quarta-feira, 14 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6154: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (8): Os dias da batalha de Guidaje, 24, 25 e 26 de Maio de 1973

1. Parte VIII dos dias da batalha de Guidaje, de autoria do nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74), enviado ao nosso Blogue em 6 de Março de 2010:


Os Marados de Gadamael

e os dias da Batalha de Guidaje


Parte VIII

Daniel de Matos

Os Dias da Batalha


24 de Maio

A claridade solar já tinha penetrado pela porta há mais de uma hora e iluminado os degraus de acesso à superfície. À medida que vai acordando, mas sem abandonar a sonolência, o pessoal espreguiça-se. Alguém solta um sonoro traque. Não se ouvem réplicas nem reacções. Lá fora há quem converse constantemente e o furriel Machado, identificando as vozes dos tagarelas, levanta-se e vai acender um cigarro para o pé deles, encostando-se aos bidões de protecção do obus. A noite, – já não era sem tempo! – correu sem sobressaltos, não fomos bombardeados e conseguimos dormir algumas horas seguidas. O furriel Silva e o alferes Igreja tinham ido à messe ver se havia farnel, missão sem êxito, o pequeno-almoço estava atrasado, voltassem a meio da manhã. Continuávamos sem horários certos para as refeições. A cantina dos soldados abria quando calhava e o alerta para o tacho era dado quando alguém aparecia de marmita e colher nas mãos, a anunciar, “pessoal, hoje a salsicha é com bianda”! E água? – perguntei. Para beber sim, bebemos um copo cada um, mas das torneiras não pinga uma gota, – respondeu o Igreja, – as sanitas estão um nojo, nos balneários nem se pode entrar...

O nosso cabo artilheiro vasculha dentro da mala que tem deitada debaixo da cama, saca de um “transístor” do meio da roupa e das cartas, confirma se já está tudo acordado e põe o rádio a tocar. Escutam-se sons de kora (espécie de harpa mandinga, mas cujo formato é mais parecido com uma viola), depois ngumbé, ritmo nacional guineense, mas não deve ser tocado pelo grupo Cobiana Djazz, impedido de actuar na UDIB de Bissau e cujo vocalista, – José Carlos Schwartz, o Zeca Afonso da Guiné – estará ainda na prisão de “Djiu di Galinha” – a Ilha das Galinhas, onde se situa a espécie de Tarrafal guineense, o Campo de Trabalho no arquipélago dos Bijagós.

Em meados de 1969 vieram transferidos do Campo de Concentração do Tarrafal (Santiago, Cabo Verde) 58 presos políticos guineenses, colocados nas catacumbas construídas na Ilha das Galinhas. O número de detidos tem vindo a crescer nos últimos anos. Apesar de alguns terem morrido, vítimas de espancamentos, o número de novos presos é consideravelmente superior.

Não sei que raio de língua ou dialecto fala o locutor que entre os temas musicais pronuncia uma algaraviada de coisas esquisitas para os nossos ouvidos. O que escuto na telefonia do artilheiro virá da Emissora Nacional ou de postos de rádio dos países mais próximos (ouvimos com maior ou menor dificuldades emissões de onda média do Senegal, Gâmbia, Mali, Guiné/Conacry, Serra Leoa)?

Quanto a música africana, as emissões nacionais transmitem sons guineenses, de preferência instrumentais. Vocalmente, um ou outro tema do grupo Voz da Guiné. De Cabo Verde, sobretudo Bana e Luís de Morais, e também os angolanos Duo Ouro Negro e Lili Tchiumba. A "Rádio Libertação − A Voz do PAIGC, Força, Luz e Guia do Nosso Povo", tem os seus noticiários e passa músicas muito variadas (cheguei a ouvir música portuguesa que é proibida em Portugal). E há o PFA, umas quantas horas por dia, com espaços que procuram distrair a tropa, mas muito distintos entre si. Por vezes chega a ser imbecilizante um “programa” produzido pelo “casal Primeiro Dias e Senhora Tenente”. Havia de tudo, desde espaços de entretenimento inteligente, com o Armando Carvalheda (nosso artilheiro em Gadamael que, felizmente para ele, viria a “mudar de ramo” e a trocar o obus pelo microfone) – ainda hoje um profissionalão de rádio e uma das vozes mais influentes da RDP/Antena 1, onde é o principal divulgador da música popular portuguesa no seu “palco da rádio”, ao vivo, todas as semanas. Também João Paulo Diniz (que regressado à metrópole passou, penso que a pedido de Otelo, que o conheceria de Bissau, o tema “E Depois do Adeus”, primeiro sinal radiofónico antes da senha “Grândola Vila Morena”. E outros nomes que, de tanto os ouvirmos, ficaram na nossa memória: Faride Magide, julgo que técnico de som que terá estado anos depois em Coimbra, na RDP; e também censores políticos que eram militares, e que faziam os cortes mais absurdos em programas enviados pelas unidades que estavam no mato. Ainda se os cortes fossem originados pela má qualidade do som (eram gravações geralmente efectuadas em cassettes domésticas) compreender-se-ia! Mas não, era censura política pura e dura, às locuções e à música que se incluía nesses programas. Isso sucedeu connosco, gravámos um belo dum programa no meu quarto em Bafatá (meu, e dos furriéis José Alberto Ferreira Durão, mecânico-auto, e Hélder Pereira Calvão, – o nosso “ranger”, isto é, de operações especiais). Quando ouvimos a transmissão do nosso programa “Frequência 3-5-1-8” (participaram também o furriel miliciano de transmissões Domingos Gomes Pinto, o furriel miliciano de minas e armadilhas Ângelo Silva e o furriel miliciano atirador António Guerreiro), no lugar do fado de Coimbra cantado por José Bernardino apareceu uma doce canção d’Os Beatles, o poema “O Rico e o Pobre” (altamente “subversivo”, declamado entusiasticamente pelo homem de transmissões José Elias Gomes de Oliveira), também foi à vida!, saiu tudo alterado, segundo apurámos, por um zeloso guardador do regime, um tal Madeira. E pensar que à testa do PFA estava o capitão miliciano José Manuel Barroso, ligado ao Comércio do Funchal, jornal que, apesar de dar vivas ao marxismo-leninismo-maoismo (para achincalhar a CDE em período dito pré-eleitoral) aparecia nas bancas como sendo de oposição ao regime (o capitão Manuel de Sousa recebia-o algumas vezes e eu permutava com ele o “meu” Notícias da Amadora, O Mundo da Canção e, às vezes, outros recortes de notícias que os meus amigos Acácio Vicente e Fernando Simões me mandavam)…

Embora nesta altura não se registe a presença incómoda de muitos mosquitos, nem as noites se carreguem de frígido cacimbo, pernoitar ao relento não é pêra doce nenhuma. Todavia, o sono só nos verga pelo cansaço. Fumar no escuro é arriscadíssimo (só com mil cuidados para evitar que o morrão do cigarro se veja de longe) e nem uma gota de álcool temos para nos aquecer o corpo e a alma. Resultado: tagarela-se, de preferência baixíssimo, para que ninguém nos oiça para lá do cotovelo seguinte da vala. Uns falam do sonho de um dia chegarem à peluda, dos projectos de vida constantemente adiados; outros de novas recebidas das suas terras (e há quanto tempo se estava sem receber uma carta?); outros ainda contam anedotas avisando previamente os interlocutores que devem rir-se pianinho, para não despertar atenções… Como se sabia que o nosso poiso de origem tinha sido Gadamael, um pára-quedista quis saber se já tínhamos notícias de Guileje. Não tínhamos, claro. Novidades só trazidas de fora! Sem se aperceber que a história ainda desmoralizaria mais qualquer Marado, informou que quartel e aldeia de Guileje tinham sido abandonados e que toda a gente (cerca de duzentos militares e mais de meio milhar de civis) estava agora refugiada em Gadamael, que terá ficado a rebentar pelas costuras!

O pessoal ouve com incredulidade. Será também esta a nossa sorte? Pensando bem, e conhecedores que somos do local, nem nos é difícil imaginar que se Guileje estivesse cercada como nós aqui estamos, pertinho da fronteira, sem a aviação em pleno e com um único acesso ao exterior, o abandono seria lógico e inevitável! Esta opinião é prontamente contraditada por alguém que diz que não senhor, que com ele lá andava tudo no mato a afogar turras ao bochecho. Pois, mas isso é se tiveres água para encher a boca! Em menos de quatro dias, esclareceu o narrador pára-quedista, levaram com três dezenas de bombardeamentos dentro do quartel!

– Chiça, – atalhou um dos soldados madeirenses, – então parece Guidaje! E vejam lá que ainda há pouco mais de um mês haviam feito obras e inaugurado o novo bar do sargentos, que até gira-discos tinha, e agora ficou lá tudo?


25 de Maio

O dia decorre com a tensão do costume. Perguntamo-nos se não estaremos com fome e concluímos que antes o aperto no estômago que o risco de ir à messe e ser surpreendido por um balázio à ida ou à volta. Já perdemos o apetite, esquecemo-nos de comer, as horas e dias passam e nem damos pela necessidade de comer... Quanto alguém está de maré e se deita ao caminho, ao longo da vala que passa mais próxima do refeitório ou da messe, cravamos a esse parceiro um prato, tigela, marmita, o que houver com comida e nos puder transportar trazer com nas mãos, à cabeça, como puder. Cada qual passa a trazer para o abrigo o número de refeições que o vasilhame permitir e dividimos os morfos. Sede? Também já não sentimos, que se lixe a água. Somos novos e o corpo aguenta. Aprendemos a compartilhar, a dividir a bianda, que da última vez apareceu no lugar do esparguete e, em vez da salsicha, os cozinheiros foram desencantar sardinha em lata.

Há quem dialogue sobre as informações prestadas pelo pára-quedista quanto à saída de Guileje, questionando se não será também uma boa “saída” para nós, em… Guidaje. Sim, há que pôr sobre a mesa todas as possibilidades e equacioná-las. Uma tal hipótese teria de ser bem medida, teríamos que avaliar todas as consequências. Até se admite que uma coluna em debandada mais facilmente sairá de Guidaje por terrenos senegaleses do que em direcção a Binta. Sem se pôr de parte a ideia (um miliciano da CCaç 19 alvitra que nesse caso deveríamos entalar o comandante, “encostá-lo à parede” para que também adira), vinga a opinião mais sóbria de que uma solução militar haverá de encontrar-se para nos safarmos. Apesar do estado psicológico (moral em baixo) e dos desaires anteriores, contando os homens que aqui estão sitiados, nenhum de nós quer acreditar que numa operação em força não consigamos mesmo furar as barreiras do PAIGC.

A improbabilidade de se fazerem evacuações de feridos e mortos, o tempo quente e a quantidade de corpos em decomposição (o cheiro que exala da enfermaria é horrível), leva os enfermeiros, que já não conseguem acudir às gangrenas, a derreter velas e a tapar os orifícios dos mortos (nariz, boca, orelhas) com velas de estearina. Os corpos são trancados numa sala afastada da enfermaria propriamente dita, mas o cheiro pestilento escapule-se pelas frestas da porta, pelo buraco aberto pela morteirada no canto da parede… Sem perspectivas de tão depressa haver coluna que possibilite a saída do pessoal e sem restar um único caixão livre nem havendo a mínima possibilidade de o construir de improviso, Correia de Campos fala com os comandantes das unidades respectivas e é decidido enterrar os mortos mais “antigos”, no sítio onde já repousam dois cadáveres, que é no perímetro externo das fiadas de arame farpado, “a 25 metros da caserna do lado sul e na direcção do azimute 112”.

Há pára-quedistas a meter bala na câmara, dá a sensação que se preparam para sair, embora a hora não pareça a mais propícia (se é que ainda existem horas melhores e piores para o efeito). Se eles abalarem, nós vamos atrás, admitimos. Afinal, trata-se dos preparativos para enterrarem os seus três camaradas (abatidos na emboscada de dia 23). São abertas covas no local onde já repousam os soldados Manuel Geraldes (da 2.ª companhia do BCaç 4512/72, que teve morte brutal, a 10 de Maio, também dia de crise e de isolamento locais), e Becute Tungué, do 4.º grupo da 3.ª companhia de comandos (ferido na operação Ametista Real).

São numerosos os pára-quedistas da CCP 121 que vão dirigir um último adeus aos camaradas António Vitoriano, José Lourenço e Manuel Peixoto, ao lado dos quais ficará também o corpo do soldado António Talibó Baio, da CCaç 19. O comandante comparece para dirigir as cerimónias. Atrás dele estão outros graduados, nomeadamente o alferes Luciano Diniz, que por ser madeirense aproveita estes dias para matar saudades da terra e sempre que pode vem tagarelar com os nossos soldados. Os semblantes estão carregados, nem poderiam estar de outra forma. Depois das continências e das palavras de Correia de Campos, os pára-quedistas apontam as armas ao alto e dão três 3 tiros sincopados para o ar. São tiros da cerimónia militar, mas o IN que tem vigilantes sobre as árvores mais próximas da fronteira e controla os nossos movimentos, pensa que o estão a atacar e reage ao fogo, naturalmente que levando o pessoal a abrigar-se. No meio da precipitação o alferes da companhia africana atirou-se mesmo para dentro de uma das campas. O fogacho não dura muito, clarifica-se o equívoco e os corpos são tapados com terra. Só no fim o pessoal se retira, angustiado, alguns temendo ver o seu futuro a passar por aquele espaço nas costas da caserna do lado sul…

Os pára-quedistas e todo o pessoal que assistiu à cerimónia fúnebre regressam aos seus lugares e a circulação volta a ser quase nula. Está um ror de gente dentro do perímetro do quartel e quase não se vê vivalma, tudo enfiado nos buracos. Nem os poucos que restam a morar do lado civil metem o bedelho de fora. Nas moranças residem essencialmente as famílias de militares africanos da CCaç 19. Em geral, são desarranchados, isto é, atravessam a passagem que divide o arame, tipo porta de armas, e vão comer e dormir “a casa”. E habita ali também um par de djilas, comerciantes da raia guineense que fazem o seu contrabando de produtos, fronteira cá fronteira lá, quando os dias estão bons para o comércio, o que não acontece agora. Costumam falar francês muito bem e ser utilizados como informadores, soa que muitos são agentes duplos que levam e trazem o que os dois lados da contenda querem ouvir. Não faço ideia se tal se passa com os que aqui moram.

Estamos sentados nas camas (dificilmente conseguimos deitar-nos os oito ao mesmo tempo em camas tão apertadas), uns encostados à parede, outros debruçados sobre os joelhos. Fumamos quase todos Português Suave, sem filtro, o “barista” disse que já não há de outra marca. Mas o tabaco ainda não faltou e, se nenhuma bernarda der cabo do stock, ainda há bastantes pacotes entre as paredes que restam do armazém. Por isso, fuma-se. Que mais se pode fazer? A lâmpada de 25 velas que parece querer desprender-se do casquilho do tecto alumia o abrigo que, a esta hora, parece ter paredes de ardósia. Irradia uma luz que dança consoante o gemer do gerador. Quando a corrente baixa quase se oculta por cima na nuvem de fumo em que estamos. De dia ainda vamos fumar lá para fora, só que de noite poucos se arriscam a transformar-se num alvo luminoso e apetecível. Não me lembro de quantos fumamos ao mesmo tempo nesta cova sem janelas, mas devemos ser muitos. Para já, arrumados como podemos, estamos cá dentro eu, os alferes Igreja e Cruz, os furriéis Monteiro, Machado, Silva e Fernandes e o nosso cabo artilheiro.

Já se dormita quando damos por novo ataque de artilharia. São mais levas de granadas, (serão seis de cada vez?), a estoirarem bem no interior da guarnição. Dá a ideia que os tipos nem se deslocam com o armamento, sabem que não conseguimos desalojá-los e têm os canhões, morteiros e o carago todos os dias no mesmo sítio, prévia e certeiramente apontados a nós, é só passarem por ali de vez em quando, meter munições e catrapumba! O alferes Diniz e soldado Talibó, ambos da CCaç 19, que estão de passagem, descem os degraus do abrigo e vêm refugiar-se ao pé de nós. Um outro militar africano entra atrás deles, mas a identidade escapa-me. As granadas rebentam cada vez mais perto de nós. Ouço palavrões lá de fora que as mães dos atacantes não gostariam de ouvir. Por instantes, parece que tudo se vai acalmar, mas ainda estamos a respirar fundo e outros silvos anunciam a queda de mais bombarda.

Na sequência duma granada que estrondeou tudo em redor do abrigo, faltou-nos a luz. De dentro do buraco não percebemos se o corte é geral ou se apenas a lâmpada do abrigo, de tão fraquinha que se mostra, foi desta vez que se finou. Os minutos passam e a intensidade do fogo sobe de tom. São maiores e mais assimétricos os rebentamentos. Como no último ataque houve feridos nas valas (um projéctil cair dentro de uma vala de meio metro de largura é uma probabilidade reduzida) há mais pessoal a rastejar por elas em direcção ao obus e a vir abrigar-se junto de nós. Às escuras não os identifico, mas rapidamente percebo pelas vozes que entram o cabo Telo e os soldados Ferreira e Gonçalves, todos da minha companhia. Trazem consigo o cabo Santos, do COMBIS, que veio connosco na operação. Alguns arranjam lugar nas camas de cima e por aí se acomodam. Outros, sem espaço, ficam de pé no pouca área que sobeja entre os degraus e as camas. Nota-se um certo abrandamento no fogo, mas sentimos que os rebentamentos estão muito concentrados à volta do abrigo e cada vez parecem mais próximos.

Há opiniões, que só mais recentemente conheci, de que os postos de artilharia eram os alvos a atingir neste ataque específico do PAIGC, que faria o tiro com observadores avançados, como numa carreira de tiro. Essa tese é sustentada pelo capitão Salgueiro Maia no livro Capitão de Abril – Histórias da Guerra do Ultramar e do 25 de Abril, Editorial Notícias, Novembro de 1997. pág. 64)

É aflitivo estarmos enfiados num buraco sem luz, sem nos vermos uns aos outros e sem controlarmos o que se passa lá fora. Já nas noites anteriores havíamos admitido que um dia destes “eles” viriam atacar-nos ao arame, com armas ligeiras e, de passagem pelo abrigo, bastava atirarem uma granada-de-mão cá para dentro para nos limpar a todos…

Num instante, fez-se um clarão capaz de cegar qualquer um, não sei bem dizer bem o que se passou. Quer dizer, sei, mas há um hiato de tempo em que não me lembro de nada. Uma granada imensa perfura o tecto que tínhamos como muito seguro e provoca o caos. Confesso que não me lembro patavina do estrondo, apenas do clarão. Passado não sei quanto tempo abro os olhos e os meus braços tremem sem que consiga controlar os movimentos. Eu devo ter desmaiado por alguns instantes, nem faço ideia se breves, se longos! Estou sentado ao fundo, na cama de baixo, do lado esquerdo. Oiço gemidos vários. O Igreja grita roucamente “as minhas pernas, ai as minhas ricas perninhas”, apercebendo-se que as tinha num crivo de estilhaços. O Cruz (ferido num pé, viu-se depois que sem gravidade) sobe os degraus para o exterior, parece-me que auxiliando o Monteiro, que dobra uma perna com dificuldade. Também o cabo artilheiro sai, puxado por alguém que lhe estica os braços lá de fora. Vai muito queixoso e parece bastante debilitado. Lá fora o obus dá um disparo, depois outro.

Só bastante mais tarde vim a saber que o soldado Vieira, sem nunca obter formação para tal, recebeu ali mesmo umas dicas do cabo artilheiro e, provavelmente sem a melhor das direcções, agarrou-se ao obus 10,5 e desatou a responder ao fogo inimigo. Foi mandado parar, para evitar o desperdício de munições e porque, entretanto, haviam chegado maqueiros que levaram para a enfermaria os feridos mais graves, nomeadamente o soldado Gonçalves e o furriel Fernandes, cujos ferimentos eram de tal monta que “ninguém já dava nada por eles”…

A meu lado, o Silva desata a rezar a Avé Maria em voz alta e eu, porventura mais assustado do que ele, dou-lhe um valente safanão e imploro-lhe: “cala-te caralho”! Nem sei mesmo (nem ele o saberá) se o sítio das costas em que o empurrei foi o mesmo por onde um estilhaço o tinha perfurado, mas nada de importância. Eu queria ouvir bem o que se passava em redor, sobretudo lá fora. Percebo muito próxima uma respiração irregular, gorgolejante. Guio-me pelo ouvido e concluo que o ruído dos borbotões tem origem no corpo do Machado, que sei estar sentado da mesma coma que eu, na outra ponta. Apalpo-lhe o corpo e trago na mão uma substância quente e pegajosa. Foi atingido no peito e o sangue das feridas entope-lhe a respiração. O som atrofiado apaga-se suavemente e com ele percebo que também o Machado se apaga, atravessado na cama, encostado à parede e pernas de fora, estendidas. Depois, bem, depois acho que me fui outra vez a baixo das canetas, já que não me lembro de ver o Silva sair nem os outros feridos, como o alferes Luciano Diniz, também com as pernas bastante danificadas por estilhaços. Se estivesse acordado certamente teria saído com eles; se estivesse acordado também eles dariam por mim e não me deixariam ali “sozinho”!?

Quando recobro noto um silêncio estranho. Gritos e lamentos que ouvira antes desapareceram em absoluto. E é esse vácuo que me desperta os sentidos, sobretudo o auditivo e o olfactivo. A fumarada, que agora não é provocada pelos cigarros, some-se muito, muito lentamente. Percebo isso ao ver no tecto, no lugar da desaparecida lâmpada de 25 velas, aparecer um círculo baço de céu a querer impor-se à escuridão. É estranho que só neste momento interiorize que fomos atingidos pelo IN (granada de Morteiro 120 mm).

Passo as mãos pela cabeça, pelo rosto, ao longo do camuflado e em todos os lugares dou por mim encharcado. Cheiro as mãos, o odor pastoso do sangue invade-me as narinas e provoca-me um vómito. Penso para comigo que estou ferido. Bem, nada me dói em particular. Também o desenho dos degraus, aos pés da cama, para lá das pernas do Machado parece furar a escuridão. Interrogo-me sobre o que faço aqui e resolvo sair. Ergo-me, tento apoiar-me nos ferros das camas de cima e, de cada vez que pouso as mãos sinto que o faço sobre corpos que nem consigo imaginar a quem pertencem. Antes, nunca imaginei que pudesse haver mais vítimas mortais para além do Machado. Tento dar um passo em frente no estreito “corredor” entre camas e piso um corpo. Alargo o passo e tropeço nas pernas que podem ser do meu amigo ou de outro camarada qualquer. Quem serão estes companheiros? E se algum deles ainda vive? Que maleita poderei causar-lhe, calcando-o e passando-lhe por cima? Desespero e sento-me no mesmo sítio. É curioso que, fumador inveterado desde muito novo, não me lembro de alguma vez não trazer lume comigo. Sempre usei isqueiro mas, dada a dificuldade de arranjar pedras e gasolina no mato compro sempre carteiras de fósforos (de cera, que os de madeira apagam-se mais com o vento). Logo agora, não tenho uma coisa nem outra e não consigo iluminar a saída e zarpar daqui para fora, para o pé dos outros, onde estarão?

Guio-me mais uma vez pelo ouvido. Qualquer coisa frita baixinho a cama à minha frente. Ajoelho-me, estico o braço e apanho o “rádio-banana” (AVP-1) utilizado pelo cabo artilheiro e que a explosão deve ter projectado para ali. Como estava farto de ouvir o nome de código do comandante arrisquei:

– Águia Águia, diga se me ouve, escuto!…

Aí à terceira tentativa irrompe a voz do tenente-coronel a responder. Queixo-me que estou no abrigo do obus, com vários mortos em redor (da existência destes, logicamente, ele já sabe), que está escuro como breu e que preciso de ajuda para sair. Correia de Campos assegura-me que enviará alguém ao abrigo logo que seja possível, pois a barafunda é grande na enfermaria. Aguardo prolongadíssimos minutos e por fim oiço o milagre de duas vozes que se aproximam e passos a descer os degraus do abrigo. Um clarão de lanterna percorre rapidamente o interior:

– Ena como isto está! – exclama um dos homens. Ele vê (e eu também, pela primeira vez), as silhuetas dos camaradas que jazem sobre as camas e no chão.

– Alumia aqui para o fundo! – peço-lhe.

– Olha pá, está aqui um gajo vivo! – exclama o soldado da lanterna.

Ilumina-me, então, a passagem. Alargo o passo para ultrapassar um corpo tombado a meus pés e, logo depois, passar por cima das pernas esticadas do Machado. O espaço entre as camas é exíguo (a minha memória visual aponta para os 40 centímetros) e à passagem raspo o meu ombro num braço que pende da cama superior. O braço, que só deve estar preso ao corpo por umas farripas dum sovaco de dólmen, cai ao chão. O som cavo que provoca só desaparecerá dos meus ouvidos no dia em que a morte também me bata à porta.

O soldado não me deixa ver bem os terrenos que piso, talvez para não me impressionar. Os repentes da lanterna deixam-me identificar os rostos dos meus camaradas Telo e Ferreira e do soldado da CCaç 19 que durante o ataque se refugiou no abrigo com o alferes madeirense. Cá fora, abatido com o que vi, sento-me no chão, no lado interior da cerca de bidões cheios de terra que protegem o obus. Puxo dum cigarro e peço lume ao soldado (europeu, não sei de que unidade) enviado pelo comandante. Acendo o cigarro com o quico a fazer de abat-jour e não sei se alguma vez na vida estive tão triste e angustiado como neste momento. Os dois soldados voltam ao interior do abrigo e um deles sai a correr, para regressar três minutos depois com uma maca e mais um ajudante. Algo os fez desconfiar que o corpo do africano deitado no chão ainda respira, pelo que decidem transportá-lo para a enfermaria, quem sabe? Em vez disso, chamar um enfermeiro não seria a melhor opção, estavam todos sem mãos a medir.

Volto a apalpar nuca, pescoço, peito, tudo o que as mãos alcançam até me certificar se não estou realmente com ferimentos. É “apenas” o sangue dos meus camaradas que me ensopa da cabeça aos pés e isso já é ferida bastante. Deito um derradeiro olhar para dentro do abrigo e retenho a imagem do gravador de Akay virado do avesso, no chão. Sigo atrás da maca até à enfermaria para me inteirar do estado dos evacuados, pois nem sabia ao certo quem sofrera o quê. A azáfama é tanta que me barram o caminho, os enfermeiros não deixam entrar ninguém. Encontro finalmente o Ângelo Silva, abraçamo-nos em lágrimas (confirma-me que levou apenas com um pequeno estilhaço nas costas) e fico a saber por ele do estado dos restantes militares da companhia. O Gonçalves, que dificilmente resistirá a tão profundos ferimentos, é um caso à parte. Dos restantes, a mais complicada é a ocorrência do Igreja, bastante atingido mas felizmente só nas pernas e, informara o sargento enfermeiro, dos joelhos para baixo. O Monteiro tem também um joelho bastante ferido e o Cruz um estilhaço no pé, coisa de pouca monta, o mesmo sucedendo com o nosso cabo de artilharia. O alferes madeirense da companhia africana (Diniz) tem nas pernas ferimentos parecidos com os do Igreja, embora pareça que houve estilhaços que lhe atingiram os ossos. O estado do furriel Fernandes é bastante crítico. Verificamos que o meu corpo (que não a minha mente) terá sido o único a safar-se aos estilhaços…

Por heresia do destino, este é o proclamado Dia de África (também Dia da Libertação de África), por ser a data da fundação da OUA, – Organização da Unidade Africana, fundada a 25 de Maio de 1963, – “para o Mundo celebrar com os africanos, medindo o progresso que este continente faz na comunidade internacional”… Penso que, pela nossa parte, estamos a pagar uma factura pesadíssima para assinalar este 10.º aniversário! Por estes dias, durante a crise de Guidaje (e ainda antes do que viria a passar-se a sul, em Guileje), o comandante-chefe informou o titular da pasta da Defesa, – ministro Silva Cunha, – que “nos aproximamos, cada vez mais, da contingência do colapso militar” e que, “de há uns tempos para cá o PAIGC alcançou uma inesperada supremacia em potencial de guerra”. O homem parece que é bruxo, digo eu, mas anos mais tarde…


26 de Maio

Se já era difícil dormirmos alguma coisa no abrigo, mais difícil foi fechar os olhos nas valas. Passámos mais uma noite em claro, percebemos melhor as queixas dos que já habitavam no “metro” há mais dias, não conseguimos dormitar nem um cagagésimo de tempo. Quando rompeu o sol vimos que na palmeira pendia não só o cacho de dendém, mas um volume escuro e grosso, cheio de abelhas a entrar e a sair. Não é nada agradável conviver com favos àquela distância. Para já, ninguém se queixa de ter sido picado, talvez o dia se torne mais propício a uma soneca, estendidos no fundo da vala.

No fundo? Logo eu, que ainda em Gadamael ganhei complexos de me atirar para dentro de valas, sobretudo, à noite. Tinha acabado de sair do banho (que se tomava em balneários construídos com bidões, já perto do rio), de chegar ao meu quarto e me enxugar, a única roupa que tinha no corpo era um par de peúgas e nesse instante uma sentinela dispara uma rajada (teria dado por “saídas” de fogo IN e deu assim o alarme de flagelação), e mal tive tempo de agarrar na G3 e correr naquele estado para a vala mais próxima. Agachado, mas positivamente com o rabo de fora, passados instantes pressinto algo no pé. Apesar do lusco-fusco, vislumbro uma senhora cobra a roçar-se nos meus tornozelos, levando-me a esquecer os perigos das bernardas que caíam em redor e a pular para fora, naquela triste figura… Foram os soldados que ali se encontravam que, calçados com botas de lona, a mataram e atiraram para fora da vala. Como os rebentamentos continuaram, tornei ao interior da vala. Foi uma incursão breve, pois duas lombrigonas, filhotes da falecida, andavam no fundo aos pinotes…

Cedo nos confirmam o que já se esperava: a morte do furriel Fernandes. Um pouco mais tarde, sucumbe também devido aos ferimentos o soldado da CCaç 19, António Talibó Baio.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de > 5 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6108: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (7): Os dias da batalha de Guidaje, 22 e 23 de Maio de 1973

Guiné 63/74 - P6153: Parabéns a você (106): Luís Faria, minhoto, portista, ex-Fur Mil Inf, MA, CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)



Guiné > Bula > CCAÇ 2791 (1970/72) > O Luís Faria no quarto... em dias de calmaria.


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > No cais, com o Monte Cara ao fundo, a caminho da Guiné... Escala  do Carvalho Araújo


Guiné > Bolama > CCAÇ 2791 (1970/72) > Outubro de 1970 > Luís Faria, à civil, na marginal... Em Bolama ia-se fazer a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional)...




Guiné > Bula > CCAÇ 2791 (1970/72) > O Luís Faria com o Fur Mil Enf Urbano, na rua principal de Bula.









Guiné > Bula > CCAÇ 2791 (1970/72) > O operacional, na Ponta Matar


Fotos: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.




1. O nosso camarada Luís Faria apresentou-se, no dia 22 de Outubro de 2008, à  "porta de armas" da Tabanca Grande, do seguinte modo:

(i) Sou Luis Miguel C Sampaio Faria, Furriel Miliciano, CCaç 2791;

(ii) Estive na Guiné de Outubro 1970 a Setembro 1972 (embarque a 19 de Setembro,  no Carvalho Araújo);

(iii) Cumprimentos e parabéns pelo Blogue que de há uns tempos para cá tenho visitado com agrado;
(iv) Quem me deu a dica foi o Jorge Fontinha, meu grande amigo e camarada de armas na mesma CCAÇ 2791 (Força);

(v) Vi também que o Júlio César, meu amigo, também camarada de armas e conterrâneo, faz parte da Tabanca, o que é óptimo;

(vi)  Apresento-me na esperança de poder fazer parte da Tertúlia e assim contribuir modestamente com episódios/estórias que poderão ajudar a recordar a História, um pouco esquecida, dos ex-combatentes da Guiné.

A partir daí, ele tornou-se autor (profícuo e regular) da série Viagem à volta das minhas memórias que já vão a caminho das três dezenas de postes (**), em geral muito bem acolhidos e melhor comentados.  Ele é um exímio contador de histórias e, além disso, é dotado de uma fabulosa memória.

2. O Luís, que já é membro do Clube dos Sexas, faz hoje anos. Mais exactamente 62. Ainda trabalha, mas nem por isso vai deixar de comemorar, hoje, a feliz efeméride. Com "uma rojoada e um verdasco" (sic). Ou não fosse ele um minhoto dos quatro costados, natural de Felgueiras, com casa no Porto, "perto do Glorioso".  Tm:  919 212 661.

De manhã, já tive ocasião de lhe mandar os nossos votos de parabéns, meus, dos demais editores e dos restantes camaradas e amigos que integram a nossa Tabanca Grande.

Sei que hoje é o teu dia de festa. E, pela primeira vez, vamos cantar-te os parabéns na Tabanca Grande. O "mestre de cerimónias", Carlos Vinhal, está de férias, no Funchal, deve regressar amanhã. Ele é, da equipa de editores, o responsável por esta série, o homem do protocolo e o que gere (e muito bem) a agenda social....

Mais logo, depois do almoço, espero, eu próprio, poder publicar-te o tradicional poste com os Parabéns a Você. (...) Até lá lá dou conhecimento deste feliz evento aos camaradas e amigos do blogue, atrvaés da nossa rede interna (em Bcc).

Reforço os meus e nossos desejos de muita saúde e longevidade para o Luís. E agradeço-lhe, em meu nome e dos demais camaradas da Guiné,  os excelentes textos e fotos com que nos tens brindado.  Espero/esperamos poder estar com ele, o mais tardar, no dia 26 de Junho de 2010, no V Encontro Nacional da Tabanca Grande.

Luís Graça

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 22 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3343: O Nosso Livro de Visitas (39): Luís Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72

Vd. também: 31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3388: Tabanca Grande (94): Luís Sampaio Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto (1970/72)

(**) Vd.  último poste da série > 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6091: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (27): Teixeira Pinto - o dia-a-dia

Guiné 63/74 - P6152: O Spínola que eu conheci (9): Dia da inauguração da placa toponímica da Av. Marechal António de Spínola (Luís Dias)


1. O nosso Camarada Luís Dias, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos a seguinte mensagem, no dia 13 de Abril de 2010:


DIA DA INAUGURAÇÃO DA PLACA TOPONÍMICA DA AVENIDA MARECHAL ANTÓNIO DE SPÍNOLA – OS MEUS CONTACTOS COM O COMANDANTE-CHEFE NA GUINÉ (*)
Camaradas,
O Marechal António de Spínola, que foi o nosso Comandante-Chefe durante a maior parte da nossa comissão na Guiné, foi homenageado, no dia 11 do corrente, dia do centenário do seu nascimento, com o descerramento de uma placa toponímica que deu nome a uma nova avenida da capital, numa cerimónia presidida pelo Presidente da República, o Professor Doutor Aníbal Cavaco e Silva.
A homenagem foi da iniciativa do Presidente da Câmara de Lisboa, Dr. António Costa, contando com a presença do Ex-Presidente, General Ramalho Eanes, e com as Chefias Militares, da PSP e da GNR.
Discursaram o sobrinho do Marechal, o seu antigo chefe da casa civil, o Presidente da Câmara de Lisboa e o Presidente da República.
Do resumo dos discursos todos destacaram a coragem, a dignidade, a sua personalidade, o seu empenho e o amor à Pátria.
Afirmou o Chefe do Estado: Como todas as grandes personalidades, António Sebastião Ribeiro de Spínola foi uma figura controversa que suscitava paixões. O seu carisma não deixava ninguém indiferente. Portugal concedeu-lhe as mais altas distinções, mas não estou certo que tenhamos sempre estado à altura do exemplo de vida que nos legou.
António Spínola nasce em Estremoz, em 11 de Abril de 1910, no ano da implantação da República.  Foi aluno do Colégio Militar entre 1920 e 1928 e entra para a Escola de Guerra em 1930.
Em 1939 torna-se Ajudante de Campo do Comando da Guarda Nacional Republicana.  Em 1941 partiu para a frente russa como observador das movimentações do exército alemão no início do cerco a Leninegrado.
Em 1955 é nomeado administrador da Siderurgia Nacional, sem, contudo, largar a carreira militar.
Em carta dirigida pessoalmente a Salazar, em 1961, oferece-se como voluntário para combater em Angola, onde se notabilizou no comando do Batalhão 345, entre 1961 e 1963.
É nomeado Governador-militar da Guiné em 1968 e reconduzido em 1972.
Obtém um grande prestígio, quer junto dos militares, quer junto das populações africanas, em especial devido à organização dos Congressos do Povo e a uma política de respeito pela individualidade das diversas etnias guineenses e à associação das autoridades tradicionais à administração.
Em diplomacia, chegou a manter contactos secretos com o então presidente do Senegal, Leopoldo Senghor e a tentar que quadros do PAIGC integrassem o lado português, mas militarmente continuou a guerra com todos os meios ao seu dispor, apoiando, por exemplo, uma invasão por mar da capital da Guiné-Conacri, com opositores daquele país, apoiados por comandos e fuzileiros especiais africanos (Operação Mar Verde, 1970) e também a incursão a uma base IN no Senegal (Operação Ametista Real, 1973), destinada a aniquilar ou desarticular as forças do PAIGC que pressionavam a zona Guidaje-Bigene.
Em Maio de 1973 o PAIGC está empenhado em atacar as posições portuguesas dos três G´s; Guidaje a norte, Guileje a sul e mais tarde Gadamael, também a sul.
As forças portuguesas passam por dificuldades, em virtude do surgimento dos mísseis Strela, que abatem vários aviões da nossa força aérea.
Em Guidaje as forças portuguesas conseguem resistir, sofrendo dezenas de baixas, mas conseguindo estancar o avanço do PAIGC sobre aquele aquartelamento.
No entanto, em Guileje, a situação seria diferente e, por exemplo, entre os dias 18 e 21 de Maio, o aquartelamento iria sofrer 40 flagelações da artilharia dos guerrilheiros.
As condições de vida no quartel deterioram-se rapidamente (cerca de 500 pessoas dentro dos abrigos, com água racionada e sem meios rádio) e, por decisão do então Major Coutinho e Lima, os portugueses retiram para Gadamael, na manhã do dia 22 de Maio, onde conseguiram chegar incólumes.
O PAIGC, então, atira as suas forças contra este último aquartelamento sobrelotado, em 1 de Junho.  Os ataques irão continuar e prolongar-se até finais do mês de Julho.
As forças pára-quedistas (BCP 12) foram importantes quer na defesa de Guidaje (CCP121) e em Gadamael (CCP 122), ajudando a manter as posições.
A resistência irá custar aos portugueses 24 mortos e 150 feridos, mas o aquartelamento salva-se.  O Comandante-chefe soube resistir à ofensiva das forças do PAIGC, mas sabia que necessitava de mais reforços e de armamento mais moderno.
O governo não o atendeu nas pretensões e aproveitando uma acalmia militar no território goza um período de férias na metrópole em Agosto e já não aceita ser reconduzido, não voltando mais a Bissau.
Em Novembro de 1973 não aceita um convite de Marcelo Caetano para ser Ministro do Ultramar.
Em Janeiro de 1974 é nomeado vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, por sugestão do General Costa Gomes, cargo de que foi afastado em Março, após o Golpe das Caldas.
Em 22 de Fevereiro publica o livro "Portugal e o futuro", que é uma lufada de ar fresco no cinzentismo da política nacional, ali defendendo o fim da guerra colonial e a liberalização do regime.
Em 25 de Abril de 1974 e como representante do Movimento das Forças Armadas, recebeu no Largo do Carmo, Quartel-general da GNR, do Presidente do Conselho, Marcello Caetano, a rendição do governo.
Este acto, de certo modo, irá permitir-lhe assumir poderes públicos, apesar de não ter sido essa a intenção do movimento dos capitães.
Presidiu à Junta de Salvação Nacional (que passou a deter a condução do Estado, após a Revolução dos Cravos) e foi escolhido pelos seus camaradas para o cargo de Presidente da República, cargo que ocupará de 15 de Maio de 1974 até à sua renúncia em 30 de Setembro do mesmo ano, sendo substituído pelo General Costa Gomes.
Ligado aos acontecimentos de 11 de Março, Spínola foge para Espanha e depois para o Brasil.
Em 1987, o então Presidente da República, Mário Soares, designou-o Chanceler das Antigas Ordens Militares Portuguesas e condecorou-o com a Grã Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada (a maior insígnia militar portuguesa), pelos feitos de "heroísmo militar e cívico e por ser um símbolo da Revolução de Abril e o primeiro Presidente da República, após a ditadura".
Em 13 de Agosto de 1996, em Lisboa, Spínola morre, vítima de embolia pulmonar, aos 86 anos de idade.  
O meu primeiro contacto com o então General Spínola deu-se uns dias depois da chegada do Batalhão de Caçadores 3872, à Guiné - no qual fui incorporado para o Ultramar - na parada de recepção e apresentação de boas vindas, que se realizou no Cumeré, em 26 de Dezembro de 1971, o General proferiu um discurso vivo, apelando ao nosso amor pátrio (".... que a boa estrela vos guie..!").
O segundo contacto foi ainda no início da comissão, mas já no terreno, na Operação Trampolim Mágico, realizada entre os dias 24 e 26 de Fevereiro de 1972, em que o Comandante-chefe acompanhou as operações de desembarque do BART 3873, na Ponta Luís Dias - zona do Fiofioli (com o meu nome, mas não tem nada a ver comigo, é claro!), no qual estavam incluídas forças do BCAÇ 3872 (o meu grupo de combate e outro da minha companhia - a CCAÇ 3491 - reforçámos a CART 3493 e outros grupos de combate do meu batalhão reforçaram outras companhias do BART 3873). A sua presença foi causa de admiração para os piras que nós éramos.
Em 29 Abril de 1972, o General inaugurou as renovadas instalações da CCAÇ 3491, no Dulombi, cuja construção fora, praticamente, obra dos velhinhos da CCAÇ 2700, "refilando" contra os torreões que cercavam o aquartelamento e verificando o estado dos abrigos, embora evidenciando que os combatentes deviam defender o aquartelamento nas valas e não nos abrigos (por sinal das mais bem feitas da Guiné, segundo observação dos pilotos dos helicópteros que nos visitavam).
Também ordenou a retirada a placa com o nome do capitão da CCAÇ 2700 (a que rendêramos), do heliporto porque, dizia ele; "para ali se ter o nome tinha-se que morrer primeiro na Guiné".
Naturalmente o heliporto passou a ter o nome "Heliporto do Dulombi" e acabou-se a conversa.
No dia seguinte ao primeiro contacto que elementos da companhia tiveram com o IN (o 2º Gr Comb, que eu comandava, e o 3º Gr Comb, comandado pelo já falecido Alf Farinha), na Operação Alma Forte, em 11 de Março de 1972 (um dia depois da saída dos velhinhos) e a cerca de 18 km do nosso quartel, recebemos diversas mensagens elogiosas, entre elas do Cmd-Chefe REPOPER, que dizia: "Cmdt-Chefe felicita essa reacção à emboscada do IN, durante a Op Alma Forte, reveladora de determinação".
Esta mensagem é demonstrativa da atenção que ele tinha para os acontecimentos militares, especialmente sensibilizando as forças acabadas de chegar, elogiando o seu comportamento no seu primeiro combate e moralizando, deste modo, as nossas forças (confesso que fomos muito felizes e que o IN terá ficado bastante surpreendido por estarmos naquela zona de acção).

Em 22 de Junho de 1972, todos os oficiais do BCAÇ 3872, deslocaram-se à sede do Batalhão, em Galomaro, para uma reunião com o General Spínola.
Foi um encontro muito interessante, um diálogo bastante aberto e dinâmico, onde alguns manifestaram a sua opinião, mesmo contrária às posições oficiais e em que se chegou mesmo a falar de um levantamento militar contra o regime, referindo-se que o General Spínola, com a sua reconhecida capacidade e prestígio granjeado, poderia muito bem liderar esse movimento (julgo que estas questões lhe foram postas, se a memória não me atraiçoa, pelo médico do batalhão, Pereira Coelho e pelo Capitão Rosa,  da Companhia de Cancolim).

Lembro-me que a estas questões o Comandante-Chefe apenas esboçou uns sorrisos e abanava a cabeça num sinal que interpretámos de concordância - prenúncio do movimento que iria surgir dois anos depois e que, como se sabe, teve o seu início na Guiné.
Recordo-me ainda das palavras de apreço que teve para com os oficiais milicianos, mormente para com os capitães.
A 19 de Setembro de 1972, durante a Operação Água Fresca, na convergência do Rio Cambamba com o Rio Corubal, em que estavam envolvidos o meu Gr Comb e o 3º Gr Comb da nossa companhia, detectámos onde o IN atravessava o rio e,  quando já estávamos junto do Corubal, tivemos a "visita" inesperada do General Spínola e do Comandante do Batalhão, Tenente-Coronel, Castro e Lemos, obrigando-nos a arranjar segurança num local para poisar o hélio, à pressa, embora o "Lobo Mau" [ helicanhão,], ficasse a rodopiar envolta da zona, enquanto durou a pequena reunião. Spínola falou comigo (comandava a operação),  procurando inteirar-se dos locais identificados onde o IN fazia a cambança, dos locais escolhidos para montar as emboscadas e armadilhas, bem como detalhes normais deste tipo de acção.
Despediu-se desejando boa sorte e nós saímos do ponto onde estávamos, não fosse o diabo tecê-las, pois com o aparato dos dois hélios, o IN podia perfeitamente localizar-nos e atirar-nos umas "bojardas" do outro lado do Rio, onde era terra de ninguém e onde ele se escondia e passeava bastante à vontade.
Contudo, os homens apreciaram muito a coragem do "Velho" ou o "Caco", para estar ali com eles, numa zona muito propícia a surgir o IN e na qual a nossa atenção ficava sempre em alerta máxima.
Em 20 de Dezembro de 1972, após vários ataques do IN na zona de intervenção do Batalhão, quer a tabancas em autodefesa, quer aos aquartelamentos de Dulombi, Cancolim e especialmente à sede do Batalhão, em Galomaro, o Comandante-Chefe esteve no Dulombi, a fim de inteirar-se das acções que havíamos realizado, em especial depois do ataque à tabanca de Samba Cumbera, em que em uma força, por mim comandada, foi atrás do IN, a toda a "velocidade", a fim de tentar interceptá-los, pois no ataque perpetrado haviam morto uma mulher e uma criança que estavam numa vala, indefesos e nós levámos esta acção muito a peito, indo atrás deles cheios de "raiva", com desejos de vingar aquelas mortes.
O IN deve ter pressentido o perigo, o quanto perto estávamos deles, pois foram largando material para irem mais leves e mais depressa.
Pela frescura do rasto sabemos que foi por um pouco, mas o IN conseguiu atravessar o Corubal, com muita pouca vantagem de nós, mas fugiu.
O regresso foi penoso, com o pessoal muito cansado e desmoralizado, depois de toda a adrenalina gasta na perseguição.  O General, aproveitado a oportunidade, falou ainda à população, moralizando-as e afirmando que deviam confiar nas forças portuguesas.
Após novos ataques IN na zona do batalhão, com uma emboscada em Anambé-Cancolim, ao pelotão de milícias que fazia a picagem da estrada Anambé-Rio Xancara (8 de Janeiro de 1973), causando dois mortos e um ferido, ataque à Tabanca de Bangacia (1 de Fevereiro de 1973), com baixas entre a população, feridos diversos entre os milícias e a destruição de meia centena de casas e com a colocação de mina A/C, reforçada com granada de RPG, na estrada Galomaro-Dulombi (2 de Fevereiro1973), que foi accionada por uma viatura da CCS, causando um ferido grave (condutor), o General Spínola desloca-se em 4 de Fevereiro a Bangacia, para avaliar os estragos (era uma tabanca modelo, onde eram levados em visita muitos jornalistas, principalmente estrangeiros) e no dia 10 de Fevereiro surge novamente no Dulombi o Comandante-chefe, acompanhado do Comandannte da CAOP2, do Comandante-geral das milícias e do nosso 2º Comandante - segunda visita em tão curto espaço de tempo, havia algo no ar.
Curioso nesta visita foi o Comandante-chefe, ao cumprimentar-me, ter-me tratado pelo nome militar:
- Então nosso Alferes Dias, como vai?.
Possivelmente antes de falar comigo,  inteirou-se, previamente, sobre quem era o comandante da unidade. Nesta visita, que seria a última, quem comandava a companhia era eu, em virtude do capitão se encontrar
de férias na metrópole.
O General pediu-me para lhe explicar as nossas últimas intervenções, em especial na identificação dos trilhos de aproximação e retirada do IN.  Aceitou bem as respostas que lhe dei, sorrindo para os acompanhantes quando lhe expliquei como nós podíamos facilmente perder um trilho de retirada (…) e ouviu as minhas lamentações devido à grande área de intervenção e patrulha que detínhamos, aos enormes espaços que existiam entre nós e as companhias do Saltinho, Cancolim e mais acima Canjadude, que davam muita manobra ao IN, na aproximação e ataque às tabancas da população, das zonas de Galomaro, bem como podia facilitar a passagem para atacarem Bafatá.
Pressenti que o General já tinha outra ideia para a nossa zona de intervenção e, efectivamente, ainda comigo a comandar a companhia, foi ordenada a nossa retirada do Dulombi para Galomaro, onde já se encontrava um Gr Comb nosso desde Dezembro e outro em apoio ao Batalhão de Piche, em 9 de Março de 1973, deixando no Dulombi unicamente 13 homens, comandados por um dos meus furriéis e 2 pelotões de milícias.
Continuámos a efectuar semanalmente operações na zona do Dulombi, mas a nossa área de intervenção foi substancialmente alargada, com a junção à nossa da área então detida pela CCS.
Foi a última vez que vi o General Spínola no nosso teatro de guerra.
A situação parecia ter-se alterado com a ocupação do Cantanhez pelas nossas forças, que implicou o recurso a tropas que tinham chegado para substituir outras, atrasando, deste modo, as rendições.
Também o próprio PAIGC se preparava para atacar com toda a força a norte (Guidaje) e depois a sul (Guileje e Gadamael) e mais tarde seria também a vez de Canquelifá e Copá.
A alteração fundamental foi, todavia, do meu ponto de vista, a introdução da nova arma do PAIGC, o míssil
Strela, que modificou a forma de actuar da força aérea.
Passou a existir no seio dos nossos militares o receio de que, em caso de serem feridos, os hélios não viriam fazer a evacuação e teve de haver uma forte componente psicológica por parte dos graduados para evitar males maiores, ou mesmo recusas em ir para o mato, em especial, quando terminado o tempo previsto para a comissão, souberam que não seriam substituídos tão depressa, foi uma quebra moral muito grande.
Lembrou-se a Câmara Municipal de Lisboa, em bom tempo, de dar o nome a uma avenida da capital, ao nosso antigo Comandante-chefe, avenida esta, por sinal bem comprida, e que irá perdurar a memória deste militar que não foi indiferente a todos que o conheceram, causando a admiração de muitos, mas também criando noutros muita embirração.

Para aqueles que serviram sob o seu comando,  não podem esquecer o homem do monóculo, das luvas e do pingalim. O seu carácter, a sua personalidade e de facto a sua coragem deixaram uma marca indelével e não há dúvidas de que foi um militar de excepção, um homem que marcou o seu tempo e nos marcou a nós combatentes.

Fiz bem em ter estado presente e lá estarei, se Deus o permitir, quando for inaugurada naquele local uma estátua em sua honra, conforme prometeu o Presidente da Edilidade Lisboeta.

Foto 1 > Retrato de António de Spínola, Presidente da República
Foto 2 > Comandante-chefe na inauguração das renovadas instalações do quartel do Dulombi, em Abril de 1972. Em primeiro plano o General Spínola com o Cap. Milº Fernando Pires, comandante da CCAÇ3491 e em segundo plano o Alf. Milº Luís Dias.
Foto 3 > Av. Marechal António de Spínola. Chegada ao local da cerimónia do Presidente da República, Cavaco e Silva e da respectiva comitiva (11 de Abril de 2010)

Foto 4 > Tribuna das altas individualidades, onde se pode ver o General Almeida Bruno, sentado na fila da frente, sendo o quarto a contar da esquerda e que lançou a polémica entre os combatentes da Guiné ao proferir declarações infelizes num documentário do jornalista Joaquim Furtado, sobre a guerra naquele território.

Foto 5 > O descerramento da placa pelo Presidente da República e pelo Presidente da Câmara de Lisboa

Foto 6 > A placa que dá o nome à nova Avenida, na altura do toque do Hino Nacional, estando presentes o Presidente da República, o Ministro da Defesa e o Presidente da Câmara.

Foto 7 > O Ex-Alf. Milº Luís Dias, que marcou presença na cerimónia, junto da nova placa toponímica (11 de Abril de 2010).
Nota: Apontamentos biográficos recolhidos da Wikipédia e do Livro Biografia: Spínola, Senhor da Guerra, de Manuel Catarino e Miriam Assor, com a devida vénia.
Um abraço,
Luís Dias,
Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872

[Fixação / revisão de texto / bold / título: MR]
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

terça-feira, 13 de abril de 2010

Guiné 63/74 – P6151: Agenda Cultural (71): Conferência «Vozes da Revolução: Guerra Colonial e Descolonização»,15/16/Abril, ISCTE-IUL (Joacine Moreira)

1. Com data de 24 de Março de 2010, recebemos de Joacine Katar Moreira o seguinte pedido de divulgação, sobre a Conferência «Vozes da Revolução: Guerra Colonial e Descolonização», que vai decorrer nos próximos dias 15 e 16 de Abril, no ISCTE-IUL, Auditório B 203 – Edifício II -, em Lisboa:

Caros Senhores,
Agradecemos a divulgação do colóquio Vozes da Revolução: Guerra Colonial e Descolonização, a realizar no ISCTE-IUL nos próximos dias 15 e 16 de Abril de 2010, no Anfiteatro B203.
Em relevo a presença do historiador francês René Pelissier que após duas décadas regressa a Portugal pela mão desta organização.
O colóquio contará com a presença de diversos especialistas e testemunhos do período em análise.
Enviamos em anexo o Programa e o Cartaz do Colóquio.

COLÓQUIO

VOZES DA REVOLUÇÃO
Guerra Colonial e Descolonização

15 e 16 de Abril de 2010
ISCTE-IUL, Auditório de B203, Edifício II

Programa

15 de Abril (quinta-feira)

Manhã - Novas investigações: Guerra Colonial, Descolonização e Estudos Pós-coloniais.

9h30 > Abertura institucional:

Apresentação do Projecto Os Militares na Transição para a Democracia.

Ana Mouta Faria (CEHCP-ISCTE/IUL) e Fernanda Rollo (IHC, FCSH-UNL)

10h15 > A Máscara do Terror – construção do Inimigo na Guerra Colonial - Tiago Matos Silva (CRIA).

Em Torno do Fim do Império Colonial Português: Problemas e Perspectivas - Miguel Bandeira Jerónimo (ICS/UL).

Os Filhos da Guerra Colonial: Pós-memória e Representação - Margarida Calafate Ribeiro (CES/UC).

Entre factos e argumentos: combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas durante as guerras coloniais (1961-1974) - Fátima Cruz Rodrigues (CES/FEUC).

Debate > Moderação: Sónia Vespeira de Almeida (CRIA; FCSH-UNL).

Tarde – A Guerra Colonial.

15h00 > A situação da guerra em vésperas do 25 de Abril: Moçambique, Angola e Guiné.

Aniceto Afonso (A25A; IHC-UNL)
Pedro Pezarat Correia (A25A; F. Economia/UC)
Carlos Matos-Gomes (A25A)

Debate > Moderação: Pedro Lauret (A25A)

16 de Abril (sexta-feira)

Manhã

9h30 > Descolonização e processo político português
Guerra Colonial: nada existe até ser contado – Maria Manuela Cruzeiro (CES/UC).

António de Spínola e a descolonização portuguesa - Luís Nuno Rodrigues (CEHCP-ISCTE/IUL).

Debate > Moderação: Maria Inácia Rezola (IHC, FCSH-UNL; ESCS)

10h30 > Guerra, Descolonização e contexto internacional.

Os postos militares fronteiriços no leste de Angola nas vésperas da descolonização - René Pélissier (Historiador).

O plano internacional da guerra no consulado caetanista - Josep Sánchez Cervelló (Universidade de Tarragona, Espanha).

A descolonização portuguesa numa era de détente e terceiro-mundismo - Pedro Aires de Oliveira (IHC, FCSH-UNL).

Debate > Moderação: Cláudia Castelo (IICT)

Tarde - Testemunhos

14h30 > Vítor Crespo (MFA; Alto-comissário em Moçambique).

Mário Soares (Político e governante).

António Barbedo de Magalhães (Militar em Timor).

16h30 >

João Paulo Guerra (Jornalista)
José Villalobos Filipe (MFA em Angola)
Jorge Sales Golias (MFA na Guiné)

Debate > Moderação: Luísa Tiago de Oliveira (CEHCP-ISCTE/IUL)

Inscrições: Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa, Av. das Forças Armadas, Ed. ISCTE, 1649-026 Lisboa.

Tel: 21 790 30 94; Fax: 21 790 30 14; E-mail: joacine.moreira@gmail.com
www.cehcp.org

Para as inscrições, utilizar o e-mail: joacine.moreira@gmail.com

P´la Organização,

Joacine Katar Moreira

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Notas de M.R.:

Vd. também sobre esta matéria o poste:
26 de Março de 2010 > Guiné 63/74 – P6051: Agenda Cultural (67): Conferência «Vozes da Revolução: Guerra Colonial e Descolonização»,15/16/Abril, ISCTE-IUL (Joacine Moreira)

Vd. último poste desta série em:
9 de Abril de 2010 >
Guiné 63/74 - P6136: Agenda cultural (70): A banda portuguesa, de música klezmer, Melech Mechaya, em Lisboa, no Teatro Villaret, 12 de Abril, 2ª feira, às 21h30

Guiné 63/74 - P6150: O Spínola que eu conheci (8): O Militar que foi meu Comandante-Chefe (Paulo Santiago)

1. O nosso Camarada Paulo Santiago (ex-Alf Mil At Inf do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 11 de Abril de 2010:





O MILITAR que foi meu Comandante-Chefe (*)
A primeira vez que vi o General Spínola, aconteceu na época natalícia de 1970, no quartel do Saltinho, quando ele corria todas as companhias e respectivos destacamentos, e a CCAÇ 2701 tinha três, Cassonco, Madina Buco e Cansamange.
Lembro-me que chegara uma mensagem indicando que o pessoal devia estar formado em U, e não me recordo se nesse dia o cumprimentei.
Voltei a encontrar o General, em pleno mato, junto ao Corubal, lá para os lados do Cheche, no decorrer de uma operação que durou três dias, saindo de Dulombi dois grupos de combate da CCAÇ 2700, um grupo de combate da CCAÇ 2699 (Cancolim) e o Pel Caç Nat 53, sendo esta força comandada pelo Cap Carlos Gomes, comandante da 2700.
O local, onde o heli "largou" o Caco, era altamente perigoso, mas ele estava na maior das calmas a informar-se do decorrer da operação, da qual, como é meu hábito, não recordo o nome, e hoje lamento não ter tomado essas notas.
Tempos mais tarde, voltou ao Saltinho para uma visita mais demorada. Nessa altura, o Jamil Nasser, comerciante no Xitole, começara a construir um barracão junto à tabanca do pessoal do Pel Caç Nat 53, que ficava junto à porta de armas do quartel, e o barracão destinava-se a uma nova casa comercial.
Claro que o General se apercebeu da construção e, informado dos fins e do proprietário, foi aos arames e deu de imediato ordem ao Cap Clemente para mandar demolir o que já estava construído. E acrescentava não perceber como o Chefe de Posto do Xitole autorizara a abertura de uma casa comercial em tal local, se quisesse construir, fosse para Mampatá, uma tabanca distante 2 Km e onde havia população.
O Jamil desistiu da abertura de uma casa em Mampatá, mas a ideia foi aproveitada por um outro comerciante do Xitole, o Rachid. Passou-se para o Reordenamento de Contabane, na outra margem do rio, e estou a ver a Fatemá, mulher do Régulo Sambel, mãe do meu 1º Cabo Suleimane, a "pendurar-se" ao pescoço do Spínola e a cobri-lo de beijos.
Quando da minha estadia em Bambadinca, estive três vezes com o Gen Spínola.
Em 24 de Dezembro de 1971, houve o encerramento do primeiro curso de Milícias em que fui comandante da companhia, havia um longo programa que foi reduzido à formatura e ao discurso.
Este discurso, frente à companhia, formada no campo de futebol, e com população a toda a volta, era um espectáculo bem encenado... o General proferia uma frase, parava, e o intérpete balanta reproduzi-a, seguia-se o fula, e por último o mandinga.
Neste dia 24 de Dezembro tive a sorte de uma das visitas de Natal programadas ser ao Saltinho, e assim apanhei uma boleia inesperada.
Voltei a Bambadinca em Janeiro de 72 e, durante o novo curso de milícias, tive duas visitas do Com-Chefe, uma aí pelo meio e a outra no final tendo, desta vez, sido cumprido todo o programa de encerramento, que incluiu uma deslocação de viatura à carreira de tiro, que ficava para lá do destacamento da Ponte de Udunduma, a caminho do Xime.
Na visita que o General fez a meio do curso, lembro-me que uma das coisas que queria saber era o comportamento do Fafe Nkumba, um ex-chefe de bigrupo [do PAIGC], que fora ferido e capturado, e que estava destinado a ser comandante do pelotão que iria ser colocado na Ponte Luís Dias.
O Fafe era maneta, ficara sem a mão e antebraço direitos, devido aos ferimentos.
Voltei ao Saltinho, já com a CCAÇ 3490 de má memória, e um dia pela manhã, aparece por lá o Caco.
Além de mim, que era do 53, no quartel só se encontrava um oficial daquela companhia, um Alferes que queria apanhar uma hepatite e começava o dia a beber uma bazuca acompanhada por uma banana.
Naquele dia a causa da visita era uma carta de um soldado a queixar-se do rancho, no que tinha toda a razão, acrescento.
No fim da visita o vaguemestre tinha deixado de o ser, e o Cap Ayala Botto [, ajudante de campo do Spínola,] levava um apontamento para convocar o Cap Lourenço, mal este chegasse de férias da Metrópole.
A mês e meio de acabar a comissão, recusei-me a cumprir uma ordem estapafúrdia do Lourenço. Ameaçou-me com uma porrada, e arranjei uma consulta de urgência na psiquiatria. Claro que nem sequer entrei no hospital, fiz uns contactos, livrei-me da porrada.
Terminando, gostei do MILITAR que foi meu Comandante-Chefe, e está tudo dito.

Um abraço, Paulo Santiago.


Texto e fotos: © Paulo Santiago (2010)
Ex-Alf Mil At Inf, Pel Caç Nat 53
(Saltinho, 1970/72)





Foto 1 > Saltinho > À direita o Alf Mil Médico Martins Faria, Major Azeredo, 2 militares não identificados, Alf Mil Santiago, General Spínola e Cap Clemente

Foto 2 > Bambadinca > 24.12.1971 > Apresentação da Companhia de Milícias

Foto 3 > Março de 1972 > Carreira de tiro > Comandante do CAOP 2, Polidoro Monteiro, General Spínola, Intendente de Bafatá, Ten-Cor Tiago Martins e Paulo Santiago
Foto 4 > Bambadinca > Março de 1972 > Conversa no fim da cerimónia > Ten Cor Polidoro Monteiro, General Spínola, Alf Mil Santiago, parte da cara do 1º Cabo Cristovão Mantudo dos Santos (Pel Caç Nat 53) e de costas o Fur Mil Dinis (Pel Caç Nat 53
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Guiné 63/74 - P6149: Amadú Bailo Djaló, meu camarada: tem o seu dia de festa no dia 15, no Museu Militar, às 18h (Virgínio Briote)







Índice do livro do Amadú Bailo Djaló, Guineense, Comando, Português: 1º Volume: Comandos Africanos, 1964-1974  (Lisboa: Associação de Comandos, 2010).


Ficha técnica


Título: Guineense, Comando, Português
Autor: Amadú Bailo Djaló
299 pgs
Cerca de 100 fotografias
PVP: €25
Colecção: Mama Sume
Edição da Associação de Comandos
Capa e orientação gráfica: Vítor Luís
Composição e Imagem: Maria Esther – Gabinete Artes Gráficas, Lda
Impressão e acabamento: Bukprint – Oliveira de Azeméis
ISBN: 978-989-95601-1-6
1ª Edição: Lisboa, Março, 2010
Depósito Legal nº 307781/10
Apoio da Comissão Portuguesa de História Militar



1. Mensagem do Virgínio Briote:

Caros Luís, Carlos e Eduardo,


Muito obrigado, em nome do Amadu Djaló e no meu próprio, por todo o trabalho de divulgação que têm feito. Aproveito para enviar cópias da capa, capa, ficha técnica, convite, índice e a pequena história do livro.


E expresso o desejo para que a cerimónia de lançamento do livro (*) seja aproveitada para homenagear os militares naturais da Guiné que lutaram ao nosso lado.


Um abraço
vbriote

2. Amadú Bailo Djaló, meu Camarada
por Virgínio Briote (na foto, à esquerda, quando Alf Mil Comando, Brá, 1965/66)

O Presidente da Associação de Comandos, José Lobo do Amaral, pediu-me para colaborar na revisão das memórias de um Comando, natural de Bafatá, que viveu todos os anos da guerra, desde o governo do Dr. Silva Tavares ao do General Bettencourt Rodrigues.

Toda a vida de um guineense, que se afirma tão português como muitos de nós, em quatro volumosos maços de folhas A4, escrita pela mão dele, em letra grande, num misto de palavras em português, crioulo e fula. Textos seguidos, sem vírgulas nem pontos, tudo de rajada, escritos por uma alma grande, com a sabedoria, o senso e a inteligência, que muitas vezes presenciámos naqueles nossos companheiros de armas.

O meu primeiro objectivo foi perceber a escrita manual do Amadú e reescrevê-la para um português perceptível, respeitando o estilo da escrita do autor. Depois foram tardes a ler-lhe os textos, corrigir, acrescentar pormenores, cortar outros, pôr datas, nomes, locais, enquadrar as histórias, telefonar a camaradas, cruzar a informação, reavivar pormenores.

Não se trata de um trabalho exaustivo sobre os anos da guerra na Guiné. Nem eu tenho arte nem o Amadu conta a sua história assim. Não se trata de um romance. A maior parte dos textos referem-se a contactos com o PAIGC, a combates com mortos e feridos, de um e outro lado.

Amadú escreve sobre saídas em colunas auto, em Dorniers, em helis, de lançamentos, de progressões na mata, de encontros com os INs de então, de trocas de tiros, morteiros, rockets, de feridos e mortos, de evacuações, de retiradas.

Ouvi-lo descrever as peripécias em que se envolveu, em cada linha que ia reescrevendo, fazia-me sentir como se eu próprio lá tivesse estado também. E,  em duas ou três, estive.

O Amadu Djaló foi meu Camarada nos Comandos em Brá, entre 1965 e 1966, embora não tenha feito parte do meu grupo. Em 1964 pertenceu ao grupo do então Alferes Maurício Saraiva e em 1965 transitou para o do Alferes Luís Rainha. Acabada a Companhia de Comandos do CTIG, depois de uma breve estadia em Bafatá,.  foi para Fá Mandinga, para colaborar na formação dos Comandos Africanos e depois participou em numerosas operações até ao fim do conflito.

O livro começa por falar da vida na cidade natal, Bafatá, do convívio com os Pais, Irmãos, Avô e os amigos mais chegados. A ir e a regressar, acompanhando um primo, feito djila [1], ao Senegal. A hesitar na incorporação, a tentar adiar, enquanto abria uma banca para negociar, no Mercado de Bafatá.

Não pôde evitar, fugir não fazia parte da sua maneira de ser, nem lhe cabia na cabeça deixar os Pais e a família para trás. Ainda faltavam uns meses para começar a guerra a sério, mas já havia cheiro a pólvora no ar.

Depois da recruta em Bolama, entre 1962 e 1964 deambulou como condutor por Cacine, Bedanda, Catió, Cufar e Farim. Removeu abatizes, viu os efeitos das primeiras minas e caiu nas primeiras emboscadas. Mas naquele tempo ainda era possível ir de Farim a Susana, em coluna, em viagens intermináveis.

Cansado de ser “rebenta minas”, pediu a transferência para a 4ª Rep, do QG, em Bissau. Foi-lhe concedida. No parque das viaturas da C.C.S. do Q.G. teve a sorte e o contentamento de encontrar o seu amigo, o Tomás Camará, que estava no grupo de Comandos do então Alferes Saraiva.
- Comandos? Que é isso de Comandos de Saraiva?

Não precisou de muitas respostas para, tempos depois, estar em Madina do Boé com o grupo. Para participar, e de que maneira,  num acontecimento que o marcou para sempre: a mina no pontão do Gobige, na estrada de Contabane para Madina, que matou todos os Camaradas, menos um, que vinham na segunda e última viatura.

Um grupo de vinte homens, repartido em duas viaturas, de um momento para o outro, estava reduzido a metade. Não podiam ir todos buscar socorro a Madina, a cerca de trinta quilómetros de distância. Alguém tinha que ficar ali, a amparar os feridos, a guardar os mortos. Uma tarde que pareceu um ano, junto à estrada para Madina, a assistir ao morre este, agora aquele, até à noite, quando chegou o socorro. E, logo dois ou três dias depois, foram para o Oio e a história quase se repetiu. Porque a guerra é assim, é feita de repetições, os que morreram já não morrem outra vez, morrem outros, os feridos é que podem ter mais sorte, podem voltar a ser feridos outra vez.

Já quase no final da comissão do grupo foram ao Como. Outra odisseia. O grupo de Saraiva, como lhe chamavam, despedia-se numa operação, a que o alferes pôs o nome de Ciao. Tudo correu bem a princípio. Depois, já na retirada, o alferes não quis sair de lá sem trazer a MP [2], que alguns afirmavam ter sido usada contra eles. Alguns ofereceram-se para voltarem ao acampamento em chamas. Dos dez que reentraram nas barracas, um morreu, um ficou ileso e os restantes foram atingidos pelo fogo inimigo.

O grupo de Saraiva acabou e o Amadú achou que já era tempo de ter um pouco de paz. Afinal era um condutor encartado e era mais antigo que muitos. E como condutor ganhava mais 150 escudos que nos Comandos de Brá e, na altura, 150 escudos davam para comprar muito arroz.

Até que apareceu lá na 4ª Rep, um alferes, o Luís Rainha, do grupo Centuriões, que tinha substituído o grupo de Saraiva, com uma autorização da 1ª Rep para o levar, outra vez, para os Comandos de Brá.

Pouco tempo depois, entrou numa nomadização, prevista para durar 48 horas, na zona de Faquina Mandinga, Sitató, na fronteira com o Senegal. Uma nomadização que acabou por se tornar num golpe de mão, guiados pelas vozes e gargalhadas dos guerrilheiros, que se achavam seguros até verem os Comandos entrarem pelo acampamento.

E, outra vez em Maio, tal como no ano anterior com o grupo de Saraiva, nova teimosia, desta vez do Rainha. Ao mesmo acampamento, no Como, para vingar as baixas que o 'grupo de Saraiva' tinha tido. Entre outro material trouxeram a pistola, de coronha nacarada, do Pansau Na Isna e o chapéu chinês dele, também.

Depois a Companhia de Comandos do CTIG acabou. E sempre que a unidade acabava, ou alguma coisa não lhe agradava, o Amadú pedia transferência para a 4ª Rep, a sua eterna casa-mãe.

Tempos depois, estava em Bafatá, quando chegou uma ordem do General Spínola para todos os Comandos Guineenses se concentrarem em Bissau, para fazerem provas e novo curso para a constituição de uma Companhia de Comandos Africanos.

Depois, foram operações atrás de operações da 1ª Companhia de Comandos Africanos, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló [, na foto a esquerda, ao meio], enquanto, em Fá Mandinga, se formavam outras Companhias que iriam constituir o Batalhão de Comandos, sob a orientação do então Capitão Almeida Bruno.

Nos anos que durou a guerra participou em acções em todo o território onde a presença do PAIGC se fazia sentir. Percorreu matas e carreiros de Bambadinca, Canquelifá, Cobiana, Conakry, Cumbamori, Cuntima, Fá Mandinga, Farim, Gandembel, Gadamael, Gabu, Guidage, Guileje, Madina do Boé, Mansabá, Morés, Piche, passou e voltou a passar pelos rios e margens do Cacheu, do Geba, do Corubal, chafurdou e chorou nos tarrafos, em operações umas atrás das outras.

Em 25 de Abril de 1974 andava atrás da guerrilha, na zona de Piche, quando ouviu no rádio de um milícia que tinha havido um golpe militar em Lisboa.

A guerra acabou e começou outra, a luta pela sobrevivência na Guiné-Bissau. A entrega das armas, a vida civil sem amigos, as prisões dos camaradas, os fuzilamentos, a prisão dele e a escapadela numa hora que só costuma acontecer uma vez na vida de um homem, graças a um acto digno e cavalheiresco de um comandante do PAIGC.

A Bissau de Luís Cabral, em 1975, tornou-se uma cidade triste, com recolheres obrigatórios, denúncias, falta de arroz, falta de tudo, menos de 'milho para burro', que um país amigo lhes enviara num navio. O golpe do Nino foi para ele e para muitos o renascer de uma esperança. A seguir veio a desilusão e a viagem para Portugal.


V. António Briote

Ex-alferes mil., CCav 489/BCav 490 e Comandos do CTIG (1965/66).

[1] Vendedor ambulante.

[2] Metralhadora Pesada.

3. Comentário de L.G.:


Há dias eu tinha mandado o seguinte mail ao Virgínio:

Obrigado, Virgínio. Conto lá estar  dia 15, no Museu Militar, no lançamento do livro,] com mais malta do blogue. Espero que seja a festa do Amadu e que não se esqueçam do teu trabalho de formiguinha bagabaga... Mais do que isso: do ser humano de eleição que tu és... Vou publicar. Até lá,  era bom que  me mandasses duas ou très coisas tuas: (i) uma primeira a "historiar" este processo (das folhas de papel almaço ao livro); (ii) e duas "histórias" à margem do livro, incluindo episódios da feitura do livro que ajudam a compreender melhor o Amadu, a sua personalidade, a sua matriz sócio-cultural, a sua história de vida.... Por exemplo, quem é o Amadu, hoje ? Guineense, português ? O que significa ser português para um futa-futa que combateu, com lealdade e coragem, "ao nosso lado" ? 

Nem tu nem eu gostaríamos que lhe "roubassem a alma" no seu dia de festa, nem que o utilizassem como "arma de arremesso" ou como bandeira de instrumentalização para causas que poderão não ser as dele... Fico à espera dos teus textos. Um abração. Luís.

O Virgínio aceitou a minha sugestão. E aqui temos o texto que antecederá o lançamento do livro do Amadú. Sempre discreto, demasiado discreto, recusando louros, luzes da ribalta, protagonismos, o Virgínio merece todo o nosso reconhecimento e gratidão pela generosidade e honestidade intelectual deste seu trabalho... Parabéns a esta dupla Amadu Djaló-Virgínio Briote que conseguiu, contra ventos e marés, levar a cabo esta atribulada tarefa. Registe que grande parte das fotografias que ilustram o livro, foram disponibilizadas por membros da nossa Tabanca Grande.

Espero que o livro seja bem aceite pelos nossos amigos e camaradas da Guiné, bem como pelo público leitor, em geral. Pelo que sei, o Amadú receberá 10% de direitos de autor,  o que me parece razoável. Ou seja, em cada 25 euros, 2 e meio serão para ele, que bem precisa: é pobre, está doente, já ultrapassou há muito a esperança média de vida de um homem guineense da sua geração. Vamos desejar-lhe força e saúde para acabar o 2º volume. 

Parabéns também à Associação de Comandos por ter acarinhado e apoiado este projecto editorial.

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6148: Convívios (215): Pessoal da CCAÇ 1590, dia 5 de Junho de 2010, em Minde - Fátima (Mário Silva)

Amigos e camaradas:
Reenvio-vos uma mensagem do nosso Camarada Mário Silva, sobre o Convívio da sua CCAÇ 1590.
Jorge Santos


13 º CONVÍVIO DA CCAÇ 1590,
"Os Gazelas"

(Mansoa,
Bissorã e Olossato, 1966/68)

Dia 5 de Junho realiza-se o 13º Convívio em Fátima, de acordo com o seguinte programa:
10h00 - Encontro do pessoal junto à cruz alta, no Santuário de Fátima;
11h00 - Missa na Igreja da Santíssima Trindade;
13h00 – Almoço-Convívio no Restaurante D. Nuno, sito na estrada de Minde.
Contacto: Mário Silva - 229716460 - 966845053.
Mário Silva
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
Sobre a CCAÇ 1590, vd o blogue de Luís de Matos, que foi Fur Mil, e é autor do livro "Diário da Guerra Colonial: Guiné, 1966/68".