Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) (vd. a foto ampliada, na página Memória dos lugares > Mansambo)
© Humberto Reis (2006)
Luís:
Respondendo às tuas perguntas reafirmo o que consta na História da CART 2339:
Dias 25 e 26 de Março de 1968, Op Cabeça Rapada I. A 3 e 4 de Abril ocorreu a Op Espada Grande. De 5 a 8 de Abril, aperfeiçoamentos na desmatação iniciada na Op Cabeça Rapada I. A Op Cabeça Rapada II inicia-se a 9 de Abril, com duração de 3 dias. A Op Cabeça Rapada III inicia-se a 30 de Abril e prossegue a 1 e 2 de Maio de 1969.
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Mansambo > 1969 > A célebre árvore dos 17 passarinhos que servia de mira para os ataques do IN
© Carlos Marques dos Santos (2006)
Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular e que pessoalmente agradeço - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados.
A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita).
Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada.
A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. Faltam os obuses, um de cada lado, à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, e que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339. Ao fundo vê-se uma mancha, à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita, no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta.
A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 24 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P455: Um mês a feijão frade... e desenfiado (Carlos Marques Santos, Mondajane, Dulombi, Galomaro, 1969)
Texto do Carlos Marques dos Santos (ex-furriel miliciano da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69):
Dei conta, nas minhas notas pessoais de que entre 27 de Agosto e 27 de Setembro de 1969, estive com o meu pelotão em reforço de do sector de Galomaro/Dulombi, mais própriamente em Mondajane, sem no entanto haver qualquer nota na História da Companhia.
Talvez na História do BCAÇ 2852 haja referência a esse tempo esquecido, mas vivido por nós, 3.º Grupo de Combate da CART 2339 (1).
A 27 de Agosto foi recebida a notícia de que iríamos para Galomaro.
A 28 saímos e chegámos cerca do meio dia com indicação de que irímos para Mondajane [a seguir a Dulombi], o que não aconteceu nesse dia mas sim no dia seguinte.
No cruzamento para Dulombi rebenta uma mina na GMC que segue à minha frente (nós íamos apeados, fazendo a segurança à coluna que integrava uma nova Companhia em treino operacional e que era de madeiraenses) a cerca de 15/20 metros, destruindo a sua frente. Resultado: um morto (desintegrado) e um ferido (condutor) que faleceu ainda nesse dia.
Impossibilitados de prosseguir fomos para Dulombi com os reabastecimentos. Aí fomos informados que deveríamos seguir a pé para Mondajane, que atingimos e onde nos instalámos.
Aí, e enquanto aguardávamos uma coluna com as nossas coisas, sem resultado, aparece-nos um pelotão vindo de Dulombi, carregando parte das nossas coisas, a pé e à cabeça, informando ser necessário termos que ir a Dulombi carregar, a pé e à cabeça, o que aconteceu no dia seguinte.
Dia 1 de Setembro de 1969, fui a Dulombi com 17 carregadores e 2 secções de milícias mais 10 homens do meu pelotão, a pé e por trilhos, buscar coisas que eram absolutamente necessárias, numa zona desconhecida e densamente arborizada, o que aconteceria de 2 em 2 dias.
A população recusa-se a ajudar (a zona era perigosa) e só com a intervenção pela força (ameaçámos queimar a tabanca), isso é conseguido. Note-se que nestas circunstâncias - falta de géneros e outros bens - repartimos com as populações.
A 5 de Setembro, um nativo mata um portentoso javali e houve carne fresca confeccionada.
A 7, chega um grupo de carregadores de Galomaro, carregando ainda parte das nossas coisas que estavam em Dulombi. Nesse dia o pelotão que aí estava foi rendido.
A 9, nova caminhada para Dulombi para carregar géneros.
Entretanto a 13 um nosso soldado é evacuado por doença e a 15, à tarde, recebemos a visita dos capitães das Companhias 2405 [Galomaro] e 2446 [ ou 2406, Saltinho?].
Dia 19 novamente ida a Dulombi para reabastecimento. A pé e pela densa mata.
Dia 23, notícia de que iríamos ser rendidos no dia seguinte. Nada.
Dia 24, rendidos finalmente e saída para Bambadinca [pela estrada Bafatá-Banbadinca], com chegada a Mansambo a 27 de Setembro de 1969. Sem incidentes.
Em suma, um mês a feijão frade, sem banho e sem mudar de roupa.
Carlos Marques dos Santos
______
(1) Nota do CMS:
O alferes do Grupo de Combate da Companhia de Galomaro que nos apoiou é meu primo. Ainda bem. Para não variar, a 29, rebentamentos cerca das 07.00h e uma nossa coluna emboscada no sítio do costume. Um morto e um ferido das NT. Ainda faltavam cerca de 2 meses e meio para o regresso à Metrópole.
(2) Nota de LG:
Infelizmente a História do BCAÇ 2852 é omisso sobre este destacamento do Carlos Marques dos Santos e do seu Grupod e Combate. Oficial ou oficiosamente, o CMS andou um mês desenfiado, sem conhecimento das autoridades máximas do Sector L1 (Bambadina). De acordo com o registo que fica para a História, em Setembro de 1969, a CART 2339 limitava-se a ter um pelotão em Candamã (2 secções)e em Afiá (uma secção). Mas em Agosto, tinha apenas um pelotão em reforço ao COP-7 (Galomaro)...
A História da CCAÇ 12 confirma a existência, em Agosto, de tropas de Mansambo em Candamã e Afiá: vd post de 30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) ... Em resumo, havia muito mais vida, na Guiné do nosso tempo, do que nas secretarias das nossas companhias...
Posteriormente à inserção deste post de hoje, o Marques dos Santos enviou-me a seguinte mensagem: "Grato pela publicação desta nota. Isto demonstra as incongruências das 'várias histórias oficiais escritas'. Não será caso único.
Que os nossos companheiros de tertúlia descubram pequenos pormenores vividos, mas não descritos. Ainda hoje, no meu dia a dia, dou extrema importância a um bem ao alcance de uma torneira – a água".
Dei conta, nas minhas notas pessoais de que entre 27 de Agosto e 27 de Setembro de 1969, estive com o meu pelotão em reforço de do sector de Galomaro/Dulombi, mais própriamente em Mondajane, sem no entanto haver qualquer nota na História da Companhia.
Talvez na História do BCAÇ 2852 haja referência a esse tempo esquecido, mas vivido por nós, 3.º Grupo de Combate da CART 2339 (1).
A 27 de Agosto foi recebida a notícia de que iríamos para Galomaro.
A 28 saímos e chegámos cerca do meio dia com indicação de que irímos para Mondajane [a seguir a Dulombi], o que não aconteceu nesse dia mas sim no dia seguinte.
No cruzamento para Dulombi rebenta uma mina na GMC que segue à minha frente (nós íamos apeados, fazendo a segurança à coluna que integrava uma nova Companhia em treino operacional e que era de madeiraenses) a cerca de 15/20 metros, destruindo a sua frente. Resultado: um morto (desintegrado) e um ferido (condutor) que faleceu ainda nesse dia.
Impossibilitados de prosseguir fomos para Dulombi com os reabastecimentos. Aí fomos informados que deveríamos seguir a pé para Mondajane, que atingimos e onde nos instalámos.
Aí, e enquanto aguardávamos uma coluna com as nossas coisas, sem resultado, aparece-nos um pelotão vindo de Dulombi, carregando parte das nossas coisas, a pé e à cabeça, informando ser necessário termos que ir a Dulombi carregar, a pé e à cabeça, o que aconteceu no dia seguinte.
Dia 1 de Setembro de 1969, fui a Dulombi com 17 carregadores e 2 secções de milícias mais 10 homens do meu pelotão, a pé e por trilhos, buscar coisas que eram absolutamente necessárias, numa zona desconhecida e densamente arborizada, o que aconteceria de 2 em 2 dias.
A população recusa-se a ajudar (a zona era perigosa) e só com a intervenção pela força (ameaçámos queimar a tabanca), isso é conseguido. Note-se que nestas circunstâncias - falta de géneros e outros bens - repartimos com as populações.
A 5 de Setembro, um nativo mata um portentoso javali e houve carne fresca confeccionada.
A 7, chega um grupo de carregadores de Galomaro, carregando ainda parte das nossas coisas que estavam em Dulombi. Nesse dia o pelotão que aí estava foi rendido.
A 9, nova caminhada para Dulombi para carregar géneros.
Entretanto a 13 um nosso soldado é evacuado por doença e a 15, à tarde, recebemos a visita dos capitães das Companhias 2405 [Galomaro] e 2446 [ ou 2406, Saltinho?].
Dia 19 novamente ida a Dulombi para reabastecimento. A pé e pela densa mata.
Dia 23, notícia de que iríamos ser rendidos no dia seguinte. Nada.
Dia 24, rendidos finalmente e saída para Bambadinca [pela estrada Bafatá-Banbadinca], com chegada a Mansambo a 27 de Setembro de 1969. Sem incidentes.
Em suma, um mês a feijão frade, sem banho e sem mudar de roupa.
Carlos Marques dos Santos
______
(1) Nota do CMS:
O alferes do Grupo de Combate da Companhia de Galomaro que nos apoiou é meu primo. Ainda bem. Para não variar, a 29, rebentamentos cerca das 07.00h e uma nossa coluna emboscada no sítio do costume. Um morto e um ferido das NT. Ainda faltavam cerca de 2 meses e meio para o regresso à Metrópole.
(2) Nota de LG:
Infelizmente a História do BCAÇ 2852 é omisso sobre este destacamento do Carlos Marques dos Santos e do seu Grupod e Combate. Oficial ou oficiosamente, o CMS andou um mês desenfiado, sem conhecimento das autoridades máximas do Sector L1 (Bambadina). De acordo com o registo que fica para a História, em Setembro de 1969, a CART 2339 limitava-se a ter um pelotão em Candamã (2 secções)e em Afiá (uma secção). Mas em Agosto, tinha apenas um pelotão em reforço ao COP-7 (Galomaro)...
A História da CCAÇ 12 confirma a existência, em Agosto, de tropas de Mansambo em Candamã e Afiá: vd post de 30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) ... Em resumo, havia muito mais vida, na Guiné do nosso tempo, do que nas secretarias das nossas companhias...
Posteriormente à inserção deste post de hoje, o Marques dos Santos enviou-me a seguinte mensagem: "Grato pela publicação desta nota. Isto demonstra as incongruências das 'várias histórias oficiais escritas'. Não será caso único.
Que os nossos companheiros de tertúlia descubram pequenos pormenores vividos, mas não descritos. Ainda hoje, no meu dia a dia, dou extrema importância a um bem ao alcance de uma torneira – a água".
segunda-feira, 23 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P454: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra... (Jorge Cabral)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano, a saída (norte) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá. Ao fundo, o Rio Geba Estreito. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservadps
1. Texto do Jorge Cabral:
Caro Companheiro,
Estamos quase a almoçar juntos para pôr a conversa em dia. Envio outra estória e um poema. Temo que não sejam publicáveis, mas tu é que mandas, farás como entenderes melhor.
Um Grande Abraço de Até Sempre,
Jorge
2. Estórias cabralians > Numa mão a espingarda, na outra…
por Jorge Cabral
Penso que, já em 1971, apareceu no Batalhão [de Bambadinca], um Alferes de secretariado, corrido de Bissau, por via de uns dinheiros. Chegou acompanhado de uma dama, sobre a qual corriam os mais variados boatos. Dizia-se, calculem, que ela tinha sido uma prenda de aniversário ao Alferes, enviada pelo pai, milionário do Porto.
Nunca a vi, até porque, estando em vigor a cínica moral fascista, à rapariga, não sendo esposa legítima, foi logo vedada a frequência da messe [de oficiais], e até do próprio quartel, tendo sido relegada para a Tabanca, na qual ocupava uma apresentável morança, de larga vidraça sempre aberta, mesmo em frente a um dos postos de sentinela.
Tal posto transformou-se no preferido de toda a soldadesca que, quando em serviço, observava, acompanhando in solo, a actividade sexual do casal, cujas práticas inusitadas passaram a inspirar os eróticos sonhos, mesmo dos mais púdicos.
E tudo continuaria assim, com o óbvio benefício das repetidas descargas de tensão acumulada, não fosse em duas noites seguidas um soldado, quando de sentinela no referido posto, ter disparado, alertando toda a tropa para eminente ataque.
Que havia sucedido? Substituíra o militar a velha divisa camoniana “numa mão a espada, na outra a pena” por outra, mais prosaica, mas que ocupava também ambas as mãos, e quando acabava a função com a direita, não é que com a esquerda accionava o gatilho da G-3...
Jorge Cabral
3. Poema
Em Bissau
Estou bêbado estou sensato estou feliz
Vem dos sovacos um cheiro de Africana
Nas furnas da cerveja desfalece o Sargento
Apalpa o Alferes a puta berdiana
E o cabo vomita mãozinhas de vitela
Será que naufragou esta Caravela?
Que Pátria ainda mora aqui?
Bissau, Janeiro 70
Jorge Cabral
(ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71)
Guiné 63/74 - P453: O nosso fotógrafo em Canjadude (CCAÇ 5, 1973/74) (João Carvalho)
Guiné > Canjadude > 1973 > Restos de uma autometralhadora Daimler no itinerário entre Canjadude e o Rio Corubal (Cheche) ...
Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006)
Guiné > Canjadude > 1974 > O PAIGC toma posse do antigo aquartelamento da CCAÇ 5 e hasteia a bandeira da nova República da Guiné-Bissau.
Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006)
Guiné > Canjadude > 1974 > O furriel miliciano enfermeiro Carvalho, da CCAÇ 5, com um guerrilheiro do PAIGC, equipado a rigor e empunhando um kalash...
© João Carvalho (2006)
Guiné > Canjadude > 1974 > Posto de controlo do PAIGC, vendo-se um grupo de guerrilheiros aramados de kalash e de RPG-7.
Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006)
1. No final do ano passado (26 de Dezembro último) fui contactado por um antigo camarada da Guiné que esteve em Canjadude (actual região do Gabu), de 1973 a 1974, na CCAÇ 5 . Convidou-me a ir ver uma foto de Canjadude na Wikipédia, a enciclopédia livre da Net, de que ele é colaborador, com um entrada sobre a Guerra do Ultramar.
2. Acabei , mais tarde (10 de Janeiro de 2006), por apresentá-lo a outro camarada, mais velho, que também esteve em Canjadude, na mesma companhia, a CCAÇ 5, mas uns anos antes (em 1968/69).
Tratava-se do José Martins, ex- furriel miliciano de transmissões, membro da nossa tertúlia, um estudioso da guerra da Guiné de quem já publicámos o relato dramático do desastre de Cheche, na sequência da retirada de Madina do Boé (1)...
Profissionalmente, o Martins é técnico de contabiliddae, trabalhando numa multinacional. Tinha-me telefonado, uns dias antes, do MARL (Mercado Abastecedor da Rgeião de Lisboa), em Loures, e tinha-se mostrado interessado em aderir à nossa tertúlia
3. Mandei a seguir a seguinte mensagem ao João Carvalho:
Vi as tuas fotos na Wikipédia e fiquei cheio de inveja... Tu és o que se pode dizer o homem certo no lugar certo.. Tu estavas lá no momento exacto (em 1974, em Canjadude) ... O sexto sentido do fotojornalista ? ... Autorizas que a gente publique algumas das tuas fotos dessa época ? Ou melhor: não queres ser tu apresentá-las, com uma legenda mais detalhada, no nosso blogue (que pode e deve também ser teu, no caso de entenderes fazer parte da nossa tertúlia)?
A propósito, já temos gente para formar um bigrupo (50/60)... Fico a aguardar uma resposta. É claro que na nossa caserna cabe sempre mais um camarada... Um abraço do Luís Graça
4. Resposta do João Caravalho, com data de 11 de Janeiro de 2006:
Olá, Luis:
Espero que não haja problema de te tratar desta forma mais que informal. Em Canjadude, fui furriel enfermeiro e neste momento sou farmacêutico.
2006 > O João Carvalho, ex-furriel miliciano enfermeiro da CCAÇ 5 (1973/74) e hoje farmacêutico
© João Carvalho (2006)
Em relação às fotos na Wikipedia, parece-me que pela legislação existente são consideradas de domínio público, ou seja, podem ser copiadas e mostradas por quem quiser e onde quiser. Portanto sintam-se à vontade para colocar no blogue as que quiserem.
Claro que quem tiver fotos que mereçam ser colocadas na Wikipedia também podem fazê-lo à vontade. Se houver alguma dificuldade ou alguma dúvida é só dizer, que eu ajudo no que me for possível.
Tenho sempre pouco tempo disponível (trabalho, trabalho...) e por isso é que ainda não entrei no blogue, mas podem contar comigo brevemente.
Este fim de semana estive a digitalizar mais 50 slides da Guiné e ainda me falta digitalizar mais algumas coisas. Tenciono colocar na Wikipedia ainda mais algumas fotos, quando conseguir arranjar tempo para isso.
(...) Permitem-me que retire informação do blogue, para a Wikipedia como por exemplo os efectivos do PAIGC ?
Até muito breve
Um abraço
João Carvalho
5. Nova mensagem do João Carvalho, aderindo à nossa tertúlia:
Como solicitado, segue em anexo uma fotografia minha tirada em 1974 na Guiné, acompanhado por um elemento do PAIGC. Será que esta foto serve como foto antiga ? Foto mais recente tenho que ir à procura. Envio logo que possível.
(...) Já acrescentei uma ligação externa (link) na Wikipedia para a página Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (1963-1974) (em português).
(1) Vd post de José Martins, de 24 de Outubro de 2005 > Guiné 63/64 - CCLVII: A contabilidade dos mortos na operação de retirada de Madina do Boé
Vd. também post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé
(2) A Wikipedia é um projecto de enciclopédia livre, a maior enciclopédia que está à disposição, sem encargos nem senhas de acesso, na Internet. Começada em 2001, a Wikipedia tem já, na sua versão inglesa, quase um milhão de artigos que são actualizados regularmente. Qualquer indivíduo pode editar esta enciclopédia, mandando artigos e documentos... É o caso do nosso camarada João Carvalho.
Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006)
Guiné > Canjadude > 1974 > O PAIGC toma posse do antigo aquartelamento da CCAÇ 5 e hasteia a bandeira da nova República da Guiné-Bissau.
Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006)
Guiné > Canjadude > 1974 > O furriel miliciano enfermeiro Carvalho, da CCAÇ 5, com um guerrilheiro do PAIGC, equipado a rigor e empunhando um kalash...
© João Carvalho (2006)
Guiné > Canjadude > 1974 > Posto de controlo do PAIGC, vendo-se um grupo de guerrilheiros aramados de kalash e de RPG-7.
Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006)
1. No final do ano passado (26 de Dezembro último) fui contactado por um antigo camarada da Guiné que esteve em Canjadude (actual região do Gabu), de 1973 a 1974, na CCAÇ 5 . Convidou-me a ir ver uma foto de Canjadude na Wikipédia, a enciclopédia livre da Net, de que ele é colaborador, com um entrada sobre a Guerra do Ultramar.
2. Acabei , mais tarde (10 de Janeiro de 2006), por apresentá-lo a outro camarada, mais velho, que também esteve em Canjadude, na mesma companhia, a CCAÇ 5, mas uns anos antes (em 1968/69).
Tratava-se do José Martins, ex- furriel miliciano de transmissões, membro da nossa tertúlia, um estudioso da guerra da Guiné de quem já publicámos o relato dramático do desastre de Cheche, na sequência da retirada de Madina do Boé (1)...
Profissionalmente, o Martins é técnico de contabiliddae, trabalhando numa multinacional. Tinha-me telefonado, uns dias antes, do MARL (Mercado Abastecedor da Rgeião de Lisboa), em Loures, e tinha-se mostrado interessado em aderir à nossa tertúlia
3. Mandei a seguir a seguinte mensagem ao João Carvalho:
Vi as tuas fotos na Wikipédia e fiquei cheio de inveja... Tu és o que se pode dizer o homem certo no lugar certo.. Tu estavas lá no momento exacto (em 1974, em Canjadude) ... O sexto sentido do fotojornalista ? ... Autorizas que a gente publique algumas das tuas fotos dessa época ? Ou melhor: não queres ser tu apresentá-las, com uma legenda mais detalhada, no nosso blogue (que pode e deve também ser teu, no caso de entenderes fazer parte da nossa tertúlia)?
A propósito, já temos gente para formar um bigrupo (50/60)... Fico a aguardar uma resposta. É claro que na nossa caserna cabe sempre mais um camarada... Um abraço do Luís Graça
4. Resposta do João Caravalho, com data de 11 de Janeiro de 2006:
Olá, Luis:
Espero que não haja problema de te tratar desta forma mais que informal. Em Canjadude, fui furriel enfermeiro e neste momento sou farmacêutico.
2006 > O João Carvalho, ex-furriel miliciano enfermeiro da CCAÇ 5 (1973/74) e hoje farmacêutico
© João Carvalho (2006)
Em relação às fotos na Wikipedia, parece-me que pela legislação existente são consideradas de domínio público, ou seja, podem ser copiadas e mostradas por quem quiser e onde quiser. Portanto sintam-se à vontade para colocar no blogue as que quiserem.
Claro que quem tiver fotos que mereçam ser colocadas na Wikipedia também podem fazê-lo à vontade. Se houver alguma dificuldade ou alguma dúvida é só dizer, que eu ajudo no que me for possível.
Tenho sempre pouco tempo disponível (trabalho, trabalho...) e por isso é que ainda não entrei no blogue, mas podem contar comigo brevemente.
Este fim de semana estive a digitalizar mais 50 slides da Guiné e ainda me falta digitalizar mais algumas coisas. Tenciono colocar na Wikipedia ainda mais algumas fotos, quando conseguir arranjar tempo para isso.
(...) Permitem-me que retire informação do blogue, para a Wikipedia como por exemplo os efectivos do PAIGC ?
Até muito breve
Um abraço
João Carvalho
5. Nova mensagem do João Carvalho, aderindo à nossa tertúlia:
Como solicitado, segue em anexo uma fotografia minha tirada em 1974 na Guiné, acompanhado por um elemento do PAIGC. Será que esta foto serve como foto antiga ? Foto mais recente tenho que ir à procura. Envio logo que possível.
(...) Já acrescentei uma ligação externa (link) na Wikipedia para a página Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (1963-1974) (em português).
Está na Wikipedia > Guerra Colonial Portuguesa (2).
_____
Notas de L.G.:
(1) Vd post de José Martins, de 24 de Outubro de 2005 > Guiné 63/64 - CCLVII: A contabilidade dos mortos na operação de retirada de Madina do Boé
Vd. também post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé
(2) A Wikipedia é um projecto de enciclopédia livre, a maior enciclopédia que está à disposição, sem encargos nem senhas de acesso, na Internet. Começada em 2001, a Wikipedia tem já, na sua versão inglesa, quase um milhão de artigos que são actualizados regularmente. Qualquer indivíduo pode editar esta enciclopédia, mandando artigos e documentos... É o caso do nosso camarada João Carvalho.
Guiné 63/74 - P452: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (4): os azares dos sargentos
Guiné > Guileje > 1967 > Pessoal da CART 1613 em confraternização com a população local. No período, de um ano, em que estiveram em Guilege houve duas baixas mortais entre os civis: (i) uma criança, atingida pelos estilhaços duma granada; e (ii) um adulto, por sinal irmão do régulo, muito provavelmente abatido pelas NT.
© José Neto (2005)
IV parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado) (1).
O abrigo subterrâneo que nós, os sargentos, mais utilizávamos situava-se a meia dúzia de passos do coberto da messe, dado que parecia que os turras esperavam que acabássemos de jantar para abrir fogo [vd. planta do quartel de Guileje, 1966].
O acesso ao amplo salão enterrado era feito através dum pequeno poço para onde saltavam os que não tinham posto de combate definido e dali para o dito salão. A abertura era estreita e, se havia muita afluência, tornava-se necessário esperar vez para entrar, o que não deixava de provocar alguma confusão. Foi numa dessas confusões que levei com um furriel em cima do meu pé esquerdo. Andei mais de um mês com a perna engessada.
Doutra vez, nós ouvimos a orquestra a fazer o seu barulho para os lados do Mejo [a noroeste de Guileje] e as nossas transmissões entraram em acção a fazer as perguntas habituais à companhia de lá. Ao mesmo tempo eles faziam o mesmo para nós.
No reconhecimento veio a verificar-se que o ataque foi para despachar e chefe ouvir, porque os impactos eram bem visíveis num descampado a meio caminho entre as duas localidades. Não havia possibilidades de engano porque os quartéis estavam toda a noite iluminados.
Um dos ataques deu-se quando já lá se encontrava a CCAÇ 2317 que, em princípio, nos ia substituir. Nós, como é natural, transmitimos aos novatos a experiência acumulada de como safar o pêlo quando havia festivais. Só que o manual não previa a situação caricata que se passou.
Desencadeou-se a saraivada de morteiros e quando já todos estávamos recolhidos no abrigo ouvimos alguém gritar:
-Acudam-me!!! Salvem-me!!!.
Um furriel que estava mais perto da entrada do abrigo conseguiu entabular conversa com o aflito e disse-nos que era o 1º sargento da companhia nova [CCAÇ 2317]que foi apanhado na retrete quando o ataque começou e que não conseguia sair de lá.
Convém esclarecer que a latrina era daquelas em que o utilizador se põe de cócoras e defeca a poucos centímetros dos calcanhares. Para o sossegar dissemos-lhe que o cubículo estava protegido por um tecto de cibos e paredes fortes e que portanto não tivesse receio.
O homem lá se aquietou, mas no nosso espírito subsistia a dúvida de qual seria o motivo que o impedia de dar uma pequena corrida e saltar para junto de nós. Quando a coisa acabou e as luzes se reacenderam fomos encontrar o 1º Sargento Martins preso por um pé no sifão da latrina.
Ao primeiro estrondo ergueu-se e, com a atrapalhação, escorregou no serviço que estava a fazer e calçou a cagadeira. Não pudemos conter as gargalhadas, pois o senhor continuava a tentar tirar o pé e não conseguia.
Com calma, acabou por ser fácil. Bastou flectir a perna, ajoelhar-se e o calcanhar escorregou no bem lubrificado tubo do sifão.
Um dos efeitos mais aborrecidos das flagelações, a partir da altura em que eles tinham a pontaria mais afinada, era a destruição do forno da padaria. Ficávamos a pão duro, ou sem ele, uns três ou quatro dias até que se reconstruísse. Nunca foi atingido directamente, mas qualquer granada que rebentasse nas redondezas provocava o efeito de sopro suficiente para mandar com a frágil abóbada abaixo.
Durante uma das reconstruções eu estava por ali a dar os meus palpites quando o Soldado Fernandes se aproximou e me disse:
-Estes gajos não percebem nada disto.
-Então percebe você?
-Eu já da primeira vez disse que punha isso em pé e só se lhe acertassem em cima é que desabava, mas eles é que acham que são os mestres -, respondeu o Fernandes, cujos registos indicavam a profissão de estucador.
-Ora bem, então você vai dizer o que entende que se deve fazer -, ripostei.
-Assim não. O meu sargento manda-os sair daqui, eu escolho um servente e enquanto eu estiver a trabalhar, esses (os pedreiros) não põem aqui o cu. Já tentei ensiná-los, mas correram comigo. Agora também não quero que eles aprendam a técnica, está bem?
-Vamos a isso. - Concordei.
Isto foi por volta das oito da manhã e à hora do almoço estava o forno erguido. O Fernandes pediu para que lhe levassem lá a refeição, pois queria guardar a obra dos olhares dos espiões, dado que só da parte da tarde é que rebocava com barro o exterior da cúpula.
Antes do jantar a lenha já ardia dentro do novo forno e nunca mais desabou… Segredos do ofício.
Para concluir a descrição desta faceta da luta, as flagelações, resta-me acrescentar que durante o ano que estivemos em Guilege tivemos duas baixas mortais: uma criança, atingida pelos estilhaços duma granada; e um adulto, irmão do Régulo que, possivelmente, foi atingido pelo nosso fogo.
Na investigação que foi feita, em que tomou parte o próprio irmão, conclui-se que ele, a vítima, devia estar no espigueiro, fora do perímetro fortificado, quando estalou o ataque e, ao querer saltar o talude, foi baleado por um dos elementos da Autometralhadora Fox que guarnecia aquele flanco.
Entre o pessoal militar e militarizado (os milícias) fui eu o mais castigado pelas flagelações, pois, como já referi, andei uns tempos com a perna engessada.
(Continua)
_______
Nota de L.G.
(1) Vd posts anteriores do Zé Neto, respeitantes às suas Memórias de Guileje:
21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas
13 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (2): Ordem de marcha
10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (1): Prelúdio(s)
© José Neto (2005)
IV parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado) (1).
O abrigo subterrâneo que nós, os sargentos, mais utilizávamos situava-se a meia dúzia de passos do coberto da messe, dado que parecia que os turras esperavam que acabássemos de jantar para abrir fogo [vd. planta do quartel de Guileje, 1966].
O acesso ao amplo salão enterrado era feito através dum pequeno poço para onde saltavam os que não tinham posto de combate definido e dali para o dito salão. A abertura era estreita e, se havia muita afluência, tornava-se necessário esperar vez para entrar, o que não deixava de provocar alguma confusão. Foi numa dessas confusões que levei com um furriel em cima do meu pé esquerdo. Andei mais de um mês com a perna engessada.
Doutra vez, nós ouvimos a orquestra a fazer o seu barulho para os lados do Mejo [a noroeste de Guileje] e as nossas transmissões entraram em acção a fazer as perguntas habituais à companhia de lá. Ao mesmo tempo eles faziam o mesmo para nós.
No reconhecimento veio a verificar-se que o ataque foi para despachar e chefe ouvir, porque os impactos eram bem visíveis num descampado a meio caminho entre as duas localidades. Não havia possibilidades de engano porque os quartéis estavam toda a noite iluminados.
Um dos ataques deu-se quando já lá se encontrava a CCAÇ 2317 que, em princípio, nos ia substituir. Nós, como é natural, transmitimos aos novatos a experiência acumulada de como safar o pêlo quando havia festivais. Só que o manual não previa a situação caricata que se passou.
Desencadeou-se a saraivada de morteiros e quando já todos estávamos recolhidos no abrigo ouvimos alguém gritar:
-Acudam-me!!! Salvem-me!!!.
Um furriel que estava mais perto da entrada do abrigo conseguiu entabular conversa com o aflito e disse-nos que era o 1º sargento da companhia nova [CCAÇ 2317]que foi apanhado na retrete quando o ataque começou e que não conseguia sair de lá.
Convém esclarecer que a latrina era daquelas em que o utilizador se põe de cócoras e defeca a poucos centímetros dos calcanhares. Para o sossegar dissemos-lhe que o cubículo estava protegido por um tecto de cibos e paredes fortes e que portanto não tivesse receio.
O homem lá se aquietou, mas no nosso espírito subsistia a dúvida de qual seria o motivo que o impedia de dar uma pequena corrida e saltar para junto de nós. Quando a coisa acabou e as luzes se reacenderam fomos encontrar o 1º Sargento Martins preso por um pé no sifão da latrina.
Ao primeiro estrondo ergueu-se e, com a atrapalhação, escorregou no serviço que estava a fazer e calçou a cagadeira. Não pudemos conter as gargalhadas, pois o senhor continuava a tentar tirar o pé e não conseguia.
Com calma, acabou por ser fácil. Bastou flectir a perna, ajoelhar-se e o calcanhar escorregou no bem lubrificado tubo do sifão.
Um dos efeitos mais aborrecidos das flagelações, a partir da altura em que eles tinham a pontaria mais afinada, era a destruição do forno da padaria. Ficávamos a pão duro, ou sem ele, uns três ou quatro dias até que se reconstruísse. Nunca foi atingido directamente, mas qualquer granada que rebentasse nas redondezas provocava o efeito de sopro suficiente para mandar com a frágil abóbada abaixo.
Durante uma das reconstruções eu estava por ali a dar os meus palpites quando o Soldado Fernandes se aproximou e me disse:
-Estes gajos não percebem nada disto.
-Então percebe você?
-Eu já da primeira vez disse que punha isso em pé e só se lhe acertassem em cima é que desabava, mas eles é que acham que são os mestres -, respondeu o Fernandes, cujos registos indicavam a profissão de estucador.
-Ora bem, então você vai dizer o que entende que se deve fazer -, ripostei.
-Assim não. O meu sargento manda-os sair daqui, eu escolho um servente e enquanto eu estiver a trabalhar, esses (os pedreiros) não põem aqui o cu. Já tentei ensiná-los, mas correram comigo. Agora também não quero que eles aprendam a técnica, está bem?
-Vamos a isso. - Concordei.
Isto foi por volta das oito da manhã e à hora do almoço estava o forno erguido. O Fernandes pediu para que lhe levassem lá a refeição, pois queria guardar a obra dos olhares dos espiões, dado que só da parte da tarde é que rebocava com barro o exterior da cúpula.
Antes do jantar a lenha já ardia dentro do novo forno e nunca mais desabou… Segredos do ofício.
Para concluir a descrição desta faceta da luta, as flagelações, resta-me acrescentar que durante o ano que estivemos em Guilege tivemos duas baixas mortais: uma criança, atingida pelos estilhaços duma granada; e um adulto, irmão do Régulo que, possivelmente, foi atingido pelo nosso fogo.
Na investigação que foi feita, em que tomou parte o próprio irmão, conclui-se que ele, a vítima, devia estar no espigueiro, fora do perímetro fortificado, quando estalou o ataque e, ao querer saltar o talude, foi baleado por um dos elementos da Autometralhadora Fox que guarnecia aquele flanco.
Entre o pessoal militar e militarizado (os milícias) fui eu o mais castigado pelas flagelações, pois, como já referi, andei uns tempos com a perna engessada.
(Continua)
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Nota de L.G.
(1) Vd posts anteriores do Zé Neto, respeitantes às suas Memórias de Guileje:
21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas
13 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (2): Ordem de marcha
10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (1): Prelúdio(s)
domingo, 22 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P451: Panghiau, iá´me pétchau ? ("amigo, vai uma cerveja ?", na patuá de Macau (Do Zé Neto para o Mário Dias)
Guiné > Guileje > O sargento José Neto (CART 1613, 1967/68)
© José Neto (2006)
Luis:
Cheguei há pouco de Leiria, onde recolhi as fotos digitalizadas a partir dos meus slides. Já tenho uma cópia do CD para te enviar pelo correio, como prometi. E lá encontrei a "carranca do Zé Neto" quando estava em Guileje que agora te envio para o ficheiro.
Permite que mande um aparte para o Mário Dias:
Meu valente, gostei de saber que partilhas comigo a "grata" memória de Macau. Tenho muitas crónicas sobre a minha vivência lá (1951/61), publicadas na página 3 (a minha página) do Boletim da Casa de Macau, de que sou sócio.
Misturaste o crioulo (em Macau é muito semelhante e chama-se patuá) com o cantonense e os nossos companheiros do blogue não entenderam o teu convite. Para conhecimento geral informo que iá'me petchau ? é um convite para "beber uma cerveja" e panguiau é uma aproximação fonética do termo cantonense que designa "amigo", maneira como tratávamos e éramos tratados pelos chineses. Mas isso são outras histórias.
Um abraço.
Outro para ti, Luis e até breve.
Zé Neto
© José Neto (2006)
Luis:
Cheguei há pouco de Leiria, onde recolhi as fotos digitalizadas a partir dos meus slides. Já tenho uma cópia do CD para te enviar pelo correio, como prometi. E lá encontrei a "carranca do Zé Neto" quando estava em Guileje que agora te envio para o ficheiro.
Permite que mande um aparte para o Mário Dias:
Meu valente, gostei de saber que partilhas comigo a "grata" memória de Macau. Tenho muitas crónicas sobre a minha vivência lá (1951/61), publicadas na página 3 (a minha página) do Boletim da Casa de Macau, de que sou sócio.
Misturaste o crioulo (em Macau é muito semelhante e chama-se patuá) com o cantonense e os nossos companheiros do blogue não entenderam o teu convite. Para conhecimento geral informo que iá'me petchau ? é um convite para "beber uma cerveja" e panguiau é uma aproximação fonética do termo cantonense que designa "amigo", maneira como tratávamos e éramos tratados pelos chineses. Mas isso são outras histórias.
Um abraço.
Outro para ti, Luis e até breve.
Zé Neto
Guiné 63/74 - P450: Quando até os picadores tinham medo (Mansambo, 1968) (Luís Graça)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 >
Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste. Do lado esquerdo, para oeste, era a pista de aviação e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste).
De acordo com a fotografia, em frente, pode ver-se o conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão e as instalações de oficiais e sargentos.
Do lado direito, ao fundo, a menos de um quilómetro corria o Rio Geba, o chamado Geba Estreito, entre o Xime e Bafatá. O aquartelamento de Bamdainca situava-se numa pequena elevação de terreno, sobranceira a uma extensa bolanha (a leste). São visíveis as valas de protecção, abertas ao longo do perímetro do aquartelamento.
Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
© Humberto Reis (2006)
Texto de L.G.:
A Op Hálito (11 de Novembro de 1968) foi outra das operações dramáticas que aconteceram no Sector L1, no tempo do Carlos Marques dos Santos, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69).
Foi a última coluna logística de Bambadinca para o Xitole, entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969. A partir daí a estrada, no troço Mansambo-Xitole, ficou interdita. As NT sofreram duas emboscadas, tendo que recorrer a apoio aéreo para poder prosseguir. Os picadores foram obrigados, sob a força das armas, a continuar a picar o itinerário: "Cerca das 16.00h foi feita uma distribuição de munições e obrigaram-se coercivamente os picadores a continuarem a picagem"... Destas duas emboscadas resultaram 1 morto, 1 desaparecido e 12 feridos, além de danos materiais em viaturas e armas.
Eis um extracto da História do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70), Cap II, páginas 8-12.
Op Hálito:
Iniciada em 11 de Novembro de 1968, às 5.00h, com a duração de 2 dias, para coluna de reabastecimento Bambadinca-Xitole. Tomaram parte na Operação as seguintes forças:
Cmd – Cmdt BCAÇ 2852 (Tenente-coronel Pimentel Bastos)
Dest A – CART 2339 [Mansambo], a 3 Gr Comb; CART 1746 [Xime], a 2 Gr Comb:
Dest B – CART 2413 [Xitole], a 2 Gr Comb; Pel Caç Nat 53 [Bambadinca]; 1 Gr Comb Ref Cmd Agr 1980; Esq Pel AM Daimler 2046 [Bambadinca]; 1 Esq Pel Mort 1192 [Bambadinca]; 1 Secção de Milícia do Pel Mil nº 103 [Moricanhe].
Destacamento A
A coluna 1 do Dest A chegou a Mansambo às 18.00h do dia 10 de Novembro de 1968. A coluna 3 do Dest A saiu de Mansambo às 5.00h do dia 11 em direcção ao objectivo, picando a estrada e fazendo marcha apeada todo o pessoal.
Às 7.30h um dos grupos de combate da CART 2339 ficou emboscado no trilho dos turras (XIME 7B5).
Às 8.00h iniciou a desobstrução do itinerário retirando as abatizes situadas aproximadamente a 3Kms da Ponte dos Fulas.
Às 9.00h a coluna atingiu o objectivo montando a segurança para a cambança, ficando a aguardar a chegada da coluna 2.
Foi explorado um trilho, com vestígios da passagem frequentes e recorrentes (?) que atravessa a estrada e se situa na orla da mata que fica perto da Ponte dos Fulas.
Às 9.15h todo o dispositivo de segurança e preparativos para a cambança [do Rio Pulom] estavam montados.
A coluna nº 2 saiu de Bambadinca às 4.30h. Depois de picar a estrada até Mansambo, seguiu para o objectivo onde chegou às 9.30h.
Destacamento B
Entretanto comunicou da margem oposta [do Rio Pulom] que deviam aguardar até serem rebentadas algumas minas encontradas nos seus acessos.
A cambanca foi iniciada às 10.30h, tendo sido utilizados 4 barcos de borracha e uma jangada, estando a cambança terminada às 13.30h. Os rádios CHP-1 e THC - 736 deixaram de funcionar.
Às 14.00h a coluna iniciou a retirada, tendo a cerca de 2 Kms da Ponte dos Fulas (XIME 7C-2) sido emboscada do lado Oeste por grupo IN estimado em 40/50 elementos. Esta emboscada foi iniciada pelo accionamemto de uma mina A/C comandada e simultaneamente pelo lançamento de granadas de Mort e LGFog, tendo dois destes últimos atingido duas viaturas GMC, uma das quais ficando imobilizada.
A emboscada foi feita no princípio do regresso da coluna tendo a ela ficado sujeitos o Pel Caç Nat 53 e 2 Gr Comb da CART 2339, durante cerca da 30 minutos, tendo as NT reagido pelo fogo e manobra.
Tratados os feridos, apagado um foco de incêndio manifestado numa das viaturas atingidas, atrelada a que ficara imobilizada, [foi depois] procurado na ausência do PCV contacto com qualquer um dos postos fixos de Bambadinca, Mansambo e Xitole, [tendo-se] conseguido a ligação com este último, por onde foi feito o pedido de apoio de fogo da aviação de Bambadinca – Agrupamento.
Iniciada a marcha com todo o pessoal apeado, pouco tempo depois nova emboscada IN do mesmo lado da estrada e com os mesmos efectivos e armamento (Mort 60, Met Lig e Armas Aut).
Quando decorria a segunda emboscada, apareceram no local dois bombardeiros T-6 que acompanharam a progressão da coluna até ao pontão do Rio Jagarajá (XIME 7A7), foi estabelecido contacto com o PCV.
Cerca das 16.00h foi feita uma distribuição de munições e obrigaram-se coercivamente (sic) os picadores a continuarem a picagem. Prosseguiu-se a marcha recolhendo o Gr de Comb, que estava emboscada no trilho dos turras.
A coluna chegou a Mansambo cerca das 19.00h, tendo às 19.30h seguido para Bambadinca com todos os feridos.
Por falta de ligação meios-rádio não foi utilizado no patrulhamento da estrada o Pelotão do Comando do Agrupamento, o que motivou um esforço maior para as forças apeadas (1).
____________
Nota de L.G.:
(1) As NT sofreram 1 morto (soldado milícia do Pel Mil nº 103, Mamadu Silá, morto em combate; 1 desaparecido em combate (Sold Mil do Pel Mil nº 103, Togane Embaló; 12 feridos, sendo 5 da CART 2339, 4 do Pel CAÇ Nat 53, 2 da CCS do BCAÇ 2852 e 1 do Pel Mil nº 103).
Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste. Do lado esquerdo, para oeste, era a pista de aviação e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste).
De acordo com a fotografia, em frente, pode ver-se o conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão e as instalações de oficiais e sargentos.
Do lado direito, ao fundo, a menos de um quilómetro corria o Rio Geba, o chamado Geba Estreito, entre o Xime e Bafatá. O aquartelamento de Bamdainca situava-se numa pequena elevação de terreno, sobranceira a uma extensa bolanha (a leste). São visíveis as valas de protecção, abertas ao longo do perímetro do aquartelamento.
Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
© Humberto Reis (2006)
Texto de L.G.:
A Op Hálito (11 de Novembro de 1968) foi outra das operações dramáticas que aconteceram no Sector L1, no tempo do Carlos Marques dos Santos, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69).
Foi a última coluna logística de Bambadinca para o Xitole, entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969. A partir daí a estrada, no troço Mansambo-Xitole, ficou interdita. As NT sofreram duas emboscadas, tendo que recorrer a apoio aéreo para poder prosseguir. Os picadores foram obrigados, sob a força das armas, a continuar a picar o itinerário: "Cerca das 16.00h foi feita uma distribuição de munições e obrigaram-se coercivamente os picadores a continuarem a picagem"... Destas duas emboscadas resultaram 1 morto, 1 desaparecido e 12 feridos, além de danos materiais em viaturas e armas.
Eis um extracto da História do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70), Cap II, páginas 8-12.
Op Hálito:
Iniciada em 11 de Novembro de 1968, às 5.00h, com a duração de 2 dias, para coluna de reabastecimento Bambadinca-Xitole. Tomaram parte na Operação as seguintes forças:
Cmd – Cmdt BCAÇ 2852 (Tenente-coronel Pimentel Bastos)
Dest A – CART 2339 [Mansambo], a 3 Gr Comb; CART 1746 [Xime], a 2 Gr Comb:
Dest B – CART 2413 [Xitole], a 2 Gr Comb; Pel Caç Nat 53 [Bambadinca]; 1 Gr Comb Ref Cmd Agr 1980; Esq Pel AM Daimler 2046 [Bambadinca]; 1 Esq Pel Mort 1192 [Bambadinca]; 1 Secção de Milícia do Pel Mil nº 103 [Moricanhe].
Destacamento A
A coluna 1 do Dest A chegou a Mansambo às 18.00h do dia 10 de Novembro de 1968. A coluna 3 do Dest A saiu de Mansambo às 5.00h do dia 11 em direcção ao objectivo, picando a estrada e fazendo marcha apeada todo o pessoal.
Às 7.30h um dos grupos de combate da CART 2339 ficou emboscado no trilho dos turras (XIME 7B5).
Às 8.00h iniciou a desobstrução do itinerário retirando as abatizes situadas aproximadamente a 3Kms da Ponte dos Fulas.
Às 9.00h a coluna atingiu o objectivo montando a segurança para a cambança, ficando a aguardar a chegada da coluna 2.
Foi explorado um trilho, com vestígios da passagem frequentes e recorrentes (?) que atravessa a estrada e se situa na orla da mata que fica perto da Ponte dos Fulas.
Às 9.15h todo o dispositivo de segurança e preparativos para a cambança [do Rio Pulom] estavam montados.
A coluna nº 2 saiu de Bambadinca às 4.30h. Depois de picar a estrada até Mansambo, seguiu para o objectivo onde chegou às 9.30h.
Destacamento B
Entretanto comunicou da margem oposta [do Rio Pulom] que deviam aguardar até serem rebentadas algumas minas encontradas nos seus acessos.
A cambanca foi iniciada às 10.30h, tendo sido utilizados 4 barcos de borracha e uma jangada, estando a cambança terminada às 13.30h. Os rádios CHP-1 e THC - 736 deixaram de funcionar.
Às 14.00h a coluna iniciou a retirada, tendo a cerca de 2 Kms da Ponte dos Fulas (XIME 7C-2) sido emboscada do lado Oeste por grupo IN estimado em 40/50 elementos. Esta emboscada foi iniciada pelo accionamemto de uma mina A/C comandada e simultaneamente pelo lançamento de granadas de Mort e LGFog, tendo dois destes últimos atingido duas viaturas GMC, uma das quais ficando imobilizada.
A emboscada foi feita no princípio do regresso da coluna tendo a ela ficado sujeitos o Pel Caç Nat 53 e 2 Gr Comb da CART 2339, durante cerca da 30 minutos, tendo as NT reagido pelo fogo e manobra.
Tratados os feridos, apagado um foco de incêndio manifestado numa das viaturas atingidas, atrelada a que ficara imobilizada, [foi depois] procurado na ausência do PCV contacto com qualquer um dos postos fixos de Bambadinca, Mansambo e Xitole, [tendo-se] conseguido a ligação com este último, por onde foi feito o pedido de apoio de fogo da aviação de Bambadinca – Agrupamento.
Iniciada a marcha com todo o pessoal apeado, pouco tempo depois nova emboscada IN do mesmo lado da estrada e com os mesmos efectivos e armamento (Mort 60, Met Lig e Armas Aut).
Quando decorria a segunda emboscada, apareceram no local dois bombardeiros T-6 que acompanharam a progressão da coluna até ao pontão do Rio Jagarajá (XIME 7A7), foi estabelecido contacto com o PCV.
Cerca das 16.00h foi feita uma distribuição de munições e obrigaram-se coercivamente (sic) os picadores a continuarem a picagem. Prosseguiu-se a marcha recolhendo o Gr de Comb, que estava emboscada no trilho dos turras.
A coluna chegou a Mansambo cerca das 19.00h, tendo às 19.30h seguido para Bambadinca com todos os feridos.
Por falta de ligação meios-rádio não foi utilizado no patrulhamento da estrada o Pelotão do Comando do Agrupamento, o que motivou um esforço maior para as forças apeadas (1).
____________
Nota de L.G.:
(1) As NT sofreram 1 morto (soldado milícia do Pel Mil nº 103, Mamadu Silá, morto em combate; 1 desaparecido em combate (Sold Mil do Pel Mil nº 103, Togane Embaló; 12 feridos, sendo 5 da CART 2339, 4 do Pel CAÇ Nat 53, 2 da CCS do BCAÇ 2852 e 1 do Pel Mil nº 103).
Guiné 63/74 - P449: Mais de 7 mil nativos em trabalhos de desmatação (Mansambo, 1969) (Luís Graça)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento. Ao fundo a estrada Bambadinca-Xitole. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
© Humberto Reis (2006)
Na sequência do texto do Carlos Marques dos Santos, publicado anteriormente, fui consultar a história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/69). Aí pode ler-se:
(i) a Op Cabeça Rapada I, iniciada em 26 de Março de 1969, com a duração de dois dias, destinou-se a "montar segurança aos trabalhos de desmatação numa área de 200 metros para cada lado do troço do itinerário Bambadinca-Mansambo, compreendido entre Samba Juli e Mansambo. Tomaram parte na desmatação mais de 7 mil nativos" (sic) (Cap. II, pag. 72).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Mansambo-Xitole > 1970 > Coluna logística de Bambadinca ao Xitole, com a participação da CCAÇ 12. Alguns meses depois da grande desmatação das orlas da estrada, feitas por ocasião das Op Cabeça Rapada, o matagal continuava medonho, engolino a picada... Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
© Humberto Reis (2006)
Comentário meu: é um número impressionante de trabalhadores que, presumo, deveriam ser de etnia fula, naturais dos regulados de Badora (e eventualmente do Corubal). Desconheço se foram recrutados voluntariamente e devidamente pagos... A tradição da administração colonial, antes de Spínola, era a do trabalho forçado, puro e duro...
Recorde-se que, segundo a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/69), "a população de um modo geral é-nos favorável [no sector L1], sendo de destacar o regulado de Badora que tem como Chefe/Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus (sic). Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido no meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população [balantas, beafadas e mandingas...] fortes dúvidas se tem especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (Cap. II, pag. 1).
Conheci o tenente de 2ª classe, régulo e chefe máximo das milícias de Badora, Mamadu, de quem se dizia ter cinquenta mulheres, uma em cada tabanca, e uma numerosa prole. Alguns dos seus filhos, dizia-se, eram meus/nossos soldados, da CCAÇ 12. Pessoalmente, nunca simpatisei com a personagem, que era um exemplo típico - segundo o meu ponto de vista da época - do colaboraccionismo dos velhos senhores feudais, fulas, com a potência colonial, vencedora, e que eu vi passar muitas vezes, em Bambadinca e nas tabancas em autodefesa de Badora, fardado, de camuflado, ou com a sua impecável túnica branca de homem grande, na motorizada japonesa de 50 centímetros cúbicos provavelmente oferecida pelo Govenador-Geral e Com-Chefe.
O apontamento do escriba castrense da BCCAÇ 2852 é manifestamente exagerado: acho que o Tenente Mamadu era respeitado e sobretudo temido pelos seus súbditos, mas é manifestamente grosseiro, etnocênctrico e até ofensivo dizer que a população, islamizada, o "considerava como um Deus"...
(ii) a Op Cabeça Rapada II, com início a 9 de Abril, às 00.00h, destinou-se a grantir a segurança e apoio logístico dos trabalhos de desmatação "a cargo da Administração do Concelho de Bafatá" (sic), no itinerário Mansambo-Ponte dos Fulas. Dessa vez o número de nativos foi de 2150 (Cap II, pag. 76);
(iii) certamente por lapso não há referência, na História do BCAÇ 2852, à Op Cabeça Rapada III;
(iv) a Op Cabeça Rapada IV, a 3 de Maio de 1969, destinou-se a garantir a segurança dos trabalhos de desmatação do itinerário Bambadinca-Xime (Cap. II, pag. 81).
© Humberto Reis (2006)
Na sequência do texto do Carlos Marques dos Santos, publicado anteriormente, fui consultar a história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/69). Aí pode ler-se:
(i) a Op Cabeça Rapada I, iniciada em 26 de Março de 1969, com a duração de dois dias, destinou-se a "montar segurança aos trabalhos de desmatação numa área de 200 metros para cada lado do troço do itinerário Bambadinca-Mansambo, compreendido entre Samba Juli e Mansambo. Tomaram parte na desmatação mais de 7 mil nativos" (sic) (Cap. II, pag. 72).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Mansambo-Xitole > 1970 > Coluna logística de Bambadinca ao Xitole, com a participação da CCAÇ 12. Alguns meses depois da grande desmatação das orlas da estrada, feitas por ocasião das Op Cabeça Rapada, o matagal continuava medonho, engolino a picada... Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
© Humberto Reis (2006)
Comentário meu: é um número impressionante de trabalhadores que, presumo, deveriam ser de etnia fula, naturais dos regulados de Badora (e eventualmente do Corubal). Desconheço se foram recrutados voluntariamente e devidamente pagos... A tradição da administração colonial, antes de Spínola, era a do trabalho forçado, puro e duro...
Recorde-se que, segundo a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/69), "a população de um modo geral é-nos favorável [no sector L1], sendo de destacar o regulado de Badora que tem como Chefe/Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus (sic). Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido no meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população [balantas, beafadas e mandingas...] fortes dúvidas se tem especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (Cap. II, pag. 1).
Conheci o tenente de 2ª classe, régulo e chefe máximo das milícias de Badora, Mamadu, de quem se dizia ter cinquenta mulheres, uma em cada tabanca, e uma numerosa prole. Alguns dos seus filhos, dizia-se, eram meus/nossos soldados, da CCAÇ 12. Pessoalmente, nunca simpatisei com a personagem, que era um exemplo típico - segundo o meu ponto de vista da época - do colaboraccionismo dos velhos senhores feudais, fulas, com a potência colonial, vencedora, e que eu vi passar muitas vezes, em Bambadinca e nas tabancas em autodefesa de Badora, fardado, de camuflado, ou com a sua impecável túnica branca de homem grande, na motorizada japonesa de 50 centímetros cúbicos provavelmente oferecida pelo Govenador-Geral e Com-Chefe.
O apontamento do escriba castrense da BCCAÇ 2852 é manifestamente exagerado: acho que o Tenente Mamadu era respeitado e sobretudo temido pelos seus súbditos, mas é manifestamente grosseiro, etnocênctrico e até ofensivo dizer que a população, islamizada, o "considerava como um Deus"...
(ii) a Op Cabeça Rapada II, com início a 9 de Abril, às 00.00h, destinou-se a grantir a segurança e apoio logístico dos trabalhos de desmatação "a cargo da Administração do Concelho de Bafatá" (sic), no itinerário Mansambo-Ponte dos Fulas. Dessa vez o número de nativos foi de 2150 (Cap II, pag. 76);
(iii) certamente por lapso não há referência, na História do BCAÇ 2852, à Op Cabeça Rapada III;
(iv) a Op Cabeça Rapada IV, a 3 de Maio de 1969, destinou-se a garantir a segurança dos trabalhos de desmatação do itinerário Bambadinca-Xime (Cap. II, pag. 81).
Guiné 63/74 - P448: Estrada Mansambo-Bambadinca (Op Cabeças Rapadas, 1969) (Carlos Marques Santos)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > A espingarda, a enxada, a pá, a picareta, a maceta... © Carlos Marques dos Santos (2006)
Texto de Carlos Marques dos Santos (ex-furriel miliciano da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)
Cabeças Rapadas
Prenúncio da abertura definitiva da estrada Bambadinca/ Xitole, intransitável desde Novembro de 1968 a 4 de Agosto de 1969 (Op Belo Dia) (1)
Haverá concerteza alguns dos tertulianos que estiveram envolvidos nesta série de operações (?). Então relembrem:
Nós, CART 2339, especialmente na segundo Operação [Op Cabeça Rapada II], vibrámos com o movimento. Espantoso. Caldeirões de arroz (meio bidão de gasóleo, em fogueiras espalhadas pelo aquartelamento, movimento de viaturas e homens, um barulho ensurdecedor, homens deitados por tudo o que era sítio, em suma uma anarquia bem controlada).
Passemos à exposição dos factos:
Op Cabeça Rapada I
Em 25 de Março de 1969, uma semana depois da Op Lança Afiada (2), inicia-se a primeira Op Cabeça Rapada, com a duração de 2 dias, no itinerário Bambadinca/Mansambo.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mobilização de milhares de nativos para os trabalhos de desmatação das orlas da floresta na estrada Bambadinca-Xitole ... © Carlos Marques dos Santos (2006)
Picagens, seguranças de flanco, etc. Trabalhos de nativos em desmatação das bermas da estrada. Estava dado o pontapé de saída, para maior segurança nas deslocações na estrada Bambadinca/ Xitole. Mas, do nosso ponto de vista, maior exposição à observação IN.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > As catanas a funcionar... © Carlos Marques dos Santos (2006)
Só o meu cão, Xime de nome, porque o herdei da anterior Companhia aí aquartelada, era capaz de fazer a segurança completa. À nossa frente na picada, farejando, entrando e saindo da mata, flanqueando em zig-zag, detectando minas, dormindo quando eu estava de olhos abertos, de olhos, nariz e orelhas atentas quando eu dormia. Um verdadeiro guerrilheiro responsável das suas missões. Não me lembro se ficou em Mansambo, se o levei de volta ao Xime, quando regressei. Dias sem incidentes.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > Aspecto do trabalho de desmatação... © Carlos Marques dos Santos (2006)
Em 5 de Abril inicia-se o aperfeiçoamento na desmatação do itinerário Bambadinca/ Mansambo, o mesmo acontecendo nos dias seguintes, 6, 7 e 8 de Abril, sempre das 6.00h às 17.00h (nota jocosa: em horário de expediente).
Op Cabeça Rapada II
Em 9 de Abril, às 5.40h, inicia-se com a duração de 3 dias a Op Cabeça Rapada II, no itinerário Mansambo/ Ponte dos Fulas.
Efectivos:
CART 2339 [Mansambo], a 3 Gr Comb;
CART 2856 [ a 2 Gr Comb] (3)
CCAÇ 2405 [Galomaro], a 3 Gr Comb;
CART 1746 [ Xime], a 2 Gr Comb;
CART 2413 [Xitole], a 2 Gr Comb;
CCAÇ 2406 [Saltinho], , a 2 Gr Comb;
3.º e 4.º Pel CCAÇ 2314 [Bambadinca];
Pel AM Daimler 2046 [Bambadinca];
Pel Erec 2350 [Bafatá] (4);
Pel Caç Nat 63 [na altura, sediado em Bambadinca, mais tarde - Julho de 1969 - transferido para Fá Mandinga, sendo a partir de então comandado pleo nosso tertulaino Jorge Cabral]:
8.º Pel BAC [Mansambo] (5);
Esq Mort. 10,7 [Xitole],
Pel Sap BCAÇ 2852 [Bmabadinca].
Foi efectuada a picagem e estacionamentos laterais, para segurança, no sentido Mansambo/Ponte Fulas, antes e durante os trabalhos.
Foram detectadas 2 minas A/P e uma A/C, mas sem incidentes. Estas minas [fazim parte de um vcampo de minas] que não foram concerteza detectadas na passagem e regresso da Operação que feriu o Mamadu Indjai e foi capturado o Malan Mané e que foi efectuada com os Paras (6).
O trabalhos envolveram 2150 trabalhadores nativos, que dormiram e comeram em Mansambo, tendo a segurança ficado montada de noite no itinerário.
Em 10 de Abril de 1969 retomam a actividade, pela manhã, tendo os trabalhadores sido recolhidos em Mansambo ao final do dia, regressando ao seus destinos.
Às 18.00h, desse dia, os vários destacamentos militares regressam a Mansambo e aguardam a sua vez de regressar aos quartéis, sem incidentes, com muitos vestígios.
Op Cabeça Rapada III
Em 30 de Abril, inicia-se a Op Cabeça Rapada III com duração de 3 dias no itinerário Mansambo/Galomaro, com 2100 trabalhadores nativos.
Há picagens e segurança no sentido Candamã/ Mansambo/ Candamã. Em 1 de Maio reiniciam-se os trabalhos.
Em 2 de Maio, às 6.40h há uma emboscada IN no pontão do Rio Almani, iniciada com rebentamento de uma mina A/CC comandada. A emboscada, de cerca de 15 minutos, foi dirigida a uma secção da Milícia 145 (Moricanhe) que se dirigia a Mansambo e à frente de um Gr de Comb da CCAÇ 2405 que se dirigia para Bambadinca. As NT reagiram pelo fogo e foi batida a zona com Obus 10,5 e Mort 81 (a partir de Mansambo) causando 5 mortos e 3 feridos, confirmados, ao IN (7).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > Montando a segurança às brigadas de trabalhadores... © Carlos Marques dos Santos (2006)
A Secção de Milícia teve 2 mortos e 3 feridos. Foi a primeira acção deste género na estrada Mansambo/ Bambadinca
No dia seguinte, a 3 de Maio, a CART 2339 estava envolvida em nova operação, a Op Espada Grande, iniciada às 00.00h e terminada - para a CART 2339 - às 8.00h do dia 4 (Galo Corubal e Satecuta) (8).
Não havia tempo para descansar. As acções de segurança e combate iriam prosseguir.
___________________
Notas de LG ou de CMS
(1) Vd. post de 20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho. Há um erro (factual) no primeiro parágrafo, que já não se pode corrigir, no roginal, mas que aqui fica:
"Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole [não era ainda CART 2413, mas sim a CART 2339]. A coluna prosseguiu com apoio aéreo.
"Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A (...)" (LG).
(2) Vd posts de:
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
(3) Julgo que é lapso do CMS. Deve ser CCS do BCAÇ 2856, sediada em Bafatá, a companhia e o batalhão do nosso tertuliano Jorge Tavares: vd. post de 31 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVIII: A doce nostalgia de Bafatá (BCAÇ 2856, 1968/70) (LG).
(4) Esquadraão de Reconhecimento de Cavalaria, sediado em Bafatá: vd. post de 28 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXIX: Um ataque a Sare Ganá (1968) (LG)
(5) Pelotão Artilharia BAC 1, de Mansambo, obus 10.5. Em nota de rodapé deixo ficar aqui a informação de que em Mansambo, em Dezembro de 1969, quando regressámos à Metrópole, existiam 2 obuses 10.5 (105 mm), pelo que a informação de que haveria obuses 14 ou 10.7 (que já li algures no blogue), me parece errada (CMS).
(6) Vd. posts de:
6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXV: A Op Nada Consta vista pelo lado da CART 2339 (Mansambo)
30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969)
(7) Na História do BCAÇ 2852, esta emboscada é referida como tendo acontecido a 2 de Abril de 1969, às 6.30h, e não a 2 de Maio. Não há referência a baixas tanto das NT como do IN (Cap. II, pág. 74) (LG).
(8) Na História do BCAÇ 2852, a Op Espada Grande realizou-se a 3 de Abrild e 1969, e não a 3 de Maio. Com a duração de 2 dias, o seu objectivo era completar as destruições fdos meios de vida na área, executados aquando a Op Lança Afiada, na região de Galo Corunal. A CART 2339, a 3 Gr Comb, formava o Destacamento A (Cap II, pag. 76).
Texto de Carlos Marques dos Santos (ex-furriel miliciano da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)
Cabeças Rapadas
Prenúncio da abertura definitiva da estrada Bambadinca/ Xitole, intransitável desde Novembro de 1968 a 4 de Agosto de 1969 (Op Belo Dia) (1)
Haverá concerteza alguns dos tertulianos que estiveram envolvidos nesta série de operações (?). Então relembrem:
Nós, CART 2339, especialmente na segundo Operação [Op Cabeça Rapada II], vibrámos com o movimento. Espantoso. Caldeirões de arroz (meio bidão de gasóleo, em fogueiras espalhadas pelo aquartelamento, movimento de viaturas e homens, um barulho ensurdecedor, homens deitados por tudo o que era sítio, em suma uma anarquia bem controlada).
Passemos à exposição dos factos:
Op Cabeça Rapada I
Em 25 de Março de 1969, uma semana depois da Op Lança Afiada (2), inicia-se a primeira Op Cabeça Rapada, com a duração de 2 dias, no itinerário Bambadinca/Mansambo.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mobilização de milhares de nativos para os trabalhos de desmatação das orlas da floresta na estrada Bambadinca-Xitole ... © Carlos Marques dos Santos (2006)
Picagens, seguranças de flanco, etc. Trabalhos de nativos em desmatação das bermas da estrada. Estava dado o pontapé de saída, para maior segurança nas deslocações na estrada Bambadinca/ Xitole. Mas, do nosso ponto de vista, maior exposição à observação IN.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > As catanas a funcionar... © Carlos Marques dos Santos (2006)
Só o meu cão, Xime de nome, porque o herdei da anterior Companhia aí aquartelada, era capaz de fazer a segurança completa. À nossa frente na picada, farejando, entrando e saindo da mata, flanqueando em zig-zag, detectando minas, dormindo quando eu estava de olhos abertos, de olhos, nariz e orelhas atentas quando eu dormia. Um verdadeiro guerrilheiro responsável das suas missões. Não me lembro se ficou em Mansambo, se o levei de volta ao Xime, quando regressei. Dias sem incidentes.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > Aspecto do trabalho de desmatação... © Carlos Marques dos Santos (2006)
Em 5 de Abril inicia-se o aperfeiçoamento na desmatação do itinerário Bambadinca/ Mansambo, o mesmo acontecendo nos dias seguintes, 6, 7 e 8 de Abril, sempre das 6.00h às 17.00h (nota jocosa: em horário de expediente).
Op Cabeça Rapada II
Em 9 de Abril, às 5.40h, inicia-se com a duração de 3 dias a Op Cabeça Rapada II, no itinerário Mansambo/ Ponte dos Fulas.
Efectivos:
CART 2339 [Mansambo], a 3 Gr Comb;
CART 2856 [ a 2 Gr Comb] (3)
CCAÇ 2405 [Galomaro], a 3 Gr Comb;
CART 1746 [ Xime], a 2 Gr Comb;
CART 2413 [Xitole], a 2 Gr Comb;
CCAÇ 2406 [Saltinho], , a 2 Gr Comb;
3.º e 4.º Pel CCAÇ 2314 [Bambadinca];
Pel AM Daimler 2046 [Bambadinca];
Pel Erec 2350 [Bafatá] (4);
Pel Caç Nat 63 [na altura, sediado em Bambadinca, mais tarde - Julho de 1969 - transferido para Fá Mandinga, sendo a partir de então comandado pleo nosso tertulaino Jorge Cabral]:
8.º Pel BAC [Mansambo] (5);
Esq Mort. 10,7 [Xitole],
Pel Sap BCAÇ 2852 [Bmabadinca].
Foi efectuada a picagem e estacionamentos laterais, para segurança, no sentido Mansambo/Ponte Fulas, antes e durante os trabalhos.
Foram detectadas 2 minas A/P e uma A/C, mas sem incidentes. Estas minas [fazim parte de um vcampo de minas] que não foram concerteza detectadas na passagem e regresso da Operação que feriu o Mamadu Indjai e foi capturado o Malan Mané e que foi efectuada com os Paras (6).
O trabalhos envolveram 2150 trabalhadores nativos, que dormiram e comeram em Mansambo, tendo a segurança ficado montada de noite no itinerário.
Em 10 de Abril de 1969 retomam a actividade, pela manhã, tendo os trabalhadores sido recolhidos em Mansambo ao final do dia, regressando ao seus destinos.
Às 18.00h, desse dia, os vários destacamentos militares regressam a Mansambo e aguardam a sua vez de regressar aos quartéis, sem incidentes, com muitos vestígios.
Op Cabeça Rapada III
Em 30 de Abril, inicia-se a Op Cabeça Rapada III com duração de 3 dias no itinerário Mansambo/Galomaro, com 2100 trabalhadores nativos.
Há picagens e segurança no sentido Candamã/ Mansambo/ Candamã. Em 1 de Maio reiniciam-se os trabalhos.
Em 2 de Maio, às 6.40h há uma emboscada IN no pontão do Rio Almani, iniciada com rebentamento de uma mina A/CC comandada. A emboscada, de cerca de 15 minutos, foi dirigida a uma secção da Milícia 145 (Moricanhe) que se dirigia a Mansambo e à frente de um Gr de Comb da CCAÇ 2405 que se dirigia para Bambadinca. As NT reagiram pelo fogo e foi batida a zona com Obus 10,5 e Mort 81 (a partir de Mansambo) causando 5 mortos e 3 feridos, confirmados, ao IN (7).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > Montando a segurança às brigadas de trabalhadores... © Carlos Marques dos Santos (2006)
A Secção de Milícia teve 2 mortos e 3 feridos. Foi a primeira acção deste género na estrada Mansambo/ Bambadinca
No dia seguinte, a 3 de Maio, a CART 2339 estava envolvida em nova operação, a Op Espada Grande, iniciada às 00.00h e terminada - para a CART 2339 - às 8.00h do dia 4 (Galo Corubal e Satecuta) (8).
Não havia tempo para descansar. As acções de segurança e combate iriam prosseguir.
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Notas de LG ou de CMS
(1) Vd. post de 20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho. Há um erro (factual) no primeiro parágrafo, que já não se pode corrigir, no roginal, mas que aqui fica:
"Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole [não era ainda CART 2413, mas sim a CART 2339]. A coluna prosseguiu com apoio aéreo.
"Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A (...)" (LG).
(2) Vd posts de:
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
(3) Julgo que é lapso do CMS. Deve ser CCS do BCAÇ 2856, sediada em Bafatá, a companhia e o batalhão do nosso tertuliano Jorge Tavares: vd. post de 31 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVIII: A doce nostalgia de Bafatá (BCAÇ 2856, 1968/70) (LG).
(4) Esquadraão de Reconhecimento de Cavalaria, sediado em Bafatá: vd. post de 28 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXIX: Um ataque a Sare Ganá (1968) (LG)
(5) Pelotão Artilharia BAC 1, de Mansambo, obus 10.5. Em nota de rodapé deixo ficar aqui a informação de que em Mansambo, em Dezembro de 1969, quando regressámos à Metrópole, existiam 2 obuses 10.5 (105 mm), pelo que a informação de que haveria obuses 14 ou 10.7 (que já li algures no blogue), me parece errada (CMS).
(6) Vd. posts de:
6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXV: A Op Nada Consta vista pelo lado da CART 2339 (Mansambo)
30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969)
(7) Na História do BCAÇ 2852, esta emboscada é referida como tendo acontecido a 2 de Abril de 1969, às 6.30h, e não a 2 de Maio. Não há referência a baixas tanto das NT como do IN (Cap. II, pág. 74) (LG).
(8) Na História do BCAÇ 2852, a Op Espada Grande realizou-se a 3 de Abrild e 1969, e não a 3 de Maio. Com a duração de 2 dias, o seu objectivo era completar as destruições fdos meios de vida na área, executados aquando a Op Lança Afiada, na região de Galo Corunal. A CART 2339, a 3 Gr Comb, formava o Destacamento A (Cap II, pag. 76).
sábado, 21 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P447: O crioulo de caserna (Mário Dias)
Guiné > S/d > Documento das NT, de contrapropaganda, em português e em crioulo de caserna, dirigido aos guerrilheiros do PAIGC e à população sob o seu controlo: "Bó presenta na otoridade: Tabanca está contente, tabanca tem bianda, tabanca tem doutor. No mato só mofineza,no mato só fome, no mato só muri"
© José Teixeira (2006)
Guiné > S/d > Documento das NT, de contrapropaganda, em crioulo de caserna, convidando os guerrilheiros do PAIGC à deserção: "Bó presenta na otoridade. Tropa i amigo. Tropa na trata bo dereto" [Apresenta-te às autoridades. A tropa é amiga. A tropa vai tratar-te bem].
© José Teixeira (2006)
Caro Luis
Acabo de ver no blogue a minha intervenção sobre o crioulo, ilustrada com a reprodução de um dos muitos panfletos de acção psicológica que a tropa ia disseminando pela Guiné (1).
A tradução para crioulo da mensagem que prendiam fazer chegar, atesta precisamente o que referi sobre o tal crioulo de caserna (2). Não sei quem terá sido o tradutor. Está uma desgraça, não só por muitos termos estarem mal traduzidos (por exemplo bibe significa beber) como não tem em conta a construção das frases que devem estar de acordo com a forma de pensar dos guineenses e não serem traduzidas à letra. Certamente que os guerrrilheiros se devem ter rido:
GUENTE DI MATO
BÓ BÁ PRESENTA NA TROPA
SÓ GUENTE BRUTO QUI NA BIBE NA MATO
GUENTE QUE TEM BOM CABEÇA Ê NA SINTA NA TABANCA
NA MATO SÓ FOMI, SÓ DOENÇA, SÓ MORTE
NA TABANCA TUDO ESTÁ CONTENTE,
Ê TEM BIANDA Ê TEM DOUTOR
NÔ PRESENTA NA OTORIDADE
Se me tivesse sido pedido para escrever em crioulo, não só as palavras como, sobretudo, a ideia que se pretendia transmitir, te-lo-ia feito assim:
GENTI DI MATO
BÓ PRESENTA NA TROPA
GENTI BRUTO QUI TA SINTA NA MATO
QUEM QUI GIRO* Ê TA SINTA NA TABANCA
NA MATO TEM FOMI, TEM DOENÇA, TEM MORTU
TABANCA MÁS SÁBI
TEM BIANDA Ê TEM DÓTOR
NÓ BAI PANTI NA OTORIDADE
(*) giro = inteligente
Antes de terminar, apenas uma mensagem para o José Neto: Panghiau, iá´me pétchau ?
Eu também estive em Macau de 1980 a 1984. Quatro maravilhosos anos.
A história do Domingos Ramos segue no início da semana.
Um abraço
Mário Dias
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 20 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXIV: As dificuldades e os encantos do crioulo (Mário Dias)
(2) Vd. também post de A. Marque Lopes, de 14 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLI: Mininus di Nha Tera (poema de Nelson Medina, em kriol)
Guiné 63/74 - P446: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas
Guiné > Guileje > Dauda... Era a cara do pai... e a mascote da companhia...
© José Neto (2005)
III parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado).
Dauda, o Viegas
Como já escrevi, eram todos de etnia fula, de raça negra, com excepção de um menino mestiço.
Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa.
Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas…
Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros.
Guiné > Guileje > 1967 > Uma dos dos abrigos enterrados...Na foto vê-se uma bazuca pendurada e, do lado direito, a máquina de costura do alfaiate da tabanca... © José Neto (2005)
Ao correr para o abrigo ouvi o choro duma criança. O Viegas tinha jantado connosco, como de costume, e tive a quase certeza de que era ele. Retrocedi e apanhei-o junto ao coberto que servia de messe de sargentos. Arrastei-o até à entrada do abrigo e, uns instantes depois, uma granada explodiu no monte de lenha a menos de quatro metros de distância, projectando cavacas em todas as direcções.
Dos meus troféus faz parte a empenagem que sobrou dessa granada, que nunca limpei, e que a minha mulher resmunga que só serve para sujar o móvel onde está. Não é que suje, mas também nunca me apeteceu contar-lhe a história desse bocado de ferro com alhetas e terra empastada.
Quanto à actividade militar, a das tropas operacionais era intensa e da minha parte não o era menos.
O Capitão Corvacho, ainda em Brá, dividiu o comando da companhia em duas partes distintas: a parte operacional era dirigida por ele e a administrativa por mim.
Basta referir que o meu Registo Geral (caderno mensal em que são escriturados todos os homens e as suas mais diversas situações) tinha muito perto de trezentos títulos.
Creio que é a terceira vez que o trago a esta história, mas não posso deixar de salientar a enorme ajuda do meu escriturário, o 1º Cabo Ramiro Pais Cardoso, um jovem que antes da tropa era empregado duma sapataria em Viseu, sua terra natal, cuja dedicação e competência me levaram a decidir e recomendar ao nosso Capitão que, durante a minha licença na Metrópole, ele ficasse a exercer as minhas funções, prescindindo da regulamentar substituição pelo 2º Sargento Costa Pinto, que só constou no papel e nos actos imprescindíveis… tais como dispensa de serviço de escala.
E aproveito também para prestar o meu profundo apreço pelo meu ultra zeloso faxina pessoal, o Rochinha, de seu nome completo António Casimiro da Rocha, natural de Passais, freguesia de Fiães, concelho de Vila da Feira.
Dizia-se mal classificado pela tropa, pois era manufactor de calçado e não sapateiro como constava nos seus documentos e roía-se todo por ter sido privado de especialidade, ficando portanto básico, só pelo facto de ter os pés chatos.
Cuidava de mim e dos meus pertences com uma dedicação extrema. Um dos seus cuidados era fazer-me o café às horas certas de acordo com a nossa combinação. Ficou histórica a sua presteza quando, durante os dois dias de viagem marítima de Buba para Gadamael, às horas marcadas me aparecia o Rochinha com o cafezinho fumegante.
E o único convidado para a bica que ele admitia era o nosso Capitão e o Dr. Oliveira Martins quando estava connosco.
Fartou-se de me pedir para o deixar ir a uma operação, mas sempre lhe neguei a vontade, porque, se por um lado lhe estava vedada essa actividade, por outro eu não podia prescindir da sua colaboração.
De parceria com o Ramiro, que o ensinou a escrever à máquina, dava volta à papelada mais trivial com segurança e a contento de todos, pois nunca abusou da sua relativa proximidade com o comando da companhia. Antes pelo contrário. Algumas vezes ajudava um ou outro camarada menos expedito a trazer-me este ou aquele problema que necessitava da minha intervenção.
O resto da estação das chuvas, de Junho a Setembro, foi passada na expectativa das tradicionais boas vindas que os turras costumavam dar às guarnições novas.
Guiné > Guileje > 1967 > Mais um dos abrigos enterrados... e local de brincadeira da criançada... © José Neto (2005)
Havia informações de que o IN tinha deslocado para aquela zona dois bigrupos (*) e possivelmente, tal como nós, andavam a adaptar-se ao terreno. Até que, em meados de Outubro, tivemos o primeiro ataque, muito mal realizado, graças a Deus.
Primeiro, já tínhamos conhecimento dos seus movimentos e da hora provável da flagelação e segundo, acercaram-se demasiado do perímetro fortificado e ficaram expostos ao fogo das nossas armas ligeiras, principalmente dilagramas (1) e bazucas.
Além disso as suas granadas de morteiro, embora tivessem o alvo constituído pelas coberturas de zinco das nossas instalações iluminado pelo luar, caíram todas longe da tabanca, sem causar o mínimo estrago.
Em contrapartida, deixaram no terreno algum armamento, peças de roupa ensanguentada e sinais de uma retirada pouco organizada. Soube-se depois que esta acção foi o baptismo de fogo da maior parte dos atacantes, uma espécie de exercícios finais de recrutas, mas a sério.
E para mim também o foi, já que a campanha do Lap Sap de 1952, em Macau (2), não conta, porque não cheguei a sentir o calafrio provocado pela incerteza de onde irá cair a próxima?
Tínhamos acabado de jantar e cada qual foi para o seu buraco, porque, como já referi, estávamos à espera do ataque. No meu quarto-abrigo a segurança era mais que suficiente e dispus-me a escrever um aerograma para a minha mulher a mentir-lhe, como sempre fiz em relação aos perigos que corria, dizendo-lhe que estava tudo bem comigo, que estivesse descansada e por aí fora.
Ao estrondo da primeira granada de morteiro que caiu lá para o fundo da pista seguiu-se o corte da electricidade, já programado. Acendi a minha lanterna de pilhas e fiz um leve risco no alto da folha para assinalar o acontecimento.
Com o continuar dos rebentamentos, começou a ouvir-se o som característico das costureirinhas e das Kalash, o que pressupunha a intenção de flagelação seguida de tentativa de assalto.
Até essa altura eu tinha a convicção de que a história de medo de pôr os cabelos em pé não passava disso mesmo, um rifão como outro qualquer. Mas a veracidade estava bem presente. Por momentos senti um arrepio de frio na espinha e os cabelos, e pêlos dos braços, a eriçarem-se.
Compreendi rapidamente que estar ali sozinho não me era emocionalmente favorável e arrastei-me até ao abrigo fortificado que ficava por trás do meu quarto onde encontrei os elementos da guarnição muito calmos a fazerem uns disparos tiro-a-tiro pelas seteiras ao mesmo tempo que comentavam:
-Estes gajos são loucos. Se avançam para cá das árvores caiem todos como tordos.
Ao fim de muitas horas, quando o silêncio se consolidou, fiquei pasmado ao olhar para o meu relógio e constatar que a coisa tinha durado menos de quarenta minutos.
Acompanhei o Capitão na volta pelos abrigos e palhotas da tabanca e certificamo-nos de que o ataque nem uma beliscadura causou.
Em conversa sobre o acontecido eu disse-lhe que me tinha arrepiado com medo, embora sabendo que estava em local seguro. Respondeu-me que também ele já tinha passado por isso, mas que, com a continuação, uma pessoa se habitua.
Entramos assim num ciclo de duas campanhas: eles executavam a sua de noite e nós a nossa de dia.
Quanto aos ataques que sofremos daí para o futuro, e foram muitos, apenas quero salientar, para além do que descrevi sobre o Viegas, dois ou três pormenores:
Na gíria das transmissões essas acções do IN eram alcunhadas de festival o que se estendeu ao dia-a-dia do pessoal.
Muitas vezes as nossas sentinelas detectavam o som da saída das granadas do tubo e disparavam uma rajada ao mesmo tempo que gritavam:
-Festival!!!
Quando a primeira granada chegava já estava quase tudo abrigado. Uma ocasião tal não sucedeu e se alguém pode acreditar em milagres, esses são o Capitão Corvacho e o Alferes Michael (3).
Ao correrem para junto da posição do Morteiro de 81 mm, seu posto de combate na circunstância, por pouco não foram atingidos por qualquer coisa que não identificaram de imediato.
Quando acabou a flagelação constatou-se que essa coisa era uma granada de morteiro que não explodiu e estava semi-enterrada no solo.
Tomaram-se as precauções necessárias e no dia seguinte a granada foi puxada por um extenso cabo de aço. Mas antes, como bom artilheiro, o Capitão mediu o ângulo de chegada do projéctil com o qual calculou a direcção e a distância de onde tinha sido disparado, para futuras retribuições (4).
Providencialmente o turra tinha-se esquecido de sacar a cavilha de segurança da espoleta antes de meter a granada no tubo!!!
_________
Notas do Z. N.:
(1) Dispositivo de Lançamento de Granadas de Mão, um engenho português que se adaptava ao cano da espingarda automática G 3. Com uma munição especial, facultava o lançamento de granadas de mão a distâncias consideráveis em tiro curvo. Era terrivelmente eficaz quando lançado sobre as copas das árvores, pois as granadas explodiam e fragmentavam-se em direcção ao solo.
O seu uso exigia do atirador muita perícia e, principalmente, concentração, pois se na confusão fosse utilizada munição normal a granada explodia imediatamente. Deu-se um percalço destes com um atirador da CART 1612 que matou dois soldados.
(2) Incidentes das Portas do Cerco que isolaram Macau durante três semanas, nos quais os chineses mataram o Soldado Moçambicano Jacinto Mundau.
(3) Michael Winston Schnitzer da Silva.
(4) O Morteiro é uma arma de tiro curvo, mas diferente dos obuses ou canhões. Grosso modo pode dizer-se que o projéctil descreve uma trajectória parecida com um V invertido. O alcance da arma (distância para o alvo) é obtido pelas tabelas de inclinação do tubo de lançamento e variação das cargas propulsoras. Assim, identificado o projéctil descobre-se com facilidade a arma que o lançou. Com uma arma igual, ou outra com os ajustes calculados, há muitas probabilidades de fazer um disparo inverso e atingir as redondezas da posição da arma inimiga (**).
_____
Notas de L.G.:
(*) Originalmente, o Zé Neto estimou os dois bigrupos em 400 homens. Rectificou logo a seguir:
"Luís: Já descobri onde está a confusão que gerei com o raio dos bigrupos. Eu socorro-me amiude da História do BART 1896 para acertar datas e pormenores do que escrevo. E realmente as informações do Batalhão, recolhidas nas unidades de fronteira através do Gilas (comerciantes ambulantes da Guiné-Conacri que vendiam de tudo, até informações) referenciaram a deslocação para a zona de Guileje de quatrocentos guerrilheiros e o algarismo que quantifica os bigrupos está esborratado e mais parece um 2 que um 8. Deficiência do stencil e azar meu. Deste modo quando chegares à descrição, nas Memórias de Guileje, desse facto, emenda para oito onde escrevi dois, quando não cai-me o Carmo e a Trindade em cima outra vez"....
(**) Vd posts anteriores do Zé Neto, respeitantes às Memórias de Guileje:
13 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (2): Ordem de marcha
10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (1): Prelúdio(s)
© José Neto (2005)
III parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado).
Dauda, o Viegas
Como já escrevi, eram todos de etnia fula, de raça negra, com excepção de um menino mestiço.
Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa.
Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas…
Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros.
Guiné > Guileje > 1967 > Uma dos dos abrigos enterrados...Na foto vê-se uma bazuca pendurada e, do lado direito, a máquina de costura do alfaiate da tabanca... © José Neto (2005)
Ao correr para o abrigo ouvi o choro duma criança. O Viegas tinha jantado connosco, como de costume, e tive a quase certeza de que era ele. Retrocedi e apanhei-o junto ao coberto que servia de messe de sargentos. Arrastei-o até à entrada do abrigo e, uns instantes depois, uma granada explodiu no monte de lenha a menos de quatro metros de distância, projectando cavacas em todas as direcções.
Dos meus troféus faz parte a empenagem que sobrou dessa granada, que nunca limpei, e que a minha mulher resmunga que só serve para sujar o móvel onde está. Não é que suje, mas também nunca me apeteceu contar-lhe a história desse bocado de ferro com alhetas e terra empastada.
Quanto à actividade militar, a das tropas operacionais era intensa e da minha parte não o era menos.
O Capitão Corvacho, ainda em Brá, dividiu o comando da companhia em duas partes distintas: a parte operacional era dirigida por ele e a administrativa por mim.
Basta referir que o meu Registo Geral (caderno mensal em que são escriturados todos os homens e as suas mais diversas situações) tinha muito perto de trezentos títulos.
Creio que é a terceira vez que o trago a esta história, mas não posso deixar de salientar a enorme ajuda do meu escriturário, o 1º Cabo Ramiro Pais Cardoso, um jovem que antes da tropa era empregado duma sapataria em Viseu, sua terra natal, cuja dedicação e competência me levaram a decidir e recomendar ao nosso Capitão que, durante a minha licença na Metrópole, ele ficasse a exercer as minhas funções, prescindindo da regulamentar substituição pelo 2º Sargento Costa Pinto, que só constou no papel e nos actos imprescindíveis… tais como dispensa de serviço de escala.
E aproveito também para prestar o meu profundo apreço pelo meu ultra zeloso faxina pessoal, o Rochinha, de seu nome completo António Casimiro da Rocha, natural de Passais, freguesia de Fiães, concelho de Vila da Feira.
Dizia-se mal classificado pela tropa, pois era manufactor de calçado e não sapateiro como constava nos seus documentos e roía-se todo por ter sido privado de especialidade, ficando portanto básico, só pelo facto de ter os pés chatos.
Cuidava de mim e dos meus pertences com uma dedicação extrema. Um dos seus cuidados era fazer-me o café às horas certas de acordo com a nossa combinação. Ficou histórica a sua presteza quando, durante os dois dias de viagem marítima de Buba para Gadamael, às horas marcadas me aparecia o Rochinha com o cafezinho fumegante.
E o único convidado para a bica que ele admitia era o nosso Capitão e o Dr. Oliveira Martins quando estava connosco.
Fartou-se de me pedir para o deixar ir a uma operação, mas sempre lhe neguei a vontade, porque, se por um lado lhe estava vedada essa actividade, por outro eu não podia prescindir da sua colaboração.
De parceria com o Ramiro, que o ensinou a escrever à máquina, dava volta à papelada mais trivial com segurança e a contento de todos, pois nunca abusou da sua relativa proximidade com o comando da companhia. Antes pelo contrário. Algumas vezes ajudava um ou outro camarada menos expedito a trazer-me este ou aquele problema que necessitava da minha intervenção.
O resto da estação das chuvas, de Junho a Setembro, foi passada na expectativa das tradicionais boas vindas que os turras costumavam dar às guarnições novas.
Guiné > Guileje > 1967 > Mais um dos abrigos enterrados... e local de brincadeira da criançada... © José Neto (2005)
Havia informações de que o IN tinha deslocado para aquela zona dois bigrupos (*) e possivelmente, tal como nós, andavam a adaptar-se ao terreno. Até que, em meados de Outubro, tivemos o primeiro ataque, muito mal realizado, graças a Deus.
Primeiro, já tínhamos conhecimento dos seus movimentos e da hora provável da flagelação e segundo, acercaram-se demasiado do perímetro fortificado e ficaram expostos ao fogo das nossas armas ligeiras, principalmente dilagramas (1) e bazucas.
Além disso as suas granadas de morteiro, embora tivessem o alvo constituído pelas coberturas de zinco das nossas instalações iluminado pelo luar, caíram todas longe da tabanca, sem causar o mínimo estrago.
Em contrapartida, deixaram no terreno algum armamento, peças de roupa ensanguentada e sinais de uma retirada pouco organizada. Soube-se depois que esta acção foi o baptismo de fogo da maior parte dos atacantes, uma espécie de exercícios finais de recrutas, mas a sério.
E para mim também o foi, já que a campanha do Lap Sap de 1952, em Macau (2), não conta, porque não cheguei a sentir o calafrio provocado pela incerteza de onde irá cair a próxima?
Tínhamos acabado de jantar e cada qual foi para o seu buraco, porque, como já referi, estávamos à espera do ataque. No meu quarto-abrigo a segurança era mais que suficiente e dispus-me a escrever um aerograma para a minha mulher a mentir-lhe, como sempre fiz em relação aos perigos que corria, dizendo-lhe que estava tudo bem comigo, que estivesse descansada e por aí fora.
Ao estrondo da primeira granada de morteiro que caiu lá para o fundo da pista seguiu-se o corte da electricidade, já programado. Acendi a minha lanterna de pilhas e fiz um leve risco no alto da folha para assinalar o acontecimento.
Com o continuar dos rebentamentos, começou a ouvir-se o som característico das costureirinhas e das Kalash, o que pressupunha a intenção de flagelação seguida de tentativa de assalto.
Até essa altura eu tinha a convicção de que a história de medo de pôr os cabelos em pé não passava disso mesmo, um rifão como outro qualquer. Mas a veracidade estava bem presente. Por momentos senti um arrepio de frio na espinha e os cabelos, e pêlos dos braços, a eriçarem-se.
Compreendi rapidamente que estar ali sozinho não me era emocionalmente favorável e arrastei-me até ao abrigo fortificado que ficava por trás do meu quarto onde encontrei os elementos da guarnição muito calmos a fazerem uns disparos tiro-a-tiro pelas seteiras ao mesmo tempo que comentavam:
-Estes gajos são loucos. Se avançam para cá das árvores caiem todos como tordos.
Ao fim de muitas horas, quando o silêncio se consolidou, fiquei pasmado ao olhar para o meu relógio e constatar que a coisa tinha durado menos de quarenta minutos.
Acompanhei o Capitão na volta pelos abrigos e palhotas da tabanca e certificamo-nos de que o ataque nem uma beliscadura causou.
Em conversa sobre o acontecido eu disse-lhe que me tinha arrepiado com medo, embora sabendo que estava em local seguro. Respondeu-me que também ele já tinha passado por isso, mas que, com a continuação, uma pessoa se habitua.
Entramos assim num ciclo de duas campanhas: eles executavam a sua de noite e nós a nossa de dia.
Quanto aos ataques que sofremos daí para o futuro, e foram muitos, apenas quero salientar, para além do que descrevi sobre o Viegas, dois ou três pormenores:
Na gíria das transmissões essas acções do IN eram alcunhadas de festival o que se estendeu ao dia-a-dia do pessoal.
Muitas vezes as nossas sentinelas detectavam o som da saída das granadas do tubo e disparavam uma rajada ao mesmo tempo que gritavam:
-Festival!!!
Quando a primeira granada chegava já estava quase tudo abrigado. Uma ocasião tal não sucedeu e se alguém pode acreditar em milagres, esses são o Capitão Corvacho e o Alferes Michael (3).
Ao correrem para junto da posição do Morteiro de 81 mm, seu posto de combate na circunstância, por pouco não foram atingidos por qualquer coisa que não identificaram de imediato.
Quando acabou a flagelação constatou-se que essa coisa era uma granada de morteiro que não explodiu e estava semi-enterrada no solo.
Tomaram-se as precauções necessárias e no dia seguinte a granada foi puxada por um extenso cabo de aço. Mas antes, como bom artilheiro, o Capitão mediu o ângulo de chegada do projéctil com o qual calculou a direcção e a distância de onde tinha sido disparado, para futuras retribuições (4).
Providencialmente o turra tinha-se esquecido de sacar a cavilha de segurança da espoleta antes de meter a granada no tubo!!!
_________
Notas do Z. N.:
(1) Dispositivo de Lançamento de Granadas de Mão, um engenho português que se adaptava ao cano da espingarda automática G 3. Com uma munição especial, facultava o lançamento de granadas de mão a distâncias consideráveis em tiro curvo. Era terrivelmente eficaz quando lançado sobre as copas das árvores, pois as granadas explodiam e fragmentavam-se em direcção ao solo.
O seu uso exigia do atirador muita perícia e, principalmente, concentração, pois se na confusão fosse utilizada munição normal a granada explodia imediatamente. Deu-se um percalço destes com um atirador da CART 1612 que matou dois soldados.
(2) Incidentes das Portas do Cerco que isolaram Macau durante três semanas, nos quais os chineses mataram o Soldado Moçambicano Jacinto Mundau.
(3) Michael Winston Schnitzer da Silva.
(4) O Morteiro é uma arma de tiro curvo, mas diferente dos obuses ou canhões. Grosso modo pode dizer-se que o projéctil descreve uma trajectória parecida com um V invertido. O alcance da arma (distância para o alvo) é obtido pelas tabelas de inclinação do tubo de lançamento e variação das cargas propulsoras. Assim, identificado o projéctil descobre-se com facilidade a arma que o lançou. Com uma arma igual, ou outra com os ajustes calculados, há muitas probabilidades de fazer um disparo inverso e atingir as redondezas da posição da arma inimiga (**).
_____
Notas de L.G.:
(*) Originalmente, o Zé Neto estimou os dois bigrupos em 400 homens. Rectificou logo a seguir:
"Luís: Já descobri onde está a confusão que gerei com o raio dos bigrupos. Eu socorro-me amiude da História do BART 1896 para acertar datas e pormenores do que escrevo. E realmente as informações do Batalhão, recolhidas nas unidades de fronteira através do Gilas (comerciantes ambulantes da Guiné-Conacri que vendiam de tudo, até informações) referenciaram a deslocação para a zona de Guileje de quatrocentos guerrilheiros e o algarismo que quantifica os bigrupos está esborratado e mais parece um 2 que um 8. Deficiência do stencil e azar meu. Deste modo quando chegares à descrição, nas Memórias de Guileje, desse facto, emenda para oito onde escrevi dois, quando não cai-me o Carmo e a Trindade em cima outra vez"....
(**) Vd posts anteriores do Zé Neto, respeitantes às Memórias de Guileje:
13 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (2): Ordem de marcha
10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (1): Prelúdio(s)
sexta-feira, 20 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P445: Álbum de fotografias do José Teixeira (1): o Niassa
Guiné > Recordação do Niassa. Lisboa - Guiné - Lisboa.... Missão Cumprida!... Transportando a CCAÇ 2381 (Lisboa, 1 de Maio de 1968 / Bissau, 3 de Abril de 1970), além de outras unidades.
© José Teixeira (2005)
Texto do José Teixeira (1º cabo enfermeiro, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):
Caro Luís: Junto duas fotos. Uma do Niassa connosco lá dentro e outra com o monumento que construimos junto ao porta bandeira de Empada, que infelizmente já lá não está.
Guiné > Empada > 1970 > Brasão da Companhia de Caçadores 2381 , Os Maiorais, "Pela lei, pela Grei"... © José Teixeira (2005)
Sei que a Companhia do Allen também construiu uma coisa do género, a qual foi redescoberta pelo Allen em Abril de 2005 a servir de degrau junto à casa do Chefe da Aldeia. Conseguiu que este o autorizasse a trazê-la de volta para Portugal. Imagina o desgraçado a transpostar um pedaço enorme de cimento, debaixo do braço, a seu lado no avião. Eu estava lá para dar uma ajudinha.
A propósito, falei hoje [17 de Janeiro] com ele. A esposa parece que quer rivalizar comigo em estar todos os dias no Blogue. Diz que ela já tem um livro (?) para te enviar. Até passa noites sem dormir
Um abraço
Guiné 63/74 - P444: PAIGC: Armazéns do Povo (Jorge Santos)
Guiné > s/d > Região sob controlo do PAIGC > Um armazém do povo. Fonte: PAIGC.
Texto do Jorge Santos:
O PAIGC promove a criação dos Armazéns do Povo por decisão tomada no 1º Congresso de 1964.
O objectivo dos Armazéns do Povo, empresa geral de comércio de tipo estatal, era garantir o fornecimento de artigos de primeira necessidade à população das regiões libertadas e, por meio de troca, receber produtos agrícolas que deveriam em seguida escoar-se para o exterior, criando-se e desenvolvendo-se assim, progressivamente, a base de um comércio externo.
O número de Depósitos dos Armazéns do Povo passou de 6, em 1964, para 16, em 1969.
FONTE: PAIGC - História da Guiné e Ilhas de Cabo Verde. Porto: Edições Afrontamento. 1974
Guiné 63/74 - P443: As dificuldades e os encantos do crioulo (Mário Dias)
Guiné > S/d > Documento das NT, em português e em crioulo, incentivando os guerrilheiros do PAIGC e a população sob o seu controlo a apresentarem-se às autoridades portuguesas.
© José Teixeira (2006)
Textod o Mário Dias (ex-sargento comando, Brá, 1963/66)
Caro Luis Graça, caros camardas de tertúlia:
A propósito dos comentários de nosso amigo J. Mussá Biai sobre a forma correcta de escrever o crioulo (criôlo?) é bom que nos vá elucidando. Por mim, que falo razoavelmente bem o criôlo, também se depara a dificuldade de o escrever porque esse dialecto só recentemente tem sido passado à fase de escrita. Pelo menos, que eu saiba, no tempo chamado colonial não existia qualquer gramátia nem textos escritos, com excepção de pequenas frases que alguns estudiosos e pesquisadores transcreviam, cada um o fazendo segundo uma transcrição fonética das palavras tal como elas soavam aos ouvidos. Apenas havia uma tímida tentativa em Cabo Verde, por parte de alguns intelectuais e escritores, de escrever poemas e outros textos -e alguns foram publicados- mas que tinham um forte oposição do regime de então que não admitia o criôlo como língua.
O Mussa Biai que desculpe as nossas deficiências e nos vá elucidando. E aproveito para lhe pedir que me informe onde posso adquirir uma gramática ou compêndio actualizado que me esclarece sobre esta matéria. Sei que recentemente foi publicado um dicionário de português-criolo de Cabo Verde (versão da ilha de Santiago). Iniciativa de louvar, mas que não adianta muito a quem pretende o criôlo (crioulo?) da Guiné, tão diferentes são.
Eu saí da Guiné em 1966. Desde essa altura, muita água correu pelo Pidjiguiti e, sendo as línguas, todas elas, dinâmicas e por isso sujeitas a constantes alterações não só na sua pronúncia como até na semântica, pergunto-lhe se a palavra djila que diz se deve escrever guila deixou de se pronunciar gila passando a guila com o "g" na sua função de consoante gutural.
Também o significado desta palavra era, no meu tempo, tal como diz o José Teixeira, simultaneamente comerciante ambulante e contrabandista, no sentido de que comerciavam produtos que traziam sobretudo do Senegal e passavam a fronteira sem controlo alfandegário. Não havia qualquer espécie de menosprezo nesse julgamente pelo contrário: todos aproveitavamos e apreciavamos os serviços que prestavam.
Recordo-me que, em Farim, todos aguardavamos com alguma ansiedade os djilas que vinham de Kolda e até de Ziguinchor com os seus fornecimentos de artigos franceses (eu era habitual cliente da água de colónia Soir de Paris. Para lá, na volta, levavam tabaco em folha, meadas de algodão e sobretudo nozes de cola produzidas na região de Cacine. Essa actividade era de tal forma importante, que deu origem à expressão djilandade, usada para caracterizar uma acção menos séria.
Como já me alonguei muito, voltarei em breve a este tema que tanto me fascina . Mas antes de terminar atrevo-me a saudar o José Mussa Biai em mandinga, mesmo correndo o risco de não escrever correctamente mas apenas como a frase me soava e soa: Kaera sita?
Um abraço, meus amigos.
Mário Dias
Mais conversas sobre o crioulo
Continuando a divagar sobre o crioulo (criôlo), que tanto me encanta, começo por dizer que não lhe resisto sempre que para tal tenho ocasião. É frequente nas minhas deslocações a Lisboa, ao tomar o barco no Barreiro, ouvir guineenses a falar criôlo. Tenho que meter conversa. É uma surpresa para eles e também motivo de alegria para ambas as partes. E já tem acontecido, durante os nossos diálogos, serem referidas pessoas conhecidas dos participantes na cavaqueira.
O crioulo é uma língua, ou dialecto (deixo a definição para os filólogos) com uma enorme riqueza de expressões idiomáticas que, apenas quem as entenda em toda a sua plenitude e envolvência, consegue captar o seu verdadeiro significado e alcance. Isso só se consegue dominando bem a língua e, sobretudo, conhecendo os hábitos, usos, costumes e filosofia de vida dos naturais da Guiné.
Como exemplo, vou contar uma caso que se passou e que ilustra bem o quanto uma expressão dita em crioulo tem um impacto e uma graça que se perde dita em português.
Aconteceu em Bissau. Na altura, eu trabalhava na NOSOCO, cujo edifício serviu durante a guerra como sede e armazém da Manutenção Militar. Um dos meus colegas, o senhor Martins, respeitável guineense, de veneranda carapinha branca, encarregado do armazém daquela companhia, teve a infelicidade de perder um familiar. Morava no chamado Bissau Velho, próximo da fortaleza da Amura. Eu e mais alguns colegas deslocámo-nos a sua casa a fim de lhe prestarmos a nossa solidariedade. Num dos compartimentos estava a urna do defunto rodeada de muitos familiares e amigos carpindo o infausto acontecimento.
Dirigi-me a ele com as palavras usuais destas ocasiões. Como o vi bastante abatido e ansioso perguntei-lhe como se estava a sentir. Resposta pronta em crioulo que me arrancou uma escandalosa gargalhada que de imediato tentei reprimir, dadas as circunstâncias:
- Casa inchi kum. Nim kau de tira pide ká tem.- Creio que compreendem o significado que é:
- A casa está tão cheia, que nem existe um sítio onde se possa dar um peido.- Esta frase, dita em português, perde todo o impacto que o crioulo lhe dá. É como um poema traduzido para outra língua: esvazia-se grande parte do sentir que o poeta lhe deu.
A tentativa dos ex-militares que serviram na Guiné de usarem o crioulo, só demonstra o quanto foi e é grande a nossa vontade de entender aquele povo. Aliás, isso faz parte da característica dos portugueses que sempre souberem mesclar-se e tenta compreender os povos que foram conhecendo por esse mundo fora.
Essa vontade de comunicar na língua que as populações usavam maioritariamente, ou seja, o crioulo, é disso prova e o prazer que se espelha nas frases que vão partilhando com os restantes tertulianos, mesmo ao fim de todos estes mais de 30 anos (para alguns muito mais), é enternecedora.
Acontece, porém, que a grafia e o próprio significado que pretendem atribuir às palavras não é o mais correcto. Quanto à grafia, nada vou acrescentar pois, também eu, a esse respeito, sou um ignorante. As regras ortográficas, quanto julgo saber, só agora estão a ser objecto de estudo e implementação. Trabalho árduo deverá ser!
No que se refere à semântica, tanto de palavras como de expressões idiomáticas, aí já posso meter a colherada. Constatei ao longo dos anos que os nossos militares foram adulterando o crioulo não só quanto à correcta pronúncia como, até, alterando o real significado das palavras. Muitas vezes acontecia que eram os velhinhos, para alardear a sua sabedoria perante os maçaricos ou periquitos que os iniciavam no conhecimento da língua. O resultado foi que, sendo muitos desses ensinamentos errados, assim permaneceram e se divulgaram criando-se uma variante de crioulo que poderemos chamar crioulo de caserna. Para quem o utiliza, está correcto atendendo a que sabem exactamente o que pretendem dizer; mas, para outros, fora dos meandros desta variante soa estranhamente. Aqui está um tema interessante para estudo dos filólogos. Alguns exemplos:
(i) O José Teixeira, o Pastilhas da CCAÇ 2381, no seu diário que não perco e tanto me encanta - e, por que não confessar?, me comove (parabéns Teixeira, um especial abraço para ti) - usa frequentemente a expressão manga de chocolate. Julgo que ele pretende dizer manga de sakalata que significa muita confusão, muitos sarilhos ou dificuldades. A expressão sakalata é muito utilizada quando se pretende indicar que existe confusão, problemas ou discussão conflituosa. Dessa palavra deriva sakalatado que se aplica a uma coisa esquisita ou insólita.
(ii) Mais exemplos da adulteração do criôlo de caserna: a palavra máfè. E aqui abro um parentesis para dizer que tanto ouvi pronunciar máfe, tónica em má e sílaba fé aberta, como mafé com a tónica em fé. E porquê? Porque a pronúncia das palavras, tal como acontece em Portugal, varia de região para região. Por exemplo, tchora (chorar) se dita por um manjaco soa com um “x” bem carregado; se for um papel, ouviremos “sora”. Regressando a máfe, que já vi no blogue traduzida como peixe, refere-se a qualquer acompanhamento do arroz (quando cozido toma o nome de bianda). É, comparativamente, aquilo que em Portugal chamamos conduto ou presigo. Claro que, por contingência, a maior parte das vezes o máfé era peixe, sobretudo peixe seco a que chamam kasseké. Quando o arroz cozinhado não tem máfé, diz-se rôz kuntango ou simplesmente kuntango.
(iii) Também é frequente a expressão partir mantenha com o sentido de cumprimentar. Começarei por esclarecer que no crioulo não existe o “r” final no infinito dos verbos. Deve dizer-se parte (dar ou oferecer). Parti´m (dá - me). Partíbu (dou-te). A confusão deve-se, suponho, à tentativa de adaptar a maneira como se fala o português ao crioulo. Claro que não funciona porque, enquanto nós dizemos dar os bons dias (daí o partir, dar) em criou não se utiliza o dar cumprimentos, mas sim falar. Desta forma, o correcto será, fala mantenha.
(iv) palavra que surge com frequência com significado errado é djubi, atribuído a menino ou rapaz. Menino diz-se minino e por vezes, de uma forma mais carinhosa, mininozinho ou rapazinho. Djubi, significa olha, vê e é também utilizado como forma de chamamento substituindo o nome da pessoa chamada. Passa-se o mesmo em português quando pretendendo chamar alguém dizemos: - Olha.
Peço desculpa por esta grande seca. A intenção é boa mas acabo por ser quezilento. Reconheço.
Chega. Tenho de ir ao baú desencantar algumas fotos em que está o Domingos Ramos para enviar brevemente com a pequena história da minha vivência com o que foi um dos primeiros e dos mais importantes chefes da guerrilha do PAIGC.
© José Teixeira (2006)
Textod o Mário Dias (ex-sargento comando, Brá, 1963/66)
Caro Luis Graça, caros camardas de tertúlia:
A propósito dos comentários de nosso amigo J. Mussá Biai sobre a forma correcta de escrever o crioulo (criôlo?) é bom que nos vá elucidando. Por mim, que falo razoavelmente bem o criôlo, também se depara a dificuldade de o escrever porque esse dialecto só recentemente tem sido passado à fase de escrita. Pelo menos, que eu saiba, no tempo chamado colonial não existia qualquer gramátia nem textos escritos, com excepção de pequenas frases que alguns estudiosos e pesquisadores transcreviam, cada um o fazendo segundo uma transcrição fonética das palavras tal como elas soavam aos ouvidos. Apenas havia uma tímida tentativa em Cabo Verde, por parte de alguns intelectuais e escritores, de escrever poemas e outros textos -e alguns foram publicados- mas que tinham um forte oposição do regime de então que não admitia o criôlo como língua.
O Mussa Biai que desculpe as nossas deficiências e nos vá elucidando. E aproveito para lhe pedir que me informe onde posso adquirir uma gramática ou compêndio actualizado que me esclarece sobre esta matéria. Sei que recentemente foi publicado um dicionário de português-criolo de Cabo Verde (versão da ilha de Santiago). Iniciativa de louvar, mas que não adianta muito a quem pretende o criôlo (crioulo?) da Guiné, tão diferentes são.
Eu saí da Guiné em 1966. Desde essa altura, muita água correu pelo Pidjiguiti e, sendo as línguas, todas elas, dinâmicas e por isso sujeitas a constantes alterações não só na sua pronúncia como até na semântica, pergunto-lhe se a palavra djila que diz se deve escrever guila deixou de se pronunciar gila passando a guila com o "g" na sua função de consoante gutural.
Também o significado desta palavra era, no meu tempo, tal como diz o José Teixeira, simultaneamente comerciante ambulante e contrabandista, no sentido de que comerciavam produtos que traziam sobretudo do Senegal e passavam a fronteira sem controlo alfandegário. Não havia qualquer espécie de menosprezo nesse julgamente pelo contrário: todos aproveitavamos e apreciavamos os serviços que prestavam.
Recordo-me que, em Farim, todos aguardavamos com alguma ansiedade os djilas que vinham de Kolda e até de Ziguinchor com os seus fornecimentos de artigos franceses (eu era habitual cliente da água de colónia Soir de Paris. Para lá, na volta, levavam tabaco em folha, meadas de algodão e sobretudo nozes de cola produzidas na região de Cacine. Essa actividade era de tal forma importante, que deu origem à expressão djilandade, usada para caracterizar uma acção menos séria.
Como já me alonguei muito, voltarei em breve a este tema que tanto me fascina . Mas antes de terminar atrevo-me a saudar o José Mussa Biai em mandinga, mesmo correndo o risco de não escrever correctamente mas apenas como a frase me soava e soa: Kaera sita?
Um abraço, meus amigos.
Mário Dias
Mais conversas sobre o crioulo
Continuando a divagar sobre o crioulo (criôlo), que tanto me encanta, começo por dizer que não lhe resisto sempre que para tal tenho ocasião. É frequente nas minhas deslocações a Lisboa, ao tomar o barco no Barreiro, ouvir guineenses a falar criôlo. Tenho que meter conversa. É uma surpresa para eles e também motivo de alegria para ambas as partes. E já tem acontecido, durante os nossos diálogos, serem referidas pessoas conhecidas dos participantes na cavaqueira.
O crioulo é uma língua, ou dialecto (deixo a definição para os filólogos) com uma enorme riqueza de expressões idiomáticas que, apenas quem as entenda em toda a sua plenitude e envolvência, consegue captar o seu verdadeiro significado e alcance. Isso só se consegue dominando bem a língua e, sobretudo, conhecendo os hábitos, usos, costumes e filosofia de vida dos naturais da Guiné.
Como exemplo, vou contar uma caso que se passou e que ilustra bem o quanto uma expressão dita em crioulo tem um impacto e uma graça que se perde dita em português.
Aconteceu em Bissau. Na altura, eu trabalhava na NOSOCO, cujo edifício serviu durante a guerra como sede e armazém da Manutenção Militar. Um dos meus colegas, o senhor Martins, respeitável guineense, de veneranda carapinha branca, encarregado do armazém daquela companhia, teve a infelicidade de perder um familiar. Morava no chamado Bissau Velho, próximo da fortaleza da Amura. Eu e mais alguns colegas deslocámo-nos a sua casa a fim de lhe prestarmos a nossa solidariedade. Num dos compartimentos estava a urna do defunto rodeada de muitos familiares e amigos carpindo o infausto acontecimento.
Dirigi-me a ele com as palavras usuais destas ocasiões. Como o vi bastante abatido e ansioso perguntei-lhe como se estava a sentir. Resposta pronta em crioulo que me arrancou uma escandalosa gargalhada que de imediato tentei reprimir, dadas as circunstâncias:
- Casa inchi kum. Nim kau de tira pide ká tem.- Creio que compreendem o significado que é:
- A casa está tão cheia, que nem existe um sítio onde se possa dar um peido.- Esta frase, dita em português, perde todo o impacto que o crioulo lhe dá. É como um poema traduzido para outra língua: esvazia-se grande parte do sentir que o poeta lhe deu.
A tentativa dos ex-militares que serviram na Guiné de usarem o crioulo, só demonstra o quanto foi e é grande a nossa vontade de entender aquele povo. Aliás, isso faz parte da característica dos portugueses que sempre souberem mesclar-se e tenta compreender os povos que foram conhecendo por esse mundo fora.
Essa vontade de comunicar na língua que as populações usavam maioritariamente, ou seja, o crioulo, é disso prova e o prazer que se espelha nas frases que vão partilhando com os restantes tertulianos, mesmo ao fim de todos estes mais de 30 anos (para alguns muito mais), é enternecedora.
Acontece, porém, que a grafia e o próprio significado que pretendem atribuir às palavras não é o mais correcto. Quanto à grafia, nada vou acrescentar pois, também eu, a esse respeito, sou um ignorante. As regras ortográficas, quanto julgo saber, só agora estão a ser objecto de estudo e implementação. Trabalho árduo deverá ser!
No que se refere à semântica, tanto de palavras como de expressões idiomáticas, aí já posso meter a colherada. Constatei ao longo dos anos que os nossos militares foram adulterando o crioulo não só quanto à correcta pronúncia como, até, alterando o real significado das palavras. Muitas vezes acontecia que eram os velhinhos, para alardear a sua sabedoria perante os maçaricos ou periquitos que os iniciavam no conhecimento da língua. O resultado foi que, sendo muitos desses ensinamentos errados, assim permaneceram e se divulgaram criando-se uma variante de crioulo que poderemos chamar crioulo de caserna. Para quem o utiliza, está correcto atendendo a que sabem exactamente o que pretendem dizer; mas, para outros, fora dos meandros desta variante soa estranhamente. Aqui está um tema interessante para estudo dos filólogos. Alguns exemplos:
(i) O José Teixeira, o Pastilhas da CCAÇ 2381, no seu diário que não perco e tanto me encanta - e, por que não confessar?, me comove (parabéns Teixeira, um especial abraço para ti) - usa frequentemente a expressão manga de chocolate. Julgo que ele pretende dizer manga de sakalata que significa muita confusão, muitos sarilhos ou dificuldades. A expressão sakalata é muito utilizada quando se pretende indicar que existe confusão, problemas ou discussão conflituosa. Dessa palavra deriva sakalatado que se aplica a uma coisa esquisita ou insólita.
(ii) Mais exemplos da adulteração do criôlo de caserna: a palavra máfè. E aqui abro um parentesis para dizer que tanto ouvi pronunciar máfe, tónica em má e sílaba fé aberta, como mafé com a tónica em fé. E porquê? Porque a pronúncia das palavras, tal como acontece em Portugal, varia de região para região. Por exemplo, tchora (chorar) se dita por um manjaco soa com um “x” bem carregado; se for um papel, ouviremos “sora”. Regressando a máfe, que já vi no blogue traduzida como peixe, refere-se a qualquer acompanhamento do arroz (quando cozido toma o nome de bianda). É, comparativamente, aquilo que em Portugal chamamos conduto ou presigo. Claro que, por contingência, a maior parte das vezes o máfé era peixe, sobretudo peixe seco a que chamam kasseké. Quando o arroz cozinhado não tem máfé, diz-se rôz kuntango ou simplesmente kuntango.
(iii) Também é frequente a expressão partir mantenha com o sentido de cumprimentar. Começarei por esclarecer que no crioulo não existe o “r” final no infinito dos verbos. Deve dizer-se parte (dar ou oferecer). Parti´m (dá - me). Partíbu (dou-te). A confusão deve-se, suponho, à tentativa de adaptar a maneira como se fala o português ao crioulo. Claro que não funciona porque, enquanto nós dizemos dar os bons dias (daí o partir, dar) em criou não se utiliza o dar cumprimentos, mas sim falar. Desta forma, o correcto será, fala mantenha.
(iv) palavra que surge com frequência com significado errado é djubi, atribuído a menino ou rapaz. Menino diz-se minino e por vezes, de uma forma mais carinhosa, mininozinho ou rapazinho. Djubi, significa olha, vê e é também utilizado como forma de chamamento substituindo o nome da pessoa chamada. Passa-se o mesmo em português quando pretendendo chamar alguém dizemos: - Olha.
Peço desculpa por esta grande seca. A intenção é boa mas acabo por ser quezilento. Reconheço.
Chega. Tenho de ir ao baú desencantar algumas fotos em que está o Domingos Ramos para enviar brevemente com a pequena história da minha vivência com o que foi um dos primeiros e dos mais importantes chefes da guerrilha do PAIGC.
Guiné 63/74 - P442: O Rali Porto-Bissau (1): Jantar em Moreira de Cónegos (Marques Lopes)
Moreira de Cónegos, Guimarães > Janeiro de 2006 > O grupo jantarista e excursionista que vai fazer o Rali Porto-Bissau, no próximo mês de Abril, confraternizando num restaurante nortenho...
© A. Marques Lopes (2006)
Texto do A. Marques Lopes
Camaradas e amigos:
Para saberem quem são estes alegres convivas:
(i) de pé, a contar da esquerda: Franscisco Allen, M. Lopes, Albano Costa, Casimiro e Hugo Costa;
(ii) assentados (nem se conseguiram levantar!), a contar da esquerda - Manuel Costa e Armindo.
Anteontem, 18 de Janeiro, este belo grupo (perdoem a modéstia) juntou-se num jantar num restaurante em Moreira de Cónegos, mesmo pegado ao estádio do valoroso clube Moreirense. Esta iniciativa, do Allen, teve como objectivo juntar os elementos que vão participar no, já anunciado, Rali Porto-Bissau, a fim de afinar alguns aspectos da sua preparação. E os participantes serão: Allen, M. Lopes, Hugo Costa (filho do Albano), Manuel Costa (primo do mesmo Albano) e Armindo.
A data da partida ficou marcada para 5 de Abril às 07H00. A ideia é chegarmos um dia antes dos participantes no Rali por via aérea, que irão a 14 de Abril (ou para podermos estar nessa data em Bissau, no caso de haver algum atraso pelo caminho), e que são:
(i) Carlos Marques dos Santos, de Coimbra,
(ii) Casimiro e Ernesto, do Porto,
(iii) António Almeida e um camarada DFA, o José Clímaco Saagum, soldado do 1.º Pelotão da Cart 2339 ferido, em 19 de Setembro de 1968 (segundo informação do Carlos Marques dos Santos).
O regresso está previsto para todos a 28 de Abril, de avião.
Foi um bonito convívio de ex-combatentes que mostraram ser um grupo coeso, na solidariedade e amor à Guiné, e à volta do pica-miolos que o Armindo encomendou. O Albano, que mostrou ser um sentimentalão, desabafou:
- Apesar de tudo, se não tivesse havido guerra na Guiné não estávamos aqui todos neste convívio... Era bom que a nossa tertúlia se juntasse um dia.
Já devem ter perguntado por aquela pretinha que aparece do lado direito. É a Kombi, uma guineense de 27 anos, que trabalha no Algarve e que decidiu vir visitar o Porto. Como é conhecida do Manuel Costa, este convidou-a para ir ao pica-miolos também.
No futuro haverá certamente mais notícias.
A. Marques Lopes
Guiné 63/74 - P441: Estou emocionado (J.C. Mussá Biai)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 2006 > A escola
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Meu caro Luís:
Estou emocionado!...
Já nem deu para ler o texto do Dr. Paulo Salgado.
As fotos falam por si. Os locais por onde brinquei, onde dei alguns mergulhos... Melhor, ainda as pessoas que me viram nascer, que cuidaram de mim e com quem partilhei refeições, angústias e alegrias. Estou a referir-me aos meus irmaõs mais velhos (sim, meus irmãos de sangue) e de um primo-irmão dos quais lhe falei.
Os meus irmãos são, Fodé Biai, o primeiro a contar da direita para a esquerda e Bacar Biai, o segundo na mesma ordem e Malam Mané, o quarto, dos que estão de pé.
O Fodé e o Malam cumpriram o serviço militar em Farim e depois Bissau, sendo o Malam depois transferido para Bambadinca. O Bacar sempre esteve em Xime.
Guiné-Bissau > Região de Baftá > Xime > 2006 > Antigos combatentes que estiveram ao lado dos tugas... Entre eles, dois irmãos e um primo do José Carlos, membro da nossa tertúlia...
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
O curioso de tudo isso, quem tirou as fotografias é um colega meu, o Domingos Fonseca, trabalhei junto com ele na Escola do Ensino Básico Preparatório Amizade Guiné Bissau - Suécia, em Bissau. Ele leccionava a língua portuguesa e eu matemática, antes de ele ir tirar o curso de engenheiro técnico agrário na Argélia. Estive com ele no ano 2000 em São Domingos onde ele estava como responsável de AD.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 2006 > A rua principal do Xime...
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Um abraço amigo.
José C. Mussá Biai (1)
Engº Florestal
Instituto Geográfico Português (IGP)
Departamento de Conservação Cadastral (DCC)
Tel. 213819600 Ext. 310
Fax. 213819693
____________
Nota de L.G.
(1) vd posts de 9 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1); e de 10 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2)
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Meu caro Luís:
Estou emocionado!...
Já nem deu para ler o texto do Dr. Paulo Salgado.
As fotos falam por si. Os locais por onde brinquei, onde dei alguns mergulhos... Melhor, ainda as pessoas que me viram nascer, que cuidaram de mim e com quem partilhei refeições, angústias e alegrias. Estou a referir-me aos meus irmaõs mais velhos (sim, meus irmãos de sangue) e de um primo-irmão dos quais lhe falei.
Os meus irmãos são, Fodé Biai, o primeiro a contar da direita para a esquerda e Bacar Biai, o segundo na mesma ordem e Malam Mané, o quarto, dos que estão de pé.
O Fodé e o Malam cumpriram o serviço militar em Farim e depois Bissau, sendo o Malam depois transferido para Bambadinca. O Bacar sempre esteve em Xime.
Guiné-Bissau > Região de Baftá > Xime > 2006 > Antigos combatentes que estiveram ao lado dos tugas... Entre eles, dois irmãos e um primo do José Carlos, membro da nossa tertúlia...
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
O curioso de tudo isso, quem tirou as fotografias é um colega meu, o Domingos Fonseca, trabalhei junto com ele na Escola do Ensino Básico Preparatório Amizade Guiné Bissau - Suécia, em Bissau. Ele leccionava a língua portuguesa e eu matemática, antes de ele ir tirar o curso de engenheiro técnico agrário na Argélia. Estive com ele no ano 2000 em São Domingos onde ele estava como responsável de AD.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 2006 > A rua principal do Xime...
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Um abraço amigo.
José C. Mussá Biai (1)
Engº Florestal
Instituto Geográfico Português (IGP)
Departamento de Conservação Cadastral (DCC)
Tel. 213819600 Ext. 310
Fax. 213819693
____________
Nota de L.G.
(1) vd posts de 9 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1); e de 10 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2)
quinta-feira, 19 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P440: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (8): Chamarra, Janeiro de 1969
Guiné-Bissau > Chamarra > Novembro de 2000 > Chamarra, o guineense, menino no tempo da guerra colonial, entre o Albano (à direita) e o Camilo (à esquerda) levou-nos ao local onde era o posto avançado de Chamarra e havia esta placa guardada religiosamente: indicava Gatos Negros, CART 1612 (?)
© Albano Costa (2006)
Guiné-Bissau > Chamarra > Novembro de 2000 > Vestígios da presença dos tugas, a CART 1612 (?), "bravos e leais" ... É espantosa a emoção com que se mostram (os guineenses) e se (re)descobrem (os portugueses) estes toscos marcos da nossa passagem por terras da Guiné...
© Albano Costa (2006)
Curta mensagem do Albano Costa:
Caro Luís Graça: Lembrei-me de enviar estas fotos de Chamarra... o José Teixeira merece ver estas fotos foram tiradas num dos postos avançados da Chamarra, em Novembro de 2000. O diário dele está muito interessante.
Um abraço,
Albano Costa.
__________________
Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):
Mampatá, 5 de Janeiro de 1969
Estou de volta a Mampatá, depois de uma coluna a Buba. Se todas as colunas de abastecimento fossem como esta, não me importava de fazer colunas. Estiveram cerca de 400 homens em movimento e cerca de 30 Km de marcha (60 km em dois dias) por picada e bolanha sem que o IN desse sinal de vida. Tive assim oportunidade de conhecer mais uma tabanca, ou seja Nhala, onde encontrei amigos da CCAÇ 2382.
Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.
A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada).
A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (1)...
Chamarra, 10 de Janeiro de 1969
Chamarra é o meu novo habitat desde ontem. A despedida de Mampatá foi triste, chocante mesmo. Custou-me imenso deixar aquela gente que me ensinou que o Africano, sendo compreendido e ajudado, torna-se um amigo sincero. Alguns membros da comunidade foram pedir ao Chefe de Tabanca, Alferes Aliu Balde, para eu ficar. Este foi a Aldeia Formosa pedir ao Capitão, mas como o meu Pelotão segui para Buba e apenas ficou o 1º Pelotão em Chamarra, o Capitão autorizou que eu ficasse na Chamarra e viesse uma vez por semana a Mampatá dar apoio ao Enfermeiro da Milícia que me vai substituir, dado que a defesa de Mampatá ficou entregue a um Pelotão de milicia (2) A festa de despedida foi mais uma vez chocante para mim.
Chamarra é pequenina. Só meia dúzia de moranças e os habitantes parecem que também são boas pessoas.
Chamarra, 16 de Janeiro de 1969
Gadamael foi teatro de uma das maiores lutas no Ultramar entre a Força Aérea e o IN. O resultado, pelo que dizem demonstra bem o poder da aviação e sobretudo mostra que os homens se matam sem compaixão e mesmo neste caso em que as nossas forças lutam para manter a ordem não há homem, creio eu, que não sinta o coração sangrando, quando vê o inimigo a sofrer, numa luta desigual.
Gadamael estava a ser atacada como nunca qualquer outra população da Guiné. Muitos homens, com as melhores armas, algumas utilizadas pela 1ª vez. Atacavam de longe ao ponto de os colegas de Gadamael pensarem que o ataque se dirigia a um sítio de ninguém, daí pediram à FA [Força Aérea] para bater a zona.
Quando os Fiat sobrevoaram o IN foram metralhados por uma quárupla antiaérea. Deixaram 200 kg da sua carga mortífera e foram buscar mais. Os T 6 (Bombardeiros) apareceram também e durante duas horas foi um descarregar de bombas. Nós só víamos os aviões à distância e ouvíamos o estrondo dos rebentamentos, mas calculamos que tenha sido uma luta terrível, tal a quantidade de chocolate que estourou. Eu imagino o chão juncado de cadáveres, regado com o sangue dos mortos e feridos, imagino os gritos lancinantes dos feridos ao verem a vida a fugir-lhe. Parece-me que estou a ver os que ficaram ilesos carregar os mortos.
Dentro de mim há uma confusão tremenda. A paz consegue-se fazendo a guerra. impondo-a até certo ponto através das armas que matam. É certo que aqueles queriam fazer guerra, estavam a atacar uma população que quer a paz, que quer ir para o seu trabalho na bolanha sem arma, sem medo que alguém lhe surja no caminho com intenções assassinas. Uma população que quer viver na sua tabanca despreocupada, sem precisar de correr a toda a hora para um abrigo e dormir debaixo de terra para não ser surpreendida, uma população que quer viver sem precisar de matar, mas haverá homens com coração de pedra que não sinta tanta morte, homens que foram levados talvez à força ou com uma dose maior de vinho de palma, como consta que acontece muita vez...
Dizem-nos que temos de fazer a guerra para impor a paz, que aqueles que morreram e os que ainda estão vivos, são um perigo para a sociedade guineense. Eu e os meus camaradas, tantos outros, já sofremos muito por sua causa. Arriscamos a nossa vida a todo o momento por causa dessas mãos assassinas, cujo prazer é matar. Um prazer cego ao ponto de verem os seus camaradas morrerem às dúzias e continuarem a luta. Será prazer, ou será a convicção da sua razão que os faz lutar ?
Porque é que estes homens querem a guerra, quando podiam viver em paz, do seu trabalho, na sua Tabanca, no seu lar com os seus filhos ? Que os faz lutar ? Que faço eu no meio disto tudo ? (3)
Chamarra, 23 de Janeiro de 1969
É tremendamente chocante ver morrer um camarada na guerra, mas custa muito mais quando se morre por acidente, por descuido e sobretudo quando a morte é causada por vingança de outrem.
Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.
Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer.
Chamarra, 25 de Janeiro de 1969
A minha Companhia está de luto. Tantas colunas de abastecimento de Aldeia Formosa para Buba e vice versa, de Aldeia para Gandembel e na última que fazia, quando se retirava para Buba, um soldado que nunca saíra para o mato por estar impedido à Secretaria morreu. Dizem que foi por descuido, pois parece que ia em cima de uma viatura quando rebentou a primeira emboscada, saltou, reagiu com os outros ao IN e saltou novamente para o matador. Alguns metros à frente rebentou uma mina e foi projectado a grande altura, morrendo segundo consta, algumas horas mais tarde no Hospital de Bissau. Fim de Janeiro triste...
Chamarra, 30 de Janeir de 1969
Já segui para Bissau, sob prisão, um soldado branco suspeito de ser o causador dos mortos em Aldeia Formosa no dia 22. Afinal o Russo, impedido à Secretaria, que foi ferido na mina anticarro que destruiu o matador, não morreu, nem ficou sem pernas. De qualquer modo segui para Bissau bastante ferido num braço. A guerra para ele acabou.
_____
Notas de L.G./J.T.
(1) Vd o resto do diário, referente à Maimuna, no post de 31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVI: Maimuna, uma história de amor (José Teixeira) (L.G.)
(2) Soube um ano depois, após a queda de Gandembel, que a situação piorou de tal maneira que foi lá colocada um Companhia (J.T.)
(3) Que admiração tenho hoje por este povo, pobre e humilde, puramente selvagem Como eu gostava, hoje, de ser selvagem como eles. Amavam a sua terra, queriam ser donos do seu próprio destino. Lutavam. Sacrificavam-se, palmilhando quilómetros e mais quilómetros, para dizerem:
- Estamos aqui na nossa terra, ide-vos embora! -, como tantas vezes ouvi, através do troar das suas armas, que teimosamente se recusavam acertar no alvo ou mesmo nas populações ditas fiéis, nas Tabancas por onde passei.
Um dia o Raul Fodé de Empada,, meu companheiro na profissão de assistir a população em cuidados de saúde nos seus poucos conhecimentos de enfermagem colhidos no contacto com a tropa portuguesa, em Empada, pessoa culta, teólogo muçulmano, disse-me:
- Tixeira nos queremos que tu firma na Guiné. Deissa arma e vem na Tabanca.- … [Teixeira, queremos que tu fiques aqui. Deixa a tua arma e vem para a nossa tabanca]... Deixa a tua arma, abandona o teu exército!, ele que acompanhava esse mesmo exército com a sua arma igual à minha, a bolsa de Enfermeiro...
© Albano Costa (2006)
Guiné-Bissau > Chamarra > Novembro de 2000 > Vestígios da presença dos tugas, a CART 1612 (?), "bravos e leais" ... É espantosa a emoção com que se mostram (os guineenses) e se (re)descobrem (os portugueses) estes toscos marcos da nossa passagem por terras da Guiné...
© Albano Costa (2006)
Curta mensagem do Albano Costa:
Caro Luís Graça: Lembrei-me de enviar estas fotos de Chamarra... o José Teixeira merece ver estas fotos foram tiradas num dos postos avançados da Chamarra, em Novembro de 2000. O diário dele está muito interessante.
Um abraço,
Albano Costa.
__________________
Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):
Mampatá, 5 de Janeiro de 1969
Estou de volta a Mampatá, depois de uma coluna a Buba. Se todas as colunas de abastecimento fossem como esta, não me importava de fazer colunas. Estiveram cerca de 400 homens em movimento e cerca de 30 Km de marcha (60 km em dois dias) por picada e bolanha sem que o IN desse sinal de vida. Tive assim oportunidade de conhecer mais uma tabanca, ou seja Nhala, onde encontrei amigos da CCAÇ 2382.
Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.
A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada).
A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (1)...
Chamarra, 10 de Janeiro de 1969
Chamarra é o meu novo habitat desde ontem. A despedida de Mampatá foi triste, chocante mesmo. Custou-me imenso deixar aquela gente que me ensinou que o Africano, sendo compreendido e ajudado, torna-se um amigo sincero. Alguns membros da comunidade foram pedir ao Chefe de Tabanca, Alferes Aliu Balde, para eu ficar. Este foi a Aldeia Formosa pedir ao Capitão, mas como o meu Pelotão segui para Buba e apenas ficou o 1º Pelotão em Chamarra, o Capitão autorizou que eu ficasse na Chamarra e viesse uma vez por semana a Mampatá dar apoio ao Enfermeiro da Milícia que me vai substituir, dado que a defesa de Mampatá ficou entregue a um Pelotão de milicia (2) A festa de despedida foi mais uma vez chocante para mim.
Chamarra é pequenina. Só meia dúzia de moranças e os habitantes parecem que também são boas pessoas.
Chamarra, 16 de Janeiro de 1969
Gadamael foi teatro de uma das maiores lutas no Ultramar entre a Força Aérea e o IN. O resultado, pelo que dizem demonstra bem o poder da aviação e sobretudo mostra que os homens se matam sem compaixão e mesmo neste caso em que as nossas forças lutam para manter a ordem não há homem, creio eu, que não sinta o coração sangrando, quando vê o inimigo a sofrer, numa luta desigual.
Gadamael estava a ser atacada como nunca qualquer outra população da Guiné. Muitos homens, com as melhores armas, algumas utilizadas pela 1ª vez. Atacavam de longe ao ponto de os colegas de Gadamael pensarem que o ataque se dirigia a um sítio de ninguém, daí pediram à FA [Força Aérea] para bater a zona.
Quando os Fiat sobrevoaram o IN foram metralhados por uma quárupla antiaérea. Deixaram 200 kg da sua carga mortífera e foram buscar mais. Os T 6 (Bombardeiros) apareceram também e durante duas horas foi um descarregar de bombas. Nós só víamos os aviões à distância e ouvíamos o estrondo dos rebentamentos, mas calculamos que tenha sido uma luta terrível, tal a quantidade de chocolate que estourou. Eu imagino o chão juncado de cadáveres, regado com o sangue dos mortos e feridos, imagino os gritos lancinantes dos feridos ao verem a vida a fugir-lhe. Parece-me que estou a ver os que ficaram ilesos carregar os mortos.
Dentro de mim há uma confusão tremenda. A paz consegue-se fazendo a guerra. impondo-a até certo ponto através das armas que matam. É certo que aqueles queriam fazer guerra, estavam a atacar uma população que quer a paz, que quer ir para o seu trabalho na bolanha sem arma, sem medo que alguém lhe surja no caminho com intenções assassinas. Uma população que quer viver na sua tabanca despreocupada, sem precisar de correr a toda a hora para um abrigo e dormir debaixo de terra para não ser surpreendida, uma população que quer viver sem precisar de matar, mas haverá homens com coração de pedra que não sinta tanta morte, homens que foram levados talvez à força ou com uma dose maior de vinho de palma, como consta que acontece muita vez...
Dizem-nos que temos de fazer a guerra para impor a paz, que aqueles que morreram e os que ainda estão vivos, são um perigo para a sociedade guineense. Eu e os meus camaradas, tantos outros, já sofremos muito por sua causa. Arriscamos a nossa vida a todo o momento por causa dessas mãos assassinas, cujo prazer é matar. Um prazer cego ao ponto de verem os seus camaradas morrerem às dúzias e continuarem a luta. Será prazer, ou será a convicção da sua razão que os faz lutar ?
Porque é que estes homens querem a guerra, quando podiam viver em paz, do seu trabalho, na sua Tabanca, no seu lar com os seus filhos ? Que os faz lutar ? Que faço eu no meio disto tudo ? (3)
Chamarra, 23 de Janeiro de 1969
É tremendamente chocante ver morrer um camarada na guerra, mas custa muito mais quando se morre por acidente, por descuido e sobretudo quando a morte é causada por vingança de outrem.
Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.
Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer.
Chamarra, 25 de Janeiro de 1969
A minha Companhia está de luto. Tantas colunas de abastecimento de Aldeia Formosa para Buba e vice versa, de Aldeia para Gandembel e na última que fazia, quando se retirava para Buba, um soldado que nunca saíra para o mato por estar impedido à Secretaria morreu. Dizem que foi por descuido, pois parece que ia em cima de uma viatura quando rebentou a primeira emboscada, saltou, reagiu com os outros ao IN e saltou novamente para o matador. Alguns metros à frente rebentou uma mina e foi projectado a grande altura, morrendo segundo consta, algumas horas mais tarde no Hospital de Bissau. Fim de Janeiro triste...
Chamarra, 30 de Janeir de 1969
Já segui para Bissau, sob prisão, um soldado branco suspeito de ser o causador dos mortos em Aldeia Formosa no dia 22. Afinal o Russo, impedido à Secretaria, que foi ferido na mina anticarro que destruiu o matador, não morreu, nem ficou sem pernas. De qualquer modo segui para Bissau bastante ferido num braço. A guerra para ele acabou.
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Notas de L.G./J.T.
(1) Vd o resto do diário, referente à Maimuna, no post de 31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVI: Maimuna, uma história de amor (José Teixeira) (L.G.)
(2) Soube um ano depois, após a queda de Gandembel, que a situação piorou de tal maneira que foi lá colocada um Companhia (J.T.)
(3) Que admiração tenho hoje por este povo, pobre e humilde, puramente selvagem Como eu gostava, hoje, de ser selvagem como eles. Amavam a sua terra, queriam ser donos do seu próprio destino. Lutavam. Sacrificavam-se, palmilhando quilómetros e mais quilómetros, para dizerem:
- Estamos aqui na nossa terra, ide-vos embora! -, como tantas vezes ouvi, através do troar das suas armas, que teimosamente se recusavam acertar no alvo ou mesmo nas populações ditas fiéis, nas Tabancas por onde passei.
Um dia o Raul Fodé de Empada,, meu companheiro na profissão de assistir a população em cuidados de saúde nos seus poucos conhecimentos de enfermagem colhidos no contacto com a tropa portuguesa, em Empada, pessoa culta, teólogo muçulmano, disse-me:
- Tixeira nos queremos que tu firma na Guiné. Deissa arma e vem na Tabanca.- … [Teixeira, queremos que tu fiques aqui. Deixa a tua arma e vem para a nossa tabanca]... Deixa a tua arma, abandona o teu exército!, ele que acompanhava esse mesmo exército com a sua arma igual à minha, a bolsa de Enfermeiro...
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