sábado, 10 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5087: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (24): A camaradagem em tempo de guerra


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 24ª estória:

Camaradas,

Do meu baú de memórias lá retirei mais um texto, que com uns retoques consegui, creio eu, actualizá-lo, deixando-o à vossa consideração como uma Homenagem minha, pessoal, à nossa camaradagem de ex-Combatentes.

A CAMARADAGEM EM TEMPO DE GUERRA

A camaradagem na minha Companhia não foi diferente das outras. Formaram-se entre nós laços de amizade para o resto das nossas vidas, as más e as boas horas que nós passámos juntos, teriam que ter uma repercussão de irmandade e amizade para todo o sempre.

A recruta é apontada, por muitos, como a época mais difícil da vida militar. As novas rotinas militares e o rigor castrense traziam alterações profundas aos nossos hábitos, dificultam-nos a adaptação à nova vida como soldados.
Mancebos de todas as Províncias deste nosso país, chegavam aos quartéis com sacos às costas, onde levavam apenas utilidades essenciais ao uso rotineiro do dia-a-dia. Mostravam as suas guias e convocatórias, e iniciam a assim a incorporação.

A primeira semana era a pior de todas (digo eu). Tínhamos que nos habituar a tudo o que era novidade para nós. Os horários a cumprir, o uso do uniforme, as botas em vez de sapatos, novos Camaradas e Amigos, muitas bolhas nos pés, pernas cansadas de marchar e correr… enfim tudo era diferente.

Para recrutas com 20 anos, vindos a maior parte dos meios rurais e do operariado fabril, a grande maioria “sacados” às escolas, aos amigos e às namoradas, estas bruscas mudanças de “modo de viver”, eram, para muitos, cruéis e desumanas.

Valia-lhes o “desenrascanço” e a entreajuda dos seus novos Camaradas (que horas jamais haviam visto nas suas vidas), para superarem as suas ignorâncias, insuficiências e incapacidades.

Era nesta ajuda mútua que se iniciava a camaradagem militar, e se vincavam os laços de amizade que ficaram para a eternidade.

A disciplina militar que lhes era imposta pelos seus superiores, mais os conseguia unir e tornarem-se num espírito de corpo único, que, ainda hoje, é a maior virtude do Exército.

Acabadas as recrutas, juravam bandeira, e, seguiam para outras unidades especializando-se em várias “artes” castrenses, acabando, salvo raras excepções, em Unidades de Mobilização, onde lhe traçavam novos destinos para África, em rendições individuais, ou em formações de Pelotões, Companhias e Batalhões, e… Guerra do Ultramar.

Sempre conhecendo novos Camaradas e Superiores Hierárquicos, que com eles constituíam a sua “família” militar. Aprendiam a conviver e a depender exclusivamente deles próprios e do grupo (os seus Camaradas da Unidade), e a sobreviver, combater, rir, chorar, sofrer, dividir, comer, etc., em grupos de acção colectiva.

Quantas vezes, não estiveram os seus Camaradas, ali ao seu lado, para os confortar de desgostos, ferimentos, desânimos, cansaços, etc., sofrendo com eles os seus azares e infortúnios.

Marchavam para a guerra, imberbes e inexperientes, com uma única certeza, os seus Camaradas e Irmãos-de-Armas, eram a única “ilha” de salvação psíquica naquele “mar imenso e agitado de tempestades” traumáticas que lhes eram proporcionadas na Guiné.

Conheceram de perto as agruras da guerra, a sede, o suor, a lama, o pó, os estropiados, os feridos, a morte... Tudo isto viram, sentiram e sofreram.

Mas a camaradagem, essa ficou. Continua hoje imaculada nas suas mentes, sabendo que é graças a ela, com parte da sua sanidade e equilíbrio mental, vão sobrevivendo nesta outra “guerra”, não menos dura, que “eles” (aqueles que nós bem sabemos infelizmente), não compreendem, nem querem compreender, por total desinteresse pessoal, as suas razões.

As comissões eram cumpridas e compridas, mas eles mesmo assim conseguiram superá-las e regressar, não todos infelizmente, mas todos os que sobreviveram mantêm-se solidários e amigos, como nunca deixaram de o ser.

Ainda hoje essas manifestações de amizade se mantêm, entre os ex-Combatentes, comprovadamente pelos sucessivos momentos das inúmeras confraternizações e encontros, que são levadas a efeito pelo país fora, todos os anos.

Amizade e camaradagem não são palavras ocas, são também o espelho dos sentimentos de solidariedade e de lealdade que dedicamos ao próximo, resultantes da experiência da dobragem de vários conjuntos de dificuldades, que ultrapassamos em comum e nos permite actualmente comungarmos deste sentimento.

Passados mais de 40 anos deste conflito comum eis o que aprendemos:

O tempo passa,
A vida acontece,
A distância separa,
As crianças crescem,
Os empregos vão e vêem,
O amor fica mais frouxo,
As pessoas não fazem o que deveriam fazer,
O coração desgasta-se,
Os Pais morrem,
Os colegas de trabalho nos esquecem,
As carreiras terminam.

Mas, os verdadeiros amigos e Camaradas... estão aqui, não importa quanto tempo e quantos quilómetros nos separam… estão aqui… todos, ou quase, todos os dias.

Um Camarada nunca está mais distante do que ao alcance de uma… necessidade, torcendo por nós, intervindo em nosso favor, e esperando de braços abertos, abençoando a vida.

Nós sentimos e sabemos o que é precisarmos uns dos outros.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Legendas das fotos:
1 - J. Alberto - A banda de Mampatá
2 - O "comando" da CART 2519
3 - Camaradas até ao fim
4 - Até que a morte nos separe

Fotos: Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5086: Convívios (168): XIV Encontro/Convívio Anual dos ex-Combatentes da Guiné, da Vila de Guifões – Matosinhos (Albano Costa)



1. Mensagem do nosso camarada Albano Costa, ex-1º Cabo da CCAÇ 4150, Cumeré, Bigene e Guidaje, 1973/74, com data de 9 de Outubro de 2008:




14º Encontro/Convívio Anual dos ex-Combatentes da Guiné da freguesia de Guifões – Matosinhos que, segundo as suas palavras foram uma freguesia e um concelho, de onde partiram muitos Combatentes, não só para a Guiné, como para as outras frentes da Guerra Colonial/Guerra do Ultramar.

Camaradas,

Dia 5 de Outubro de 2009, é sempre o dia eleito, desde o ano de 1996, para que os ex-combatentes da Guiné, da Vila de Guifões (Matosinhos), realizem o seu Encontro/Convívio Anual.

Este ano foi celebrado o 14º, na localidade de Pataias – localidade perto de Leiria.

Logo de manhã cedo, foi feita a formatura no centro de Guifões, seguindo rumo em dois autocarros com destino ao Santuário de Fátima, onde se fez uma paragem de cerca de 60 minutos, que cada um, sem programa, desfrutou a seu bel prazer.

Em seguida encaminhamo-nos para um restaurante na zona, onde almoçamos e aí passamos o resto do dia num ambiente habitual de sã e alegre confraternização, que incluiu uma tarde animada, com música ao vivo, que nós latinos muito gostamos e que fará sempre parte das nossa festas.

Estiveram presente 79 pessoas, 35 dos quais ex-Combatentes, pois a festa é também para os nossos familiares, confraternizando e recordando, um pouco, sobre o que foram os seus períodos de guerra, que quer se queira quer não, é sempre um momento alto destes convívios. Pelo meio, falou-se de tudo um pouco num ambiente, como atrás mencionei, imensamente salutar e de grande camaradagem.

De salientar que sempre esteve presente o nosso pároco local - Américo de S. Rebelo -, visto que também ele esteve na Guiné (como Capelãoo), bem como o nosso Presidente de Junta e sua esposa, da jovem Vila de Guifões, que amavelmente presenteou todos os participantes (um brinde a cada homem e uma rosa a cada senhora), o que muito nos sensibilizou.

Para terminar o folguedo foi cantado o Hino Nacional.

Um abraço,
Albano Costa
1º Cabo da CCAÇ 4150

Fotos: © Albano Costa (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

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Guiné 63/74 – P5085: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (17): Mina antipessoal


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 17ª história, com data de 8 de Outubro de 2009:


Mina antipessoal


Tinha amanhecido há pouco.

A patrulha estava marcada para as 06h00.

Os militares do 3º.Pelotão «aprontavam-se» para mais uma saída.

Iam «pró mato» sem o seu Alferes (Belmiro Tavares) que estava em Bissau.

O Furriel Figueiredo (de Monção) apareceu na «caserna» para «apressar» a malta.

O Soldado Nascimento (da região de Sarzedas) estava um pouco atrasado. Arrumou as cartas que tinha recebido no dia anterior e juntou-se à sua Secção .

Alguém dizia: «Porque é que esta porra desta patrulha há-de ser tão cedo. Ainda por cima está cá uma merda de um tempo!». 06h00 da manhã. Toca a subir para as viaturas.

O Alferes Mendonça deu ordem de partida e a coluna pôs-se em marcha.

Quem ficava no aquartelamento acenava aos que partiam e desejava «boa sorte».

Binta ficava para trás e havia que «pôr a bala na câmara».

Toda a gente o fazia automaticamente.

Ia-se «bater» a região de Banhima-Santacoto-Jongo com um grupo de combate (30 homens).

O dia estava muito nublado e de vez em quando chovia torrencialmente.

A coluna de viaturas avançava com dificuldade por causa da lama.

Alguém com piada dizia que já era de tempo de alcatroar aqueles caminhos...

Como fazer boas médias com as viaturas a atascarem-se a todo o momento...

Atingimos Genicó Mandinga e os homens do 3º Grupo de Combate apearam-se.

A coluna ficou-se por ali com os condutores e mais alguns homens para fazer a segurança.

Os militares apeados seguiram em fila indiana (bicha de pirilau) e, tocados pela chuva, atingiram com rapidez Banhima. Fez-se uma pequena paragem para retemperar forças.

Bebeu-se uns goles do cantil, quem tinha trazido farnel comeu alguma coisa, ajustaram-se as cartucheiras e ala para a frente que se faz tarde. Manteve-se o dispositivo – «bicha de pirilau» – e avançou-se em direcção ao objectivo. Próximo de Santacoto os homens da frente – os da Secção do Furriel Rodrigues Figueiredo – seguiram um trilho (que parecia recente) na beira esquerda do caminho.

A chuva fustigava sem piedade os militares.

Caminhava-se com esforço e em silêncio. Um estoiro inesperado surpreendeu toda a gente.

Houve reacção de alguns dos nossos que se deitaram para o chão e dispararam para a frente e para os lados. Quando se restabeleceu alguma calma deu para perceber que o militar que caminhava na frente estava caído. Junto a ele, no chão, parecia sair fumo de um buraco.

Rapidamente se percebeu que o soldado estava ferido e que tinha pisado uma mina anti pessoal.

O seu pé direito tinha desaparecido! O coto da sua perna mutilada era horrível de se ver.

Tinha calhado «a má sorte» ao soldado João Nunes Nascimento. O Cabo-Enfermeiro Pereira fez os primeiros socorros ao Nascimento e entrou-se em contacto, via rádio, com a coluna para se deslocar ao local o Furriel Enfermeiro Oliveira.

Fez-se um dispositivo de segurança à volta do ferido, cujo estado preocupava toda a gente.

O Furriel Enfermeiro chegou e conseguiu estancar a hemorragia com a aplicação de um garrote.

O soldado Nascimento estava em estado de choque. Não falava e estava muito agitado. As cores da sua cara eram difíceis de descrever. Estava lívido, cinzento e naquele local (e naquelas condições) dificilmente se conseguia fazer alguma coisa que aliviasse o seu sofrimento.

Pela primeira vez enfrentávamos as terríveis consequências de uma mina antipessoal.

Havia que evacuar o Nascimento com a maior urgência.

Contactou-se Binta para pedir um helicóptero.

A resposta que nos chegou passado algum tempo não foi nada animadora. Com o tempo nublado e chuvoso que se fazia sentir não poderíamos contar com o «heli» para a evacuação.

Embora o estado do ferido o desaconselhasse foi resolvido transportá-lo de viatura até Binta. Teríamos que fazer alguma coisa.

O caminho de regresso ao aquartelamento foi demorado e penoso. Cada solavanco da viatura que transportava o Nascimento era terrível para o ferido.

Fiz a viagem junto dele. Agarrava-lhe as mãos, limpava-lhe a cara e falava sem parar para o animar. O Nascimento piorava e a sua lividez era impressionante.

De vez em quando era preciso aliviar o garrote, o que parecia dar-lhe algum alívio, mas o seu tormento recomeçava quando este lhe era novamente colocado.

O tempo passava e nunca mais chegávamos a Binta.

Como é que iríamos conseguir a sua evacuação para Bissau?

Finalmente... o aquartelamento e... a boa nova que vinha a caminho uma avioneta para proceder à evacuação do Nascimento.

Ficámos logo na zona da nossa pista à espera do avião.

O Médico Dr. Barata tomou conta do Nascimento e todos que tinham lutado para o trazer até ali respirámos de alívio na esperança de que finalmente se conseguisse inverter a marcha dos acontecimentos.

Mas... tudo estava muito complicado.

Tinham passado mais de 3 horas e as bolandas em que tinha andado o Nascimento no transporte de Santacoto até Binta tinham deixado marcas. As artérias estavam colapsadas e não se conseguia aplicar soro, já que plasma nem pensar. Não o tínhamos no Posto de Socorros da Companhia.

Tentou-se um “desbridamento” junto ao pé esquerdo mas também não resultou. Em desespero de causa tentou-se a aplicação de soro por via intramuscular.

Chegou a «DO» a Binta.

Mais uma vez era o Sargento-Piloto Honório.

O que esse homem não conseguisse ninguém conseguia!!! Praticamente sem «tecto» tinha voado de Bissau até Binta em voo rasante, orientando-se pelo curso do Rio Cacheu.

Tinham passado 3 horas e meia desde que o Nascimento tinha ficado sem um pé ao pisar a mina A/P no trilho próximo de Santacoto.

Tinha-se utilizado no pedido de evacuação o código «Y», que corresponde a um ferido grave. Devia ter vindo com o piloto um enfermeiro. Veio um Cabo-Mecânico! Porquê?

Ninguém na altura o conseguiu explicar.

Transmissão errada de código ou, por o voo ter sido decidido pelo voluntarismo do piloto em cima da hora, tinha-se improvisado!? Não estaria por perto nenhum enfermeiro?

Junto ao avião o que se pretendia acima de tudo era evacuar com a maior urgência o Nascimento.

Foi-lhe aplicado um garrote dos «Fuzileiros», que o Furriel Enfermeiro tinha em seu poder. Era mais seguro e menos doloroso dos que os do Exército.

Sempre com o motor a trabalhar o piloto preparou-se para levantar e foi explicado ao Cabo-Mecânico, que o acompanhava, que deveria aliviar o garrote de 20 em 20 minutos ao ferido.

O Nascimento estava mal, muito mal, mas se chegasse vivo ao Hospital havia de escapar. No HM-241 faziam-se milagres!

Caramba depois de tanto esforço o Nascimento havia de safar-se.

Ficaria aleijado mas com uma prótese... tinha toda uma vida à sua frente.

Foi com estes pensamento que recolhemos «a quartéis».

Que sacana de dia 30...

Depois de uma noite agitada, onde a todo o momento me parecia ver a cara do desgraçado do Nascimento, fui ter com Médico na manhã do dia seguinte.

Fomos para o Posto de rádio para saber notícias do Hospital de Bissau.

Como estava o Nascimento!? A resposta foi brutal:

«O Nascimento morreu. Morreu com o Hospital à vista!»

Lembro-me de me ter agarrado ao Dr. Barata. Chorámos juntos, amargamente, a morte do Nascimento.

Daqui a uns dias seria a vez da família receber a notícia. E chorar!

Nunca mais esquecerei a morada do Nascimento que escrevi nos meus «apontamentos de guerra»: Casal Águas de Verão – Sarzedas – Castelo Branco.

Casal Águas de Verão. Um nome poético, bucólico, correspondente a um lugar, que nada tinha a ver com a guerra.

Mais uma vez nos tinha calhado «em sorte» ver um camarada de armas ceifado pela morte.

E... numa guerra todos os mortos são sempre demais!

NOTAS: A páginas 135 da RESENHA HISTÓRICO-MILITAR DAS CAMPANHAS DE ÁFRICA (1961-1974), 8º Volume –Mortos em Campanha, Tomo II Guiné -Livro I, 1ª. Edição, LISBOA 2001 está referido, em “linguagem oficial”, o seguinte:

João Nunes Nascimento
Soldado-Atirador número 2169/63
Companhia de Caçadores Nº 675
Unidade Mobilizadora: Regimento de Infantaria nº. 16 – Évora
Solteiro
Filho de João Nascimento e Augusto Nunes
Natural de Casal Água do Verão, freguesia de Sarzedas, concelho de Castelo Branco
Local de operações: Na mata entre Banhima e Santacoto
Data do Falecimento: 30 de Julho de 1965, no HM 241-Bissau
Causas da morte: Ferimentos em combate
Local da sepultura: Cemitério de Sarzedas

Legendas das fotografias:
1 - Saída de viaturas para o mato.Binta, 1965. Fotografia do autor.
2 - Militar ferido por mina anti pessoal “in Aniceto Afonso, Carlos de Matos Gomes, Guerra Colonial, Lisboa, Editorial Notícias, 2000, p.322”
3 - Evacuação em Dornier, in ibidem, p.322

Foto 1: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
Foto 2 e 3: Autorias indicadas (2009). Direitos reservados.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5084: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (18): João Augusto Silva é meu tio (Pepito)

1. Mensagem do nosso tertuliano Carlos Schwarz "Pepito" (co-fundador e actual director executivo da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento), com data de 7 de Outubro de 2009:

Luís,
Vi hoje a observação do Beja Santos com a descoberta do João Augusto Silva*.
Fartei-me de rir com o facto, uma vez que ele é meu tio e deixou marca na sua passagem por cá. Tinha um sentido de humor fabuloso e eu tinha uma adoração especial por ele, até porque era muito parecido com o irmão mais novo, o meu pai. Tinha uma imaginação prodigiosa.

Teve uma vez um processo disciplinar por ter ido aos fagodes ao Consul francês que, num baile da UDIB, resolveu convidar a mulher para uma dança. A defesa dele (vem no Diário do Governo) é qualquer coisa de hilariante, em que ele, a certa altura, resolve justificar o acto pela defesa do bom nome de Portugal que estava a ser achincalhado por um subalterno francês. E arregimentou um grande numero de apaniguados e acabou ilibado!!!

Caçador de força, acabou por deitar fora a espingarda quando, no dizer dele, percebeu a humanidade dos animais selvagens.

Foi director do Zoo de Lisboa e começou a verdadeira reconversão desse espaço. É pai do conhecido professor João Medina e da minha prima Nicha que dele herdaram um fino humor e o de serem excelentes contadores de estórias.

Não resisti a enviar-te estas informações.
abraço amigo
pepito
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 deOutubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5069: Historiografia da presença portuguesa (22): África, da Vida e do Amor na Selva, Edições Momentos, 1936 (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 23 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4727: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (17): Agradecimento do Cassiano Costa, CCP 121 (B. A. 12, 1972/74) ao Pedro Neves

Guiné 63/74 - P5083: Agenda Cultural (32): Apresentação do livro Um Amor Em Tempos de Guerra, de Júlio Magalhães (Beja Santos)

O nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), em mensagem do dia 6 de Outubro de 2009, enviou-nos, para conhecimento da tertúlia, o seguinte convite:


CONVITE

A Esfera dos Livros tem o prazer de convidar V. Ex.ª para a apresentação do livro "Um Amor em Tempos de Guerra" de Júlio Magalhães.

A obra será apresentada por Ana Sofia Vinhas e Vítor Serpa.

Dia 12 de Outubro às 18h30m na Sala de Convívio da Sociedade de Geografia
(Rua das Portas de Santo Antão, 100 - Lisboa)



OBS:- Em próximo poste, na série Notas de Leitura, o nosso camarada Beja Santos vai-nos falar de "Um Amor em Tempos de Guerra".
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5066: Agenda Cultural (30): Filme Fala de Mindjeris - Mulheres da Guiné-Bissau, Debate-Tertúlia (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5082: Agenda Cultural (31): Centro Eng Alvaro de Sousa, 13/10/09, às 15h00: A China de Ontem e de Hoje, por António Graça de Abreu

Amílcar Cabral com grupo de jovens combatentes, que receberam treino militar na China.


Grupo de mulheres [do PAIGC] em visita à República Popular da China, junto à Grande Muralha.

[Do chamado bloco comunista, a China foi um dos mais activos apoiantes do PAIGC, durante da 'luta de libertação', logo desde o início... Apoio militar, ideológico, sanitário, político, diplomático, financeiro... Mas, para nós, tugas, é difícil esquecer as temíveis granadas de RPG2 e RPG7, com caracteres chineses, que mataram muitos dos nossos camaradas... Os militantes do PAIGC dirão o mesmo das armas e munições, da NATO, que usámos contra eles... LG]

Fotos (e legendas): Fotografias Amílcar Cabral / Fundação Amílcar Cabral (2003) (Com a devida vénia...)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Fitas (ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763, Os Lassas, Cufar, 1965/66, e alentejano de múltiplos talentos e saberes) (*)


Assunto - Da Guiné à China

Luís, como este evento se vai efectuar no Centro onde dou Pirogravura, envio notícia para os tertulianos aqui da zona do Estoril... Se quiserem estar presentes, podem fazê-lo, basta informar-me para para o meu e-mail mariofitas@gmail.com (por questões de logística, de sala e estacionamento).

Um AB

Mário Fitas

Palestra: A China de Ontem e de Hoje, por António Graça de Abreu


Programa:

Dia 13 de Outubro de 2009
às 15h00
no Centro Eng. Álvaro de Sousa
Estoril (**)


2. Informação do Mário Fitas:

O Centro Engenheiro Álvaro de Sousa está situado na R Engenheiro Álvaro de Sousa nº 51, Estoril. (Denominado quinta e edifício Monserrate). É a segunda rua paralela ao Casino, do lado poente.

O edifício foi legado pelo Banqueiro Álvaro de Sousa para utilização dp pessoal bancário através da Fundação dos Sousas. Foi intervencionada pela Segurança Social. É pois uma complicação de detentores porque, sendo propriedade da Fundação dos Sousas, é intervencionada pela Segurança social e o edíficio classificado pelo IPAR.

Em funcionamento neste momento, é um género de IPSS com associados, pagando as suas quotas, conforme o valor do seu IRS.

Pode ser sócio do Centro qualquer pessoa com mais de 18 anos.

O Centro funciona com 33 ou 34 (de momento não posso precisar) ateliês e actividades culturais que vão desde a pintura a óleo e porcelana, desenho e cerâmica à pirogravura, arraiolos e estanho.

Em termos culturais, temos: (i) Línguas: Inglês, francês, italiano e espanhol, em diferentes graus; (ii) Grupo etnográfico, grupo vocal e instrumental Monserrate; (iii) Tem ginástica, yoga; (iv) Estudo das Religiões, estudo da Bíblia...

É tanta coisa que já me perdi! Ah!, e ainda tem um grupo de danças palacianas...

Luís, desculpa ir uma explicação um pouco esfarrapada, mas de momento é o que me ocorre.

Um AB,

Mário Fitas

P.S. - Como pertenço à comissão de sócios, falei com a Directora do Centro, e cravei o António Graça de Abreu [, aqui na foto, à esquerda, com a esposa, médica, chinesa, numa das suas frequentes viagens à República Popular da China, e ] que foi extraordinário em se disponibilizar, em voluntariado, para este evento.

É que nós, quando conseguimos apanhar conferencistas (quem sabe se Saúde Pública não dava também, será que se pode ir pensando no assunto?) lançamos a escada e geralmente temos sorte.


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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4834: Parabéns a você (19): Mário Vicente Fitas Ralheta, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 763 (Os Editores)

(**) Vd. último poste de 9 de Outubro de 2009> Guiné 63/74 - P5081: Agenda Cultural (30): Apresentação do livro Um Amor Em Tempos de Guerra, de Júlio Magalhães (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5081: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (6): O Primeiro Bonzinho

1. Mensagem de Hélder Sousa* (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 29 de Setembro de 2009:

Caros Editores

Já faz algum tempo que tinha intenção de vos enviar esta história para a colocarem no Blogue se acharem interessante.

Demorei este tempo porque tentei arranjar algumas fotos que pudessem acompanhar o texto mas a verdade é que não tenho mais nada agora. Por isso, se quiserem utlizar algumas das que já aí têm, à vontade!

Um abraço
Hélder Sousa


O Bonzinho

Como de costume, são várias as fontes que fazem lembrar certas passagens nos idos anos da Guiné.

Este caso também não foge à regra. A lembrança destes pequenos episódios vem por diversos motivos: seja a sempre cantada diferença entre os milicianos e os profissionais, sejam os actos irreverentes da juventude, seja a irracionalidade de muitas decisões em tempo de guerra, sejam ainda outras questões que igualmente se tem aflorado no nosso Blogue.

Desta vez lembrei-me do Bonzinho….

Quem era o Bonzinho? Bem, era um 1.º Sargento, cujo nome não me consigo lembrar, se é que alguma vez cheguei a saber, homem afável, já de certa idade (é sempre bom dizer isto quando não se sabe ao certo) bastante mais velho do que nós, jovens na casa dos 23, 24 anos, que tinha sido prisioneiro na Índia e que os serviços do Exército acharam por bem colocar na Guiné, nas Transmissões, no ano de 1971, algures aí por Agosto ou Setembro.

Pois o nosso Bonzinho foi alojado num dos três quartos da casa anexa ao Centro de Escuta, onde eu e outros Furriéis vivíamos e desenvolvíamos a nossa ocupação e logo fez notar as suas características: pessoa extremamente afectada psicologicamente, carente da família (estava ausente e creio que foi assim até ao fim), dependente de muita medicação, desejoso de congregar amizades e apoios, de carácter afectivo, profissional e social, mas sempre de uma correcção exemplar e de uma exagerada bonomia, daí alguém o cognominar de O Bonzinho, já que quase sempre colocava aquele jeito, aquela postura que costumamos associar aos sacerdotes, de mãos postas e meneando a cabeça ao falar, quase num sussurro.

Pois, como é de calcular, dado o meu feitio, acabei por ser um dos apoios morais do nosso Bonzinho, quase um confidente, e isso levou-me a entrar num jogo que hoje não me dá particular orgulho. Consigo levar o meu comportamento à conta da juventude, da sua irreverência e também à conta do clima que se vivia.

A coisa era simples e consistia numa pergunta que eu fazia invariavelmente todos os dias de manhã, mal via o Bonzinho, à guisa de cumprimento, repetida exaustivamente durante meses.

Colocava o meu ar mais sacaninha e perguntava:

- Então, meu Primeiro está melhorzinho hoje?

E a resposta, infalível, invariável em todas as vezes que perguntei, sempre com a mesma tonalidade, a mesma teatralidade, as mesmas ênfases, os gestos repetidos e colocados nos momentos certos, como numa peça, era:

- Oh bigodes! (Era assim que ele se referia a mim, por na ocasião ser portador dum bigode tipo António Matos). Isto é uma colite espasmótica de origem nervosa (dizia com ar beatífico e sofredor, inclinando a cabeça levemente para a direita), o cólon dilatado, sabe? (aqui abria mais os olhos e acompanhava com um menear afirmativo), não tem cura! (agora o menear era em negação).

Seguia-se a minha réplica:

- Ahhh!

E pronto, no dia seguinte, e no outro e no outro e no outro, a mesma pergunta, a mesma resposta e a mesma reacção… coisas de apanhados

Mas para terem uma ideia mais aproximada de como era o Bonzinho conto mais duas.

Um dia estava a passar no corredor e do quarto dele chegaram uns lamentos, uns soluços. Perguntei o que se passava, se estava doente ou se precisava de alguma coisa, mas vi que estava com o correio na mão e cheguei a temer que fossem más notícias. Disse-me ele então:

- Oh bigodes, a minha família, a minha família, não gostam de mim! Olha para o que a minha filha me escreve!

Tive alguma relutância em aceder a ler mas lá lhe fiz a vontade. E o que é que dizia a carta, que eu entretanto comecei a ler em voz alta?

- Paizinho, gostamos muito de saber que vai bem, que a sua saúde se tem mantido, que está mais ambientado mas, por favor, não necessita ser tão pormenorizado…..

Aqui ele interrompeu-me para dizer:

- Estás a ver, estás a ver?, não querem que eu escreva!.

Disse-lhe que não era isso que parecia, que talvez eles não tivessem muito tempo por causa do dia-a-dia e que umas quantas linhas chegariam…

Aí ele saca da carta que estava a escrever (já ia na 4.ª folha…), dá-me a ler, dizendo:

- Achas que é muito pormenor? - E vi o seguinte:

- Hoje, levantei-me às 6.50, fui fazer o meu serviço, que bastante me aliviou (não esquecer a colite espasmótica!) e depois fui novamente deitar-me. Às 8.00 levantei-me outra vez, tomei os comprimidos do jejum, fui tomar banho e fazer a barba. Antes de sair para tomar o café tomei a ampola e os comprimidos amarelos….

Bem, a coisa continuava com este tipo de relatório datado e circunstanciado e aí eu disse-lhe:

- Oh meu Primeiro, talvez fosse suficiente, para não preocupar a sua esposa e a sua filha, que lá longe não lhe podem valer, que o meu Primeiro escrevesse a dizer que vai bem, que se alimenta bem, que toma a medicação toda, que se tem divertido, que tem amigos, etc. e sem escrever este tipo de relatório que elas não percebem…

A sua reacção foi:

- Achas?, então tá bem!

Uma outra faceta que vos pode ajudar a perceber o Bonzinho tem a ver com o facto, acho que bastante corriqueiro, de cantarolar enquanto fazia a barba, de porta aberta, partilhando com todos os seus dotes canoros.

Tinha essencialmente três músicas no reportório. Uma não me consigo lembrar, mas era menos relevante.

As outras duas eram… “Avé, avé, avé Maria, Avé, avé avé Maria. A treze de Maio, na Cova da Iria…” e por aí fora e a outra, está bem de ver, era … “Heróis do mar, nobre Povo, Nação valente e imortal….”.

Para esta última, o meu camarada Nelson Batalha, de quem já falei, sempre que saía de serviço do turno da noite e ia dormir, costumava aparecer em cuecas e em sentido pedindo:

-Oh meu Primeiro, pare lá de cantar o Hino porque sempre que o oiço tenho que me colocar em sentido e assim não consigo dormir…

Bem, acho que já deu para entender como era o Bonzinho. Um homem bom, um bom homem, apanhado pela voragem da lógica da guerra, colocado junto de jovens que também teriam as suas pancadas.

Mais uma vez realço que isto não tem nada a ver com o dramatismo das situações passadas lá longe, no Vietnam mas, já que se está a tentar montar o puzzle da memória dos tempos de guerra, estes eram aspectos humanos que certamente também devem contar.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil
Transmissões TSF

Hélder Sousa, O Bigodes

Foto editada por CV


Nesta foto, Hélder Sousa com os camaradas Fernando Roque e Nelson Batalha

Fotos: © Hélder Sousa (2008). Direitos reservados.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5053: Agradecimento colectivo ao ilustre grupo de amigos do Blogue (Hélder Sousa)

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4474: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (5): Os meus livros

Guiné 63/74 - P5080: (Ex)citações (52): Respeito os homens que lutaram e morreram pela(s) sua(s) pátria(s) (António Graça de Abreu)

1. Comentário do António Graça de Abreu ao poste de 9 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5079: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (5): Lugajole, disse ele (Luís Graça) (*)


Pois é, meu caro Luís, pois é!...Madina do Boé, Lugajole, etc.

Importante para os nossos irmãos da Guiné-Bissau, para nós também.

Trata-se ou não do berço onde nascemos, como país, como Pátria? Ou será que tanto vale, na fronteira com a Guiné-Conacri,ou dentro da Guiné-Conacri, em Madina do Boé, em Lugajole, etc...

Tenho um imenso respeito pelos combatentes do PAIGC. Morreram pelo que acreditavam ser a sua Pátria, a construir com o fermento e o sangue de mártires. Vi-os morrer à minha frente, um nó apertado em volta do meu coração.

Esses heróis do PAIGC merecem o respeito dos homens da Guiné de hoje, e o nosso.
Quem sou eu, simples alferes miliciano num Comando de Operações tuga, 1972/1974, para criticar ou dar lições a quem quer que seja?

Mas os povos da Guiné, nossos irmãos, precisam de construir o seu futuro e de ter orgulho nos seus melhores. Infelizmente, ao longo destes 34 anos de independência, os dirigentes deste país têm passado os anos a cerzir maquinações, a odiar-se, a matar-se uns aos outros. Como diz António Borges Coelho, no poema cantado pelo então padre Francisco Fanhais, por volta de 1970, "os mortos apontam em frente o caminho da esperança que resta."

Desculpem-me mas creio que isto tem tudo a ver com o lugar onde nascemos, como pessoas, ou como Pátria. Pelo orgulho que sentimos em sermos guineenses ou portugueses.

Um abraço,
António Graça de Abreu

[Revisão / fixação de texto / bold a cor: L.G.]


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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série:

8 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5076: (Ex)citações (51): Credibilidade e humildade precisam-se! (António Matos)

Guiné 63/74 - P5079: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (5): Lugajole, disse ele (Luís Graça)




Nino Vieira a discursar na I Assembleia Nacional do PAIGC, alegdamenmte em "Madina de Boé". 23 a 24 de Setembro de 1973.


Lucette de Andrade, Silvino da Luz e Francisca Pereira na I Assembleia Nacional Popular. Alegadamente em "Madina de Boé", 23 a 24 de Setembro de 1973.


Francisco Mendes discursa na I Assembleia Nacional Popular. alegadamente em "Madina de Boé", 23 a 24 de Setembro de 1973.


Vasco Cabral na I Assembleia Nacional Popular do PAIGC, alegadamente em "Madina de Boé", 23 a 24 de Setembro de 1973.


Mesas de voto para a eleição da I Assembleia Nacional Popular, alegadamente em "Madina de Boé",. 23 a 24 de Setembro de 1973.


Luís Cabral durante a I Assembleia Nacional Popular, alegadamente em "Madina de Boé", 23 a 24 de Setembro de 1973.


I Assembleia Nacional Popular do PAIGC, alegadamente em "Madina de Boé", distinguindo-se Silvino da Luz, Fidelis Cabral de Almada, Francisca Pereira e Manuel Boal. 23 a 24 de Setembro de 1973.


I Assembleia Nacional Popular do PAIGC, alegadamente em "Madina de Boé", 23 a 24 de Setembro de 1973.

 

Reportagem fotográfica de Bruna Amico durante a I Assembleia Nacional Popular. Distinguem-se Lucette Andrade Cabral e Mário Cabral. Alegadamente em "Madina de Boé",, 23 a 24 de Setembro de 1973.


I Assembleia Nacional Popular do PAIGC distinguindo-se Bruna Amico, de costas, e Malam Mantambiague, alegadamente em "Madina de Boé",. 23 a 24 de Setembro de 1973.


Luís Cabral a discursar na I Assembleia Nacional Popular, alegadamente em "Madina de Boé",. 23 a 24 de Setembro de 1973.

Fotos (e legendas): Fotografias Amílcar Cabral / Fundação Amílcar Cabral (2003) (Com a devida vénia...)

Nesta selecção de fotos do Arquivo Amílcar Cabral (salvo graças ao zelo e competência da Fundação Mário Soares), respeitantes à I Assembleia Nacional Popular, de 23-24 de Setembro de 1973, é referido sistematicamente o topónimo Madina do Boé... Sabemos hoje que o local onde foi proclamada a independência não foi Madina do Boé, mas sim Lugajole, a sudeste de Beli (*).

"A distância entre as duas povoações é de muitos quilómetros, assim como de muitas horas de viagem em jipe" - garante o Patrício Ribeiro, membro da nossa Tabanca Grande e profundo conhecedor da Guiné, desde há 25 anos (**)...

O nosso amigo Pepito, da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau também corrobora esta tese:

"Luís: O nosso Patrício tem absoluta razão. Foi em Lugadjol que foi proclamada a independência. abraço. pepito". (*)

Em África não há uma tradição de rigor cartográfica, a cultura geográfica ainda é largamente oral e às vezes trocam-se os nomes dos lugares, o que em certas circunstâncias até pode dar jeito. Neste caso, Madina do Boé fez parte de uma operação de marketing político, bem montada pelo PAIGC para consumo interno e sobretudo externo...

Ainda hoje todo o mundo está convencido que o nascimento da nova República deu-se na mítica Madina do Boé, aquartelamento entre as colinas do Boé abandonado pelos tugas, por alegadas razões estratégicas, em 6 de Fevereiro de 1969.

Pode ser, para alguns, um pormenor de somenos importància, mas não é: no nosso bliogue, achamos e defendemos que todos temos o direito à verdade, a começar pelos jovens guineenses, nossos irmãos e amigos...

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)

20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3920: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (2): Opção inicial, uma tabanca algures no sul, segundo Luís Cabral (Nelson Herbert)

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3955: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (3): O local estava minado e o PAIGC sabia-o (Jorge Félix)

17 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4042: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (4): Ajudas de memória (Abreu dos Santos)

(**) Vd. poste de 4 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5050: Efemérides (23): Declaração da Independência em 24 de Setembro decorreu não em Madina do Boé mas Lugajole (Patrício Ribeiro)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5078: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (10): Como descobri o jogo do Ôri

1. Mensagem de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66, com data de 5 de Outubro de 2009:

Caro amigo Vinhal:

Volto hoje com mais uma pequene crónica que é mais uma nota para a divulgação de um jogo que descobri em Pirada e que afinal já é velho como a Humanidade.
No entanto deve haver muito boa gente que nunca ouviu falar nele nem suspeita da sua existência o que para nós, antigos lutadores por África é uma ingratidão.
Junto duas fotos retiradas de revistas com mais de vinte anos, a primeira de 1981 e a segunda de 1973!

Um abraço do
Carlos Geraldes


O Jogo do “Ôri”

Conforme tinha prometido vou falar agora de uma curiosidade, ou melhor, de um jogo que descobri na Guiné-Bissau, na região de Bajocunda, salvo erro em Março de 1965.

///

Quando o jeep entrou na tabanca deu um solavanco ao passar por cima de qualquer coisa que estava encostada junto à divisória de carentim e que àquela hora da noite o condutor não conseguiu lobrigar a tempo. Ao saltar da viatura para ver se tinha havido estragos de maior, encontrei um pedaço de madeira esculpida que me pareceu uma canoa, talvez um brinquedo infantil. Achei graça e resolvi juntá-la às minhas recordações, apesar de estar um bocado danificada num dos extremos.

Alguns dias mais tarde, um rapazito que andava sempre pela Messe, a ajudar a limpar as instalações dos oficiais e sargentos da CART 676 estacionada agora em Pirada, viu aquele pedaço de tronco pousado junto da minha cama e deu mostras de o conhecer. Atento à reacção do miúdo não deixei de lhe perguntar se sabia o que era aquilo.

- É um jogo, disse ele. É o ôri. Toda a gente joga. Muito antigo.

- E como é que se joga? Perguntei curioso.

- Ah, não está aqui tudo. Faltam as sementes. Mas melhor é falar com o régulo Sólo. Olha ele vem aí, nosso alfero.

De facto a figura alta e seca do nosso amigo Sólo Só, o régulo de Pirada, desenhava-se nesse momento na entrada do nosso quintal, virada para o caminho. Todas as tardes costumava aparecer por ali. Gostava de conversar, contar coisas do passado, velhas batalhas com os mandingas, inimigos de sempre, rir dos nossos espantos e perguntas ou simplesmente matar o tempo à toa que é o que os homens grandes da tribo adoram fazer.

- Sólo conheces isto?

Deu uma longa risada e pegando no pau escavado, perguntou logo:

- Hei, nosso alfero, querer jogar comigo?

- Talvez, mas como se joga? Eu não sei o que isso é - respondi começando a ficar cada vez mais curioso com o que já considerava um valioso achado.

- É fácil, eu ensina!

E virando-se para o rapaz disse-lhe qualquer coisa em fula. Ele saiu a correr e passado uns instantes voltou com um saca cheia de uma espécie de feijões gigantes, pretos e vermelhos, as sementes da árvore da sumaúma, segundo vim depois a saber.

O velhote apanhou meia dúzia na mão e começou a espalhá-las pelos buracos escavados no pedaço de madeira.

Aquilo que me parecia a escultura de uma canoa era apenas um tabuleiro para um jogo. Um pedaço de madeira muito dura com uma forma, mais ou menos, semi cilíndrica e com duas fiadas de seis cavidades cada, rematadas nos topos por outras duas, maiores, uma das quais tinha ficado partida pelo atropelamento do jeep naquela noite escura.

O régulo foi enchendo os buracos com quatro sementes em cada um deles. Ao todo duas dúzias de sementes mais duas dúzias no outro lado. Depois, em modo de desafio, colocou o tronco escavado atravessado entre nós e disse-me para tirar todas as sementes de um dos buracos que estavam do meu lado.

- De um qualquer?

- Sim, de um qualquer, mas do teu lado.

- Pronto, já está. E agora?

- Agora deitas uma a uma nos buracos que estão a seguir para a direita. Como se estivesses a semear.

Obedientemente fui fazendo o que ele dizia sem perceber muito bem qual a finalidade daquilo tudo. Quando acabei, o velho régulo, num ápice, fez também a mesma coisa agora do lado dele. Ficou a olhar para mim e eu para ele.

- Está bem, disse eu, e agora?

- Faz outra vez, alfero Gerárdis! Repete! Tira as sementes de outro buraco qualquer, mas só do teu lado!

- Mau, mas para que serve isto afinal? - resmunguei depois de fazer o que ele dizia.

Ele não me respondeu e com um olhar de lince, fez de novo um rápido movimento com a mão e retirou todas as sementes que estavam nos primeiros buracos do meu lado onde se encontravam agora grupinhos de duas ou três sementes soltando uma sonora gargalhada.

- Hei! Como é que foi isso? Explica-me o que quer isso dizer! Repliquei percebendo cada vez menos o que se estava a passar.

- Olha nosso alfero, eu jogo por ti, queres ver? Intrometeu-se o garoto que ainda rondava por ali.

E os dois começaram então a praticar aquele jogo, inédito para mim, numa sucessão de rápidos gestos ritmados apenas interrompidos quando no final o miúdo baixou os braços e desistiu descoroçoado, perante as gargalhadas do velho que num instante se tinha apoderado de mais de metade das sementes que circulavam pelo tabuleiro, retirando-as para uma das cavidades maiores ao seu lado direito.

Lentamente e, fazendo-lhes sempre muitas perguntas e interrupções, comecei a entender qual o propósito daquele jogo.

Afinal aquilo era mesmo um jogo a sério! E com muitas particularidades capazes de despertar a curiosidade da nossa mentalidade de gente do, supostamente, mundo civilizada.

Tratava-se na verdade de um jogo baseado em cálculos matemáticos (na base seis, curiosamente) muito simples mas que podiam atingir algumas variantes bem complicadas.

Bem, ao fim da tarde como já tinha ficado a perceber mais ou menos bem a mecânica do jogo fiquei de tal maneira entusiasmado que fui logo propagandear aquela descoberta aos outros companheiros da messe, oficiais e sargentos. Rapidamente o interesse foi-se generalizando de tal maneira que, havia já quem quisesse saber onde poderia arranjar outro tabuleiro como aquele para jogarem também.

Durante algum tempo aquela nova distracção serviu para nos entreter nas horas de ócio, distraindo-nos da tentação de nos entregarmos à solidão que em Pirada começava a roer-nos os nervos.

Quando regressámos, aquele pedaço de madeira acompanhou-me até casa, onde está exposto como um dos mais valiosos despojos de guerra.

///

Muito mais tarde, em 1973, ao folhear um catálogo de livros, (do “Clube Expresso”, n.º 18 de Março desse ano, para ser mais exacto) dei com um anúncio de um livro em francês, intitulado “Le Jeu de L’Awélé” de Juliette Raabe. Na capa apresentava uma fotografia de uma escultura africana representando dois jogadores deste jogo com o respectivo tabuleiro entre eles.

Imediatamente compreendi que se tratava do mesmo jogo que anos antes eu tinha descoberto em Bajocunda, Guiné-Bissau. Fiquei então a saber que o “ôri” que eu conhecera era nem mais nem menos o “Jogo Nacional de África”. Era igualmente conhecido e praticado em todas as regiões da zona subtropical terrestre. Só na Europa era quase desconhecido.

É conhecido em toda a África pelos mais diversos nomes: Awale, Awélé, Ayo, Mancala, Oware, Wari, Chisolo e na nossa Guiné-Bissau, na região de Pirada, por “Ôri” que em dialecto fula significa o algarismo “um” ou a unidade. Chega também a ter diversas formas, havendo mesmo tabuleiros com 4 filas paralelas de cavidades, mas a ideia base é sempre a mesma, a sementeira.

Hoje é amplamente conhecido em todo o mundo e é um dos mais interessantes patrimónios da Humanidade.

O jogo de toda a Africa (Ôri, Wari, Solo, Mancala, Awélé, etc..) - Revista Jeux & Strategie, n.º 7, Fev/Mar de 1981

Clube Expresso - Março de 1973


As regras são as seguintes (versão de Pirada, 1964):

Depois de colocar 4 pedras em cada casa, um dos jogadores começa, retirando todas as pedras de uma casa qualquer, do seu lado (que se designam por Norte e Sul) e vai semeando uma a uma nas casas imediatamente a seguir, no sentido dos ponteiros do relógio ou seja da esquerda para a direita, passando para o lado do adversário se a quantidade de pedras retirada da cavidade escolhida assim o permitir. E assim sucessivamente até que um dos jogadores, ao colocar a última das suas sementes no lado do adversário encontra nessa cavidade apenas um ou duas sementes, (formando assim um grupo de duas ou três), tem o direito de as tomar, retirando-as para a sua cavidade maior (à sua direita). Igualmente pode retirar todos os outros grupos de duas ou três que formar, ainda e só no campo adversário, e que sejam imediatamente anteriores à casa onde terminou a sementeira.

Quando um dos jogadores não tiver mais nenhuma pedra ou semente do seu lado para movimentar, o adversário deverá jogar de modo a passar para o seu lado uma ou mais pedras de modo a permitir que ele possa jogar. Se tal movimento não for possível, o jogo termina, contando como suas as pedras restantes no tabuleiro.

O objectivo é comer a maior quantidade de pedras (25 no mínimo) para ganhar.

Carlos Geraldes
Viana do Castelo, Out.2009
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5037: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (9): Súmula sobre o Regulado de Gada-Cuntimbo (Gabu)