Guiné > Bissau > Comandos perfilados frente ao Palácio do Governador
Em Brá nasceram os primeiros comandos da Guiné, organizados em grupos e depois em companhia. Estes comandos, de primeira geração (ou os "velhos comandos") antecederam a primeira companhia de comandos metropolitana, formada em Lamego, e aqui chegada em Junho de 1966 (3ª CCmds). Na época era Governador Geral o brigadeiro Schultz , promovido a general em 5 de Setembro de 1965.
© Virgínio Briote (2005)
Viva Luís,
Tenho estado à espera que mais camaradas apareçam, de outras paragens. A Guiné era pequena, mas foi muito grande para os que por lá andaram, passou por lá tanta gente, tanta coisa aconteceu em treze anos. Quantos passaram por lá durante esse tempo todo, alguém sabe?
E ao recordar aqueles tempos, pergunto-me se estou a ser correcto, politicamente falando, claro.
Estou de serviço, tenho que andar para a frente.
Aqui vão mais algumas histórias.
Um abraço,
vb
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Memórias de Colina do Norte (1)
4. DIÁRIO
Lulas, sardinhas, atum, carnes frias, lulas, sardinhas, sardinhas e lulas, assim há 3 semanas. Não tenho direito a reclamar, com tão pouco tempo ainda! Nem me quero ver contaminado por este ambiente, dizer mal de tudo e de todos os que cá não estão.
O Didi veio agora de férias da metrópole. É pá, guerra é aqui! Em Lisboa não querem saber de nada, apenas os que têm familiares aqui se preocupam alguma coisa. Querem lá saber da maralha! Mesmo os gajos do QG, em Bissau! Deve ser do ar condicionado, arrefece-os tanto que até se esquecem de nós.
Estou aqui há pouco mais de dois meses, ainda só ouvi tiros da minha G3, quando a estive a experimentar, levo uma vida pacata, sem problemas até agora. Só a calma é que é excessiva. Um intervalo na minha vida, passo os dias a olhar para a rua cheia de pó, o nariz cheio de catinga , o ar abandonado de todos, tudo precário.
Há dias dei por mim a lembrar-me de um artigo qualquer que li, em tempos, sobre a entrada dos portugueses na 1ª Guerra Guerra. O entusiasmo dos políticos, Portugal não pode ficar de fora, Portugal tem que fazer parte do esforço na guerra contra os boches , não pode deixar de pensar nas colónias, como então chamavam a estas terras. Depois, roupas de verão para o inverno das Flandres, o desastre de La Lys. Quem pagou? As tropas, claro. Uma mortandade, os gases, as amputações, as vidas desfeitas! Despacharam-nos para a terra, nunca mais quiseram saber deles. Vai acontecer-nos aqui o mesmo? Talvez não, os turras também não são os boches, pelo menos para já.
Estou a escrever estas coisas, para quê? Sempre as mesmas opiniões, sempre sem solução. Mas isto não é um sonho, isto está mesmo a passar-se!
Prometi-me quando cá cheguei, fazer um esforço pelo menos, evitar revelar os meus piores momentos, que os iria certamente ter. Há tão pouco tempo ainda e já vejo em mim sinais que eu vejo nos outros. Afinal, não resisti nada, estou a olhar para mim e vejo o meu moral a rastejar.
Se se vêem livres disto! É o que se ouve desta gente, a toda a hora. Estendidos nas tarimbas, mosquiteiros fechados, uns por cima dos outros, falam alto das amizades, da velha mãe, do pai seco de fome, da jovem mulher a labutar como uma moura, dos filhos que conhecem da fotografia, de tudo o que deixaram no Alentejo deles.
Custa-me entrar no celeiro, dou a volta por fora, sento-me nas traseiras numa cadeira indígena, com a mata em frente. Olho o céu exuberante de luz, tanta que nem preciso da lanterna.
Lembro-me da Barca do Lago, do rio Cávado a correr devagar, sem vontade de se perder no mar, dos tempos de ontem, de há 3 meses só, à espera que as conversas dentro do casarão acalmem.
A sentinela ao meu encontro, olhos na escuridão da mata em frente, a lua africana, um disco de luz a bater-lhe, os traços recortados. Triste, mê alferes? É sempre assim, a gente quando chega fica assim mais saudosa!
É melhor nem falar, mostrar só um sorriso, tenho medo do que diga, de mim próprio até! Já nem me reconheço, pareço outro, não fora sentir que esta boca amarga é a minha, que estes ossos são meus também, diria que era outro que estava aqui.
Já nada se ouve, apenas o sono. Acordo da minha saudade. Amanhã não tenho trabalho, é o meu dia de folga. Como se aqui houvesse dias de trabalho e de folga, mas enfim, levantar-me-ei mais tarde, puxarei a corda do regador, a água duma vez por mim abaixo, rexina, água outra vez no regador, corda nele, secar, fresco para o almoço, limpo deste suor pegajoso, disposto a aguentar as conversas do capitão Galo à mesa. A minha mulher dá aulas, diz que não tem tempo para se dedicar à nossa filha, como desejava, escreve-me isto, a mim que estou aqui tão longe, vejam lá! Conta-nos outra vez a sua vida, que não foi feito para isto, já a ouvi não me lembro quantas vezes.
O senhor é profissional, ofereceu-se voluntário, foi para cavalaria, a especialidade de carros de combate vê-se no seu peito, para quê esse emblema aqui? Esses queixumes não têm direito na sua boca, apetece-me dizer-lhe. Sei que estou errado, ele é novo como nós, nem trinta tem, também tem direito a dizer mal disto.
Faz-me bem escrever, às vezes não consigo, saem-me palavras sem nexo. Também não sou um Pasternak! Tenho pensado muito, o ambiente é propício. Espero dias mais claros, menos nevoentos. Sinto-me mais leve, mais bem disposto, depois de falar comigo!
5. ENTRE FAQUINA FULA E FAQUINA MANDINGA
Meu capitão, um dia destes vou sair com o pelotão. Ai vai, para onde? Para onde costumamos ir, Faquinas, Sitató, para esses lados!
Tem mas é juízo, pá, o Didi logo. Já tivemos Comos que nos chegasse, não precisamos de mais sarilhos! A paz nesta zona foi conquistada por nós e, se eles passam sem problemas, nós também não os temos tido. Convém às duas partes, é bom não esquecer. Cuidado, meu capitão!
Guiné > Bissau > 1965 > O palácio do Governador Geral em dia de festa.
© Virgínio Briote (2005)
O pessoal, alferes Duarte, está cá há muitos meses, demasiados, falta-lhe pouco tempo para regressar a Bissau e embarcar para a metrópole. Precisa mais de quem o proteja do que gente que o meta ao barulho…
Mas Cuntima é uma pista desimpedida para eles, para meterem minas e armas no Oio, são trilhos pisados de fresco, passam todos os dias…
A minha ideia? Sair daqui sem espalhafato, a outras horas, permanecer na zona até eles aparecerem. Se vamos sempre para o mesmo sítio montar emboscadas, se nunca os encontramos e se o caminho está sempre pisado de fresco, só não os apanhamos se não quisermos, ou então se formos aselhas…
Ao princípio da tarde numa conversa com o furriel Poças, escolheu-se quem deveria sair. A seguir reuniu-se o pelotão na presença do capitão, que fez questão de assistir à partida. Vamos dar uma volta por aí, quem quer vir?
Voluntários, só voluntários, o capitão a atalhar, e o pelotão todo a dizer, eu vou.
Tu, tem mas é juízo! Mas eu também quero ir, meu capitão, o soldado a insistir! Dos furriéis só não foi o Palhares porque lhe doía a perna, que chatice logo hoje, além disso, parecia-lhe também que estava com paludismo. 22 mais um guia indígena e 5 auxiliares nativos.
Saíram da zona em viaturas, em direcção à fronteira. Minutos depois, apearam-se e internaram-se no mato, por um caminho que mal se via, de há tanto tempo não passar ali ninguém. Foram andando com cuidado, devagar, mais separados uns dos outros, sem grandes barulhos. Afinal, o pessoal sabe andar no mato. Avistaram a tabanca de Faquina Mandinga, abandonada há muito. Chegados perto do local onde costumavam emboscar-se, prosseguiram pelas margens do trilho, até à fronteira.
Para os lados de Sitató , quase em frente a Koldá, no Senegal, viram um local descampado. Os trilhos todos marcados com pegadas recentes. Esconderam-se atrás de arbustos, de pequenos baga-baga, e prepararam-se para o que desse e viesse.
Uma volta pelo pessoal para ajustar algumas posições individuais. Estabeleceram uma frente de cerca de 100 metros, ao longo do trilho que vinha do Senegal, com a bolanha em frente, um ângulo de visão de mais de 180 graus. Todos na expectativa, prontos para o que desse e viesse. E dispostos a esperar, pelo menos até ao meio-dia do dia seguinte. Mas eles devem aparecer antes…
Deitou-se com a G3 ao lado, tirou do casaco a Agfa que recebera de Angra uns dias antes, para o caso de haver motivos. Eram para aí 17, 17 e 30, quando ouviu uma voz muito baixa dizer, atenção malta, vêm aí os gajos!
É agora, o coração a dizer-lhe conta comigo. No meio de um silêncio enorme, uma culatra puxada atrás, um barulho que até eles devem ter ouvido! Agora? A que propósito? Uns tiros, uma rajada, depois uma girândola de rajadas para o descampado em frente, tudo em pouco mais de um minuto.
Coluna de carregadores do PAIGC
Foto: © Agência de Notícias Xinhua (1972).
Sacos pelo chão, gritaria, um preto a mancar com uma bicicleta ao lado, a tentar montar para cima dela, uns tipos caídos a gemer, um não se mexia, os valentes alentejanos pareciam que estavam a jogar rugby, todos ao monte para cima deles, para aí 5 ou 6, filhos desta e daquela. Eram poucos para tantos sacos, de arroz, sal e cola, duas bicicletas, granadas, duas caixas com munições, uma Mauser, portuguesa em tempos, livros de leitura em português, correspondência… Uma pequena secção de reabastecimento do PAIGC posta fora de combate em pouco mais de meia hora.
Um trabalhão pegar naqueles alentejanos e pô-los de regresso, com os prisioneiros feridos em padiolas improvisadas. Levou mais tempo a regressarem do que a irem, está bom de ver. Iam fazendo perguntas aos infelizes que tinham sido apanhados, para onde tanto arroz, para família, e livros, para meninos da família aprender a ler, cola para a família também, e que família é essa? É uma família muito grande, não é?
E quem foi o artolas que resolveu puxar a culatra atrás? Quem usa Mauser aqui, os milícias, quem havia de ser! Tinha que ser, meu alfero, os turras vinham de lá! Mas porquê, logo quando eles estavam a entrar na zona de morte?
Este sim, foi um baptismo de fogo ! Era assim que gostaria que fosse sempre, apanhá-los à sorrelfa, sem darem por ela.
Avistaram Cuntima ao longe, a noite já fechada, os petromaxes acesos, e, junto ao arame farpado, militares e a população civil em peso.
O Galo ao encontro deles, então?
Eu não lhe dizia que era uma questão de horário, meu capitão?
Tudo bem, parabéns, mas queira Deus que este episódio não nos traga problemas. Vá-me dando pormenores, vamos para o posto de rádio, vá falando.
Uma desorganização total, meu capitão. Cada um a fazer o que lhe deu na mona, a abrirem fogo quando lhes apeteceu, a correrem todos a monte, sem segurança nenhuma, o gajo da culatra…
Espera-lhe pela volta, Gil, o Didi a virar costas, quem havia de ser?
Mas a guerra, de facto, tomou conta de Cuntima. Foi como se tivessem mexido num enxame de abelhas. Uma ou duas semanas mais tarde, a outras horas, nova emboscada, e desta vez ninguém puxou a culatra antes. Depois, umas minas, a seguir um ataque a Cuntima. Nunca mais houve paz ali.
A fronteira ali tinha sido riscada num mapa, era mais administrativa que outra coisa, não correspondia a nenhuma divisão real entre as pessoas ou etnias. Familiares viviam de um lado e do outro, às vezes mudavam-se com as famílias todas atrás.
Em Cuntima fazia-se muita psicossocial. O médico, um açoriano da Terceira, era um homem bom, com espírito muito prático, não protestava com as condições precárias. Era preciso, fazia-se. Sempre disposto a dar uma ajuda àquelas populações, não interessava a que horas. Mais que uma vez, o doutor tivera que ir ao Senegal ver gente doente. A tropa conduzia-o até à fronteira, depois entregava-o aos guardas senegaleses que o acompanhavam até à tabanca dos doentes.
No passado, aquela gente nunca tinha tido um apoio tão grande como agora. Ajudavam-se os nativos na construção das casas, providenciavam-se mosquiteiros, faziam-se desinfestações, capinavam-se picadas, limpavam-se caminhos, abriam-se outros. Nunca faltavam voluntários para ajudar. Nem precisavam de arregaçar as mangas, andavam quase todos em tronco nu. De facto, naqueles dois ou três anos, desde que o PAIGC tinha iniciado a guerrilha, estava a fazer-se mais por aquela gente do que nos outros anos todos para trás. Isto se se levasse em conta o que se via feito até então. Quase nada. A guerra tem destas coisas.
A companhia militar estacionada em Cuntima, Colina do Norte como era agora chamada, tinha um efectivo a rondar os 150 homens, a esmagadora maioria já a poucos meses de regressar à metrópole. Alguns, muito poucos, estavam lá em rendição individual, para tapar as falhas que ocorrem sempre. Esse era o caso do Gil. Os outros alferes, o Didi e o Ribeiro tinham partido de Estremoz com o batalhão 490.
O Didi tinha o tamanho de um português, um ar de bem-nascido, com o sotaque do Rio, muito pronunciado. Totalmente contra, insinuava estar tão próximo dos guerrilheiros como das tropas que comandava. Um bom coração para as questões humanitárias, sempre pronto a ajudar, quase sempre de má vontade para tudo o que fosse acção ofensiva contra a guerrilha.
O Ribeiro mantinha-se ao largo destas discussões, não se manifestava, por cansaço, ou por outro motivo. Falava da namorada e da mãe, com os olhos brilhantes para as fotos ao lado da cama. Tinha ganho no Como a imagem do alferes mais operacional da companhia, os soldados falavam dele com respeito, via-se que tinha ascendente.
O Gil acreditava no Império, em Portugal do Minho a Timor. De mãos dadas com as populações, de arma na mão contra os que se opunham. Impensável, não via como podiam ter entre eles quem pensasse como o Didi!
Tanto choque de pontos de vista em tão pouco tempo, a guerra deixou de ser motivo de conversa, evitavam-na. Limitaram-se a conviver o resto do tempo que permaneceram juntos. Quando, por qualquer motivo, um deles insistia na conversa da guerra, o outro, como se tivessem combinado antes, punha-se a falar do Benfica e do Sporting…
O capitão tinha um ar blasé. Sobre o alto, magro, uma cara fina e os olhos de medo. Os galões dele mandavam naquela tropa e as coisas andavam por si. Via-se nele o desejo de acabar a comissão o mais depressa possível, sem mais chatices, o que não era nada fácil com um Coronel daqueles.
O doutor falava dos doentes e de Angra, a cidade onde nascera. Agora que tinha ali um recém-chegado da sua terra, puxava-lhe pela língua. Conheceste o quê? O Monte Brasil e as Lajes, claro, a Praia da Vitória, a Terra Chã, a Serreta, os Biscoitos, e que mais? Visitaste o Palácio dos Capitães-Generais, o Outeiro da Memória, a Igreja da Misericórdia, os Impérios, o Algar do Carvão? E que gente conheceste? Em que café paravas? Horas e horas de conversa, perguntas atrás de perguntas. E a namorada terceirense, que tal? Aquela que te escreve, julgas que não sei? Ora, pelo endereço, calhou, só isso, mais nada. Por acaso conheço a família dela, e a ela também, cheguei até a ver-lhe a garganta!
6.VEM MESMO A CALHAR, MORREU-ME UM GAJO ONTEM
Dói-te um dente, aonde, ora deixa ver. Nada que eu possa fazer aqui, porra, estes gajos pensam que vêm para aqui tratar os dentes, mal vai a guerra quando já mandam pessoal com defeito, rosnou. Farim! Quando for dia de dentista, sei lá quando!
Sentado debaixo de um enorme poilão, em Farim, à espera da vez, enquanto o enfermeiro militar percorria a fila dos sofredores, picando este e aquele. De alicate na mão o dentista chegou-se. Abra mais a boca! Ora deixe ver, onde lhe dói, aqui? Não posso fazer isto aqui, não tenho condições, só em Bissau. E tem que tomar um antibiótico, primeiro.
Bissau outra vez. Dente arrancado, aguardava transporte de regresso a Cuntima. No QG, à porta da 1ª Rep, esperava pela guia de marcha de regresso a Farim. Nisto, vê um jeep a estacionar com estardalhaço, dois tipos a saltarem, um alferes e um tenente com um saco de serapilheira na mão, escadas acima. Farda de terylene amarela, lenços no pescoço, emblema dos comandos nos ombros, no jeep também.
Minutos depois descem, sorridentes. Gil Duarte, apresenta-se. Comandos, que tropa é a vossa, que tipo de trabalho fazem?
Porque quer saber? Pormenores? Quer mesmo saber? Então suba!
Saltou para trás, curvado para a frente, a ouvir as respostas. Golpes de mão , guia, turra de preferência, é só o que precisamos. Operações curtas, surpresa, bater e fugir, castigá-los nas costas, fazer guerrilha! Regressar a Bissau, dormir, banho, um frango assado no Fonseca, uma gaja boa e um banho a seguir. Uma guerra limpa, interessa-lhe?
Convém que se decida depressa, ainda ontem me morreu um gajo, o curso começa daqui a 2 semanas, temos 4 vagas para comandantes de grupo e ainda só temos 9 inscritos. Na formação, vai sempre alguém abaixo, sabe como é, temos que ter mais pessoal. Decida-se, tem ainda as provas de selecção, físicas e psíquicas. Conversa com o psiquiatra do Hospital é só blá-blá, claro. Material sempre às costas, mil metros, 20 flexões de braços, 20 suspensões da barra, 100 metros velocidade, cangurus, provas de tiro, tudo seguido sem intervalos, que mais pá, coisas assim, quer concorrer? Vai pensar? Ah, então interessa-nos. Porquê? Porque pensa, porra! Pensar é uma grande forma de selecção, desde que decida bem, claro.
Encontramo-nos então amanhã em Brá, 9 horas é uma hora boa.
Uns minutos para respirar, já só faltam os 1000 metros, mais um pequeno esforço, meu alferes, disse o Moita, o furriel instrutor. Como contamos a distância? Fácil, o meu alferes corre, nós vamos à frente no jeep, quando passar 1 km no conta-quilómetros, corta a meta. Menos de 4 minutos, ganha uma cerveja, menos de 3 minutos e meio uma grade, menos de 1 minuto a fábrica. Não, não me recordo, estou aqui desde a abertura do Centro, nunca ninguém ganhou a grade, que me lembre, pois não ó Mirandela?
Guiné > O "roteiro turístico" do comando Briote (1965/67)
© Virgínio Briote (2005)
A correr por ali fora, para os lados do aeroporto, a força do calor na estrada, botas a pegarem-se ao alcatrão, 1, 2, 3 km, sabia lá! Sentado na berma da estrada, esforçava-se em manter os pulmões dentro da caixa.
De regresso a Brá, apresentado ao major M. Dias, assinou os papéis. À noite, quando o largaram na Amura estava mais morto que vivo.
Na outra manhã quando tomava o café na messe, o tenente Tomás da PM sentou-se na mesa dele. Eh, Gil, grande guerreiro, coisa e tal! Os tambores tinham sido mais rápidos que ele. Porquê os comandos, o Tomás curioso. Dentro de 3 ou 4 meses o 490 vem para Bissau, o Coronel vai colocar o pessoal no ar condicionado, a aguardar, tranquilo, os meses que faltam. Porquê os comandos, chiça?
Difícil explicar agora. Nem Gil sabia bem porquê. Também não tinha muito tempo para conversas, o jeep para o aeroporto estava à espera.
Ao princípio da tarde estava em Cuntima. Encontraram-se todos na pista e foram para a sombra, gozar a calmaria do resto da tarde. Um estouro forte interrompeu as conversas, parou tudo.
Para os lados de Jumbembem (2), não? Um macaco que pisou uma anti-pessoal, se calhar, diz um.
Ou uma mina numa viatura, diz outro.
É melhor alguém sair e ir ver o que se passou.
Para quê, a esta hora, é quase noite!
Uma coluna que vinha de Farim, uma mina numa Fox , aqui perto, na estrada de Jumbembem para aqui, perto da curva da morte, parece que há feridos, o capitão Galo a correr para eles, aos gritos, não sei se devemos ir ao encontro, ou se será melhor esperar…que dizem?
Depressa, uma coluna para lá, ao encontro deles, antes que seja noite, meu capitão, um logo!
É melhor esperarmos! Arrancar já, porquê? Sabemos lá o que se está a passar, insiste o Didi.
É pá, não podemos ficar aqui a ver passar os comboios, o rebentamento foi aqui perto, temos que ir ver o que se passa, prestar auxílio, porra!
Depois de muita hesitação, o Galo decide-se, arranca o pelotão mais folgado.
Cuidado, muita atenção, nada de loucuras por aí fora, sempre a abrir, nada disso, ouviu? Tome-me conta destes gajos, falta-lhes pouco tempo! Conte com chocolate , mais que certo uma emboscada no caminho, talvez também uma mina, ouviu?
Bem pensado, a mina na Fox, a viatura destruída, a maralha embrulhada com os feridos à espera de socorros, estes a irem em socorro, de Cuntima no caso, uma mina à espera destes na picada e uma emboscada, não há dúvida, se for assim é bem pensado!
Cuidados redobrados, picadores à frente, todo o pessoal a pé, as viaturas cheias de sacos de areia só com os motoristas, uma eternidade até encontrarem a coluna. Estes, lixados com tamanho atraso, receberam-nos como se estivessem a vê-los regressar da praia.
Enfim, porra! Se não fosse a malta de Jumbembem, os feridos já tinham morrido, que caraças!
Realmente, Jumbembem também estava próximo, mas compreende-se o desespero do comandante da coluna atingida.
O Coronel é que não tinha achado graça nenhuma, mandou um rádio ao Galo, a exigir explicações. A coluna ficara imobilizada, pedira apoio a Cuntima e Jumbembem, porque é que a sua companhia só chegou uma hora depois da outra? Explique-se, estou no rádio à espera da sua resposta.
Que fora só o tempo de preparar um pelotão, mais o tempo da deslocação, as precauções que exigira do comandante do pelotão, até não fora demasiado!
O Coronel com o copo a deitar por fora há muito, deve ter dito borda fora com o Galo, vou mandá-lo pregar para outra freguesia. Foi o que fez, um auto de averiguações, corpo de delito a seguir, uns dias de prisão. Que fizesse o espólio e tomasse a próxima Dornier para o QG, que, de certo, lhe arranjaria um destino mais conveniente.
O capitão Galo, desesperado, defendeu-se por escrito, meteu testemunhas e tudo, Gil à cabeça, solidário com o seu capitão naquele caso. A demora podia ter sido menor, se pusesse as viaturas a esgalhar. No caso, não deu por qualquer perda de tempo, não se puseram a jogar as cartas, tinham percorrido a estrada com cuidado, mas nada de excessivo. Devia haver uma história qualquer por trás.
Na noite da mina, ao jantar, a saída do Gil para os comandos foi mais um assunto para a conversa. Levara-lhes uma garrafa de uísque, abriram-na, cada um falou, do mais novo ao mais antigo.
Esta companhia anda com galo, mas anda mesmo! A sina tem sido a deserção, uns por doenças, coitados, outros nem sabem porquê, grandes sacanas!
Dêsaprôvo totalmentche, prôtesto contra esse pessoau! Vi-os no Como, uns gajos horríveis, sem maneiras de lidar com as pêssoas, quanto mais com a pópulação! Só querem saber da guerra, como dar tiro no coitado do negrão, mais nada! Vou-me rêtirá, tchau, o Didi!
Até ao nosso regresso a Bissau, despediram-se oficialmente, digamos assim.
O Coronel não gostava, nem dos atrasos dos outros nem dos dele. Na primeira oportunidade, mandou preparar uma coluna e pôs-se à frente, rumo a Cuntima.
Ora chegue-se aqui, o alferes Gil está cá há quanto tempo, pouco, não é? Não teve tempo ainda de reparar que não tinha um comandante, mas apenas um capitão? E pôs-se a assinar por baixo, a dizer que gosta?
Passou uns dias à espera que o Coronel desse o ok à sua saída, o que aconteceu logo que chegou o novo capitão. Este a sair da Do, o Gil a entrar, mal deu tempo para se falarem.
© Virgínio Briote (2005)
(ex-Alf Mil Comando, Brá, 1965/67)
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(1) Colina do Norte > A nordeste de Farim, junto à fronteira com o Senegal (vd. carta da Guiné, 1961)
(2) Jumbembem > A meio caminho entre Farim e Colina do Norte
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2005
quarta-feira, 7 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P328: Cancioneiro de Mansoa (3): um mosquiteiro barato para um pira... (Magalhães Ribeiro)
Dos "cadernos" (agora rebaptizados como Cancioneiro de Mansoa) do Magalhães Ribeiro, o Ranger:
UM MOSQUITEIRO BARATO...
Uma das características na Guiné é a variação bidiária da sua área total de território seco de 31 800 Km2 - devido à subida das águas do mar, nas marés altas -, para cerca de 28 000 Km2. Isto acontece devido a dois factos: a cota territorial média que é muito baixa e a existência de múltiplos rios.
Por isso, durante a maré baixa, ficam a descoberto, mais ou menos 3 800 Km2 de zonas pantanosas que, localmente, se designa por “bolanhas”.
Ora, este é o habitat natural da mosquitada, que por ali prolifera aos milhões e se espalha por todo o lado em busca de alimento. Um dos seus “pratos” favoritos é o sangue humano (1).
Durante a Guerra do Ultramar as vítimas preferidas por estes parasitos incomodativos e asquerosos, eram sem dúvida os incautos periquitos ou piras (nome dado pelos tropas velhinhos aos recém-chegados à Guiné).
Dizia a sabedoria destes velhinhos - talvez com alguma razão -, que os mosquitos eram atraídos, pelo tom de pele branquinha e/ou pelo sangue fresco e puro dos periquitos. E, acrescentavam mais:
-Do nosso sangue, envenenado e apanhado pelo clima como está, os mosquitos até fogem!.
Acredite-se ou não nesta teoria, a verdade, é que de cada vez que um pira se expunha à fúria daquela praga com asas ficava completamente crivado das picadelas.
Estas picadas além de dolorosas e irritantes eram temidas porque através delas se transmite ao ser humano, o paludismo, uma doença muito debilitante fisicamente e, consequentemente, muito perigosa.
Em Mansoa, quando entrei pela primeira vez na camarata verifiquei que nas cabeceiras das camas todos tinham, de maior ou menor tamanho, ventoínhas, e adaptadas nas armações das camas encontravam-se estruturas de tubos e verguinhas metálicas, com cerca de 0,75 metros de altura, todas revestidas até ao chão com redes de malha muito fininha.
O velhinho e meu grande amigo Furriel Ranger Marques, com a sua calma e longa experiência de vinte e muitos meses deu-me, então, uma lição sobre “Como dormir sem zumbidos nem picadas dos mosquitos na Guiné”, assim:
1º - Não se faz mal às osguinhas e salamandras que deslizam ali no tecto - estavam lá três de vários tamanhos -, apesar do seu aspecto repelente elas são nossas amigas, e ajudam-nos a eliminar os mosquitos que, à noite, abundam e atacam muito mais, comendo-os.
2º - O "aparelho de ar condicionado" está com problemas de falta de ar e foi para consertar para o continente há onze anos, pelo que, para dormir fresquinho só com as janelas todas abertas. Mas em contrapartida os mosquitos entram e picam-te durante toda a noite.
3º - Evitas os mosquitos e as respectivas picadelas, fechando todas as janelas e frinchas, mas ficas sujeito a morrer aqui abafado.
4º - Pedes para ir a Bissau, compras o material (verguinha de aço, e rede ou tule) e constróis um mosquiteiro.
5º - Como estou para ir embora, podes fazer como eu fiz quando cá cheguei, compras a um de nós o mosquiteiro e só pagas o material, com desconto e tudo. Olha, o meu está bem conservado !?... Novo custou 570$00, mas devido ao uso e tal, vendo-to por 350$00.
Os mosquitos continuavam à minha volta a comer-me vivo! Que fazia no meu lugar?...
Eu também fiz! Comprei logo!
RANGER Magalhães Ribeiro - Furriel Miliciano da CCS do Batalhão 4612/74 - Guiné/Mansoa
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Nota de .G.
(1) Trinta anos depois, as consequências do paludismo na Guiné-Bissau são trágicas. Segunndo as autoridades sanitárias do país, e nomeafdamente dos Responsáveis Nacionais do Programa de Luta Contra o Paludismo, há uma situação endémica que se traduz por estes números alarmantes:
(i) 20% da letalidade hospitalar de crianças menores de 5 anos e 70% das consultas nos Centros de Saúde;
(ii) 250.000 casos notificados entre crianças menores de 5 anos de 2002 a 2003 e 150.000 entre os maiores de 5 anos;
(iii) 1000 mortes entre crianças menores de 5 anos (2002 - 2003).
Fonte: WHO / AFRO > OMS / Guiné-Bissau > OMS/BISSAU apoia o Governo na advocacia poara a iniciativa "Fazer Recuar o Paludismo"
UM MOSQUITEIRO BARATO...
Uma das características na Guiné é a variação bidiária da sua área total de território seco de 31 800 Km2 - devido à subida das águas do mar, nas marés altas -, para cerca de 28 000 Km2. Isto acontece devido a dois factos: a cota territorial média que é muito baixa e a existência de múltiplos rios.
Por isso, durante a maré baixa, ficam a descoberto, mais ou menos 3 800 Km2 de zonas pantanosas que, localmente, se designa por “bolanhas”.
Ora, este é o habitat natural da mosquitada, que por ali prolifera aos milhões e se espalha por todo o lado em busca de alimento. Um dos seus “pratos” favoritos é o sangue humano (1).
Durante a Guerra do Ultramar as vítimas preferidas por estes parasitos incomodativos e asquerosos, eram sem dúvida os incautos periquitos ou piras (nome dado pelos tropas velhinhos aos recém-chegados à Guiné).
Dizia a sabedoria destes velhinhos - talvez com alguma razão -, que os mosquitos eram atraídos, pelo tom de pele branquinha e/ou pelo sangue fresco e puro dos periquitos. E, acrescentavam mais:
-Do nosso sangue, envenenado e apanhado pelo clima como está, os mosquitos até fogem!.
Acredite-se ou não nesta teoria, a verdade, é que de cada vez que um pira se expunha à fúria daquela praga com asas ficava completamente crivado das picadelas.
Estas picadas além de dolorosas e irritantes eram temidas porque através delas se transmite ao ser humano, o paludismo, uma doença muito debilitante fisicamente e, consequentemente, muito perigosa.
Em Mansoa, quando entrei pela primeira vez na camarata verifiquei que nas cabeceiras das camas todos tinham, de maior ou menor tamanho, ventoínhas, e adaptadas nas armações das camas encontravam-se estruturas de tubos e verguinhas metálicas, com cerca de 0,75 metros de altura, todas revestidas até ao chão com redes de malha muito fininha.
O velhinho e meu grande amigo Furriel Ranger Marques, com a sua calma e longa experiência de vinte e muitos meses deu-me, então, uma lição sobre “Como dormir sem zumbidos nem picadas dos mosquitos na Guiné”, assim:
1º - Não se faz mal às osguinhas e salamandras que deslizam ali no tecto - estavam lá três de vários tamanhos -, apesar do seu aspecto repelente elas são nossas amigas, e ajudam-nos a eliminar os mosquitos que, à noite, abundam e atacam muito mais, comendo-os.
2º - O "aparelho de ar condicionado" está com problemas de falta de ar e foi para consertar para o continente há onze anos, pelo que, para dormir fresquinho só com as janelas todas abertas. Mas em contrapartida os mosquitos entram e picam-te durante toda a noite.
3º - Evitas os mosquitos e as respectivas picadelas, fechando todas as janelas e frinchas, mas ficas sujeito a morrer aqui abafado.
4º - Pedes para ir a Bissau, compras o material (verguinha de aço, e rede ou tule) e constróis um mosquiteiro.
5º - Como estou para ir embora, podes fazer como eu fiz quando cá cheguei, compras a um de nós o mosquiteiro e só pagas o material, com desconto e tudo. Olha, o meu está bem conservado !?... Novo custou 570$00, mas devido ao uso e tal, vendo-to por 350$00.
Os mosquitos continuavam à minha volta a comer-me vivo! Que fazia no meu lugar?...
Eu também fiz! Comprei logo!
RANGER Magalhães Ribeiro - Furriel Miliciano da CCS do Batalhão 4612/74 - Guiné/Mansoa
_____
Nota de .G.
(1) Trinta anos depois, as consequências do paludismo na Guiné-Bissau são trágicas. Segunndo as autoridades sanitárias do país, e nomeafdamente dos Responsáveis Nacionais do Programa de Luta Contra o Paludismo, há uma situação endémica que se traduz por estes números alarmantes:
(i) 20% da letalidade hospitalar de crianças menores de 5 anos e 70% das consultas nos Centros de Saúde;
(ii) 250.000 casos notificados entre crianças menores de 5 anos de 2002 a 2003 e 150.000 entre os maiores de 5 anos;
(iii) 1000 mortes entre crianças menores de 5 anos (2002 - 2003).
Fonte: WHO / AFRO > OMS / Guiné-Bissau > OMS/BISSAU apoia o Governo na advocacia poara a iniciativa "Fazer Recuar o Paludismo"
Guiné 63/74 - P327: CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) (Sousa de Castro)
O Sousa de Castro mandou-me recentemente mais umas fotos do tempo dele, da sua CART 3494.
Uma delas é do brasão que ficou em Mansambo. Recorde-se que a CART 3494, pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca, esteve originalmente aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74). No Xime foi substituída pela CCAÇ 12 (no final do 1º trimestre de 1973).
Repare-se no mapa do Sector L1, da Zona leste, com as nossas posições devidamnete assinaladas: Bambadinca e Xime, junto ao Rio Geba (e ainda o Enxalé, a norte); o Xitole, junto ao Rio Corubal; e, entre Bambadinca e Xitole, Mansambo.
© Sousa de Castro (2005)
A outra imagem é relativa a diverso material apreendido ao PAIGC numa operação, levada a cabo pela CART 3494, em 1973. Fico na dúvida se já em Mansambo ou ainda no Xime.
© Sousa de Castro (2005)
Com a ajuda do nosso consultor militar, o Coronel A. Marques Lopes, podemos identificar alguns brinquedos, usados pelos guerrilheiros do PAIGC, que nos eram familiares:
"As armas são Kalashnikov (a do meio tem apoio de mão);
"Os tubos dos lados parece-me que são de acondicionamento de granada de canhão-sem-recuo (pelo menos os nossos eram parecidos...);
"Há duas granadas de RPG7;
"As duas caixas no chão, uma aberta e outra meio aberta, creio que são minas anti-pessoal de 400 gramas PMD 6;
"Outras coisas não te sei dizer, mas penso que por trás há caixas de munições e há vário material do equipamento individual do guerrilheiro espalhado no chão".
Uma delas é do brasão que ficou em Mansambo. Recorde-se que a CART 3494, pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca, esteve originalmente aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74). No Xime foi substituída pela CCAÇ 12 (no final do 1º trimestre de 1973).
Repare-se no mapa do Sector L1, da Zona leste, com as nossas posições devidamnete assinaladas: Bambadinca e Xime, junto ao Rio Geba (e ainda o Enxalé, a norte); o Xitole, junto ao Rio Corubal; e, entre Bambadinca e Xitole, Mansambo.
© Sousa de Castro (2005)
A outra imagem é relativa a diverso material apreendido ao PAIGC numa operação, levada a cabo pela CART 3494, em 1973. Fico na dúvida se já em Mansambo ou ainda no Xime.
© Sousa de Castro (2005)
Com a ajuda do nosso consultor militar, o Coronel A. Marques Lopes, podemos identificar alguns brinquedos, usados pelos guerrilheiros do PAIGC, que nos eram familiares:
"As armas são Kalashnikov (a do meio tem apoio de mão);
"Os tubos dos lados parece-me que são de acondicionamento de granada de canhão-sem-recuo (pelo menos os nossos eram parecidos...);
"Há duas granadas de RPG7;
"As duas caixas no chão, uma aberta e outra meio aberta, creio que são minas anti-pessoal de 400 gramas PMD 6;
"Outras coisas não te sei dizer, mas penso que por trás há caixas de munições e há vário material do equipamento individual do guerrilheiro espalhado no chão".
Guiné 63/74 - P326: Manjacos, balantas, fulas, papéis, felupes... manga de bom pessoal (Luís Graça)
Queridos amigos & camaradas:
Aí vão mais uns nacos de prosa para se entreterem no feriado…
O Sousa de Castro mandou-me uma peça (deliciosa), retirado de uma brochura do exército colonial, de 1971, com laivos de “cultura antropológica” sobre os povos da Guiné… Seria interessante fazer uma análise crítica desses estereótipos, ideias feitas ou preconceitos que nos inculcaram sobre as diferentes etnias que habitavam o território, uns de sinal positivo, outros de sinal negativo: por exemplo, falava-se do balanta como valente e ladrão; do felupe como caçador de cabeças; do fula como leal e preguiçoso…
Enfim, muitos desses estereótipos ainda estão nas nossas cabeças, infelizmente… E ás vezes, subrepticiamente, aparecem no nosso discurso…
Muitos de nós (Carlos Fortunato, A. Marques Lopes, eu, o Humberto, o Levezinho, o Monteiro, etc.) estivemos em companhias que pertenciam à "nova força africana", no tempo do Spínola (caso da CCAÇ 3, CCAÇ 11, CCAÇ 12, CCAÇ 13…). Ou, muito antes, em 1964/66, tivemos camaradas quer da Metrópole quer da Guiné, voluntários, nos nossos grupos de tropa especial, como foi o caso dos primeiros comandos (caso do VB, do Mário Dias, do Parreira, etc.).
Algumas das nossas unidades eram "etnicamente homogéneas" (como, por exemplo, CCAÇ 12) e isso não acontecia por acaso… Tratava-se de dividir para reinar e sobretudo de criar um sentimento forte de pertença ao "chão": os fulas combatiam em casa, na defesa do "chão fula" (actuais regiões de Bafatá e do Gabu)…
Pessoalmente sou contra o label, a catalogação das pessoas em função de uma particularidade: a cor dos olhos, do cabelo ou da pele; mas também da etnia (já não digo raças, por que esse conceito é anticientífico, não há raças humanas…). A pertença a um dado grupo étnico é, todavia, importante, por causa das questões da cultura, da saudável e riquíssima diversidade cultural do Homo Sapiens Sapiens …
Mas às vezes é perigoso insistir em (ou até evocar) essas diferenças… O colonialismo utilizou o conhecimento antropológico ou etnológico para esse fim, para dividir, dominar e reinar… Temos, por isso, de ser cautelosos na leitura e análise de textos de antologia como aquele que foi publicado ontem, e que me foi enviado pelo Sousa de Castro…
Dito isto, nada nos impede de expor as nossas ideias e sobretudo relatar a nossa experiência de convivência e até de amizade com balantas, manjacos, fulas ou felupes… Há algum risco de ferir as susceptibilidades dos nossos amigos de ontem e de hoje… Mas, por favor, não façamos generalizações abusivas…
A Guiné-Bissau, tal como muitos outros países africanos, é ainda hoje vítima do "demónio étnico", como muito bem denunciava há dias o nosso amigo Pepito (aliás, Carlso Schwarz)…
Um abraço multicultural a todos vós.
Bom feriado, para os tugas…
Aí vão mais uns nacos de prosa para se entreterem no feriado…
O Sousa de Castro mandou-me uma peça (deliciosa), retirado de uma brochura do exército colonial, de 1971, com laivos de “cultura antropológica” sobre os povos da Guiné… Seria interessante fazer uma análise crítica desses estereótipos, ideias feitas ou preconceitos que nos inculcaram sobre as diferentes etnias que habitavam o território, uns de sinal positivo, outros de sinal negativo: por exemplo, falava-se do balanta como valente e ladrão; do felupe como caçador de cabeças; do fula como leal e preguiçoso…
Enfim, muitos desses estereótipos ainda estão nas nossas cabeças, infelizmente… E ás vezes, subrepticiamente, aparecem no nosso discurso…
Muitos de nós (Carlos Fortunato, A. Marques Lopes, eu, o Humberto, o Levezinho, o Monteiro, etc.) estivemos em companhias que pertenciam à "nova força africana", no tempo do Spínola (caso da CCAÇ 3, CCAÇ 11, CCAÇ 12, CCAÇ 13…). Ou, muito antes, em 1964/66, tivemos camaradas quer da Metrópole quer da Guiné, voluntários, nos nossos grupos de tropa especial, como foi o caso dos primeiros comandos (caso do VB, do Mário Dias, do Parreira, etc.).
Algumas das nossas unidades eram "etnicamente homogéneas" (como, por exemplo, CCAÇ 12) e isso não acontecia por acaso… Tratava-se de dividir para reinar e sobretudo de criar um sentimento forte de pertença ao "chão": os fulas combatiam em casa, na defesa do "chão fula" (actuais regiões de Bafatá e do Gabu)…
Pessoalmente sou contra o label, a catalogação das pessoas em função de uma particularidade: a cor dos olhos, do cabelo ou da pele; mas também da etnia (já não digo raças, por que esse conceito é anticientífico, não há raças humanas…). A pertença a um dado grupo étnico é, todavia, importante, por causa das questões da cultura, da saudável e riquíssima diversidade cultural do Homo Sapiens Sapiens …
Mas às vezes é perigoso insistir em (ou até evocar) essas diferenças… O colonialismo utilizou o conhecimento antropológico ou etnológico para esse fim, para dividir, dominar e reinar… Temos, por isso, de ser cautelosos na leitura e análise de textos de antologia como aquele que foi publicado ontem, e que me foi enviado pelo Sousa de Castro…
Dito isto, nada nos impede de expor as nossas ideias e sobretudo relatar a nossa experiência de convivência e até de amizade com balantas, manjacos, fulas ou felupes… Há algum risco de ferir as susceptibilidades dos nossos amigos de ontem e de hoje… Mas, por favor, não façamos generalizações abusivas…
A Guiné-Bissau, tal como muitos outros países africanos, é ainda hoje vítima do "demónio étnico", como muito bem denunciava há dias o nosso amigo Pepito (aliás, Carlso Schwarz)…
Um abraço multicultural a todos vós.
Bom feriado, para os tugas…
Guiné 63/74 - P325: Respeito pelos manjacos, se faz favor! (João Tunes)
Guiné > Pelundo > Dezembro de 1969 > João Tunes (no jipe, do lado esquerdo), na altura Alferes Miliciano de Transmissões da CCS do BCAÇ 2884... e baby sitter, em pleno chão manjaco (1).
© João Tunes (2005)
Caro Camarada Luís,
[A brincar é que a gente se entende. Ou disfarça. Porra, se um gajo leva tudo a sério, fica tão velho que perde a noção que já envelheceu e arma-se em "ginja".] Fiquei petrificado, termo suave, ao ler hoje no blogue a notícia trans-étnica de que resolveste adoptar o Nino Vieira como manjaco.
Li e dei dois murros na parede, uma cabeçada no armário e atirei-me para o chão (porque, entretanto, o meu filho mais novo foi buscar leite ao frigorífico e ao fechar a porta do electrodoméstico me pareceu que o gajo - o morteiro - estava a sair da boca do tubo e vinha a caminho). E diga-se em teu abono, que desta última tu não tens culpa, mas sim o tal Nino que me deixou ressonâncias de sons inconvenientes na cabeça lá do nosso convívio em Catió, Cacine, Gadamael e Guileje.
Desculpado estando tu quando à cena do frigorífico, não escapas ao ónus dos murros na parede e da cabeçada no armário. Sabes, julgo que sabes, o especial carinho de memória que tenho pelos manjacos e que, no meu curto conhecimento, era uma etnia com uma das culturas mais ricas e polifacetadas entre as várias (não conheci todas) com que convivi (forma de expressão) na Guiné. Devo isso, em particular, a um mestre muito querido que tive em Teixeira Pinto, o major Pereira da Silva, "doutorado", por força das funções, em cultura manjaca (como sabes, foi um dos três majores, jntamente com um alferes miliciano, depois massacrados em 1970 em Jolmete-Pelundo). Passei horas no quartel de Teixeira Pinto a ouvir o meu querido e saudoso amigo Pereira da Silva, ele fascinava-se com a narração riquíssima dos usos e costumes manjacos e eu, ficava feito papalvo, a ouvi-lo e a admirá-lo, a ele e aos manjacos.
Para europeus, como nós, era fascinante como eles desenvolveram e consolidaram códigos de ética próprios e os metiam em forma de "lei", não pela imposição bruta, mas pela sua sueprioridade de etnia refinada e sofisticada. Muito do que aprendi com o major Pereira da Silva sobre os manjacos foi-se nas brumas da memória (não tomava apontamentos, só me restavam os olhos e os ouvidos que as garrafas entornadas da "chicória americana com alcool" iam deixando em lucidez entaramelada). Mas aquele homem, lembro-me dos seus bigodes de sábio e a sua bóina mal metida no seu cocuruto de oficial intelectual, era não só um poço de cultura como um óasis de saber, aprender e ensinar naquela guerra de merda.
Eu ouvia o major Pereira da Silva em Teixeira Pinto e julgava-me na Sorbonne, em Nanterre ou em Oxford, perante um Mestre e a esquecer que estava no cú de judas, fodido dos cornos porque estava numa guerra estúpida e deslocada no tempo e na razão, capaz de abusar ("comer", dizia-se e diz-se na linguagem canibal do sexo) uma bajuda que se pusesse a jeito ou batendo punhetas a pensar numa branca lá longe (fosse ela a prima mais feia, mesmo com bigode, que nos tivesse calhado na rifa da família), disposto a espetar uma rajada de G3 num qualquer cabrão de um preto que me assustasse, metendo o capelão do meu batalhão a soprar, perdido de bêbado, em preservativos transformados em balões que se dão aos meninos quando fazem anos, dando-nos o gozo da blasfémia (não nossa, mas do pobre capelão).
Pois, o meu saudoso major Pereira da Silva deu-me aulas infindáveis sobre a cultura manjaca. Já disse que a maioria do que me ensinou, eu esqueci, porque quando penso nele o que vem à ideia é imaginá-lo fodido a rajadas de kalash e acabado retalhado à catanada, como se fosse um cão, a que não assisti, quando aconteceu já eu estava em Catió, mas sei-o contado por quem lhe viu os restos feitos em merda de matadouro.
Mas lembro-me de uma particularidade que me ficou na memória. Que, os manjacos, quando havia uma infidelidade conjugal da parte feminina (e, para haver esta regra, é porque elas não deviam ser poucas, honra pois à mulher manjaca!), a mulher adúltera não era imediatamente rejeitada mas antes submetida à prova de um ritual - todos os adultos da tabanca iam para um cruzamento de caminhos, e aí, perante todos, o marido decidia publicamente se perdoava o adultério ou não. Em conformidade, se o encornado perdoava, o casal reconstituía-se e não havia lugar á mais pequena futura crítica dos patrícios. Se o encornado não aceitava a reconciliação, ou a adúltera persistia na diferença de escolha, cada um ia às suas. Ou seja, não havia nem fofocas nem dichotes, a decisão, desde que pública e asumida perante toda a tribo, isentava cada um de responsabilidades privadas e anteriores.
O que os manjacos não perdoavam era o acto clandestino da traição. Claro que isto só se entendia, não só á luz de um código ético altamente elaborado, como também (julgo) uma transição recente de um período de domínio matriarcal que permitia às mulheres manjacas um estatuto que era invulgar entre as mulheres africanas.
Pois era muito amigo do major Pereira da Silva, mais ainda do major Passos Ramos (sempre o imaginei à frente do MFA; no 25 A e depois, eu via aquela gajada - sem ofensa - na Junta e na Coordenadora do MFA, e dizia para comigo: "porra! falta ali o Passos Ramos!"), também do major Osório, embora esse fosse mais para a porrada e para as guerras (e eu, sabes, sempre fui, como guerreiro, um civil mal fardado).
E acima de nós todos, guerreiros coloniais a mais numa guerra estúpida, eu admirava os manjacos, sobretudo pela sua cultura e ética riquíssima (e esses estavam na sua terra e na sua guerra, como eu estaria se os espanhóis me entrassem no meu Trás-os-Montes natal dentro, fodia-os a todos ou fodia-me a mim!).
Voltando à minha zanga contigo. Então tu decidiste (com que autoridade???) meter esse sacripanta do Nino (à parte os seus méritos guerreiros, que os teve e muitos, tantos até que ele já os deve ter esquecido), um "papel", como "manjaco"? Meu deus: "Nino Manjaco"? Por este caminho, ainda, um dia destes, dizes por aí que o Major Valentim Loureiro (um amigo do Nino) é fula ou mandinga. Meu deus! Meu deus! Meu deus! (se Pedro negou Cristo três vezes, eu pago-lhe a conta, pela afirmativa, também em triplicado).
Respeita os manjacos, camarada Luís! (desculpa-me a ironia amiga, não a leves a mal, mas foi a forma de disfarçar uma lágrima que se me escapou pois li-te a chamar manjaco ao Nino, as entranhas começaram em revolta e lembrei-me do Pereira da Silva, foi o que foi, já passou!).
Abraço grande para ti e do mesmo tamanho para todos os camaradas tertulianos.
João Tunes
Resposta do L.G.:
João:
Aqui na tertúlia todos temos o direito à... indignação!... A tua foi de tal ordem que eu ouvi o teu murro em cima da mesa!... E olha que nós não moramos tão perto um do outro quanto isso, temos pelo menos o Rio Tejo de permeio... Foi um lapsus linguae da minha parte e sobretudo fruto da minha total ignorância em relação aos manjacos. Eu devia saber que o Nino nunca poderia ser um manjaco!... Infelizmente, não convivi com os manjcos, apenas com os fulas. Resta-me pedir-te mil perdões a ti e aos nossos queridos manjacos da Guiné-Bissau. E já agora também as minhas desculpas ao Nino Vieira, que não é manjaco mas papel: o seu a seu dono. Já fiz a correcção da grossa calinada de ontem à noite... Um grande abraço. Luís
__________
(1) Vd. post de 27 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes
© João Tunes (2005)
Caro Camarada Luís,
[A brincar é que a gente se entende. Ou disfarça. Porra, se um gajo leva tudo a sério, fica tão velho que perde a noção que já envelheceu e arma-se em "ginja".] Fiquei petrificado, termo suave, ao ler hoje no blogue a notícia trans-étnica de que resolveste adoptar o Nino Vieira como manjaco.
Li e dei dois murros na parede, uma cabeçada no armário e atirei-me para o chão (porque, entretanto, o meu filho mais novo foi buscar leite ao frigorífico e ao fechar a porta do electrodoméstico me pareceu que o gajo - o morteiro - estava a sair da boca do tubo e vinha a caminho). E diga-se em teu abono, que desta última tu não tens culpa, mas sim o tal Nino que me deixou ressonâncias de sons inconvenientes na cabeça lá do nosso convívio em Catió, Cacine, Gadamael e Guileje.
Desculpado estando tu quando à cena do frigorífico, não escapas ao ónus dos murros na parede e da cabeçada no armário. Sabes, julgo que sabes, o especial carinho de memória que tenho pelos manjacos e que, no meu curto conhecimento, era uma etnia com uma das culturas mais ricas e polifacetadas entre as várias (não conheci todas) com que convivi (forma de expressão) na Guiné. Devo isso, em particular, a um mestre muito querido que tive em Teixeira Pinto, o major Pereira da Silva, "doutorado", por força das funções, em cultura manjaca (como sabes, foi um dos três majores, jntamente com um alferes miliciano, depois massacrados em 1970 em Jolmete-Pelundo). Passei horas no quartel de Teixeira Pinto a ouvir o meu querido e saudoso amigo Pereira da Silva, ele fascinava-se com a narração riquíssima dos usos e costumes manjacos e eu, ficava feito papalvo, a ouvi-lo e a admirá-lo, a ele e aos manjacos.
Para europeus, como nós, era fascinante como eles desenvolveram e consolidaram códigos de ética próprios e os metiam em forma de "lei", não pela imposição bruta, mas pela sua sueprioridade de etnia refinada e sofisticada. Muito do que aprendi com o major Pereira da Silva sobre os manjacos foi-se nas brumas da memória (não tomava apontamentos, só me restavam os olhos e os ouvidos que as garrafas entornadas da "chicória americana com alcool" iam deixando em lucidez entaramelada). Mas aquele homem, lembro-me dos seus bigodes de sábio e a sua bóina mal metida no seu cocuruto de oficial intelectual, era não só um poço de cultura como um óasis de saber, aprender e ensinar naquela guerra de merda.
Eu ouvia o major Pereira da Silva em Teixeira Pinto e julgava-me na Sorbonne, em Nanterre ou em Oxford, perante um Mestre e a esquecer que estava no cú de judas, fodido dos cornos porque estava numa guerra estúpida e deslocada no tempo e na razão, capaz de abusar ("comer", dizia-se e diz-se na linguagem canibal do sexo) uma bajuda que se pusesse a jeito ou batendo punhetas a pensar numa branca lá longe (fosse ela a prima mais feia, mesmo com bigode, que nos tivesse calhado na rifa da família), disposto a espetar uma rajada de G3 num qualquer cabrão de um preto que me assustasse, metendo o capelão do meu batalhão a soprar, perdido de bêbado, em preservativos transformados em balões que se dão aos meninos quando fazem anos, dando-nos o gozo da blasfémia (não nossa, mas do pobre capelão).
Pois, o meu saudoso major Pereira da Silva deu-me aulas infindáveis sobre a cultura manjaca. Já disse que a maioria do que me ensinou, eu esqueci, porque quando penso nele o que vem à ideia é imaginá-lo fodido a rajadas de kalash e acabado retalhado à catanada, como se fosse um cão, a que não assisti, quando aconteceu já eu estava em Catió, mas sei-o contado por quem lhe viu os restos feitos em merda de matadouro.
Mas lembro-me de uma particularidade que me ficou na memória. Que, os manjacos, quando havia uma infidelidade conjugal da parte feminina (e, para haver esta regra, é porque elas não deviam ser poucas, honra pois à mulher manjaca!), a mulher adúltera não era imediatamente rejeitada mas antes submetida à prova de um ritual - todos os adultos da tabanca iam para um cruzamento de caminhos, e aí, perante todos, o marido decidia publicamente se perdoava o adultério ou não. Em conformidade, se o encornado perdoava, o casal reconstituía-se e não havia lugar á mais pequena futura crítica dos patrícios. Se o encornado não aceitava a reconciliação, ou a adúltera persistia na diferença de escolha, cada um ia às suas. Ou seja, não havia nem fofocas nem dichotes, a decisão, desde que pública e asumida perante toda a tribo, isentava cada um de responsabilidades privadas e anteriores.
O que os manjacos não perdoavam era o acto clandestino da traição. Claro que isto só se entendia, não só á luz de um código ético altamente elaborado, como também (julgo) uma transição recente de um período de domínio matriarcal que permitia às mulheres manjacas um estatuto que era invulgar entre as mulheres africanas.
Pois era muito amigo do major Pereira da Silva, mais ainda do major Passos Ramos (sempre o imaginei à frente do MFA; no 25 A e depois, eu via aquela gajada - sem ofensa - na Junta e na Coordenadora do MFA, e dizia para comigo: "porra! falta ali o Passos Ramos!"), também do major Osório, embora esse fosse mais para a porrada e para as guerras (e eu, sabes, sempre fui, como guerreiro, um civil mal fardado).
E acima de nós todos, guerreiros coloniais a mais numa guerra estúpida, eu admirava os manjacos, sobretudo pela sua cultura e ética riquíssima (e esses estavam na sua terra e na sua guerra, como eu estaria se os espanhóis me entrassem no meu Trás-os-Montes natal dentro, fodia-os a todos ou fodia-me a mim!).
Voltando à minha zanga contigo. Então tu decidiste (com que autoridade???) meter esse sacripanta do Nino (à parte os seus méritos guerreiros, que os teve e muitos, tantos até que ele já os deve ter esquecido), um "papel", como "manjaco"? Meu deus: "Nino Manjaco"? Por este caminho, ainda, um dia destes, dizes por aí que o Major Valentim Loureiro (um amigo do Nino) é fula ou mandinga. Meu deus! Meu deus! Meu deus! (se Pedro negou Cristo três vezes, eu pago-lhe a conta, pela afirmativa, também em triplicado).
Respeita os manjacos, camarada Luís! (desculpa-me a ironia amiga, não a leves a mal, mas foi a forma de disfarçar uma lágrima que se me escapou pois li-te a chamar manjaco ao Nino, as entranhas começaram em revolta e lembrei-me do Pereira da Silva, foi o que foi, já passou!).
Abraço grande para ti e do mesmo tamanho para todos os camaradas tertulianos.
João Tunes
Resposta do L.G.:
João:
Aqui na tertúlia todos temos o direito à... indignação!... A tua foi de tal ordem que eu ouvi o teu murro em cima da mesa!... E olha que nós não moramos tão perto um do outro quanto isso, temos pelo menos o Rio Tejo de permeio... Foi um lapsus linguae da minha parte e sobretudo fruto da minha total ignorância em relação aos manjacos. Eu devia saber que o Nino nunca poderia ser um manjaco!... Infelizmente, não convivi com os manjcos, apenas com os fulas. Resta-me pedir-te mil perdões a ti e aos nossos queridos manjacos da Guiné-Bissau. E já agora também as minhas desculpas ao Nino Vieira, que não é manjaco mas papel: o seu a seu dono. Já fiz a correcção da grossa calinada de ontem à noite... Um grande abraço. Luís
__________
(1) Vd. post de 27 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes
terça-feira, 6 de dezembro de 2005
Guné 63/74 - P324: Antologia (31): Socioantropologia dos povos da Guiné (1971) (Sousa de Castro)
Guiné > Xime > 1972: O Sousa de Castro no seu posto de trabalho, operando o Rádio AN-GRC 9.
"O AN-GRC 9 foi o rádio com que trabalhei durante toda a comissão na Guiné em grafia... Não é para me gabar, mas eu achava-me um craque nesta matéria, trabalhar em código morse era comigo, ou não tivesse na minha caderneta a menção de TE (telegrafista especial)" (1)
© Sousa de Castro (2005)
Texto seleccionado sobre o "aspecto humano" da Guiné e enviado pelo Sousa de Castro (ex-1º cabo de transmissões, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, Sector L1, Zona Leste, 1972/74).
Deixem-me dizer-vos que eu tenho um especial carinho pelo Castro: é o sócio-fundador desta tertúlia (2)... Sinto que às vezes não lhe dou a devida atenção! Castro, desculpa lá qualquer coisinha! L.G.
Alguns dados curiosos retirados da monografia da Guiné editados em 1971 pelo Estado-Maior do Exército com o título MISSÃO NA GUINÉ . Composto e impresso nas Oficinas Gráficas da SPEME. Sousa de Castro
O Rádio AN-GRC-9. Foto gentilmente disponibilizada pelo nosso camarada Afonso M. F. Sousa, que vive actualmente em Maceda, Ovar, ex-Furriel Miliciano de Transmissões da CART 2412; esteve na região do Cacheu (Bigene, Binta, Guidage e Barro), entre Agosto de 1968 e Maio de 1970.
ASPECTO HUMANO
População
A população da Guiné era, segundo o censo de 1960, de 544.184 habitantes o que representava um aumento de 33.407 habitantes em relação ao censo de 1950. É característica na Província a diversidade étnica dos seus habitantes (3).
Não falando já dos não autóctones – brancos, mestiços, cabo-verdianos e libaneses, na sua grande maioria – num total aproximado de 15.000, a população autóctone (nativa) guineense apresenta uma grande variedade de tipos, correspondentes a diferentes grupos étnicos (tribos), entre as quais as principais são:
- Balantas (quantitativo referido a 1962 – 150 000).
Habitam entre os rios Geba e Cacheu, com uma ramificação importante na região de Catió-Bedanda, no Sul da Província.
Dotados de boa condição física, são trabalhadores, valentes, enérgicos, com grande força de vontade e viva inteligência.
Bons agricultores, vão buscar à terra, principalmente às regiões alagadas («bolanhas»), os meios de subsistência de que necessitam. Alimentam-se de arroz, azeite de palma, milho e mandioca; apreciam muito a carne, o peixe e os mariscos.
O gado bovino que possuem destinam-no às cerimónias de sacrifício dos ritos que acompanham os funerais («choros»).
Guiné > Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968> Militares, de origem balanta, pertecentes à CCAÇ 3.
© A. Marques Lopes (2005)
Condenam o celibato. Extremamente supersticiosos, acreditam na transfiguração da alma, atribuindo à feitiçaria todas as suas desgraças.
Praticam o roubo, em especial de gado, com a consciência de um acto não criminoso, mas sim revelador da perícia própria da tribo. São animistas.
- Fulas (Fulas-Forros e Fulas-Pretos) (120 000).
Povoam o Nordeste da Guiné, a região do Gabu, Bafatá e Forreá.
Os primeiros fulas a entrar na Província foram os fulas-forros, que subjugaram e escravizaram grande número de mandingas, a quem designaram por fulas-pretos.
De um modo geral, são hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado.
Apesar da influência que o islamismo tem entre eles, praticam também o animismo.
Dedicam-se ao cultivo do arroz, sem grande entusiasmo, milho e amendoim e à pesca, à linha ou por envenenamento das águas.
Do gado que criam, considerando como um sinal de prestígio apenas aproveitam o leite para sua alimentação.
- Futa-Fulas (10 000).
Povoam grande parte da região do Boé.
Nos futa-fulas, originários do Futa Djalon, donde lhes veio o nome, não existe unidade de tipo, apresentando as mais diversas características, e, normalmente, a face marcada pr dupla incisão vertical que faz lembrar o n.º 11.
Consideram-se, em tudo, superiores aos restantes fulas.
De elevada estatura, argutos e inteligentes, dedicam-se à agricultura, à criação de gado e ao comércio ambulante. Alimentam-se de arroz, de «fundo» (tipo de cereal semelhante à alpista) e de toda a variedade de frutos. Comem carne, com excepção da do porco, e não bebem vinho por a sua religião (o islamismo) o não permitir.
São polígamos, embora predominem os casamentos com uma só mulher. São islamizados.
- Manjacos (65 000).
Habitam a região compreendida entre o rio Cacheu e a ria de Mansoa e as ilhas de Jeta e de Pecixe.
Um balanta (Kumba Alà) e um papel (Nino Vieira, recentemente regressado do exílio e logo a seguir eleito Presidente da República).
Foto: Blogue Africanidades, do nosso amigo © Jorge Neto (2005)
São curiosos, astutos, dedicados, hospitaleiros, com perfeita compreensão dos princípios morais e de justiça, preocupando-se em adquirir hábitos civilizados.
Têm certa tendência para o comércio e aptidão para as tarefas marítimas.
Dedicam-se ao cultivo do arroz, exploração de palmares, pesca e extracção do sal.
São animistas.
- Mandingas (60 000).
Habitam na região de Farim, Óio, Bafatá e Gabú.
São sóbrios, inteligentes, observadores, aguerridos, alegres e comunicativos.
Com preceitos morais que os colocam acima das outras tribos, admitem o regime de castas (nobres, ferreiros – com uma importância muito especial -, ourives, sapateiros, etc.). As profissões passam obrigatoriamente de pais para filhos e os casamentos só se realizam entre membros de famílias de nobres, ferreiros, ourives, sapateiros, etc.
Dedicam-se à cultura do milho, mas comercialmente o produto mais importante é a mancarra.
O islamismo não fez desaparecer entre eles as práticas animistas.
- Papéis (40 000).
Povoam a ilha de Bissau.
São aguerridos, enérgicos, decididos, desconfiados e nadas expansivos. Tal como os manjacos, têm certa aptidão para as práticas marítimas. Alimentam-se de arroz, mandioca, batata-doce, milho, «fundo» e peixe seco.
Dedicam-se à agricultura (arroz mancarra, em especial) e ao trabalho de carregador nos centros urbanos. São animistas.
- Beafadas (13 500).
Habitam a região de Quinara. Embora robustos, são indolentes por natureza. Progressivamente islamizados, mantêm-se, ainda, agarrados às práticas animistas.
- Brames (ou Mancanhas) 12 500.
Vivem nos regulados do Có e Bula, na ilha de Bissau, na ilha de Bolama e na região continental fronteira a esta ultima ilha.
Têm grandes afinidades com os mandingas e fulas, de quem descendem por cruzamento.
São inteligentes e assimilam com facilidade os usos e costumes dos europeus.
Consideram como delitos de somenos importância, quando não mesmo louváveis, o falso testemunho, as ofensas corporais, o estupro, a violação e o adultério. Veneram o «Irã».
Dedicam-se, sobretudo, à cultura do milho e da mancarra.
- Bijagós (12 500).
Povoam o arquipélago de Bijagós. São tímidos, belicosos e desconfiados. Vivendo constantemente no mar, são excelentes marinheiros.
Em questões de namoro e de casamento, a escolha é feita pela mulher, que os bijagós têm na conta de um ser superior.
São hábeis artistas na escultura da madeira e dedicam-se à pesca e à extracção do sal.
- Felupes (6000).
Habitam na região de Varela e Susana.
São fortes e ágeis, praticantes entusiastas do exercício físico. Bons atiradores de azagaia e flechas, cujas pontas envenenam, dedicam-se à caça. São animistas.
Consideram falta muito grave a união da mulher felupe com um nativo de tribo diferente (4).
- Baiotes (5500).
Habitam ao norte do rio Cacheu, no extremo ocidental da Província. Têm grandes afinidades com os felupes, pois constituem com eles o grupo étnico dos diolas. A diferençá-los apenas existe um dialecto diferente e a sua distribuição geográfica.
São animistas.
- Nalus (5500).
Habitam as regiões do Tombali e de Cacine.
São pouco robustos e de estatura média. Muito individualistas, recusam-se a manter relações com as tribos vizinhas. Têm um conceito perfeito da justiça. Encontram-se em grande parte islamizados.
- Sossos (2000).
Constituem um ramo dos mandingas. São islamizados e têm grandes afinidades com as populações fronteiriças.
Todos os grupos étnicos da Guiné praticam a poligamia, embora existam em maior percentagem lares monógamos. O maior número de lares monógamos encontra-se nos Felupes, Cassangas e Futa-Fulas, que atingem uma percentagem superior a 70%. As menores percentagens de lares monógamos encontram-se entre os Beafadas e os Mandingas.
A poligamia praticada incide na bigamia. São insignificantes as percentagens de lares com mais de 4 esposas.
Entre as tribos guineenses existem para cima de 20 línguas e dialectos diferentes.
Introduzido pelos primeiros colonos e aceite facilmente pelos nativos, fala-se também o crioulo, que não é mais que uma mistura de palavras portuguesas (algumas muito antigas) e palavras das línguas e dialectos locais.
O crioulo permite aos nativos entenderem-se entre si.
O povoamento da Guiné é muito irregular, verificando-se serem regiões do litoral e as regiões vizinhas de Farim e Bafatá (os dois principais centros de comunicação da Província) as mais habitadas, e as do Boé e do sueste do Óio as menos habitadas.
________
Notas de L.G.
(1) Vd post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1)
(2) Vd. post de 20 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca. Eis um excerto do que então escrevi:
"Sei que o BART 2917 [Bambadinca, 1970/72] e as respectivas companhias de quadrícula[Xime, Mansambo e Xitole] foram rendidas em Janeiro de 1972. Ainda ontem recebi um e-mail de um camarada dessa época (que obviamente não conheci, já que regressei a casa em Março de 1971). Trata-se do Xime [e depois em Mansambo]. O meu Batalhão estava em Bambadinca, BART 3873 (CCS), com a CART 3494 no Xime, a CART 3493 em Mansambo e a CART 3492 no Xitole.
"No meu tempo o Xime continuava muito complicado. Como descreve no seu blogue, nas estórias de um tuga, continuamos com esta terra na cabeça, nunca mais nos sai e eu continuo buscando algo sobre aquele tempo passado relacionado com a guerra. Tenho reenviado a sua estória para colegas que estiveram na Guiné e é uma forma de dizermos que estamos vivos. Bem haja. Cumprimentos, Sousa de Castro".
"O Sousa de Castro e todos os periquitos que estiveram em Bambadinca, Xime, Mansambo ou Xitole, entre Janeiro de 1972 e Abril de 1974, serão bem vindos à nossa [CCAÇ 12 e BCAÇ 2852] festa, no dia 11 de Junho, em Faro, na Ria Formosa. Eles terão muito para nos contar: afinal, andámos todos pelos sítios, picadas, rios e bolanhas do Sector L1 da Zona Leste, desde 1968 a 1974... E quer queiramos quer não, aquela terra marcou-nos a todos, a ferro e fogo, no corpo e na alma"...
(3) Vd. Guinée-Bissau.net > le site officiel des amoureux de la Guinée-Bissau e, em especial, a página dedicada aos seus grupos étnicos (em francês) .
(4) Sobre os felupes e os balantas, ver a opinião (qaulificada) do nosso camarada Carlos Fortunato, na sua página sobre a CCAÇ 13 - Os Leões Negros (ele não esconde a sua admiração tanto por uns como por outros, mas noutra ocasião, por e-mail, referiu-me que em provas físicas, na luta corpo-a-corpo, nunca viu um balanta ganhar a um felupe):
"Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que entregam ao feiticeiro e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.
"Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das árvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.
"Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo.
"Este grupo de felupes é famoso pela sua combatividade, a qual não conhece fronteiras, fazendo incursões frequentes no Senegal. As notícias que chegaram depois da independência é que foram todos mortos pelo PAIGC.
"Os balantas são a principal etnia da Guiné, sendo igualmente grandes soldados, trazem consigo uma grande experiência e o conhecimento do terreno, muitos deles foram milícias durante muitos anos, outros foram carregadores, outros ainda lutaram ou lutavam no PAIGC. Possuem contudo um sentimento de lealdade e solidariedade que faz com que assumam uma posição e a mantenham, a palavra traição nunca fez parte do seu vocabulário.
"Os balantas são trabalhadores rurais, que usam enxadas em forma de de remo, são conhecidos pela sua habilidade como ladrões, actividade que faz parte da sua cultura.
"Roubar não é um crime para o balanta, mas uma prova de destreza, que todo o adulto que se preza deve fazer pelo menus uma vez na vida, e se for uma vaca é sem dúvida uma grande proeza.
"O que mais surpreende nestas pessoas, é algumas das suas capacidades, pois possuem sentidos muito desenvolvidos, tais como o cheiro, a visão e o ouvido.
"Penso que foi graças às qualidades e conhecimentos dos balantas que foi possível, conseguirmos fazer o que fizemos, com tão poucas baixas. O inimigo aqui nunca foi menosprezado.
"As capacidades dos balantas permitem-lhes fazer coisas difíceis de acreditar. Um dos casos ocorreu já em Bissorã, quando numa das operações ao Queré, um soldado acordou 2 horas depois da companhia já ter saído para o mato e conseguiu segui-la e encontrá-la, numa noite escura, tendo esta passado por mato cerrado, água, etc".
"O AN-GRC 9 foi o rádio com que trabalhei durante toda a comissão na Guiné em grafia... Não é para me gabar, mas eu achava-me um craque nesta matéria, trabalhar em código morse era comigo, ou não tivesse na minha caderneta a menção de TE (telegrafista especial)" (1)
© Sousa de Castro (2005)
Texto seleccionado sobre o "aspecto humano" da Guiné e enviado pelo Sousa de Castro (ex-1º cabo de transmissões, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, Sector L1, Zona Leste, 1972/74).
Deixem-me dizer-vos que eu tenho um especial carinho pelo Castro: é o sócio-fundador desta tertúlia (2)... Sinto que às vezes não lhe dou a devida atenção! Castro, desculpa lá qualquer coisinha! L.G.
Alguns dados curiosos retirados da monografia da Guiné editados em 1971 pelo Estado-Maior do Exército com o título MISSÃO NA GUINÉ . Composto e impresso nas Oficinas Gráficas da SPEME. Sousa de Castro
O Rádio AN-GRC-9. Foto gentilmente disponibilizada pelo nosso camarada Afonso M. F. Sousa, que vive actualmente em Maceda, Ovar, ex-Furriel Miliciano de Transmissões da CART 2412; esteve na região do Cacheu (Bigene, Binta, Guidage e Barro), entre Agosto de 1968 e Maio de 1970.
ASPECTO HUMANO
População
A população da Guiné era, segundo o censo de 1960, de 544.184 habitantes o que representava um aumento de 33.407 habitantes em relação ao censo de 1950. É característica na Província a diversidade étnica dos seus habitantes (3).
Não falando já dos não autóctones – brancos, mestiços, cabo-verdianos e libaneses, na sua grande maioria – num total aproximado de 15.000, a população autóctone (nativa) guineense apresenta uma grande variedade de tipos, correspondentes a diferentes grupos étnicos (tribos), entre as quais as principais são:
- Balantas (quantitativo referido a 1962 – 150 000).
Habitam entre os rios Geba e Cacheu, com uma ramificação importante na região de Catió-Bedanda, no Sul da Província.
Dotados de boa condição física, são trabalhadores, valentes, enérgicos, com grande força de vontade e viva inteligência.
Bons agricultores, vão buscar à terra, principalmente às regiões alagadas («bolanhas»), os meios de subsistência de que necessitam. Alimentam-se de arroz, azeite de palma, milho e mandioca; apreciam muito a carne, o peixe e os mariscos.
O gado bovino que possuem destinam-no às cerimónias de sacrifício dos ritos que acompanham os funerais («choros»).
Guiné > Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968> Militares, de origem balanta, pertecentes à CCAÇ 3.
© A. Marques Lopes (2005)
Condenam o celibato. Extremamente supersticiosos, acreditam na transfiguração da alma, atribuindo à feitiçaria todas as suas desgraças.
Praticam o roubo, em especial de gado, com a consciência de um acto não criminoso, mas sim revelador da perícia própria da tribo. São animistas.
- Fulas (Fulas-Forros e Fulas-Pretos) (120 000).
Povoam o Nordeste da Guiné, a região do Gabu, Bafatá e Forreá.
Os primeiros fulas a entrar na Província foram os fulas-forros, que subjugaram e escravizaram grande número de mandingas, a quem designaram por fulas-pretos.
De um modo geral, são hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado.
Apesar da influência que o islamismo tem entre eles, praticam também o animismo.
Dedicam-se ao cultivo do arroz, sem grande entusiasmo, milho e amendoim e à pesca, à linha ou por envenenamento das águas.
Do gado que criam, considerando como um sinal de prestígio apenas aproveitam o leite para sua alimentação.
- Futa-Fulas (10 000).
Povoam grande parte da região do Boé.
Nos futa-fulas, originários do Futa Djalon, donde lhes veio o nome, não existe unidade de tipo, apresentando as mais diversas características, e, normalmente, a face marcada pr dupla incisão vertical que faz lembrar o n.º 11.
Consideram-se, em tudo, superiores aos restantes fulas.
De elevada estatura, argutos e inteligentes, dedicam-se à agricultura, à criação de gado e ao comércio ambulante. Alimentam-se de arroz, de «fundo» (tipo de cereal semelhante à alpista) e de toda a variedade de frutos. Comem carne, com excepção da do porco, e não bebem vinho por a sua religião (o islamismo) o não permitir.
São polígamos, embora predominem os casamentos com uma só mulher. São islamizados.
- Manjacos (65 000).
Habitam a região compreendida entre o rio Cacheu e a ria de Mansoa e as ilhas de Jeta e de Pecixe.
Um balanta (Kumba Alà) e um papel (Nino Vieira, recentemente regressado do exílio e logo a seguir eleito Presidente da República).
Foto: Blogue Africanidades, do nosso amigo © Jorge Neto (2005)
São curiosos, astutos, dedicados, hospitaleiros, com perfeita compreensão dos princípios morais e de justiça, preocupando-se em adquirir hábitos civilizados.
Têm certa tendência para o comércio e aptidão para as tarefas marítimas.
Dedicam-se ao cultivo do arroz, exploração de palmares, pesca e extracção do sal.
São animistas.
- Mandingas (60 000).
Habitam na região de Farim, Óio, Bafatá e Gabú.
São sóbrios, inteligentes, observadores, aguerridos, alegres e comunicativos.
Com preceitos morais que os colocam acima das outras tribos, admitem o regime de castas (nobres, ferreiros – com uma importância muito especial -, ourives, sapateiros, etc.). As profissões passam obrigatoriamente de pais para filhos e os casamentos só se realizam entre membros de famílias de nobres, ferreiros, ourives, sapateiros, etc.
Dedicam-se à cultura do milho, mas comercialmente o produto mais importante é a mancarra.
O islamismo não fez desaparecer entre eles as práticas animistas.
- Papéis (40 000).
Povoam a ilha de Bissau.
São aguerridos, enérgicos, decididos, desconfiados e nadas expansivos. Tal como os manjacos, têm certa aptidão para as práticas marítimas. Alimentam-se de arroz, mandioca, batata-doce, milho, «fundo» e peixe seco.
Dedicam-se à agricultura (arroz mancarra, em especial) e ao trabalho de carregador nos centros urbanos. São animistas.
- Beafadas (13 500).
Habitam a região de Quinara. Embora robustos, são indolentes por natureza. Progressivamente islamizados, mantêm-se, ainda, agarrados às práticas animistas.
- Brames (ou Mancanhas) 12 500.
Vivem nos regulados do Có e Bula, na ilha de Bissau, na ilha de Bolama e na região continental fronteira a esta ultima ilha.
Têm grandes afinidades com os mandingas e fulas, de quem descendem por cruzamento.
São inteligentes e assimilam com facilidade os usos e costumes dos europeus.
Consideram como delitos de somenos importância, quando não mesmo louváveis, o falso testemunho, as ofensas corporais, o estupro, a violação e o adultério. Veneram o «Irã».
Dedicam-se, sobretudo, à cultura do milho e da mancarra.
- Bijagós (12 500).
Povoam o arquipélago de Bijagós. São tímidos, belicosos e desconfiados. Vivendo constantemente no mar, são excelentes marinheiros.
Em questões de namoro e de casamento, a escolha é feita pela mulher, que os bijagós têm na conta de um ser superior.
São hábeis artistas na escultura da madeira e dedicam-se à pesca e à extracção do sal.
- Felupes (6000).
Habitam na região de Varela e Susana.
São fortes e ágeis, praticantes entusiastas do exercício físico. Bons atiradores de azagaia e flechas, cujas pontas envenenam, dedicam-se à caça. São animistas.
Consideram falta muito grave a união da mulher felupe com um nativo de tribo diferente (4).
- Baiotes (5500).
Habitam ao norte do rio Cacheu, no extremo ocidental da Província. Têm grandes afinidades com os felupes, pois constituem com eles o grupo étnico dos diolas. A diferençá-los apenas existe um dialecto diferente e a sua distribuição geográfica.
São animistas.
- Nalus (5500).
Habitam as regiões do Tombali e de Cacine.
São pouco robustos e de estatura média. Muito individualistas, recusam-se a manter relações com as tribos vizinhas. Têm um conceito perfeito da justiça. Encontram-se em grande parte islamizados.
- Sossos (2000).
Constituem um ramo dos mandingas. São islamizados e têm grandes afinidades com as populações fronteiriças.
Todos os grupos étnicos da Guiné praticam a poligamia, embora existam em maior percentagem lares monógamos. O maior número de lares monógamos encontra-se nos Felupes, Cassangas e Futa-Fulas, que atingem uma percentagem superior a 70%. As menores percentagens de lares monógamos encontram-se entre os Beafadas e os Mandingas.
A poligamia praticada incide na bigamia. São insignificantes as percentagens de lares com mais de 4 esposas.
Entre as tribos guineenses existem para cima de 20 línguas e dialectos diferentes.
Introduzido pelos primeiros colonos e aceite facilmente pelos nativos, fala-se também o crioulo, que não é mais que uma mistura de palavras portuguesas (algumas muito antigas) e palavras das línguas e dialectos locais.
O crioulo permite aos nativos entenderem-se entre si.
O povoamento da Guiné é muito irregular, verificando-se serem regiões do litoral e as regiões vizinhas de Farim e Bafatá (os dois principais centros de comunicação da Província) as mais habitadas, e as do Boé e do sueste do Óio as menos habitadas.
________
Notas de L.G.
(1) Vd post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1)
(2) Vd. post de 20 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca. Eis um excerto do que então escrevi:
"Sei que o BART 2917 [Bambadinca, 1970/72] e as respectivas companhias de quadrícula[Xime, Mansambo e Xitole] foram rendidas em Janeiro de 1972. Ainda ontem recebi um e-mail de um camarada dessa época (que obviamente não conheci, já que regressei a casa em Março de 1971). Trata-se do Xime [e depois em Mansambo]. O meu Batalhão estava em Bambadinca, BART 3873 (CCS), com a CART 3494 no Xime, a CART 3493 em Mansambo e a CART 3492 no Xitole.
"No meu tempo o Xime continuava muito complicado. Como descreve no seu blogue, nas estórias de um tuga, continuamos com esta terra na cabeça, nunca mais nos sai e eu continuo buscando algo sobre aquele tempo passado relacionado com a guerra. Tenho reenviado a sua estória para colegas que estiveram na Guiné e é uma forma de dizermos que estamos vivos. Bem haja. Cumprimentos, Sousa de Castro".
"O Sousa de Castro e todos os periquitos que estiveram em Bambadinca, Xime, Mansambo ou Xitole, entre Janeiro de 1972 e Abril de 1974, serão bem vindos à nossa [CCAÇ 12 e BCAÇ 2852] festa, no dia 11 de Junho, em Faro, na Ria Formosa. Eles terão muito para nos contar: afinal, andámos todos pelos sítios, picadas, rios e bolanhas do Sector L1 da Zona Leste, desde 1968 a 1974... E quer queiramos quer não, aquela terra marcou-nos a todos, a ferro e fogo, no corpo e na alma"...
(3) Vd. Guinée-Bissau.net > le site officiel des amoureux de la Guinée-Bissau e, em especial, a página dedicada aos seus grupos étnicos (em francês) .
(4) Sobre os felupes e os balantas, ver a opinião (qaulificada) do nosso camarada Carlos Fortunato, na sua página sobre a CCAÇ 13 - Os Leões Negros (ele não esconde a sua admiração tanto por uns como por outros, mas noutra ocasião, por e-mail, referiu-me que em provas físicas, na luta corpo-a-corpo, nunca viu um balanta ganhar a um felupe):
"Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que entregam ao feiticeiro e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.
"Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das árvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.
"Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo.
"Este grupo de felupes é famoso pela sua combatividade, a qual não conhece fronteiras, fazendo incursões frequentes no Senegal. As notícias que chegaram depois da independência é que foram todos mortos pelo PAIGC.
"Os balantas são a principal etnia da Guiné, sendo igualmente grandes soldados, trazem consigo uma grande experiência e o conhecimento do terreno, muitos deles foram milícias durante muitos anos, outros foram carregadores, outros ainda lutaram ou lutavam no PAIGC. Possuem contudo um sentimento de lealdade e solidariedade que faz com que assumam uma posição e a mantenham, a palavra traição nunca fez parte do seu vocabulário.
"Os balantas são trabalhadores rurais, que usam enxadas em forma de de remo, são conhecidos pela sua habilidade como ladrões, actividade que faz parte da sua cultura.
"Roubar não é um crime para o balanta, mas uma prova de destreza, que todo o adulto que se preza deve fazer pelo menus uma vez na vida, e se for uma vaca é sem dúvida uma grande proeza.
"O que mais surpreende nestas pessoas, é algumas das suas capacidades, pois possuem sentidos muito desenvolvidos, tais como o cheiro, a visão e o ouvido.
"Penso que foi graças às qualidades e conhecimentos dos balantas que foi possível, conseguirmos fazer o que fizemos, com tão poucas baixas. O inimigo aqui nunca foi menosprezado.
"As capacidades dos balantas permitem-lhes fazer coisas difíceis de acreditar. Um dos casos ocorreu já em Bissorã, quando numa das operações ao Queré, um soldado acordou 2 horas depois da companhia já ter saído para o mato e conseguiu segui-la e encontrá-la, numa noite escura, tendo esta passado por mato cerrado, água, etc".
Guiné 63/74 - P323: O 'puto' Parreira, do grupo de comandos Apaches (1965/66) (João Parreira)
1. Texto do João Parreira:
Luís Graça:
Foi com agrado que li a tua mensagem e nela vi que fui bem recebido tal como era de esperar. O Briote já me tinha falado da tua simpatia e do blogue. Parabéns, é uma obra extraordinária. Não me canso de passar tempos infinitos a olhar para o monitor e a devorar todas as estórias, contos e tudo o mais que tens publicado. É fascinante.
De facto em Brá conheci bem o Virgínio Briote e o Mário Dias, pois muitas vezes partilhámos os bons e os maus momentos. Logo que tenha oportunidade vou enviar umas fotos. Pelo interesse que possa ter para a rapaziada o "Uva" vai preparar e enviar-te mais detalhes sobre o célebre baile da Associação que o VB tão bem soube descrever.
Um abraço.
JP [João Parreira]
2. Caro Luis e restantes camaradas:
Temos connosco o Parreira. Foi furriel-miliciano comando na Guiné e ambos pertencemos ao Grupo de Comandos "Apaches" que saiu do 2.º Curso de Comandos realizado na Guiné.
Entre nós era conhecido por "puto Parreira" pela sua aparência um pouco imberbe que, aliás, ainda hoje conserva.
O seu testemunho está correcto e a sua vinda a este blogue será certamente uma excelente contribuição.
Parreira: ficamos à espera da narração da operação em que perdeu a vida o furriel Morais, morto com um pequeno estilhaço de RPG que lhe atravessou a coluna vertebral.
Um abraço.
Mário Dias
____________
(1) Vd. post do Virgínio Briote, de 13 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVII: O 'baile dos comandos' na Associação Comercial
Luís Graça:
Foi com agrado que li a tua mensagem e nela vi que fui bem recebido tal como era de esperar. O Briote já me tinha falado da tua simpatia e do blogue. Parabéns, é uma obra extraordinária. Não me canso de passar tempos infinitos a olhar para o monitor e a devorar todas as estórias, contos e tudo o mais que tens publicado. É fascinante.
De facto em Brá conheci bem o Virgínio Briote e o Mário Dias, pois muitas vezes partilhámos os bons e os maus momentos. Logo que tenha oportunidade vou enviar umas fotos. Pelo interesse que possa ter para a rapaziada o "Uva" vai preparar e enviar-te mais detalhes sobre o célebre baile da Associação que o VB tão bem soube descrever.
Um abraço.
JP [João Parreira]
2. Caro Luis e restantes camaradas:
Temos connosco o Parreira. Foi furriel-miliciano comando na Guiné e ambos pertencemos ao Grupo de Comandos "Apaches" que saiu do 2.º Curso de Comandos realizado na Guiné.
Entre nós era conhecido por "puto Parreira" pela sua aparência um pouco imberbe que, aliás, ainda hoje conserva.
O seu testemunho está correcto e a sua vinda a este blogue será certamente uma excelente contribuição.
Parreira: ficamos à espera da narração da operação em que perdeu a vida o furriel Morais, morto com um pequeno estilhaço de RPG que lhe atravessou a coluna vertebral.
Um abraço.
Mário Dias
____________
(1) Vd. post do Virgínio Briote, de 13 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVII: O 'baile dos comandos' na Associação Comercial
Guiné 63/74 - P322: O melhor que Portugal nos deixou foi a língua (Pepito)
1. Texto do Carlos Schwarz (Pepito):
Prometi que voltaria ao assunto de “Guiledje ou Guileje?”, e aqui estou a dar a minha opinião, não como linguista que não sou, mas como simples utilizador da língua portuguesa.
Gosto por igual, e muito, do português quando o leio nas penas do Eça de Queiroz (Portugal), Pepetela (Angola), Jorge Amado (Brasil), Mia Couto (Moçambique) e Abdulai Silá (Guiné-Bissau). E sei que não é só um português. São vários, com um tronco comum é certo, mas mesmo assim variado na forma de escrever e falar.
Amilcar Cabral dizia que a melhor coisa que Portugal nos deixou foi a língua.
Para o bem e para o mal o português deixou de pertencer só a Portugal. É também a língua de outros povos, que dela se apropriaram e a utilizam diariamente.
Só que o processo de apropriação de algo que não é inicialmente nosso, implica a incorporação daquilo que é nosso. Senão, não há apropriação e continua a ser eternamente estrangeiro.
Quando falamos e escrevemos em português, não estamos a fazer nenhum favor a Portugal. Estamos a utilizar algo que também agora é nosso.
Quem não aprecia os fabulosos vocábulos inventados pelo Mia Couto ou a irreverência do Pepetela que começa um dos seus livros com a palavra “Portanto” (forma literariamente criticada alguns anos antes por um seu professor da Faculdade de Letras de Lisboa)?
Para mim, a lusofonia não é uma questão de se falar “bom português”, mas é um processo de exigências e concessões recíprocas na procura de caminhos solidários e cúmplices de aproximação e de desenvolvimento.
A dinâmica de incorporação de novos vocábulos é imparável. No nosso caso, na Guiné-Bissau, o grupo consonântico “dj” é utilizado por dá cá aquela palha. Dizer que se vai a Jufunco ou a Djufunco é o mesmo que ir a duas localidades diferentes.
A realidade incontornável é esta. O bico de obra, não é nosso. É dos especialistas que têm de regulamentar uma língua que, por ser viva, vai ter que aceitar o desafio de pertencer a um numero cada vez maior de pessoas.
Abraços
pepito
2. Pus de novo esta questão ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. A resposta veio lacónica:
"A nossa resposta está dada e, julgamos, suficientemente fundamentada.
"Quem tem de argumentar por que razão passou a escrever 'Guiledje', quando sempre se escreveu 'Guileje' é o seu amigo... JMC".
Prometi que voltaria ao assunto de “Guiledje ou Guileje?”, e aqui estou a dar a minha opinião, não como linguista que não sou, mas como simples utilizador da língua portuguesa.
Gosto por igual, e muito, do português quando o leio nas penas do Eça de Queiroz (Portugal), Pepetela (Angola), Jorge Amado (Brasil), Mia Couto (Moçambique) e Abdulai Silá (Guiné-Bissau). E sei que não é só um português. São vários, com um tronco comum é certo, mas mesmo assim variado na forma de escrever e falar.
Amilcar Cabral dizia que a melhor coisa que Portugal nos deixou foi a língua.
Para o bem e para o mal o português deixou de pertencer só a Portugal. É também a língua de outros povos, que dela se apropriaram e a utilizam diariamente.
Só que o processo de apropriação de algo que não é inicialmente nosso, implica a incorporação daquilo que é nosso. Senão, não há apropriação e continua a ser eternamente estrangeiro.
Quando falamos e escrevemos em português, não estamos a fazer nenhum favor a Portugal. Estamos a utilizar algo que também agora é nosso.
Quem não aprecia os fabulosos vocábulos inventados pelo Mia Couto ou a irreverência do Pepetela que começa um dos seus livros com a palavra “Portanto” (forma literariamente criticada alguns anos antes por um seu professor da Faculdade de Letras de Lisboa)?
Para mim, a lusofonia não é uma questão de se falar “bom português”, mas é um processo de exigências e concessões recíprocas na procura de caminhos solidários e cúmplices de aproximação e de desenvolvimento.
A dinâmica de incorporação de novos vocábulos é imparável. No nosso caso, na Guiné-Bissau, o grupo consonântico “dj” é utilizado por dá cá aquela palha. Dizer que se vai a Jufunco ou a Djufunco é o mesmo que ir a duas localidades diferentes.
A realidade incontornável é esta. O bico de obra, não é nosso. É dos especialistas que têm de regulamentar uma língua que, por ser viva, vai ter que aceitar o desafio de pertencer a um numero cada vez maior de pessoas.
Abraços
pepito
2. Pus de novo esta questão ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. A resposta veio lacónica:
"A nossa resposta está dada e, julgamos, suficientemente fundamentada.
"Quem tem de argumentar por que razão passou a escrever 'Guiledje', quando sempre se escreveu 'Guileje' é o seu amigo... JMC".
segunda-feira, 5 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P321: Tabanca Grande: José Neto, outro senhor de Guileje (CART 1613, 1967/68)
Foto aérea de Guileje (1967).
© José Neto (2005)/ AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledje (2005)
1. O mundo é realmente pequeno, meus amigos e camaradas. Leiam estas palavras:
"Sou actualmente Capitão Reformado, vivo em Queluz de Baixo, Oeiras, e fui, com o posto de 2º sargento, o primeiro sargento da CART 1613 que guarneceu Guiledje nos anos de 1967/68.
"Por interposta pessoa conheci o Engenheiro Carlos Silva, impulsionador da reconstrução do nosso "quartel" , a quem mostrei o meu album fotográfico e um extrato das minhas "Memórias para os meus netos". Parece que gostou e, no próximo dia 9 de Dezembro, vou encontrar-me com o Dr. Filipe Santos na ESEL [Escola Superior de Educação de Leiria], em Leiria , por sinal a minha terra natal, para tratarmos da digitalização de cerca de 150 slides que fiz, só daquela povoação.
"Também estive, antes, em Cabinda e, depois em Calunda (Leste, mais ao leste de Angola), mas Guiledje, talvez por ser o lugar onde "levei mais porrada", ficou-me no coração.
"Mas não foi só no meu, porque no passado dia 3 de Junho, em Braga, ainda reunimos setenta e tal elementos da Companhia [ a CART 1613,] e a "velhada" continua a nutrir um carinho muito especial por aquele cantinho de África.
"Bom. Mas o que me traz aqui é repor um pormenor. A foto aérea de Guiledje é minha... e, se quiser, do 1º sargento piloto do Dornier da FAP (cujo nome esqueci) a quem pedi para me colocar num ângulo favorável para o efeito.
"Por agora, resta-me felicitá-lo pelo excelente blogue e confessar que nestas coisas de informática ainda vou na pré-primária.
"Aceite um abraço do
José Afonso da Silva Neto
2. Resposta minha (L.G.):
Camarada Zé Neto:
Obrigado pelo contacto e pelos parabéns ao blogue que é obra colectiva (temos um tertúlia que já chega a 50 membros e que alimenta o blogue).
© José Neto (2005) / AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledje (2005)
Vou, logo que puder, corrigir o erro (ou omissão) em relação à autoria da foto aérea de Guileje. A foto foi-nos cedida gentilmente pelo Carlos Schwarz (Pepito), da AD, que também é membro da nossa tertúlia. Temos vindo a publicitar o seu Projecto Guileje.
Vou inserir o teu texto no blogue, se não te importares. Tu serás bem vindo a esta tertúlia: se quiseres manda-me uma foto tua, digitalizada, de ontem e de hoje, para pormos no fotogaleria. Na tertúlia, tratamo-nos por tu.
Também vou, com alguma frequência, à tua terra, Leiria, onde tenho amigos, e nomeadamente da Gândara dos Olivais. Um grande abraço.
PS 1 - O nosso amigo Pepito (Carlos Schwarz) acaba de me confirmar que "a foto em causa foi-me efectivamente cedida pelo José Neto".
PS 2 - Ponham lá nos vossos cadernos de memórias da Guiné as duas companhias que estiveram aquarteladas em Guileje e que passam a estar representadas na nossa tertúlia:
CART 1613 (1967/68) (ex-2º sargento, hoje capitão na reforma);
CCAV 8350 (1972/73) (ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho).
Temos também conhecimento da CCAÇ 3325 (1) e da CCAÇ 2617 (1970/71), a companhia do português Abílio Alberto Pimentel da Assunção, que é um dos dois militares fotogrados junto ao obus 140 (vd. Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (13) > Guileje).
Mas ainda antes do Zé Neto, passou por Guileje o Capitão de Artilharia e comando Nuno Rubim, autor de uma planta do quartel, de 1966, já por nós publicada.
________________
(1) Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) . Não sabemos em que ano(s) lá esteve, em Guileje.
© José Neto (2005)/ AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledje (2005)
1. O mundo é realmente pequeno, meus amigos e camaradas. Leiam estas palavras:
"Sou actualmente Capitão Reformado, vivo em Queluz de Baixo, Oeiras, e fui, com o posto de 2º sargento, o primeiro sargento da CART 1613 que guarneceu Guiledje nos anos de 1967/68.
"Por interposta pessoa conheci o Engenheiro Carlos Silva, impulsionador da reconstrução do nosso "quartel" , a quem mostrei o meu album fotográfico e um extrato das minhas "Memórias para os meus netos". Parece que gostou e, no próximo dia 9 de Dezembro, vou encontrar-me com o Dr. Filipe Santos na ESEL [Escola Superior de Educação de Leiria], em Leiria , por sinal a minha terra natal, para tratarmos da digitalização de cerca de 150 slides que fiz, só daquela povoação.
"Também estive, antes, em Cabinda e, depois em Calunda (Leste, mais ao leste de Angola), mas Guiledje, talvez por ser o lugar onde "levei mais porrada", ficou-me no coração.
"Mas não foi só no meu, porque no passado dia 3 de Junho, em Braga, ainda reunimos setenta e tal elementos da Companhia [ a CART 1613,] e a "velhada" continua a nutrir um carinho muito especial por aquele cantinho de África.
"Bom. Mas o que me traz aqui é repor um pormenor. A foto aérea de Guiledje é minha... e, se quiser, do 1º sargento piloto do Dornier da FAP (cujo nome esqueci) a quem pedi para me colocar num ângulo favorável para o efeito.
"Por agora, resta-me felicitá-lo pelo excelente blogue e confessar que nestas coisas de informática ainda vou na pré-primária.
"Aceite um abraço do
José Afonso da Silva Neto
2. Resposta minha (L.G.):
Camarada Zé Neto:
Obrigado pelo contacto e pelos parabéns ao blogue que é obra colectiva (temos um tertúlia que já chega a 50 membros e que alimenta o blogue).
© José Neto (2005) / AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledje (2005)
Vou, logo que puder, corrigir o erro (ou omissão) em relação à autoria da foto aérea de Guileje. A foto foi-nos cedida gentilmente pelo Carlos Schwarz (Pepito), da AD, que também é membro da nossa tertúlia. Temos vindo a publicitar o seu Projecto Guileje.
Vou inserir o teu texto no blogue, se não te importares. Tu serás bem vindo a esta tertúlia: se quiseres manda-me uma foto tua, digitalizada, de ontem e de hoje, para pormos no fotogaleria. Na tertúlia, tratamo-nos por tu.
Também vou, com alguma frequência, à tua terra, Leiria, onde tenho amigos, e nomeadamente da Gândara dos Olivais. Um grande abraço.
PS 1 - O nosso amigo Pepito (Carlos Schwarz) acaba de me confirmar que "a foto em causa foi-me efectivamente cedida pelo José Neto".
PS 2 - Ponham lá nos vossos cadernos de memórias da Guiné as duas companhias que estiveram aquarteladas em Guileje e que passam a estar representadas na nossa tertúlia:
CART 1613 (1967/68) (ex-2º sargento, hoje capitão na reforma);
CCAV 8350 (1972/73) (ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho).
Temos também conhecimento da CCAÇ 3325 (1) e da CCAÇ 2617 (1970/71), a companhia do português Abílio Alberto Pimentel da Assunção, que é um dos dois militares fotogrados junto ao obus 140 (vd. Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (13) > Guileje).
Mas ainda antes do Zé Neto, passou por Guileje o Capitão de Artilharia e comando Nuno Rubim, autor de uma planta do quartel, de 1966, já por nós publicada.
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(1) Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) . Não sabemos em que ano(s) lá esteve, em Guileje.
Guiné 63/74 - P320: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' de Paulo Salgado) (7): Suleiman Seidi
Camaradas e Amigos!
Desculpai-me todos! Ainda não comecei o segundo capítulo das estórias que desejo narrar - o primeiro diria respeito à chegada de quatro cooperantes na área da Saúde, e estadia de um ano, pelo menos (já deviamos ter juízo na cabeça para andar nestas andanças, pois já passámos ou estamos a passar os 60!).
Nem é hoje que vou começar... porque...
Sinto-me triste, muito triste. A morte do Suleiman Seidi, meu irmão, meu amigo, comandante de milícia, lá no Olossato (1), aconteceu. Foi um pedaço de mim que me fugiu.
Da última vez que o vi, em Abril, foi ao virar a esquina de um alpendre do Hospital Simão Mendes: vinha acompanhado de um dos filhos, muito abatido. Esteve internado. Fiz o que pude (terei feito?) mas melhorou muito e até tirámos uma foto (foi a última...).
Lá no caminho de Bissancage (quem conhece este trilho, quem se lembra dele, bem poucos certamente), empurrou-me para o chão quando vislumbrou, bem perto, o IN (seis elementos que dispararam tiros de rajada sobre a nossa fila de pirilau). Salvou-me a vida. De outra vez: na marcha pela mata, parou, porque roçou com um dos pés uma mina anti-pessoal em pleno mato. Poderia ser eu a pisá-la, pois vinha a seguir. Salvou-me.
Foram o seu carinho, a sua amizade, o seu zelo, e, agora, o seu contentamento brilhando nos olhos envelhecidos,por me rever, que me marcaram. Chorei porque perdi um irmão, acreditai.
Ainda ouço o martelar das suas palavras - já perdido de saúde e ainda pensando como antigamente:
- Alferes Salgado, leva-me para Portugal! - Como se eu fosse a sua tábua de salvação!
Que Alá te dê um bom descanso, meu Irmão!
Luís Graça, mais uma vez, desculpa. Põe lá esta mensagem, se achares bem.
Paulo Salgado
______
(1) O Olossato fica entre Bissorã e Farim, na região do Óio.
Desculpai-me todos! Ainda não comecei o segundo capítulo das estórias que desejo narrar - o primeiro diria respeito à chegada de quatro cooperantes na área da Saúde, e estadia de um ano, pelo menos (já deviamos ter juízo na cabeça para andar nestas andanças, pois já passámos ou estamos a passar os 60!).
Nem é hoje que vou começar... porque...
Sinto-me triste, muito triste. A morte do Suleiman Seidi, meu irmão, meu amigo, comandante de milícia, lá no Olossato (1), aconteceu. Foi um pedaço de mim que me fugiu.
Da última vez que o vi, em Abril, foi ao virar a esquina de um alpendre do Hospital Simão Mendes: vinha acompanhado de um dos filhos, muito abatido. Esteve internado. Fiz o que pude (terei feito?) mas melhorou muito e até tirámos uma foto (foi a última...).
Lá no caminho de Bissancage (quem conhece este trilho, quem se lembra dele, bem poucos certamente), empurrou-me para o chão quando vislumbrou, bem perto, o IN (seis elementos que dispararam tiros de rajada sobre a nossa fila de pirilau). Salvou-me a vida. De outra vez: na marcha pela mata, parou, porque roçou com um dos pés uma mina anti-pessoal em pleno mato. Poderia ser eu a pisá-la, pois vinha a seguir. Salvou-me.
Foram o seu carinho, a sua amizade, o seu zelo, e, agora, o seu contentamento brilhando nos olhos envelhecidos,por me rever, que me marcaram. Chorei porque perdi um irmão, acreditai.
Ainda ouço o martelar das suas palavras - já perdido de saúde e ainda pensando como antigamente:
- Alferes Salgado, leva-me para Portugal! - Como se eu fosse a sua tábua de salvação!
Que Alá te dê um bom descanso, meu Irmão!
Luís Graça, mais uma vez, desculpa. Põe lá esta mensagem, se achares bem.
Paulo Salgado
______
(1) O Olossato fica entre Bissorã e Farim, na região do Óio.
Guine 63/74 - P319: Tabanca Grande: Luís Rainha - Com imensas saudades daquela terra maravilhosa
1. Recebi um e-mail de mais outro camarada dos velhos Comandos de 1964/66: trata-se do Luís Manuel Nobreza D'Almeida Rainha, hoje com sessenta e quatro anos:
"Serve esta para vos dar a conhecer um ex-comando da Guiné e que foi comandante do Grupo de Comandos "CENTURIÕES". Fui camarada de Virginio Briote que já é vosso conhecido. Tenho imensas saudades daquela Terra maravilhosa onde passei bons e maus momentos, mas nos quais sobressaem os bons.
"A minha presença naquelas paragens foi um amealhar de recordações, e hoje tenho uma saudade enorme dos meus antigos Camaradas (...).
"A minha actual direcção vai aqui:
[...]
2. Comentário do Virgínio Briote:
O Luís Rainha foi o comandante dos "Centuriões", um grupo que deu que fazer ao Pansau Na Ina, um dos adjuntos do Nino. Um dia, ou uma madrugada não sei, entrou-lhe tão sorrateiro no acampamento que teve tempo de apanhar o boné que o Pansau tinha trazido de Pequim. E a pistola também, uma bela arma, nacarada, que, pelo que sei, muitos anos depois lhe veio a trazer problemas. Nem a cruz de guerra o salvou!
Um abraço,
vb
"Serve esta para vos dar a conhecer um ex-comando da Guiné e que foi comandante do Grupo de Comandos "CENTURIÕES". Fui camarada de Virginio Briote que já é vosso conhecido. Tenho imensas saudades daquela Terra maravilhosa onde passei bons e maus momentos, mas nos quais sobressaem os bons.
"A minha presença naquelas paragens foi um amealhar de recordações, e hoje tenho uma saudade enorme dos meus antigos Camaradas (...).
"A minha actual direcção vai aqui:
[...]
2. Comentário do Virgínio Briote:
O Luís Rainha foi o comandante dos "Centuriões", um grupo que deu que fazer ao Pansau Na Ina, um dos adjuntos do Nino. Um dia, ou uma madrugada não sei, entrou-lhe tão sorrateiro no acampamento que teve tempo de apanhar o boné que o Pansau tinha trazido de Pequim. E a pistola também, uma bela arma, nacarada, que, pelo que sei, muitos anos depois lhe veio a trazer problemas. Nem a cruz de guerra o salvou!
Um abraço,
vb
domingo, 4 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P318: A vingança da PIDE (Manuel Domingues)
Caro Luís Graça.
Obrigado pelas referências ao livro Uma campanha na Guiné, que, como é explicado na Introdução, destinava-se fundamentalmente a antigos combatentes que integraram o BCAÇ 1856 (1).
No entanto acabou por interessar outros segmentos, o que para um trabalho sem qualquer suporte de divulgação ou promoção é sempre motivador.
Confesso que fiquei surpreendido pelo trabalho e abrangência do vosso blogue e, por desafio do Cor. Marques Lopes, junto envio um primeiro texto, baseado numa vivência pesssoal, que adaptei do meu livro recém publicado de Estórias Etnográficas "O Pegureiro e o Lobo - Estórias de Castro Laboreiro".
A finalidade é apenas chamar a atenção para um sistema de controlo das vidas dos jovens de então, mesmo quando não eram "revolucionários " nem comunistas e se limitavam a cumprir as normas estabelecidos pelo regime (RDM). É uma amostra do conflito latente entre os militares,sobretudo os profissionais que temiam, mais do que respeitavam, a influência da PIDE, cujo controlo poderia influenciar as respectivas carreiras profissionais.
Não bastava ser bom militar. Era também necessário estar nas boas graças da PIDE.
A maior parte dos oficiais milicianos, que não aspiravaa ser funcionário público, podia encontrar refúgio na sua condição temporária de militar, mas à saída, a PIDE esperava por ele para acertar contas!
Com os melhores cumprimentos
Manuel Domingues (2)
A Vingança da PIDE
Como oficial de informações todas as manhãs, às 07h00, a primeira tarefa era analisar as actividades operacionais e de informações ocorridas nas últimas 24 horas no Batalhão e na Zona, e elaborar o relatório diário, SITREP, a enviar ao Comando em Bissau, como aliás todas a unidades estacionadas na Guiné. O Comando sintetizava os aspectos considerados mais importantes, e distribuía a todas as unidades, semanalmente, uma síntese dos factos através do PERINTREP.
O SITREP, relatório diário, assentava nas informações recolhidas pelas subunidades do Batalhão no terreno, e no sistema de informações instituído. Era prática, recomendada pelo Comando Chefe de Bissau, a partilha de informação com a subdelegação da PIDE existente em Nova Lamego [Gabu], funcionando na Administração do Concelho, e apenas com um Agente.
Através dos relatórios semanais do Comando Chefe constatei a existência de muitas referências e informações sobre a região Leste, onde o Batalhão actuava, como sendo originárias da PIDE, quando afinal eram de origem militar e que o referido Agente obtinha-as mediante o acesso ao centro nevrálgico do Comando do Batalhão, transmitindo-as como sendo resultantes do seu trabalho, influenciando a actividade do Batalhão, pois era com base em informações que o Comando sugeria ou determinava operações no terreno.
Perante tal abuso, e obtido o acordo do Comandante, transmiti ao Agente que dada a situação do território, sob comando militar, e o facto de ele pertencer a uma instituição civil, não poderia ter acesso directo à referida Sala, sem prejuízo de ser informado dos factos com interesse para a sua actividade. Perante a eminência de ver a sua fonte secar fez várias ameaças, mais ou menos veladas, mas de facto a situação mudou, e a contribuição do referido Agente ficou reduzida ao seu trabalho próprio, quase nulo, dada a realidade existente na região.
Já neste contexto, uma manhã deparei com uma mensagem de uma das companhias, estacionada em Buruntuma, informando ter capturado dois prisioneiros, identificados como estrangeiros, e que iria remeter nessa tarde para o Comando do Batalhão para interrogatório mais detalhado. Assim aconteceu. Ao princípio da tarde e com recurso a um militar nativo, fula, como intérprete, porque dominava bem o português e a língua dos prisioneiros, concluiu-se o interrogatório.
Ainda o Relatório não estava feito quando o agente da PIDE irrompeu pela Sala de Operações reclamando a entrega imediata dos prisioneiros por se tratar de mestrangeiros, cuja competência era exclusivamente dos seus serviços. Calmamente tentei explicar-lhe que, pelo facto de a Província estar sob domínio militar, competia a este, em primeiro lugar, averiguar do interesse dos capturados e só depois decidir o seu destino
No caso concreto já concluíra pela entrega à entidade civil porque não apresentavam grande interesse militar. No entanto e apesar de escassos 50 metros separarem as instalações do Quartel e da Administração Civil, os prisioneiros seriam entregues segundo as normas militares, ou seja com uma Guia de Entrega.
O Homem mandou-se ao ar dizendo nunca tal ter acontecido, passando a constituir um precedente grave de desconfiança num elemento da PIDE, ainda para mais da parte de um oficial miliciano. Nunca receberia os prisioneiros em tais condições e assim iria ter de justificar tal atitude perante o Comando de Bissau, que ele alertaria de imediato através do seu Subdirector.
Mal o Agente abandonou as instalações encarreguei o Sargento de Informações de preencher as Guias de Entrega e levar os prisioneiros para o edifício da Administração, com ordens expressas de só os entregar se o Agente assinasse as respectivas guias. Caso contrário trazia-os de volta. Passados 15 minutos o referido Furriel voltou com a indicação de o Agente se manter intransigente e só aceitar os dois homens sem Guia.
Perante esta situação falei com o Comandante a quem expliquei a relutância em prescindir do formalismo, porque em tempos o referido Agente se gabara de ter feito desaparecer prisioneiros sem deixar rasto. Mais tarde poderíamos ser responsabilizados se eventualmente a PIDE os fizesse desaparecer.
O Comandante mandou chamar o Agente e tentou fazer-lhe compreender a situação e que o meu procedimento estava de acordo com as normas em vigor. O Agente hesitou mas como já tinha enviado um rádio para a Subdirectoria em Bissau, decidiu não voltar atrás na sua decisão.
Embora criando uma situação insólita, sugeri ao Comandante o envio dos prisioneiros por via aérea para Bissau à ordem do Comando Chefe, com a indicação dos motivos, ou seja, a recusa do agente da PIDE em assinar a respectiva Guia de Entrega, que mereceu a sua concordância.
Passadas duas semanas o Agente desapareceu, deixando o recado de que alguém iria pagar caro pela sua saída. Dois meses após o regresso da Guiné, em Julho de 1967, e já desmobilizado, requeri o passaporte no Governo Civil de Lisboa, a fim de regressar a Paris, para continuar a minha vida profissional.
Para grande surpresa foi-me recusado. Ao fim de varias diligências, consegui que me dissessem que o motivo tinha sido a informação negativa da PIDE!
Não queria acreditar! Quatro anos antes, já apurado para todo o serviço militar, tinham-me autorizado a ir estudar no estrangeiro e agora, depois de o ter cumprido, negavam-me esse direito. Era a tal vingança anunciada pelo Agente! Revoltado com a injustiça, um dia resolvi ir à sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, pedir explicações.
O Agente porteiro depois de me perguntar o que pretendia mirou-me de alto a baixo, foi a uma casota telefonar e mandou-me subir ao andar superior onde outro Agente me encafuou numa pequena sala interior, mandando-me esperar.
Ao fim de mais de trinta longos minutos apareceu um inspector perguntando-me qual a razão da vinda ali. Expliquei que pretendia saber a razão da informação negativa relativamente ao meu pedido de passaporte. O Inspector olhou-me com ar de sobranceria e perguntou-me:
— É a primeira vez que vem aqui?
— É sim.
— Então fique a saber: aqui só vem quem nós chamamos! E foi-se embora.
Meio aparvalhado, desci as escadas e o porteiro, com ar trocista, deu-me as boas tardes. Na rua ia pensando como eram grandes os tentáculos de uma organização, decidindo sobre o futuro das pessoas, mesmo quando se limitavam a cumprir as leis que o próprio sistema criara.
(Adaptado, pelo Autor, do seu livro O Pegureiro e o Lobo – Estórias de Castro Laboreiro - 2005)
________
(1) Vd. post de A. Marques Lopes, de 18 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXI: Bibliografia de uma guerra (5)
(2) O autor frequentou o Curso de Rangers e fez parte do BCAÇ 1856 (1965/67). Como Alferes Mil foi Comandante do Pelotão de Reconhecimento e Informação, tendo desempenhado as funções de oficial de Informações e, durante alguns meses, a de Oficial de Operações.
O BCAÇ 1856 esteve no Leste, Sector L3, com o Comando e CCS sediados em Nova Lamego [Gabu]; e as companhias operacionais em Madina do Boé (CCAÇ 1416, com um destacamento em Béli; , em Bajocunda (CCAÇ 1417, com um destacamento em Copá); e em Buruntuma (CCAÇ 1418, com um destacamento em Ponte Caiúm).
Obrigado pelas referências ao livro Uma campanha na Guiné, que, como é explicado na Introdução, destinava-se fundamentalmente a antigos combatentes que integraram o BCAÇ 1856 (1).
No entanto acabou por interessar outros segmentos, o que para um trabalho sem qualquer suporte de divulgação ou promoção é sempre motivador.
Confesso que fiquei surpreendido pelo trabalho e abrangência do vosso blogue e, por desafio do Cor. Marques Lopes, junto envio um primeiro texto, baseado numa vivência pesssoal, que adaptei do meu livro recém publicado de Estórias Etnográficas "O Pegureiro e o Lobo - Estórias de Castro Laboreiro".
A finalidade é apenas chamar a atenção para um sistema de controlo das vidas dos jovens de então, mesmo quando não eram "revolucionários " nem comunistas e se limitavam a cumprir as normas estabelecidos pelo regime (RDM). É uma amostra do conflito latente entre os militares,sobretudo os profissionais que temiam, mais do que respeitavam, a influência da PIDE, cujo controlo poderia influenciar as respectivas carreiras profissionais.
Não bastava ser bom militar. Era também necessário estar nas boas graças da PIDE.
A maior parte dos oficiais milicianos, que não aspiravaa ser funcionário público, podia encontrar refúgio na sua condição temporária de militar, mas à saída, a PIDE esperava por ele para acertar contas!
Com os melhores cumprimentos
Manuel Domingues (2)
A Vingança da PIDE
Como oficial de informações todas as manhãs, às 07h00, a primeira tarefa era analisar as actividades operacionais e de informações ocorridas nas últimas 24 horas no Batalhão e na Zona, e elaborar o relatório diário, SITREP, a enviar ao Comando em Bissau, como aliás todas a unidades estacionadas na Guiné. O Comando sintetizava os aspectos considerados mais importantes, e distribuía a todas as unidades, semanalmente, uma síntese dos factos através do PERINTREP.
O SITREP, relatório diário, assentava nas informações recolhidas pelas subunidades do Batalhão no terreno, e no sistema de informações instituído. Era prática, recomendada pelo Comando Chefe de Bissau, a partilha de informação com a subdelegação da PIDE existente em Nova Lamego [Gabu], funcionando na Administração do Concelho, e apenas com um Agente.
Através dos relatórios semanais do Comando Chefe constatei a existência de muitas referências e informações sobre a região Leste, onde o Batalhão actuava, como sendo originárias da PIDE, quando afinal eram de origem militar e que o referido Agente obtinha-as mediante o acesso ao centro nevrálgico do Comando do Batalhão, transmitindo-as como sendo resultantes do seu trabalho, influenciando a actividade do Batalhão, pois era com base em informações que o Comando sugeria ou determinava operações no terreno.
Perante tal abuso, e obtido o acordo do Comandante, transmiti ao Agente que dada a situação do território, sob comando militar, e o facto de ele pertencer a uma instituição civil, não poderia ter acesso directo à referida Sala, sem prejuízo de ser informado dos factos com interesse para a sua actividade. Perante a eminência de ver a sua fonte secar fez várias ameaças, mais ou menos veladas, mas de facto a situação mudou, e a contribuição do referido Agente ficou reduzida ao seu trabalho próprio, quase nulo, dada a realidade existente na região.
Já neste contexto, uma manhã deparei com uma mensagem de uma das companhias, estacionada em Buruntuma, informando ter capturado dois prisioneiros, identificados como estrangeiros, e que iria remeter nessa tarde para o Comando do Batalhão para interrogatório mais detalhado. Assim aconteceu. Ao princípio da tarde e com recurso a um militar nativo, fula, como intérprete, porque dominava bem o português e a língua dos prisioneiros, concluiu-se o interrogatório.
Ainda o Relatório não estava feito quando o agente da PIDE irrompeu pela Sala de Operações reclamando a entrega imediata dos prisioneiros por se tratar de mestrangeiros, cuja competência era exclusivamente dos seus serviços. Calmamente tentei explicar-lhe que, pelo facto de a Província estar sob domínio militar, competia a este, em primeiro lugar, averiguar do interesse dos capturados e só depois decidir o seu destino
No caso concreto já concluíra pela entrega à entidade civil porque não apresentavam grande interesse militar. No entanto e apesar de escassos 50 metros separarem as instalações do Quartel e da Administração Civil, os prisioneiros seriam entregues segundo as normas militares, ou seja com uma Guia de Entrega.
O Homem mandou-se ao ar dizendo nunca tal ter acontecido, passando a constituir um precedente grave de desconfiança num elemento da PIDE, ainda para mais da parte de um oficial miliciano. Nunca receberia os prisioneiros em tais condições e assim iria ter de justificar tal atitude perante o Comando de Bissau, que ele alertaria de imediato através do seu Subdirector.
Mal o Agente abandonou as instalações encarreguei o Sargento de Informações de preencher as Guias de Entrega e levar os prisioneiros para o edifício da Administração, com ordens expressas de só os entregar se o Agente assinasse as respectivas guias. Caso contrário trazia-os de volta. Passados 15 minutos o referido Furriel voltou com a indicação de o Agente se manter intransigente e só aceitar os dois homens sem Guia.
Perante esta situação falei com o Comandante a quem expliquei a relutância em prescindir do formalismo, porque em tempos o referido Agente se gabara de ter feito desaparecer prisioneiros sem deixar rasto. Mais tarde poderíamos ser responsabilizados se eventualmente a PIDE os fizesse desaparecer.
O Comandante mandou chamar o Agente e tentou fazer-lhe compreender a situação e que o meu procedimento estava de acordo com as normas em vigor. O Agente hesitou mas como já tinha enviado um rádio para a Subdirectoria em Bissau, decidiu não voltar atrás na sua decisão.
Embora criando uma situação insólita, sugeri ao Comandante o envio dos prisioneiros por via aérea para Bissau à ordem do Comando Chefe, com a indicação dos motivos, ou seja, a recusa do agente da PIDE em assinar a respectiva Guia de Entrega, que mereceu a sua concordância.
Passadas duas semanas o Agente desapareceu, deixando o recado de que alguém iria pagar caro pela sua saída. Dois meses após o regresso da Guiné, em Julho de 1967, e já desmobilizado, requeri o passaporte no Governo Civil de Lisboa, a fim de regressar a Paris, para continuar a minha vida profissional.
Para grande surpresa foi-me recusado. Ao fim de varias diligências, consegui que me dissessem que o motivo tinha sido a informação negativa da PIDE!
Não queria acreditar! Quatro anos antes, já apurado para todo o serviço militar, tinham-me autorizado a ir estudar no estrangeiro e agora, depois de o ter cumprido, negavam-me esse direito. Era a tal vingança anunciada pelo Agente! Revoltado com a injustiça, um dia resolvi ir à sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, pedir explicações.
O Agente porteiro depois de me perguntar o que pretendia mirou-me de alto a baixo, foi a uma casota telefonar e mandou-me subir ao andar superior onde outro Agente me encafuou numa pequena sala interior, mandando-me esperar.
Ao fim de mais de trinta longos minutos apareceu um inspector perguntando-me qual a razão da vinda ali. Expliquei que pretendia saber a razão da informação negativa relativamente ao meu pedido de passaporte. O Inspector olhou-me com ar de sobranceria e perguntou-me:
— É a primeira vez que vem aqui?
— É sim.
— Então fique a saber: aqui só vem quem nós chamamos! E foi-se embora.
Meio aparvalhado, desci as escadas e o porteiro, com ar trocista, deu-me as boas tardes. Na rua ia pensando como eram grandes os tentáculos de uma organização, decidindo sobre o futuro das pessoas, mesmo quando se limitavam a cumprir as leis que o próprio sistema criara.
(Adaptado, pelo Autor, do seu livro O Pegureiro e o Lobo – Estórias de Castro Laboreiro - 2005)
________
(1) Vd. post de A. Marques Lopes, de 18 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXI: Bibliografia de uma guerra (5)
(2) O autor frequentou o Curso de Rangers e fez parte do BCAÇ 1856 (1965/67). Como Alferes Mil foi Comandante do Pelotão de Reconhecimento e Informação, tendo desempenhado as funções de oficial de Informações e, durante alguns meses, a de Oficial de Operações.
O BCAÇ 1856 esteve no Leste, Sector L3, com o Comando e CCS sediados em Nova Lamego [Gabu]; e as companhias operacionais em Madina do Boé (CCAÇ 1416, com um destacamento em Béli; , em Bajocunda (CCAÇ 1417, com um destacamento em Copá); e em Buruntuma (CCAÇ 1418, com um destacamento em Ponte Caiúm).
Guiné 63/74 - P317: Cabo Verde (1941/43) (4): Mindelo, terra de B. Leza e de Cesária Évora (Luís Graça)
Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Legenda: "Jantar em San Vicente, nosse terre. Nativos em festa. Recordações da minha estada em C. Verde (Expedição). 1941-1943. Luís Henriques" . © Luís Graça (2005)
1. Em 11 de Novembro passado, recebi um e-mail de Mic Dax, tendo por assunto: Fotos de S.Vicente, Cabo Verde
Bom dia: Eu sou o Mic Dax, eu sou francès e não falo portuguès muito bem, falo só crioulo caboverdiano. Morando em Cabo Verde desde 5 anos, abri um site na Internet sobre Mindelo (Mindelo Infos ) e sobre o arquipelago em geral.
Encontrei vosso blog e as fotografias do vosso pai em São Vicente. Se o senhor permite-me, desejaria instalar-os no album de meu site.
Obrigado, até logo,
Mic Dax.
http://www.cesaria.info/
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: O pôr do sol em São Vicente. O célebre Monte da Cara... E o lindo porto do mar que parece adormecido. Maio de 1963. São Vicente. Luís [Henriques] ".
© Luís Graça (2005)
2. Eis a minha resposta:
Enchanté, Mic Dax! Je parle français et je voudrais bien parler le créole du Cap-Vert… Salut, copain ! Tu peux utiliser les photos sur le Cap-Vert, que tu as trouvé dans mon blog (un blog colective sur la guerre coloniale en Guinée-Bissau, 1963/74).
Mon père a fait le service militaire dans l’île de Saint Vincent, pendant le période de 1941/43. Heuresement, il est encore vivant. Il aime beacoup les îles mas il n’est jamais retourné lá-bas. Il ya au moins trois textes sur mon père, avec des vieux photos de ce temps-là… Mais j’en irai publier plus…
Je ne connais pas ton île. J’y irais un autre jour, en vacances. Alors, tu me paies un verre de grogue (..).
________
(1) 12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império
(2)26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Cabo Verde (1941/1943) (2): esperando os invasores
(3) 22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIV: Cabo Verde (1941/43) (3): sodade di Son Vicente
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: Hábito de São Vicente. Pisando o milho num almofariz para depois fazerem a cachupa. São Vicente. Maio de 1943 (?). Luís Henriques ".
© Luís Graça (2005)
3. Embora não conhecendo as ilhas (estive uma escassa hora ou duas no Sal, em paragem técnica do avião que me trouxe de férias, de Bissau a Lisboa, em 1970), prendem-me laços de afectividade a São Vicente e à cidade do Mindelo. Ou, no mínimo, memórias de infância.
De facto, o meu pai foi expedicionário na ilha, no auge da II Guerra Mundial (1941/43). Falava-me da ilha e da sua gente com ternura e saudade. Aliás, ainda me fala, porque felizmente está vivo.
Tenho aqui vindo a reproduzir algumas das fotos do seu tempo, que possam ter algum valor documental, apesar da fraca qualidade da imagem (a digitalização foi feita sobre cópias em formato reduzido e em muito mau estado).
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: "Depois da parada, o desfile das viaturas. No dia 14 de Agosto de 1942 [, Dia da Infantaria Portuguesa]. Alguma das tantas autoambulâncias e outras viaturas. Mindelo. S. Vicente".
© Luís Graça (2005)
São Vicente é, além disso, a terra natal, entre muitos outros artistas, do (i) maior compositor de mornas de Cabo verde, de seu nome (artístico) B.Leza (injustamente esquecido, comemora-se este ano, a 3 de Dezembro, o seu 1º centenário de nascimento), além da (ii) grande Cesária Évora.
Amílcar Cabral, embora nascido em Bafatá (1924), de pais caboverdeanos, regressou à terra dos seus antepassados em 1932, e completou no Mindelo o Curso Liceal, em 1943. Era quatro anos mais novo do que o meu pai, que na época prestava serviço militar na ilha. A guerra de libertação da Guiné terá começado a germinar, enquanto ideia, no Liceu do Mindelo. Não sei, é uma mera hipótese a ser explorada pelos biógrafos de Amílcar Cabral e demais historiadores da guerra colonial.
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: " As peças antiaéreas do Monte Sossego [monte sobranceiro a João Ribeiro, pelas indicações que o meu pai me dá; também havia artilharia contra-costa]. Fotografia oferecido pelo meu amigo Boaventura em 21/7(?)/43 em Mindelo. S. Vicente. Luís H. ". Segundo informação do meu pai, esta peça, depois de montada, só ao fim de seis meses é que poderia ser usada... Em Janeiro de 1942, a ilha foi sobrevoada por um avião não identificado (possivelmente alemão) e esta anti-aérea ainda não estava montada. Houve alarme geral... O pelotão dele (o 1º da 3ª Companhia do Batalhão de Infantaria nº 5) foi destacado, por uns dias, para o Calhau...
© Luís Graça (2005)
Foram anos muito difíceis para o povo caboverdiano e, em especial, para os mindelenses. Mas também não foram fáceis para os expedicionários portugueses cuja missão, na ilha de São Vicente, era defendê-la de um eventual ataque quer das potências do Eixo (em particular a Alemanha) quer dos Aliados (e em especial a Inglaterra).
Publico hoje mais umas fotos do velho álbum do meu pai.
1. Em 11 de Novembro passado, recebi um e-mail de Mic Dax, tendo por assunto: Fotos de S.Vicente, Cabo Verde
Bom dia: Eu sou o Mic Dax, eu sou francès e não falo portuguès muito bem, falo só crioulo caboverdiano. Morando em Cabo Verde desde 5 anos, abri um site na Internet sobre Mindelo (Mindelo Infos ) e sobre o arquipelago em geral.
Encontrei vosso blog e as fotografias do vosso pai em São Vicente. Se o senhor permite-me, desejaria instalar-os no album de meu site.
Obrigado, até logo,
Mic Dax.
http://www.cesaria.info/
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: O pôr do sol em São Vicente. O célebre Monte da Cara... E o lindo porto do mar que parece adormecido. Maio de 1963. São Vicente. Luís [Henriques] ".
© Luís Graça (2005)
2. Eis a minha resposta:
Enchanté, Mic Dax! Je parle français et je voudrais bien parler le créole du Cap-Vert… Salut, copain ! Tu peux utiliser les photos sur le Cap-Vert, que tu as trouvé dans mon blog (un blog colective sur la guerre coloniale en Guinée-Bissau, 1963/74).
Mon père a fait le service militaire dans l’île de Saint Vincent, pendant le période de 1941/43. Heuresement, il est encore vivant. Il aime beacoup les îles mas il n’est jamais retourné lá-bas. Il ya au moins trois textes sur mon père, avec des vieux photos de ce temps-là… Mais j’en irai publier plus…
Je ne connais pas ton île. J’y irais un autre jour, en vacances. Alors, tu me paies un verre de grogue (..).
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(1) 12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império
(2)26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Cabo Verde (1941/1943) (2): esperando os invasores
(3) 22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIV: Cabo Verde (1941/43) (3): sodade di Son Vicente
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: Hábito de São Vicente. Pisando o milho num almofariz para depois fazerem a cachupa. São Vicente. Maio de 1943 (?). Luís Henriques ".
© Luís Graça (2005)
3. Embora não conhecendo as ilhas (estive uma escassa hora ou duas no Sal, em paragem técnica do avião que me trouxe de férias, de Bissau a Lisboa, em 1970), prendem-me laços de afectividade a São Vicente e à cidade do Mindelo. Ou, no mínimo, memórias de infância.
De facto, o meu pai foi expedicionário na ilha, no auge da II Guerra Mundial (1941/43). Falava-me da ilha e da sua gente com ternura e saudade. Aliás, ainda me fala, porque felizmente está vivo.
Tenho aqui vindo a reproduzir algumas das fotos do seu tempo, que possam ter algum valor documental, apesar da fraca qualidade da imagem (a digitalização foi feita sobre cópias em formato reduzido e em muito mau estado).
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: "Depois da parada, o desfile das viaturas. No dia 14 de Agosto de 1942 [, Dia da Infantaria Portuguesa]. Alguma das tantas autoambulâncias e outras viaturas. Mindelo. S. Vicente".
© Luís Graça (2005)
São Vicente é, além disso, a terra natal, entre muitos outros artistas, do (i) maior compositor de mornas de Cabo verde, de seu nome (artístico) B.Leza (injustamente esquecido, comemora-se este ano, a 3 de Dezembro, o seu 1º centenário de nascimento), além da (ii) grande Cesária Évora.
Amílcar Cabral, embora nascido em Bafatá (1924), de pais caboverdeanos, regressou à terra dos seus antepassados em 1932, e completou no Mindelo o Curso Liceal, em 1943. Era quatro anos mais novo do que o meu pai, que na época prestava serviço militar na ilha. A guerra de libertação da Guiné terá começado a germinar, enquanto ideia, no Liceu do Mindelo. Não sei, é uma mera hipótese a ser explorada pelos biógrafos de Amílcar Cabral e demais historiadores da guerra colonial.
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: " As peças antiaéreas do Monte Sossego [monte sobranceiro a João Ribeiro, pelas indicações que o meu pai me dá; também havia artilharia contra-costa]. Fotografia oferecido pelo meu amigo Boaventura em 21/7(?)/43 em Mindelo. S. Vicente. Luís H. ". Segundo informação do meu pai, esta peça, depois de montada, só ao fim de seis meses é que poderia ser usada... Em Janeiro de 1942, a ilha foi sobrevoada por um avião não identificado (possivelmente alemão) e esta anti-aérea ainda não estava montada. Houve alarme geral... O pelotão dele (o 1º da 3ª Companhia do Batalhão de Infantaria nº 5) foi destacado, por uns dias, para o Calhau...
© Luís Graça (2005)
Foram anos muito difíceis para o povo caboverdiano e, em especial, para os mindelenses. Mas também não foram fáceis para os expedicionários portugueses cuja missão, na ilha de São Vicente, era defendê-la de um eventual ataque quer das potências do Eixo (em particular a Alemanha) quer dos Aliados (e em especial a Inglaterra).
Publico hoje mais umas fotos do velho álbum do meu pai.
sábado, 3 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P316: Antologia (30): A Província Portuguesa da Guiné (1961) (Jorge Santos)
Por mão do nosso incansável Jorge Santos, autor da página sobre A Guerra Colonial, chega-nos um este texto sobre a geogrfia e a demografia da Guiné Portuguesa (Dados informativos, 1961).
Estes dados são mais do que um simples curiosidade, para os nossos amigos e camaradas de tertúlia. Têm também interesse histórico: basta compararmos a população de hoje da Guiné-Bissau (que mais do que duplicou) e termos em conta as dramáticas mudanças climáticas que estão afectar a África subsaariana. Por exemplo, quem conhece a Guiné-Bissau de hoje diz que já não chove como há quarenta anos atrás... Enfim, não sei se há dados históricos da metereologia da Guiné-Bissau para confirmar esta tendência.
Situação geográfica e superfície
A província da Guiné acha-se situada na costa ocidental do continente africano, entre o território do Senegal, que lhe serve de fronteira ao norte, e a República da Guiné, que a delimita a leste e a sul.
O seu litoral fica compreendido entre as latitudes 12º 20’ N (Cabo Roxo) e 10º 59’ N (Ponta Cagete).
Além da parte continental e das ilhas de Jeta, Caro, Pecixe, Bissau, Areias, Bolama, Carar, Como e Melo, que lhe ficam contíguas, compreende ainda a província o fronteiro arquipélago de Bijagós, formado por dezenas de ilhas e ilhéus, entre as quais sobressaem as de Caravela, Canhabaque, Formosa, Une, Cavalos e Poilão.
No seu conjunto ocupa a Guiné Portuguesa uma superfície total de 36.125 Km2.
Relevo e hidrografia
Se exceptuarmos algumas pequenas zonas do Leste da província, na região de Boé, onde os últimos contrafortes do maciço do Futa Djalon elevam o terreno até alturas que só raramente atingem os 300 metros, não se encontram na Guiné elevações dignas de menção.
A falta de relevo é especialmente assinalável numa larga faixa litoral, cuja planura, permitindo a invasão profunda, pelo mar, dos antigos cursos dos rios, dá origem às conhecidas «rias» que sulcam grande parte dessa zona da província.
Podem considerar-se na Guiné, no que respeita a cursos de água, duas zonas que a linha limite das marés divide: a zona litoral e a zona interior.Na primeira, os antigos cursos dos rios, ao serem invadidos pelo mar, dão origem às chamadas «rias», das quais as mais importantes, de norte para sul, são as de Sucujaque, Cacheu, Bissau, Grande ou de Buba e Cacine.
Na zona interior, que abrange as regiões situadas para além do limite das marés, assinala-se já a existência de cursos de água doce, com um regime de cheias relacionadas com as variações climatéricas, os quais, devido aos rápidos que cortam os seus percursos, são apenas navegáveis em pequenas extensões.
As principais bacias hidrográficas que se encontram nesta zona são as do rio Cacheu ou Farim, navegável em cerca de 100 Km do seu percurso por navios até 2000 toneladas, do Geba, que constitui a principal via de comunicação fluvial da Guiné, e a do Corubal, que tem a sua origem no Futa Djalon e vai desaguar no estuário do rio Geba, sendo navegável em cerca de 150 km.
Clima
Situada sensivelmente a meia distância entre o Equador e o trópico de Câncer, a Guiné tem o clima quente e húmido característico das regiões tropicais, em que apenas se assinalam duas estações: a quente ou das chuvas, que começa em meados de Maio e se estende até meados de Novembro, e a estação seca e fresca, que cobre o restante período do ano.
Na época das chuvas a humidade atmosférica é bastante elevada e a temperatura média, à sombra, oscila entre 26º e 28º C.
A pluviosidade é superior em média a 2000 mm, sendo os meses de Julho e Agosto os que registam maior número de dias de chuva.
As temperaturas médias da época seca não vão além de 24º C, sendo os meses mais frescos os de Dezembro e Janeiro.
No que respeita às temperaturas, consideram alguns autores a possibilidades de dividir o ano nos seguintes quatro períodos:
a) período fresco - no qual se verificam as maiores amplitudes térmicas, e que abrange os meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro.
b) 1º período quente – durante os meses de Março, Abril e Maio, em que as variações térmicas são ainda de certo vulto, especialmente nos meses de Março e Abril.
c) Período das chuvas – que se estende pelos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro.
d) 2º período quente – abrangendo os meses de Outubro e Novembro.
Com as suas características acentuadamente tropicais, o clima da Guiné tem sido considerado como insalubre, devido às suas altas temperaturas, densa humidade, baixa pressão atmosférica e emanações das regiões alagadiças das zonas planas.
É exagerado, no entanto, generalizar a toda a província as más condições climatéricas, visto que em certas regiões, como no Boé, Bafatá e outras, se encontram grandes áreas em que a adaptação do europeu se faz com bastante facilidade e em que o clima não é mais pernicioso do que o de muitos outros lugares do território português.
População
A população total da província da Guiné, segundo o censo de 1950, era de 510.777 habitantes, distribuídos da seguinte maneira:
- 2263 brancos
- 11 indianos
- 4568 mestiços
- 503.935 negros.
Por estimativa realizada em 31 de Dezembro de 1958 a população total da província era de 568.300 habitantes.
FONTE: Províncias Ultramarinas Portuguesas: dados informativos. Volume 1. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1961.
Guiné 63/74 - P315: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (6): HN Simão Mendes
Bissau > Hospital Nacional Simão Mendes > Paulo Salgado, integrado numa equipa de cooperantes. Infelizmente, o seu PC portátil não apareceu e a nossa tertúlia ressente-se disso... © Paulo Salgado (2005)
Meu Caro Luís!
Conclusão apressada. Gostaria de ter contado estórias belas que aconteceram aqui no HNSM [Hospital Nacional Simão Mendes] (este hospital, como escreve o Jorge nem parece um hospital; mas estão lá doentes; às vezes em condições miseráveis, e lá trabalham pessoas, umas que trabalham e outras que fazem que trabalham... como me interessa o que é positivo, o que é bom, então o feio, o maldito, o negativo, eu os esqueço e então tentamos: djitu ten ki ten).
Gostaria de vos falar do Sani, viúvo, adoentado, que passava horas e horas a tratar do saneamento e limpeza na zona da cólera (um dia destes morre e não se sabe a razão); gostaria de vos falar do amor do motorista guineense malandro e da engenheira italiana dos Médicos Sem Fronteiras que se enamoraram (quem sabe se um dia lá em Itália não nasce um mulatinho!). Gostaria de vos falar do entusiasmo dos bons profissonais que querem mudar a face de segmentos do Hospital: o Carlitos, o Armando e o velho técnico Armindo do RX que gosta dos portugueses com quem trabalhou e que fica aflito com as propostas que o Carlitos (financeiro) e a Conceição (do grupo dos quatro que aqui vão estar durante um ano) apresentam para mudar as rotinas do serviço de RX.
Gostaria de vos falar dos dois velhotes engajados neste projecto, Eng.º João Faria e Dr. Vítor Seabra, que suam as camisas três vezes ao dia. Gostaria de vos falar da menina N'nha (que trouxemos de Portugal onde o Prof. Horácio a operou a uma mão queimada (fez-me lembrar a bela história da bajudinha
Catotinha) que nos vem visitar e que não nos larga.
Gostaria de vos falar do serviço (!!!) de estomatologia que tem um técnico que aprendeu quatro anos em Cuba a arte de arrancar dentes e o que o faz, com muito carinho, quase inexplicavelmente, pelos materiais que usa, pois mais parece um conjunto de ferros que lava e põe num autoclave mal funcionante e ferrugento.
Gostaria de vos mostrar imensas fotos de meninos de Uaque que fabricam os assobios (está la na foto que veio no blogue) e fazer-nos pensar a todos que os nossos filhos e netos só pensam nas playstations). Enfim muita coisa ficou por vos contar. Desgraçadamente, o computador não apareceu...e tanto traballho que tive que refazer ou mesmo reformular.
Conclusão quente. Quentes são estes dias(desde as onze até às cinco). O movimento não pára: desde o Hotel de Bissau (à saída de Bissalanca) até à mãe de água (por detras lá está o Palácio do Povo, quer dizer a Assembleia Nacional Popular construída pelos chineses.. toca-toca, taxis, transportes mistos, jeeps grandes, poderosos, e pessoas num vai-vai que não acaba (para onde vão?). No Hospital, quentes são os dias e noites para as parturientes que vão parindo às três de cada vez.
Conclusão húmida. Húmidas as noites. Começam agora a ser mais frescas. Fazem-me lembrar as muitas estórias que os camarigos contam, e, especialmente, as que eu vivi em Olossato. Mas estas pertencem ao passado que desejo revisitar e fazer relembrar mas sempre pensando que do passado se tiram lições.
Conclusão conclusão: Estamos a chegar ao Natal. Que natal poderámos nós dar - em qualquer momento do ano - às crianças da pediatria (do serviço de Pediatria)?
Mas um momento belo: vede a canoa navegando, com jovem ao leme, no canal do rio Geba em direcção ao rio Mansoa.
Meu caro Luís. Arruma as três fotos como tu sabes fazer. Mas que seguem pelo outro endereço... Até logo, até sempre. Um abraço a todos os camaradas.
Paulo Salgado
Meu Caro Luís!
Conclusão apressada. Gostaria de ter contado estórias belas que aconteceram aqui no HNSM [Hospital Nacional Simão Mendes] (este hospital, como escreve o Jorge nem parece um hospital; mas estão lá doentes; às vezes em condições miseráveis, e lá trabalham pessoas, umas que trabalham e outras que fazem que trabalham... como me interessa o que é positivo, o que é bom, então o feio, o maldito, o negativo, eu os esqueço e então tentamos: djitu ten ki ten).
Gostaria de vos falar do Sani, viúvo, adoentado, que passava horas e horas a tratar do saneamento e limpeza na zona da cólera (um dia destes morre e não se sabe a razão); gostaria de vos falar do amor do motorista guineense malandro e da engenheira italiana dos Médicos Sem Fronteiras que se enamoraram (quem sabe se um dia lá em Itália não nasce um mulatinho!). Gostaria de vos falar do entusiasmo dos bons profissonais que querem mudar a face de segmentos do Hospital: o Carlitos, o Armando e o velho técnico Armindo do RX que gosta dos portugueses com quem trabalhou e que fica aflito com as propostas que o Carlitos (financeiro) e a Conceição (do grupo dos quatro que aqui vão estar durante um ano) apresentam para mudar as rotinas do serviço de RX.
Gostaria de vos falar dos dois velhotes engajados neste projecto, Eng.º João Faria e Dr. Vítor Seabra, que suam as camisas três vezes ao dia. Gostaria de vos falar da menina N'nha (que trouxemos de Portugal onde o Prof. Horácio a operou a uma mão queimada (fez-me lembrar a bela história da bajudinha
Catotinha) que nos vem visitar e que não nos larga.
Gostaria de vos falar do serviço (!!!) de estomatologia que tem um técnico que aprendeu quatro anos em Cuba a arte de arrancar dentes e o que o faz, com muito carinho, quase inexplicavelmente, pelos materiais que usa, pois mais parece um conjunto de ferros que lava e põe num autoclave mal funcionante e ferrugento.
Gostaria de vos mostrar imensas fotos de meninos de Uaque que fabricam os assobios (está la na foto que veio no blogue) e fazer-nos pensar a todos que os nossos filhos e netos só pensam nas playstations). Enfim muita coisa ficou por vos contar. Desgraçadamente, o computador não apareceu...e tanto traballho que tive que refazer ou mesmo reformular.
Conclusão quente. Quentes são estes dias(desde as onze até às cinco). O movimento não pára: desde o Hotel de Bissau (à saída de Bissalanca) até à mãe de água (por detras lá está o Palácio do Povo, quer dizer a Assembleia Nacional Popular construída pelos chineses.. toca-toca, taxis, transportes mistos, jeeps grandes, poderosos, e pessoas num vai-vai que não acaba (para onde vão?). No Hospital, quentes são os dias e noites para as parturientes que vão parindo às três de cada vez.
Conclusão húmida. Húmidas as noites. Começam agora a ser mais frescas. Fazem-me lembrar as muitas estórias que os camarigos contam, e, especialmente, as que eu vivi em Olossato. Mas estas pertencem ao passado que desejo revisitar e fazer relembrar mas sempre pensando que do passado se tiram lições.
Conclusão conclusão: Estamos a chegar ao Natal. Que natal poderámos nós dar - em qualquer momento do ano - às crianças da pediatria (do serviço de Pediatria)?
Mas um momento belo: vede a canoa navegando, com jovem ao leme, no canal do rio Geba em direcção ao rio Mansoa.
Meu caro Luís. Arruma as três fotos como tu sabes fazer. Mas que seguem pelo outro endereço... Até logo, até sempre. Um abraço a todos os camaradas.
Paulo Salgado
Guiné 63/74 - P314: Projecto Guileje (6): Carlos Schwarz ou, melhor, Pepito
Vista aérea da povoação e aquartelamento de Guileje na "época colonial".
Fonte: AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledj (2005)
São apontados como autores das fotos desta época, inseridas neste sítio, o Capitão José Neto e Abílio Pimentel. A um e a outro, bem como à AD, os nossos agradecimentos pela permissão da reprodução deste valioso documento.
1. Lensagem de L.G. para o Carlos Schwarz:
Já descobrimos um homem da última companhia que esteve no Guileje: a Companhia Independente de Cavalaria 8350, composta maioritariamente por açorianos. Trata-se do ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho. Vê as fotos no post, inserido no blogue, com data de 2 de Dezembro de 2005 [Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) ].
O Sadibo [Dabo] diz-me que tu és mais conhecido aí pelo teu nome de guerra, Pepito… Posso divulgar essa informação ?
2. Resposta do nosso amigo e director da AD - Acção para o Desenvolvimento:
Luis:
De facto não tinhamos ninguém conhecido dessa Companhia. Obrigado. As fotos ajudam muito a situar as placas e a refazer o contexto onde vamos reabilitá-las.
Mais fotos serão bem vindas. Um novo amigo meu que esteve em Guiledje, em 1967/68, tem cerca de 150 slides de Guiledje que estamos a procurar digitalizar na ESE [Escola Superior de Educação] de Leiria [que é um dos pareciros da AD em matéria de cooperação].
Na próxima semana acaba o levantamento topográfico do antigo quartel e arredores (6 ha) e a 12 de Janeiro de 2006 chega a Bissau o arquitecto para apoiar a sua reconstrução.
Quanto ao meu nome: de facto, só na Tapada da Ajuda, [no Instituto Superior de Agronomia, da Universidade Técnica de Lisboa], aí em Lisboa, onde fiz agronomia, é que sou conhecido por Schwarz. Aqui em Bissau, é só Pepito, desde que me conheço. Usa à vontade o nome e para ajudar assino-o a partir de agora.
abraços
pepito
Fonte: AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledj (2005)
São apontados como autores das fotos desta época, inseridas neste sítio, o Capitão José Neto e Abílio Pimentel. A um e a outro, bem como à AD, os nossos agradecimentos pela permissão da reprodução deste valioso documento.
1. Lensagem de L.G. para o Carlos Schwarz:
Já descobrimos um homem da última companhia que esteve no Guileje: a Companhia Independente de Cavalaria 8350, composta maioritariamente por açorianos. Trata-se do ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho. Vê as fotos no post, inserido no blogue, com data de 2 de Dezembro de 2005 [Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) ].
O Sadibo [Dabo] diz-me que tu és mais conhecido aí pelo teu nome de guerra, Pepito… Posso divulgar essa informação ?
2. Resposta do nosso amigo e director da AD - Acção para o Desenvolvimento:
Luis:
De facto não tinhamos ninguém conhecido dessa Companhia. Obrigado. As fotos ajudam muito a situar as placas e a refazer o contexto onde vamos reabilitá-las.
Mais fotos serão bem vindas. Um novo amigo meu que esteve em Guiledje, em 1967/68, tem cerca de 150 slides de Guiledje que estamos a procurar digitalizar na ESE [Escola Superior de Educação] de Leiria [que é um dos pareciros da AD em matéria de cooperação].
Na próxima semana acaba o levantamento topográfico do antigo quartel e arredores (6 ha) e a 12 de Janeiro de 2006 chega a Bissau o arquitecto para apoiar a sua reconstrução.
Quanto ao meu nome: de facto, só na Tapada da Ajuda, [no Instituto Superior de Agronomia, da Universidade Técnica de Lisboa], aí em Lisboa, onde fiz agronomia, é que sou conhecido por Schwarz. Aqui em Bissau, é só Pepito, desde que me conheço. Usa à vontade o nome e para ajudar assino-o a partir de agora.
abraços
pepito
Guiné 63/74 - P313: O juramento dos guerrilheiros do PAIGC (João Parreira)
Camarada Luís Graça
Acabo de ler o documento "O Código de Conduta", reproduzido pelo camarada Jorge Santos, da 4ª Companhia de Fuzileiros, Niassa, Moçambique 68/70 (1).
Apesar de ter embarcado [para a Guiné] em 8/10/64, esse impresso não me foi distribuído, nem tive conhecimento que tivesse circulado no Batalhão Arilharia 733 (2).
Por me parecer oportuno transcrevo o juramento feito pelos guerrilheiros da Guiné diante dos seus companheiros de luta.
Este excerto, em letra maiúscula, faz parte de um livro que foi editado pela Imprensa do PAIGC.
O livro, datado de 13-II-964, em que era usado frequentemente o termo partisan, foi entregue por Nino Vieira a um dos seus homens, em Santambato, em 11 de Março de 1964.
JURAMENTO
"EU, FILHO DO MEU POVO, JURO LUTAR POR TODOS OS MEIOS PARA A LIBERTAÇÃO TOTAL E INCONDICIONAL DA MINHA PÁTRIA, DAR TODAS AS MINHAS FORÇAS E, SENDO NECESSÁRIO, A MINHA VIDA PARA QUE VIVA O POVO GUINEENSE LIVRE E FELIZ, NUNCA TRAIR A REVOLUÇÃO GUINEENSE, O SEU POVO E OS MEUS COMPANHEIROS DE LUTA, MESMO QUE SEJAM EMPREGADOS CONTRA MIM AS MAIORES VIOLÊNCIAS E TERRORES.
"CONSINTO QUE, EM CASO DE TRAIÇÃO, ME ATINJA A JUSTIÇA REVOLUCIONÁRIA".
João Parreira
ex-Furriel Miliciano Comando
(Brá, 1964/66)
________
(1) Vd post de Jorge Santos, de 1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: O Código de Conduta do Combatente da Guerra do Ultramar.
(2) Vd. post anterior > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
Acabo de ler o documento "O Código de Conduta", reproduzido pelo camarada Jorge Santos, da 4ª Companhia de Fuzileiros, Niassa, Moçambique 68/70 (1).
Apesar de ter embarcado [para a Guiné] em 8/10/64, esse impresso não me foi distribuído, nem tive conhecimento que tivesse circulado no Batalhão Arilharia 733 (2).
Por me parecer oportuno transcrevo o juramento feito pelos guerrilheiros da Guiné diante dos seus companheiros de luta.
Este excerto, em letra maiúscula, faz parte de um livro que foi editado pela Imprensa do PAIGC.
O livro, datado de 13-II-964, em que era usado frequentemente o termo partisan, foi entregue por Nino Vieira a um dos seus homens, em Santambato, em 11 de Março de 1964.
JURAMENTO
"EU, FILHO DO MEU POVO, JURO LUTAR POR TODOS OS MEIOS PARA A LIBERTAÇÃO TOTAL E INCONDICIONAL DA MINHA PÁTRIA, DAR TODAS AS MINHAS FORÇAS E, SENDO NECESSÁRIO, A MINHA VIDA PARA QUE VIVA O POVO GUINEENSE LIVRE E FELIZ, NUNCA TRAIR A REVOLUÇÃO GUINEENSE, O SEU POVO E OS MEUS COMPANHEIROS DE LUTA, MESMO QUE SEJAM EMPREGADOS CONTRA MIM AS MAIORES VIOLÊNCIAS E TERRORES.
"CONSINTO QUE, EM CASO DE TRAIÇÃO, ME ATINJA A JUSTIÇA REVOLUCIONÁRIA".
João Parreira
ex-Furriel Miliciano Comando
(Brá, 1964/66)
________
(1) Vd post de Jorge Santos, de 1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: O Código de Conduta do Combatente da Guerra do Ultramar.
(2) Vd. post anterior > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
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