quinta-feira, 30 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4760: Pensamento do dia (17): Recordando as Picas (Jorge Teixeira/Portojo)

1. Mensagem de Jorge Teixeira (Portojo) (*), ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70, com data de 29 de Julho de 2009:

Caro camarada e amigo Vinhal

Para publicar se tiver interesse.
Na secção que achares melhor.

Um abraço especial para ti.
Jorge Teixeira




Recordando as Picas

As Picas em acção na estrada Catió/Ganjola

Foto: © Jorge Teixeira (Portojo) (2009). Direitos reservados.


Rebuscando o baú fui dar com esta foto de meados de 1968. Nessa altura ainda tinha a mania das fotos - a máquina por vezes era emprestada para também ficar com uma recordação e que em devido tempo seria mandada para casa, demonstrando assim que tudo estava bem no paraíso de férias que era Catió e arredores.

Ora esta dita foto foi feita na estrada Catió/Ganjola [leia-se: Gandjola,que ficava a norte de Catió] e que era percorrida se não todos, quási todos os dias, com reabastecimentos lá para o destacamento.

Chegados a uma determinada altura, a coisa já era tão normal que quási passava a descontracção. Mas sempre era picada a dita estrada, o que demorava a fazer nos seus primeiros 6 a 7 km umas três horas bem puxadas. A parte restante até ao rio [de Ganjola] já era feita só pelas viaturas, ficando o pessoal da pica no remanso à espera do regresso.

Mas o importante da foto é que se podem ver na perfeição os nossos simpáticos e quási infalíveis detectores de minas, mais conhecidos como as Picas. Ora digam lá, camaradas, vocês que bem conheceram estes artefactos, se não mereciam estar em destaque nos vários Museus Militares espalhados pelo País Portugal?

Quantos picadores nos salvaram a vida com estas belezas? Mas quantos deles foram também traídos por elas?

A nossa homenagem a todos os picadores das estradas da Guiné.


Um abraço para a Tabanca e até à próxima
Jorge Teixeira
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4614: Controvérsias (23): Milicianos… eram os peões das nicas! (Jorge Teixeira)

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3208: Pensamento do dia (16): E não se pode exterminá-la ?... A epidemia de cólera em Bissau (Sofia Branco, Público)

8 comentários:

Luís Graça disse...

Meu caro Jorge:

É da mais elementar justiça evocar aqui os nossos picadores e elogiar essa espantosa tecnologia que era um pau, menos comprido que a altiuar de um homem, maneirinho, direito, suficientemenet pesado para dar sensibilidade à mão, terminando numa das extremidades por um prego grosso e bem afiado... Função: detectar, por contacto, minas metálicas, anticarro ou antipessoais...

Não sei se a descrição está certa, mas a verdade é que é mais que justa esta homenagem feita pelo Portojo aos nossos 'picas' e ás nossas 'picas'... Creio que se usava o substantivo 'pica0, como sinónimo de picador... Mas o 'pica' também era o enfermeiro, o furriel enfermeiro, o'pastilhas'...

Copmo em tudo na vida, nunca damos a devida importância aos outros, ao papel dos outros... No caso da guerra, havia muitos estereótipos, desde o exército à força aérea (sem esquecer a discreta mas sempre presente marinha)... Só valorizávamos os outros quando precisávamos deles: a enfermeira pára-quedista, o melec, o Pilav, o mecânico auto (a 'ferrugem'), o condutor auto-rodas, o cripto, o cangalheiro, o capelão, o sacristão, o médico, o maqueiro, o cozinheiro, o vagomestre, o mecânico de armamento, o guia, o intérperte, o básico, o comandante, o artilheiro, o mians e armadilhas, o sorja da secretaria, o contabilista, o quarteleiro, etc.

Atenção, que muitos dos nossos 'picas' eram mílicias ou soldados africanos... E nas emboscadas eram os primeiros a lerpar...

Anónimo disse...

Pois a gaita era essa. Os primeiros, os homens da frente,eram geralmente os guias e os picadores africanos. Os saudosos picadores fulas de Mansambo. Mina detectada a "x a peça" para o bolso, não deles, a vinte pesos ao dia, mas para o levantador ou arrebentador...graduado geralmente e onde eu me incluo...p. de vida ou vida de p. Abraços a toda a Tertúlia e já tinha saudades - Torcato M.

António Matos disse...

"Recordando as Picas" foi o nome sugestivo que o Jorge Teixeira arranjou para o seu post ; eu é que, um pouco doidão, imaginei um tipo de "pica" diferente, mais ... como dizer ... pois, exactamente !
Quando verifiquei o erro que estava a cometer e percebi que se estava a falar de minas, reagi numa lógica de explosão por simpatia ...
É impossível ficar indiferente ao tema até porque ainda me doem os pulsos de tanta picadela que dei ...
Como curiosidade posso dizer-vos que ainda hoje sou incapaz de dar um pontapé num embrulho que veja e fico sempre apreensivo ao deparar com algo que imagino possa ser suspeito.
O meu instinto de defesa ficou extremamente apurado e acutilante e por isso sou um crítico duma situação como a retratada na foto na estrada Catió / Ganjola.
É que se houvesse uma detonação, eram uma vez 7 rapazinhos que iam ao ar !

Zé Teixeira disse...

Ora aqui está uma proposta, que infelizmente ninguém vai pôr em prática. Com toda a certeza não vão para os museus as varas de verguinha onde a havia, ou os bordões com um prego na ponta.
Quantas vidas foram salvas ?
Em 2008 conversando com um sapador do PAICG que montava as minas no Cantanhez, perguntava-me se em meados de Agosto de 1968 eu fora na coluna a Gandembel, onde eles tinham colocado um cemitério de minas em Changue Laia, (hoje uma linda tabanca, mas naquele tempo com uma placa a dizer "Fronteira").
Ao dizer-lhe que não tinha ido, mas foram os camaradas da minha Companhia e levantaram 57 minas,na segunda tentativa de passagem,(a) ele com voz comprometida disse .-Ainda Bem "ermom" é que fui eu que as coloquei.. .
(a) Na primeira tentativa tivemos de recuar, por informação da C.Caç 2317, que caiu numa emboscada, no outro extremo do campo de minas e infelizmente deixou no local 6 camaradas mortos. Deve ter sido um "encontro" terrível para uma Compª experimentada como a 2317 de Gandembel.
Na segunda vez passamos, com o apoio dos Páras que levantaram creio que 28 minas e armadilhas na mata que ladeava a picada.
Hoje tem no local um tabanca que vive em paz e talvez ninguém se recorde desse lugar como um sítio fatidico de constantes encontros de guerra.
Tenhamos nós a coragem de fazer reviver esses camaradas "picas", salva vidas.

Zé Teixeira

Unknown disse...

Quando se escreve um "artigo" não se imagina o que vem a seguir. O que foi um simples escrito, de repente transforma-se em poesia, visto à distância de 40 anos, por mãos e cabeças que sabem o que dizem e escrevem. Não há nada como deixar uma "dica" e aí estão as nossas memórias a saltar.
Curioso que ao reler o "artigo"e a rever a foto, notei que "há mais pano para mangas". Olhem as botas do pessoal: Época das chuvas. O camarada da direita: O nosso Ché, de nome Ernesto, o tal que era vague-mestre e foi destacado para operacional e que positivamente se estava "cagando" para tudo. Estórias a seguir num futuro.
Abraço para a Tabanca

Hélder Valério disse...

Pois é amigo Jorge. É mesmo assim! Por vezes começa-se um artigo ou um texto sem pretensão de o transformar em bandeira mas a sua força intrínseca é tal que rapidamente assim se transforma.
E, não há dúvida, esta homenagem aos picadores é justa, inteiramente merecida e vem colmatar uma lacuna existente no conjunto dos "posts" que era escasso em referência a essas imprescindíveis e perigosas "profissões".
Bem hajas!
Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Estou por fases, a reescrever "Puto Gandulos e Guerra". Irão aparecer algumas histórias interessantes dos picadores e respectivo material.
Após a limpeza do acampamento de Cufar Nalu, em 15 de Maio de 1965, tudo era uma maravilha, viajava-mos de Cufar a Catió de viatura, sem a utilização da celebérrima "Pica".
Mas um dia! Havia sempre um dia, tinhamos duas blenorrágicas como lhe chamávamos à nossa espera.
Sorte! É que aqueles que abandoná-mos do João Bacar Jaló, tinham saído de noite, e tinham visto os camaradas do PAIGC a colocar outras mesmo junto a Priame.
Se não tivessemos sido informados como teria sido?
Desde esse dia começou a penitência da picadela. É que de Cufar a Catió, seguramente eram à volta dos 12 km.
Os mestres da ciência que digam o que disserem, mas preferia a sencibilidade dos meus "Picadores" aos sostificados detectores.

Até breve com os meus "picadores"

um abraço,

Mário Fitas

Unknown disse...

Caro Mário.
Não sei ao certo quanto era por estrada de Catió a Cufar em kms. Mas eram 6 horas de estrada, para cada lado. Quer dizer: metade para o pessoal de Catió, metade para o de Cufar. O meu primeiro servicinho a sério em fins de Maio de 68, foi um reabastecimento a Cufar. Fiquei no cruzamento de Camaiupa. Já relatei aqui esse episódio, onde o camarada Pinheiro foi pelos ares e o encontrei 39 anos depois quando aterrou em Vila Nova de Gaia. Lá está: "Pica" detectou, Pinheiro foi levantar e voou. Não há que enganar.