1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71, enviou-nos mais uma estória:
Amigos e Camaradas,
Tinha o meu “carregador” cheio e uma bala na câmara, puxei a culatra atrás e os “tiros” começaram a sair.
Como tem sido hábito, ultimamente, tenho vindo a rebuscar os meus velhos textos de Mamapatá, que me têm avivado a memória e me têm transportado a esses meus anos de juventude, e tenho-os enviado para partilhar convosco no “nosso” blogue.
Acho que descobri uma fórmula mágica do rejuvenescimento.
Aqui vos envio mais uma das estórias que então memorizei:
"A MINHA QUERIDA BAJUDA"
Quando a minha companhia chegou a Mampatá, tudo era precário a começar pela inexistência de instalações, pelo que logo começamos, com o nosso habitual e engenhoso desenrascanço, a procurar abrigos em plena tabanca, com a complacência, mais ou menos consentida e com sinais de maior ou menor simpatia, dos naturais da localidade.
Depressa nos adaptamos àquele lugar e às condições rudes em que vivíamos. Aos poucos e a troco de algum “patacão”, lá fomos arranjando locais próprios, o mais possível a nosso jeito e satisfação mínimas, para as nossas futuras “moranças”.
No mercado de trabalho de Mampatá procuramos arranjar alguém, para nos lavar a roupa e, nalguns casos, " lavar o corpinho" como era conhecido o tratamento físico e mais íntimo na época.
Tive a sorte de conhecer a Maria - uma bajuda Fula, linda e limpa -, que me tratava da roupa e da minha “habitação”.
Ao princípio olhava-me de lado, com ar desconfiado e recatado, fruto evidente dos aconselhamentos das “Mulheres Grandes” e da doutrina da “religião de Alá”, que ela professava e que, logicamente, proibia as mulheres de conviverem com estranhos e, ou, de raça diferente.
A estes factos juntava-se a sua tenra juventude, dado ela ser ainda bajuda, pelo que a Maria se refugiava em curtos e imperceptíveis monossílabos, para responder às minhas perguntas.
Só conseguia desfrutar o seu arrebatador e lindo sorriso, quando lhe pagava os serviços prestados, ou lhe dava alguma prenda (ronco) que conseguia angariar.
Ainda hoje cismo, por não me conseguir lembrar onde desencantava o raio do “ronco”, com que periodicamente lhe dava as prendas…
Com o correr dos tempos e já integrados nos conceitos e hábitos dos naturais da aldeia, e com a confiança dos seus “Homens Grandes”, lá fomos abrindo as portas da confiança e do convívio mais intrínseco com aquela maravilhosa gente guineense.
A Maria bem como as restantes bajudas, também se foram tornando mais afáveis e cúmplices com a tropa ali estacionada.
Quem não via com bons olhos a coisa e começou a ficar preocupado, foi o nosso comandante, porque o pessoal começava a dar sinais de desejos “suspeitos”, pelas bajudas que por ali circulavam de maminhas rijas e ao léu.
Quando tive a infelicidade, ou a “sorte”, de ser ferido com uma bala num braço - que obrigou a ficar engessado e ao peito -, fiquei grande parte do tempo do restabelecimento em Mampatá.
Passei então os dias a divagar pela tabanca, onde os “Homens Grandes” me demonstravam um respeito enorme, como se eu tivesse sido protagonista de um grande feito.
A “minha querida” Maria nesse período sabe-se lá porquê, tornou-se mais assídua aos meus aposentos, ficando mais tempo que o habitual comigo e procurando ser amável e carinhosa, não temendo, como até ali receava, o falatório das “Mulheres Grandes”.
Para minha surpresa agradável, num qualquer dia radiante do ano de 1970, o inevitável aconteceu, a Maria - “minha” bajuda preferida -, entregou-se-me totalmente numa tarde infindável de prazer e luxúria sexual.
Parece que ainda hoje revejo e sinto aquele corpinho mais lindo e brilhante, na sua inebriante e magnética cor de ébano.
Ficávamos tardes inteiras a “fazer amor” e repartindo mil conversas próprias das nossas sadias e frescas juventudes.
Passada a surpresa inicial e sanados na prática os meus desejos mal contidos há bastante tempo no meu pensamento, comecei a reparar que a minha querida bajuda, não correspondia com qualquer tipo de sinal de prazer aos meus ímpetos amorosos, que eu julgava que deveriam ser exteriorizados e próprios da sua idade.
Questionei-a admirado, e ela esclareceu a minha ignorância (como leigo que sou dos ditames do Alcorão), que na sua condição de Fula, sendo a sua religião Islâmica, seguiam a tradição cumprindo o “fanado” (que consistia na ablação do clitóris da mulher), como rezava o seu livro religioso.
Por outras palavras, a mulher é completamente e sadicamente, destituída do prazer sexual, sendo este apenas e incrivelmente propriedade do homem.
Estranha religião esta - pensei e comentei eu.
Desde esse dia passei a respeitar mais a Maria, a minha lavadeira e amante que, durante este espaço de tempo da minha recuperação, foi minha muleta de sustentação de tempos que foram, para mim, muito problemáticos.
Num período curto de Férias que gozei na Metrópole, deixei a minha “morança” entregue à Maria, para que a mesma fosse cuidando dela...
Para meu espanto quando regressei a Maria já não estava em Mampatá, tinha casado com um “Homem Grande” de Bafatá, que a tinha vindo buscar, pagando o que o seu pai pediu, como era tradição ancestral na Guiné, para a levar com ele.
Fiquei transtornado e abalado com a situação, durante bastante tempo, até arranjar outra lavadeira - a Ahua.
Nunca mais a vi a Maria.
Lembro-me que antes de regressar a Portugal e quando estava a despedir-me das gentes de Mampatá, a sua mãe me dizer que ela tinha tido um filho. Rapidamente fiz as contas” ao tempo passado, desde que deixei de a ver, e verifiquei que não havia qualquer possibilidade de ser eu o pai.
Graças a Deus. Fiquei aliviado!
Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
Foto: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4788: Estórias do Mário Pinto (6): “O Puto da Mancarra”