrativas ou de lazer e conforto.

Já todo o CA estava formado e pronto, no inicio de agosto de 67, mas o CC do CA não aparecia em Santa Margarida onde se encontravam as tropas a fazer o IAO. Quem foi nomeado para esta função fui eu – o alferes Teixeira  , que me encontrava então à espera de alguém no BC 10 de Chaves para fazer o estágio no CA daquela unidade. 

Mas era fim de julho e depois agosto, e como não havia ninguém no CA para dar a tal formação, estava tudo de férias, e com aquele calor sofucante, eu simplesmente deixei de aparecer durante duas semanas, isto é, tecnicamente era um desertor.

Nunca falei com ninguém no BC 10, apenas me apresentei lá ao Comandante no dia em que cheguei e nunca mais falámos. Aluguei uma cama numa vivenda no centro, de uma senhora que vivia sozinha, onde eu dormia no hall de entrada, e tomava banho, tudo o resto era cá fora. 

Tinha o tempo todo livre para poder visitar e estar com umas amigas de Chaves, a minha segunda terra, até hoje continua a ser. Havia muitas ligações, ia com o meu irmão nos camiões militares quando ele ia fazer serviços de Rádio no interior de Trás- os -Montes, as muitas vezes que fomos para festas e aniversários, com um colega do meu irmão que também esteve como ele, prisioneiro no Estado Português da India, e outro amigo também de Chaves, a ligação com as minhas amigas também de Chaves. Nunca passei tanto frio e calor como em Chaves.

Nas ruas nada se via, os meses de verão eram também de férias escolares, e os cafés e outros espaços, não tinham ninguém, exceto a classe idosa que tomava os seus copos nos cafés e tascas, as quais eu também frequentava. E só nos fins de semana havia algum movimento, mas eu estava no Porto, com a namorada. 

Eu tinha um amigo do meu pai, o capitão Gamelas, que às segundas feiras de manhã cedo me apanhava no jardim da Arca de Água, e no seu carocha preto me levava para Chaves por aquelas estradas sinuosas com o rio lá a umas dezenas de metros no fundo, a estrada sem qualquer protecção, e era sempre a abrir, eu aproveitava também para passar pelas brasas e ao fim de umas 3 horas chegávamos ao quartel depois de percorrer uns 180 /200 quilómetros de estrada empedrada e perigosissima.

E às 9 horas estávamos ao serviço.

Na sexta à tarde faziamos a viagem de regresso, sempre com calor abrasador, e com o melhor ar condicionado que havia na altura, as janelas abertas. E assim fizemos umas 4 semanas, e não pagava nada. O capitão Gamelas estava a formar uma companhia com destino à Guiné, onde acabei por me encontrar com ele nos anos 67 ou 68.

Eu pedi para ele dar uma olhada se alguém me procurava no BC10, ou se o meu instrutor já teria chegado. Mas nunca obti nenhuma informação, e ao meu pai disse apenas que estava de licença.

No dia 9 de agosto aparece um telefonema que o meu pai atendeu. Era o comandante do BC10, um coronel que não me lembro do nome. Quando chego a casa ao fim da tarde, depois de ir à praia do Castelo do Queijo, na Foz, o meu pai dá-me logo "uma guia de marcha" para Chaves, imediata. Vou logo para a estação de Campanhã e apanho o comboio da noite e estou no quartel de manhã bem cedo e apresento-me ao comandante.

Ele só não me bateu por consideração, mas deu-me uma daquelas ‘broncas à militar’ que me arrepiou, e lembro apenas do que me disse e fixei:

- Não leva uma porrada por consideração ao seu pai... E também não lhe dou qualquer castigo, porque já tem um bom castigo para cumprir, vai para a Guiné, o pior sitio que lhe podia calhar.

Era o dia 10 de agosto de 1967, a data da minha mobilização oficial, embora já tinha sido no início do mês mas não estava presente. Nesse dia e com a Guia de Marcha oficial, mandam-me apresentar de imediato em Santa Margarida para me juntar ao meu batalhão que se formou e já tinha o número de 1933.

Quando chego a Santa Margarida, e me apresento ao comandante, vejo logo os olhos que me deita. A conversa não me lembra, pois o segundo comandante recebeu-me bem, pois precisava de mim para umas saídas para Bissau, e fizemos um pacto que eu não vejo necessidade de aqui o reproduzir, pois ele há muito que já faleceu, a esposa também, mas tem os filhos ainda vivos.

O comandante desesperado pois queria fazer as compras antes do embarque, foi dizendo que precisava disto e daquilo para conforto das NT, especialmente para a Messe de Oficiais.

Eu nada sabia como fazer isso, e respondi "não" a tudo! Arranjei logo o primeiro inimigo.

Mas eu não sabia mesmo, nem tinha o orçamento dos fundos do tesouro, fui apanhado a zeros, por causa de me baldar no curso e de não fazer estágios nem na EPAM nem depois no BC 10. A culpa não era minha, mas sim deles que me mandaram para a frente do touro sem ter as armas para me defender.

Muitas décadas depois o nosso Tesoureiro, que eu encontrava muitas vezes na Póvoa de Varzim, onde ele tinha segunda casa de férias, veio a contar-me coisas que eu não sabia.

Logo o comandante em Santa Margarida terá dito ao seu confidente, o Tesoureiro, carne e osso , que não sabia como mandaram um rapazito para uma função tão melindrosa. Veio depois a saber que não era assim, quando viu os resultados do meu trabalho. Abeirou-se um dia, um ano depois de lá estarmos no CTIG, e confidenciou ao Tesoureiro: "Afinal temos aqui um militar de administração muito competente, e por isso vou preparar um Louvor para ele".

 Naturalmenteque o nosso tenente coronel Saraiva já teria tido outra comissão e sabia o quanto dificil era esta função naquelas condições longe das chefias.

Não teve tempo, pois entretanto teve a mina e emboscada que o mandou evacuado para o Hospital e nunca mais o vi, apenas 15 anos depois num almoço do batalhão em Tomar, andava ele com umas pernas postiças, e tive muita pena dele, apesar de tudo.

E para não deixar outro pormenor para trás, contou-me um dia também o condutor Boubon, impedido do 2º comandante e seu confidente, que tinha muito apreço por mim e ia dar-me um Louvor. Não chegou a dar, porque com o fim dos CA não voltei a S. Domingos e fiquei adido a outros serviços em Bissau. O nosso major presidente do CA não voltou com o seu batalhão no mesmo barco, porque teria de assinar as contas das novas companhias independentes, e por lá ficou.

Disse ao Burbon na despedida, que ele ia voltar para casa, mas o major não, e depois iria novamente para outra comissão. Disse-lhe que lamentava não se despedir de mim, e que ficou em divida comigo e com os louvores. O Burbon, um bem sucedido industrial têxtil de Guimarães, vinha passar férias em Vila do Conde e encontrámo-nos imensas vezes, e por ele vim a saber tanta coisa que me passou ao lado, porque não fazia parte do tal Casino de S. Domingos.

(4) Recebia mensalmente a quantia de 12500$ para despesas com informadores, presentes para os Homens Grandes das tabancas, e outras que nem eu sei. Não tinha de prestar contas.

Quem acompanhava este cofre, era o nosso Tesoureiro, e diz ele que o comandante de uma seriedade sem fim, pouco gastava e o saldo passava de mês para mês chegando a acumular muito dinheiro. Parte desse dinheiro era também entregue aos Comandantes das companhias, e outras subunidades independentes. Mas nada sei em concreto do uso deste fundo.

(5) Falava-se de muita coisa, pois havia sempre uma percentagem de pessoal que não aparecia nas refeições, mas no mapa constava sempre a totalidade, e as refeições eram feitas com menos quantidade, menos gastos, e compensada com outras faturas/papéis de compras locais, que bastava o dedo para a assinatura

(6) Uma companhia no Boé  (a CCAÇ1589),  por exemplo, que tinha mais de 300 ataques e flagelações por ano, todas tinham ‘materias e bens destruidos´que depois teriam de ser substituidos por outros , comprados no mercado local, com assinatura por dedo, e os dinheiros não sei que destino levaram.

Ou, os bens destruidos, alimentares, gasolinas, e afins, podiam ser substituidos por novas remessas da Manutenção Militar e,  como não eram precisos, vendia-se às populações locais cuja receita era revertida para a Unidade, para o seu Fundo Privativo, vulgarmente conhecido pelo famoso nome de ‘saco azul’ ( ninguém quer aceitar e confirmar a sua existência).

Isto não é invenção minha, não só porque se via claramente a sua ilegitimidade, como acabou por ser denunciado pelos próprios beneficiários do esquema.

Não valia a pena levantar a lebre, pois quem ficava mal era o CC e tudo se passava com a maior normalidade. No final faziam parte das contas do Estado e os Fundos do Tesouro.

(7) Isto quer dizer que, no fim da comissão, o CA nomeadamente o CC nunca poderia ter Guia de Marcha para a Metrópole, sem as contas aprovadas, o que era também extensivel ao Presidente do CA e também ao próprio Comandante.

Daí que sendo o CC o responsável final na aprovação das contas, era tratado com cuidado e respeitado por todos. Os comandantes tinham sempre muito medo de no final não poderem embarcar por falta de aprovação das contas.

Mas também, o CC era o único que trabalhava a tempo inteiro, mesmo a dormir e a pensar como resolver muitas situações que não percebia, no meu caso, porque não liguei grande coisa à minha formação, situação que me causou sempre muitos problemas.

Foi a minha experiência anterior de 12 anos que me ajudou imenso.

O Presidente que sempre nutri por ele grande respeito, desde o dia 10 de agosto de 1967, em Santa Margarida, quando me apresentei na minha nova unidade, ele, o major Américo Correia levou-me a Tomar, ao RI 15, para tomar contacto com este Regimento, e acabei por conhecer a mulher e filhos. Acho que aí percebi que tinhamos de fazer um pacto a dois. E assim foi.

Nunca se meteu em nada do serviço do CC, passava por lá bem cedo, nem sempre eu estava presente, muito menos o Tesoureiro, tratava com os nossos amanuenses, furriel Pinto e furriel Riquito, bem como os escriturários cabo Horta e cabo Seixas. Assinava todos os papeis que se encontravam nas mesas, a maioria não era nada, e ia-se embora e dormir mais um bocado.

O Tesoureiro do BCAÇ 1933, não tendo grande trabalho, passava no CA uma hora se tanto, depois ia para o quarto ‘Estudar para os exames’ que fazia nas férias do Curso de História, ou a dormir, porque à noite após o jantar juntavam-se quase todos os oficiais, comandante e 2º comandante incluidos, no chamado ‘Casino’ que funcionava na própria messe, e prolongava-se até madrugada, a jogar não sei quê porque não sei nem sabia jogar a nada.

Jogavam duro segundo o que me contava o Tesoureiro, que dizia que ganhava sempre, e ainda hoje, é incrivel que sempre que falamos conta a mesma coisa que o major Henriques, o nosso Oficial de Operações, lhe ficou a dever 400 escudos que nunca lhe pagou...

(8) Na minha apresentação acho que ele me viu com indiferença, mas não me lembro desse episódio, e eu com mais indiferença.

Penso que o meu ‘amigo’ o major Graciano, que voltou para a sua função normal nas operações, deve ter-lhe enchido os olhos.

Começo logo a ser nomeado para diversas acções que não eram da minha função, nomeadamente a comandar patrulhas à volta do aquartelamento – as rondas -, levando comigo operacionais, e sendo uma secção ia um furriel, que julgo que seriam da companhia de cima,  a CART 1744, do Capitão Serrão, e alferes Gatinho e muitos furriéis que conhecia da messe onde eu passava então as noites nos copos, já que na messe de oficiais estavam todos a jogar.

Comecei a perceber que isto das rondas ao fim do dia, não era para se fazer, pois, uns quilómetros à frente lá haviam os tais abrigos, onde a tropa se acoitava, e depois regressava ao quartel evitando-se prováveis contactos com o IN.

Aqui criei algumas amizades, que ainda hoje são lembradas como tempos inolvidáveis.

Então além disto e outras mais, era frequentemente nomeado para os serviços de oficial de dia, devendo estar presente em todas as etapas do dia, em especial as rondas aos abrigos e postos de vigia, onde se passaram algumas cenas hilariantes.

(9) E nestas nomeações aparece um dia em que vou a comandar uma pequena força, e de Sintex (**) fomos para a companhia de Susana, a CCAÇ 1684, nessa data, para carregar alguns mantimentos pois havia falta de muita coisa , devido não só às chuvas e ciclones que levaram pelo ar os telhados de zinco dos armazéns e ficou tudo estragado, mas também a uma flagelação do IN à noite e que acabou por destruir outros armazéns.

Nesta saída a Susana em inícios de 1969, era a segunda, acabamos por ir mais uma vez a Varela ver aquelas praias excelentes e de Burrito, fardados e armados,  lá fomos pela areia fora até ao Cabo Roxo – fim de linha do nosso território – e fronteira com o Senegal.

Deparamo-nos com um espetáculo impensável, as caravanas vindas de Zinguinchor e Dakar com o pessoal branco, franceses e em especial belas francesas em bikini, que iam apanhar o Ferry para as praias ao largo. As mulheres ficaram um misto de atarantadas como surpresas, verem tanto homem jovem fardado e armado, nem sei se sabiam que existia uma guerra ali aolado. Ficámos a xuxar no dedo e a acariciar as nossas G3.

Isto pode parecer um filme, mas é verdade, e só não sei ainda hoje, porque não tirei umas fotos, pois tenho muitas fotos, antes na praia e depois no regresso. Talvez tive algum tipo de receio. Se as tivesse faziam furor hoje e antes.

Quando após 2 ou 3 dias regressámos no mesmo Sintex, conduzidos pelo piloto que era de Engenharia, e conhecia tudo aquilo como a palma das mãos, apoiado com um soldado da Companhia de Caçadores Nativos, sei bem quem era, mas não me lembro do nome, que empunhava uma arma M6 ou Drise, com fita de carregadores a tiracolo, e uma caixa de madeira cheia de munições, mais dois soldados com G3 e cartucheiras, e eu também armado de G3 e cartucheiras, a comandar aquilo tudo, não sabendo o que fazer em caso de ataque terrorista, ou outra qualquer eventualidade. Hoje penso que, com a nossa mania do desenrascanço, alguma coisa deveria fazer. Mas nada aconteceu.

Comunicações nada, gasóleo pouco, dois motores fora de borda de 50 CV e a "banheira" cheia de sacos de batatas, da MM, bananas e outra coisas que não me lembro, pois, um dos homens devia ser da alimentação, a mando do vagomestre.

Voltámos ao rio, é comunicada a hora da nossa saída, dentro de duas horas deveríamos chegar, mas só chegámos passados dois dias. São muitos rios, pequenos e engolfados que se misturam em enormes tentáculos de polvo, e não andámos muito até que o piloto já não sabia bem por onde ia, parece tudo igual, mas afinal muito desigual. 

Ficámos então perdidos após horas de tentar encontrar a saída, e assim se esgotava o combustível. Não havia modo de comunicação, os comeres e beberes iam faltar. E, dada a minha forma de ser não me atrapalhei, e dei confiança ao resto do pessoal. Não sei o que falámos, talvez nada.

Esperávamos que fosse dado o alerta pela hora, e eu pelo menos deitei-me por cima dos sacos de batatas, e fui dormitando, e ainda bebi uma cervejola, quente, mas útil face às condições.

Acabámos por ir parar a um sítio, esse mesmo no cu de judas, pois ainda hoje não sei a que aldeia aportámos. Ao longe fomos avistando um sitio inacreditável, e fui tirando fotos. Quando já estamos a chegar vemos um "pelotão" de Felupes, quase nus e armados até aos dentes,  com arco e flexa do tempo dos índios americanos.

O cais de desembarque não havia, era tipo "Normandia em África", e qundo a pata sai do barco e enterra-se num lamaçal lodoso, ficámos com as botas cheias de tarrafo ou porcaria.

A população amiga recebe-nos com sorrisos mas nada percebemos, estes eram mesmo naturais da "Felupelândia". Umas fotografias para o Álbum, e lá estou eu no meio de crianças dos seus 5 anos até homens com 2 metros de altura, eu ficava abaixo do ombro deles.

E fomos esperando (sentados !) dentro do barco, mas não desesperando. Passados dois dias, vemos um Heli lá em cima, depois aparece uma avioneta e somos encaminhados pelos rios com o pouco combustível que restava, com certeza foi alguém a nadar e a puxar o barco, e assim chegámos ao Rio São Domingos, que faz parte do Grande Rio Cacheu já nosso conhecido. Acho que eles perceberam isso, e foram embora, também não havia sítio para aterrar aeronaves.

Nunca se falou no assunto, não veio na ordem de serviço nem na História da Unidade. Muito pouca gente veio a saber desta aventura.

Muitos anos depois venho a ter conhecimento, por um ex-1º cabo telegrafista, que num almoço de batalhão me veio contar como ele me safou a mim e aos outros "perdidos",  não deixando de contactar sempre a Força Aérea que assim nos encontrou. 

E fica a pergunta: e se não nos encontravam, o que seria feito dos 5 aventureiros perdidos no cu de Judas?

Boa pergunta sem resposta!

©  Virgílio Teixeira (2025)


(Revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor:

(*) Tema T008 – A minha fuga de Sáo Domingos ao estilo do Papillon (que não chegou publicado ns série  "Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)".

6 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18180: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte VII: Perdidos no rio Cacheu, em maio de 1968 (2)