sábado, 30 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7195: Blogoterapia (165): A geração da guerra (Joaquim mexia Alves)

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 29 de Outubro de 2010:

Meus camarigos editores
Aqui, a pensar sozinho, saiu-me este escrito que vos envio.

Como sempre fica à vossa disposição para dele fazerdes o que quiserdes.

Um abraço forte e amigo do
Joaquim



A GERAÇÃO DA GUERRA

Lentamente as feridas vão fechando, a pele vai-se unindo, vamos passando cada vez mais creme hidratante para ver se não ficam cicatrizes, e vamos olhando para as maleitas à espera que não deixem marcas.

A cauterização é lenta, nalguns mais difícil, ou porque as feridas são mais profundas, ou porque tem um feitio mais “hemofílico”.

Curiosamente o tratamento de choque, a sanação das feridas, o acalmar das dores, faz-se normalmente à volta da mesa, em encontros preparados para o efeito.

É realmente curioso percebermos a importância da “mesa” no desenvolvimento das relações humanas.

As festas de família, fazem-se à volta da mesa.
As chegadas e as partidas, fazem-se à volta da mesa.
As alegrias e as tristezas, fazem-se à volta da mesa.
Os encontros e alguns desencontros, fazem-se à volta da mesa.
Negócios, combinações e até vigarices, fazem-se à volta da mesa.
Mesmo na religião, o Mistério central do cristianismo, se fez à volta da mesa, na Última Ceia.

Também a nossa Tabanca Grande, apesar dos escritos e das leituras, sente necessidade de uma vez por ano se reunir à volta da mesa, e como aos atabancados parece pouco apenas uma vez por ano, arranjaram maneira de constituir outras tabancas para se reunirem mais vezes… à volta da mesa!

Aspecto do V Encontro da Tertúlia, em Monte Real, Junho de 2010, organizado por Joaquim Mexia Alves
Foto de Manuel Carmelita

Mas regressemos ao inicio do texto, e às feridas que vão sendo curadas e às vezes até quase esquecidas.

Não é fácil esta coisa de falarmos da guerra, sobretudo porque há muitos que não nos entendem, nem compreendem a nossa linguagem, pelo que, estes encontros à volta da escrita e sobretudo à volta da mesa, são sem dúvida o maior e mais permanente bálsamo para as nossas feridas.

E depois ficamos a pensar que realmente a nossa geração passou por muita provação, por muitas dificuldades.

A verdade é que, sem envolver a politica no assunto, esta geração foi chamada a lutar em territórios longe de suas casas e a dar o melhor de si, dos seus anos, voluntária ou forçadamente, em circunstâncias a maior parte das vezes adversas, ou para ser mais correcto, em circunstâncias abaixo de qualquer nível de humanidade.

E é também verdade que a última geração da guerra, levou ainda com uma “revolução”, (não discuto politica aqui neste nosso espaço), que veio alterar toda a sociedade em que vivia, e que assim obrigou a uma nova adaptação mesmo em cima do seu regresso da tal guerra, da qual ainda andava a curar as feridas.

Mas esta geração, ou melhor, estas gerações da guerra, eram e são tenazes, não só por tudo aquilo que passaram, mas pela necessidade que sentiram de continuar a lutar por uma vida melhor.

É ver a quantidade daqueles que vindos da guerra voltaram aos estudos e se licenciaram em cursos superiores.
E aqueles que deitaram as mãos ao trabalho e se especializaram em tantas áreas e até alguns que se tornaram empresários de sucesso merecido.

Quando hoje vemos tanta depressão já em jovens, tanta indecisão em prosseguir carreira e trabalho, tanta dificuldade em decidir e decidir bem, temos que perceber forçosamente que o cadinho das dificuldades nos revestiu de uma força e capacidade interior, que é marca indelével destas gerações.

Não tivemos a vida facilitada, nem pelo estado, nem pelos pais, (pois nesses tempos a educação era espartana), não tivemos as portas abertas a tantas oportunidades, passámos verdadeiramente as “passas do Algarve”, e no entanto, ou provavelmente por causa disso mesmo, não desistimos e continuámos a lutar.

Pois é, a realidade é que a Pátria, ou melhor o Estado, não nos deve apenas o sacrifício das nossas vidas na guerra, deve-nos também e apesar de tudo, o termos continuado a lutar e termos construído as bases, tantas vezes mantendo-as com tanto esforço, para que tudo continuasse a existir.

E somos nós ainda que nos preocupamos e tentamos ajudar aqueles que da nossa geração da guerra, por tantas e tantas razões que não lhes podem ser assacadas, se arrastam pela vida, esquecidos do Estado que os mandou para a guerra, e agora quer enjeitar as suas responsabilidades.

Mas ainda fomos mais longe, pois perante a “impossibilidade” de um relacionamento sério e honesto por parte do nosso Estado com aqueles com quem lutámos, somos nós que, colocando de lado feridas e dores, vamos estabelecendo com eles bases de uma nova amizade, cimentada muito mais no que nos une do que naquilo que nos divide.

E é assim também, verdade seja dita, que vamos curando as nossas mágoas e purificando as nossas memórias.

E não, não estou a querer fazer comparações com as gerações de agora, ou com aquelas que passaram antes de nós, (os tempos eram e são diferentes), mas apenas a constatar uma realidade que a todos nós toca sem dúvida, e que nos ajuda a percebermos que mesmo que não nos reconheçam, a nossa dignidade e a nossa hombridade está muito acima da homenagem hipócrita e feita apenas para nos tentar calar.

Escrevo o que escrevo e à medida que o vou escrevendo sinto-me bem, mais em paz comigo mesmo, e chego à conclusão que não preciso dessas tais homenagens ou benesses que vêm de uma qualquer concessão para calar vozes e passados incómodos, o que eu preciso realmente é de vós meus camarigos, e de todos aqueles que querem perceber que:

Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!


Monte Real, 28 de Outubro de 2010
__________

Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 3 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7074: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (12): Tempo presente, A honra aos que lutaram

Vd. último poste da série de 29 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7189: Blogoterapia (164): O Blogue está a sofrer uma mutação evolutiva de qualidade / Sinal de maturidade é virmos aqui contar o que nos vai na alma (Carlos Filipe / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P7194: Notas de leitura (163): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2010:

Queridos amigos,
O relato de Hélio Felgas impõe-se na aridez no que foi a nossa desinformação na Guiné. Independentemente do registo ser apologético e em muitos casos descuidadamente contraditório (o autor diz que 1964 se saldou pelo enfraquecimento do PAIGC e acaba por escrever o contrário) ninguém mais trouxe a público este acervo informativo que os nossos comandos deviam ter prezado, pondo à nossa discussão.
O que não aconteceu.

Um abraço do
Mário


Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (3)

Beja Santos

1964, as grandes mudanças operadas do teatro de operações

O livro “A Guerra na Guiné”, de Hélio Felgas, que comandara o BCaç 507, é um documento do maior interesse, como se procura demonstrar com os dois textos anteriores. É muito curioso como o autor considera que 1964 é um ano de viragem e fatal para o PAIGC. Curioso, na medida em que 1963 foi abertamente descrito como de supremacia relativa do PAIGC que se revelou cheio de iniciativa quer na região Sul quer no Oio, provocando rapidamente uma destabilização em toda a região. Ele considera mesmo, falando de 1964, que ao findar o ano a situação estava quase dominada pelas tropas portuguesas e que, sob o aspecto militar, a vitória do PAIGC nunca estivera tão afastada. O que se vai ser contraditado pelo relato que se segue.

Referindo-se ao primeiro semestre de 1964, diz que a actividade de guerrilha ao Norte do Geba foi intensa, houve a destruição de pontes, a região ficou a ferro e fogo, Bigene, Bissorã; Mansabá e Cuntima foram profundamente afectadas, seguindo-se outras regiões como Canjambari e Udasse. Era uma mentalidade agressiva que parecia não poder ser sustida. O troço Mansabá-Bafatá, de uma grande importância económica (para escoar a mancarra e as madeiras) ficou inoperante. Falando do mês de Abril, o autor refere-se a uma actividade frenética na área de Farim, com minas, flagelações e emboscadas. Como se veio a comprovar, a população local mostrou-se dividida, um elevado número da população apoiou as forças portuguesas, uma fracção menor passou-se para a guerrilha. Este espírito ofensivo alastrou para o Sul, para Enxalé e Xime. Como o assunto me diz directamente respeito, ali passei cerca de 15 meses, cito o que o autor diz; “Ao norte de Bambadinca, os bandoleiros atacaram em Abril a tabanca em autodefesa de Missirá, tendo sido asperamente repelidos pela população nativa. Tal como Cutia, Missirá passaria a ser uma das tabancas que melhor representam na Guiné a vontade dos nativos em se defender do terrorismo.

A sul do Geba, as coisas também não estavam famosas. Prosseguiram as flagelações a Bedanda, Buba e pela primeira vez o PAIGC apresentou-se com o morteiro 82. Nos ataques a Cabedu e Fulacunda também fez a aparição a metralhadora pesada Goryunov. A marinha de comércio e as embarcações militares passaram a ser flageladas: no canal do Geba, Fulacunda, Cumbijã. As tropas portuguesas desenvolveram um grande esforço para reabrir a estrada Guileje-Campeane (mais tarde abandonada). Hélio Felgas vai referindo graves desaires sofridos pelo PAIGC, pondo ênfase na ilha de Como. Ele escreve: “Quando a operação foi dada por finda, o PAIGC já não se revelava, apesar dos nossos soldados cruzarem as matas em todos os sentidos. Muitos bandoleiros haviam sido mortos e algum material lhes fora apreendido. Mas a maior parte conseguira fugir da ilha, apesar da vigilância dos nossos navios de guerra (será interessante depois compararmos este relato com o que escreve Luís Cabral em “Crónica da Libertação”. Ninguém podia ter a pretensão de ter limpo a ilha de terroristas nem de evitar que os fugidos regressassem novamente logo que as tropas saíssem. O resultado final foi francamente favorável para as forças portuguesas que, mais uma vez haviam mostrado ao PAIGC serem capazes de desalojar os seus grupos, fosse de que área fosse. Além disso, como prova da nossa soberania, construímos em Cachil um aquartelamento e aí deixámos uma guarnição com a missão de patrulhar a ilha.

Ao findar o semestre, diz o autor, a actividade das tropas portuguesas tinha sido notável. Em Bula e Binar houve forte oposição à expansão do inimigo. Mas nas entrelinhas o autor não deixa de revelar os avanços do PAIGC: ofensiva a leste, sobretudo na área Bambadinca-Xime-Xitole. A documentação apreendida dava conta de enxurradas de material canalisadas para o Oio, região do Xime, em todas as bases do Sul tinha melhorado substancialmente o armamento. O autor refere a nova orgânica militar do PAIGC e que se veio a revelar ser verdade após o congresso de Cassacá que se realizou ao tempo da batalha do Como.

Tínhamos chegado à era Arnaldo Schulz. No segundo semestre a actividade do PAIGC tinha diminuído, diz o autor, mas de modo algum desaparecera a guerrilha. Mas o relato desse apaziguamento é contraditado pela disseminação de acções, centradas no Oio e na região Sul. Hélio Felgas escreve: “Mantinham-se os boatos sobre a provável criação de novas bases inimigas no interior da Província. Uma delas seria entre Barro e Ingoré, para o grupo que actuava na área Bissorã-Bancolene e que era comandado por Mamadu Indjai, filho do famoso auxiliar do pacificador Teixeira Pinto, Adbul Indjai. Outra base seria a criação entre Có e Pelundo, na área de Bula e Teixeira Pinto e seria entregue ao “Gazela” que para isso deixaria Biambi sob o comando de Braima Darame. Em breve se verificaria serem verdadeiras estas notícias”. O espantoso deste relato que fala permanentemente de um enfraquecimento do PAIGC é de incluir sempre uma descrição dinâmica do inimigo: novos campos de treino na República da Guiné, as frequentes visitas de Amílcar Cabral a esses campos, a chegada de viaturas para facilitarem os transportes nas fronteiras da República da Guiné, o aparecimento de enfermarias. Por essa época um grupo tentou afundar a jangada de João Landim, reacenderam-se as acções na área Bula-Binar. Em Novembro, o PAIGC retomou a iniciativa e pelas descrições de Hélio Felgas foi somando revezes. Em Madina do Boé tudo se embrulhou para as posições portuguesas, aos poucos a iniciativa passou a ser a do PAIGC flagelando sem parar Madina e Béli. Para o autor, as forças portuguesas alargavam cada vez mais a sua rede de ocupação, criando crescentes dificuldades aos guerrilheiros. A fazer fé no que se veio a viver na era Spínola, este alastramento trouxe enfraquecimento e uma maior vulnerabilidade às posições portuguesas. O autor tece louvores ao estoicismo dos militares, à sua capacidade de adaptação, à melhoria das condições de vida das populações autóctones, ao papel desempenhado pelo Movimento Nacional Feminino e à criação das companhias de milícias, dizendo mesmo: “A manutenção dos soldados nativos nas fileiras e o recrutamento das milícias conduziram a uma situação curiosa e pouco conhecida. É que na Guiné há hoje mais militares nativos que metropolitanos. A imensa maioria dos nativos não nutre qualquer idealismo político que nos seja favorável. O que eles pretendem é um emprego. E foi a falta de emprego, aliada a promessas sedutoras ou ameaças terríveis que obrigou muitos nativos a deixarem-se aliciar. A inexistência de desertores, seja entre os soldados, entre os polícias ou entre as milícias, é prova segura do que afirmamos”.

Este relato está a chegar ao fim. Quanto mais se lê, mais se torna intolerável a impreparação e o desconhecimento do que andámos a fazer, foi insultuosa a falta de informação que nos acompanhou nas nossas comissões militares, do princípio ao fim. Ora pessoas como Hélio Felgas procuraram dar informação, mesmo que apologética e deformada. Informação que nos sonegada, sabe-se lá porquê.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7188: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (1): Carta ao meu querido amigo Fodé Dahaba

Vd. último poste da série de 27 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7183: Notas de leitura (162): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7193: Estórias avulsas (43): Memórias de uma noite terrível em Canquelifá – 1971 (Francisco Palma)


1. O nosso Camarada Francisco Palma, ex-Sol Condutor Auto da CCAV 2748/BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72), enviou-nos em 30 de Outubro uma dramática estória da sua (nossa) guerra:


MEMÓRIAS DE UMA NOITE TERRIVEL EM CANQUELIFÁ - 1971
Na noite de 2 de Fevereiro de 1971 em Canquelifá, com a CCAV 2748, em que estávamos reforçados com dois pelotões da CART 3332, sofremos um ataque em que arderam cerca de 40 tabancas, todas junto ao nosso Comando.
O IN tinha assentado base sobre uma zona onde tínhamos montado 12 fornilhos, qual deles o mais forte, com granadas de morteiro e de obus 14 cm (ferrugentas), gasolina, cintas de barris em chapa de ferro, jerricans rotos, garrafões de vidro e tudo o que estilhaçava, e era despejado nos inerentes buracos.
Os disparos deles era intensíssimos, com balas tracejantes e outras, além de toda a espécie de armamento, roquetes, canhão sem recuo, morteiro de 82 mm, etc. de tal modo que nem podíamos levantar as cabeças de fora das valas.
FOI UM VERDADEIRO INFERNO.
Quando o Fur Mil de Cav António Freire accionou os fornilhos, o chão estremeceu violentamente e só nessa altura podemos ripostar. O Fur Mil Luís Encarnação no abrigo nº 9, com o morteiro de 60 mm, “meteu” dois “supositórios” na "mouche", sobre o Comandante IN (que na altura envergava a bandeira do PAIGC e outra que, supostamente, seria a da futura Guiné livre), ficando este sem metade da testa e o seu ajudante com as entranhas ao ar livre.
Passados 2 horas (?) recebemos mais 4 foguetões de 122 mm, que causaram alguns feridos ligeiros entre a população.
QUE ARRAIAL CAMARAMIGOS - como diz o Camaramigo Fernando Belo.
ESQUECER COMO?
O Fur Mil MA Luís Encarnação que tem melhor memória que eu, por favor corrija se falhei aqui alguma "deixa".
Falou-se que a tropa IN tinha sofrido imensas baixas, mas nós só encontramos 4 "esticados" e as nossas tropas, graças a Deus, não sofreram qualquer baixa.

Um abraço,
Francisco Palma
Sol Cond Auto da CCAV 2748/BCAV 2922 (DFA)

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Nota de MR:
Vd. poste anterior desta série em:
28 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7046: Estórias avulsas (97): O Largo do liceu, em Bissau, onde moravam as enfermeiras pára-quedistas (Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P7192: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (30): Forgotten African Soldier / O Soldado Africano Esquecido (Jochen Steffen Arndt, Universidade de Illinois em Chicago)

Brasão da CCAÇ 3 (a que pertenceram entre outros os nossos camaradas A. Marques Lopes e João Manuel Félix Dias, em épocas diferentes): Amando e Defendendo Portugal / 3th Company Coat of Arms: Loving and  Defending Portugal... 
Cortesia de /Courtesy of  João Manuel Félix Dias (CCAV 2539, CCAÇ 3, 1969/71)


1.  Mensagem de um leitor do nosso blogue,  norte-americano (mas que conhece Portugal), Jochen S. Arndt, doutorando em História Africana, Universidade de Illinois, Chicado (*):

Date: 2010/10/21
Subject: Pedido de Ajuda para um Projecto de Investigação sobre Antigos Soldados Africanos

English version [Versão Portuguesa em baixo]

Dear Professor Luís Graça and Members of the Editorial Board,

My name is Jochen Arndt and I am a doctoral student at the University of Illinois,  Chicago,  in the USA. I have recently found your website and your blogue on the internet. Both your website and blogue are of great interest to me because I am engaged in a academic research project whose purpose is to draw attention to the African soldiers and militias who served with the Portuguese forces in Africa between 1961 and 1974.

I hope that you agree with me when I say that the historiography of the colonial wars has to some extent forgotten the numerous African soldiers who served with the Portuguese colonial forces in Africa. It is not so much that they have not been mentioned at all, but rather that their personal stories, motivations, and experiences have been largely neglected by historians. In other words, historians, if they have tried at all, have looked at these soldiers through the existing archival records such as official documents and reports. Since these archival records include little personal information about the soldiers, we know actually very little about why these African soldiers joined the Portuguese forces and fought for them. As a result, they remain "outside" of history. I believe that it is their interest as well as the interest of history to bring them back "into" history.

In order to achieve this, it is necessary to construct a new archive that includes as many personal accounts of African soldiers as possible. How many? This is difficult to say. However, to give you an example, a project is currently under way in Britain to create such an archive of personal accounts for African soldiers who served in Southern Rhodesia. The researchers there are trying to collect 120 personal accounts. Wouldn't it be fantastic if we could achieve a similar number for the African soldiers who served with the Portuguese forces in Guinea?

What is the best course of action to achieve this goal? I have created the website
http://www.forgottenafricansoldiers.org  (**) as a means of opening a channel of communication with as many African veterans and European veterans who served with African soldiers as possible. I hope that both European and African soldiers will provide me with personal accounts and, more importantly, will help me establish a database of contact information. The database of contact information will be crucial for the second phase of my research plan when I will travel to Portugal and Guinea-Bissau to conduct personal interviews with these veterans.

I believe that together these interviews and the written accounts will form the cornerstones of the new archive. Perhaps it will also include copies of pictures, copies of personal letters, etc. Researchers will then be able to use this new archive to write histories of these African veterans, the colonial wars in Portuguese Africa, and the period of decolonization.


I have recently been in contact with Paulo Santiago (Pel Caç Nat 53), Virginio Briote (Comandos), Amadú Bailo Djaló (Comandos), Ibrahimo Djaura (CCAÇ 19), and Joaquim Alves (Pel Caç Nat 52, CCAÇ 15). They have been very helpful. I hope that I can interest you and the broader community of your blogue in this project as well. I think your blogue would be an excellent way to get in touch with a larger number of European and African veterans.

I am looking forward to hearing from you. Please feel free to contact me with any questions that you may have.

Kind regards,

Jochen S. Arndt
PhD Student
Department of History (MC 198)
913 University Hall 601 South Morgan Street
University of Illinois at Chicago
Chicago, IL 60607-7109


[Versão portuguesa, corrigida por L.G.]


Exmo. Professor Luís Graça e Co-editores,

Meu nome é Jochen Steffen Arndt. Sou estudante do programa de doutoramento da Universidade de Illinois em Chicago, EUA. Encontrei recentemente o seu site e também o seu blogue na internet. O seu site e o seu blogue são de grande interese para mim porque estou a realizar um projecto de investigação,  académica, sobre os soldados e os milícias  africanos que serviram com as forças portuguesas em Africa entre 1961 e 1974.

Talvez concorde comigo quando digo que a historiografia das guerras coloniais tem em certa medida esquecido os numerosos soldados africanos que integraram as forças portuguesas em África. Não quero dizer que eles tenham sido completamente ignorados, mas sim que a suas histórias pessoais, motivações e experiências têm sido largamente ignoradas pelos historiadores. No entanto, este problema tem em grande medida a ver com a estrutura dos arquivos históricos existentes: os documentos e os relatórios oficiais incluem poucas informações sobre os soldados, as suas vidas, e as suas experiências.


As questões que norteiam o meu projecto são os seguintes: Porque é que esses soldados e alistaram nas forças de segurança das colónias portuguesas? Quais foram as suas experiências antes, durante e após o período de conflito? Quais são as suas memórias do tempo de vida militar ? Como é que eles sobreviveram no período pós-colonial? O objectivo deste projeto de pesquisa é encontrar respostas para estas e outras perguntas e usá-las como fonte de material para estudos sobre estes assuntos.

A fim de realizar este objectivo, precisamos de recolher o maior número possível de relatos pessoais de soldados africanos. Quantos? Isto é difícil de dizer. No entanto, para dar-lhe um exemplo, há um projecto em curso na  Grã-Bretanha para criar um tal arquivo, com referência aos soldados africanos que serviram na Rodésia. Os investigadores  vão lá tentar  recolher 120 relatos pessoais. Não seria fantástico se pudéssemos atingir um número semelhante de relatos pessoais de soldados africanos que lutaram com as forças portuguesas na Guiné?

Qual é o melhor curso de ação para atingir este objectivo? Eu criei o site
http://www.forgottenafricansoldiers.org  (**) com vista a abrir uma via de communicação com veteranos de guerra,  europeus e africanos. Na primeira fase do meu projecto, eu gostaria  recolher relatos pessoais de veteranos africanos e também de veteranos europeus que comandaram ou enquadraram soldados africanos. Nesta fase, eu também gostaria de poder criar uma base de dados que incluisse nomes e contactos de veteranos africanos. Numa segunda fase, penso viajar até Portugal e África para realizar entrevistas orais com os ex-comnbatentes africanos e também com alguns antigos combatentes europeus.

Dado este contexto, gostava de perguntar se o Senhor Luís Graça os co-editores estariam dispostos a participar neste projecto, utilizando o seu blogue com um meio de chamar atenção para este estudo e a sua finalidade.

Por enquanto eu estabeleci contactos através do site
ultramar.terraweb com alguns veteranos europeus e africanos. Entre eles encontram-se  Paulo Santiago (Pel Caç Nat 53), Virgínio Briote (Comandos), Amadú Bailo Djaló (Comandos), Ibrahimo Djaura (CCAÇ 19), e Joaquim Mexia Alves (Pel Caç Nat 52, CCAÇ 15). Seria de grande interese se outras pessoas puderem dar apoio a este projecto com seus relatos e contactos.

Agradeço-lhe sinceramente a atenção dispensada. Por favor, não hesite em contactar-me e fazer as perguntas que entender.



Atentamente,
Jochen S. Arndt (...)
 

2. Comentário de L.G.:

Caro Jochen:

O nosso blogue pretende ser também uma ponte com os guineenses, os que lutaram contra nós e os que lutaram ao nosso lado. Tentamos há anos recolher e divulgar as suas histórias de vida. A tarefa não é fácil, apesar dos nossos contactos, nomeadamente com os nossos antigos soldados africanos, em Portugal e na Guiné. Uma parte deles foi morta ou já morreu. Outros emigraram ou voltaram às suas aldeias. Estão dispersos, estão doentes, são pobres, falam mal o português, expressam-se em crioulo. Conseguir 120 entrevistas é um objectivo muito ambicioso. Precisas de apoio logístico e de recursos financeiros e humanos, incluindo uma boa equipa no terreno. Sugiro que contactes a ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, como parceiro local credível e com trabalho feito na preservação da memória da guerra colonial / luta de libertação. Da nossa parte, tens as portas abertas da nossa Tabanca Grande. Boa sorte para o teu projecto. Luís Graça & Camaradas da Guiné.


Dear Jochen:

Our blog also aims to be a bridge with the Guineans, for those who have fight both with us and againts us. We are also trying to collect and disseminate their life stories. The task is not so easy, despite of our contacts, including with our former African soldiers living in Portugal and in Guinea-Bissau. Some them have been executed after independence; other have died due to poverty and disease. Others have emigrated or are returning to their villages. They are scattered, ill, and poor, barely speaking Portuguese.  Getting 120 interviews is a very ambitious goal. You need a lot of  logistical support, and financial and human resources, including a good research team  to carry out the field work. I suggest that you will also contact the NGO AD - Action para o Desenvolvimento [, Action for Development,], as a credible local partner, with work done in preserving the memory of colonial war / national liberation struggle. 

On our side, we are ready and pleased to open to you and to your research team the doors of our Tabanca Grande [, Large African Village]. Good luck to you as a project leader. Luís Graça & Comrades of Guinea-Bissau.

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Notas de L.G.:

(*) 16 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7135: O Mundo é Pequeno e o Nosso Blogue... é Grande (29): Atenção, Tony Grilo, Canadá, notícias da malta da CCAÇ 1427 (Cabedu, 1965/67)


(**) ForgottenAfricanSoldier.org é um projecto de pesquisa académica. O coordenador do projecto é Jochen Steffen Arndt, o qual completou a sua licenciatura em Administração de Empresas e Marketing Internacional, em 1995. Depois de ter vivido e trabalhado na Alemanha, Portugal e Estados Unidos entre 1996 e 2005, entrou para o programa de mestrado em história,  na Stephen F. Austin State University, programa que acabou com sucesso em 2007. Está actualmente no terceiro ano do programa de doutoramento em História Africana,  na Universidade de Illinois em Chicago,  onde a sua investigação se centra na relação entre o colonialismo, a violência e a formação da identidade. Arndt publicou artigos em revistas científicas como A Revista de História do Mississipi O Jornal de História Militar.  Colabora também frequentemente na publicação online Do olho de Clio.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7191: In Memoriam (58): Faleceu o Dr. Rogério da Silva Leitão (José Marques Ferreira)



1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré (1963/65), enviou-nos hoje a seguinte mensagem:
Camaradas,
Cheguei há pouco de Aveiro. Lá contactei uma pessoa das minhas relações e, por ela, soube que hoje mesmo de tarde se realizou o funeral do médico que prestou serviço militar na Guiné, o cardiologista Dr. Rogério Leitão e naquela cidade residente.
Várias vezes falei com ele, nomeadamente da Guiné, e ele, uma vez, perguntou-me se eu também tinha estado em Catió. Eu sabia que foi aqui um dos locais onde «estacionou». Expliquei-lhe por onde andei, que agora não vem ao caso.
Fiquei de o visitar, até por sugestão do Luís Graça, mas «encolhi-me» porque não sabia como ia ser a visita e falarmos um pouco de tudo isto que nos une: a Guiné. Já ele estava muito doente.
A vida inexoravelmente não dispensa estas situações e por isso o comunico, porque se a Tertúlia ainda não sabe, penso que tenho a obrigação de o dar conhecer.
Com a devida vénia e agradecimento, retirei do site da Câmara Municipal de Aveiro, cujo link é: http://www.cm-aveiro.pt/www/Templates/GenericDetails.aspx?id_object=34200&divName=2&id_class=2, a seguinte notícia e foto:

FALECIMENTO DE DR. ROGÉRIO DA SILVA LEITÃO
Faleceu ontem, dia 28 de Outubro, com 75 anos de idade, Rogério da Silva Leitão, ilustre aveirense, antigo Presidente da Assembleia Municipal entre 1994 e 1997 e vogal deste Órgão de 1986-1993, e reconhecido cardiologista.
Trata-se de uma enorme perda para o Município de Aveiro, para a sua história social e política, que muito se lamenta. O funeral terá lugar hoje, dia 29 de Outubro, pelas 15.00 horas, na Igreja da Misericórdia.
Élio Maia, Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, manifesta o seu pesar, considerando que “o município perdeu um distinto aveirense, uma personalidade que pautou a sua acção com reconhecido zelo no campo da cardiologia, e na noção da importância do poder local para o desenvolvimento de Aveiro” e deixa “a sua mais profunda mágoa pela perda de um médico e aveirense de reconhecida distinção, que soube marcar estes tempos com incontestável e irrepreensível intervenção social, médica e política”. A 12 de Maio de 2005 a Câmara Municipal de Aveiro atribuiu a Rogério da Silva Leitão a Medalha de Mérito Municipal em Prata.
A Autarquia Aveirense, através do seu Presidente, devido às circunstâncias excepcionais e urgentes, determinou como expressão de uma justa homenagem, declarar luto municipal por três dias.
Nesta hora de luto, todo o Executivo Aveirense deseja apresentar as mais sentidas condolências e a sua forte solidariedade à família de Rogério Leitão.
28-10-2010"


Um Abraço,
José Marques Ferreira
Sold Ap Armas Pes da CCaç 462


3. Comentário (posterior) de L.G.:


Em tempos o José Colaço fez uma bela homenagem a este nosso camarada, que foi seu médico, tenente miliciano, na CCAÇ 557 (Cachil e Como, 1963/65). Não o não conheci pessoalmente, mas sei que era também um ilustre e dedicado aveirense, conterrâneo portanto de alguns camaradas nossos. Ainda pedi ao José Marques Ferreira para o contactar, visitar e convidar para o nosso blogue. A sua doença já não iria, porém, permitir que esse nosso desejo se concretizasse. Estou grato ao José Marques Ferreira pelo seu cuidado e dedicação. Foi o José que serviu de elo de ligação a este nosso camarada, em vida e em morte. Nesta hora de pesar para todos nós, seus camaradas, seus amigos e sua família, fica aqui registada a nossa admiração por um dos oficiais médicos que esteve connosco na guerra da Guiné, e para mais logo nos seus primórdios.  O mínimo que podemos fazer para manter viva a sua memória, é juntar o seu nome à lista dos camaradas da Tabanca Grande que "da lei da morte se foram libertando"... Que descanse em paz. As nossas condolências à família.

Vd. poste de 13 de Novembro de 2009> Guiné 63/74 - P5264: Os nossos médicos (8): O Dr. Rogério da Silva Leitão, aveirense, cardiologista, CÇAÇ 557, Cachil, Como, 1963/65 (José Colaço)

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Nota de MR:

Guiné 63/74 – P7190: Controvérsias (106): Venho aqui para vos dizer que estou vivo! (António Matos)


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos, em 29 de Outubro de 2010, a seguinte mensagem:
Camaradas,
Este é um curto intervalo na minha ausência e anexo este pequeno texto de "Olá, tudo bem?".
Venho aqui para vos dizer que estou vivo!
Não, não me venho apresentar batendo os calcanhares pois esses, coitados, têm-se aguentado é certo, mas precisam de carinhos e até os deixo arrastar de vez em quando pela calçada para não os forçar na colaboração que prestam aos dedos na acção de levantarem os sapatos...
Também não me porei em sentido, de peito feito, com a gravata entre o 2º e o 3º botão da camisa uma vez que já estou um tanto pitosga para depois pegar na agulha e na linha e voltar a pregá-los por terem disparado como balas perante tão ilustre assembleia de barrigudos...
Não cortarei as barbas por estas não estarem de acordo com os regulamentos em vigor...
Não usarei a boina uma vez que a troquei pelo palhinhas...
Não falarei da África, daquela África que foi minha durante 2 anos, onde deixei muito do que de melhor tinha, em prol da libertação do que quer que fosse porque hoje me entristece verificar que se transformou num ponto negro (passe o pleonasmo) da convivência multi-étnica, que não me entusiasma, que me fartou com o espectro da morte, da droga, da degradação generalizada...
Sim, venho aqui para vos dizer que estou vivo!
Venho aqui para mandar um abraço a todos aqueles que ao longo de uns anos me habituei a reflectir sobre as suas reflexões, concordando ou discordando dos respectivos pontos de vista!
Vim aqui para folhear um pouco o blogue e ver que os primeiros postes são, calcule-se!!, sobre Gadamael!
Vim aqui para me certificar que continuam a haver problemas mal resolvidos, quiçá traumas pós-traumáticos que se confundem muitas vezes com protagonismos exacerbados!
Vim aqui e descobri mais um belo naco de prosa na sua capacidade narrativa do Luís Faria!
Vim aqui para me certificar que vocês estão todos muito mais novos do que há um ano atrás o que prova que o sossego que vos possa ter dado foi frutuoso!
Talvez volte por estes lados mais amiudadas vezes mas reconheço que neste momento tenho as minhas atenções mais concentradas na vida nacional quando este ano quintuplicou o número de pessoas a recorrer aos bancos alimentares!
Talvez volte por estes lados mais amiudadas vezes pois o número de entradas ultrapassou os 2 milhões que,  sendo menos do que o nosso défice, já é uma meta bonita!
Por tudo isto, aqui vos deixo um abraço na expectativa de ser postado tão rapidamente quanto possível.
Oxalá.

António Matos
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

17 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 – P7139: Controvérsias (105): Sensatez e rigor no nosso blogue (Mário Gualter Rodrigues Pinto)

Guiné 63/74 - P7189: Blogoterapia (164): O Blogue está a sofrer uma mutação evolutiva de qualidade / Sinal de maturidade é virmos aqui contar o que nos vai na alma (Carlos Filipe / Luís Graça)

Dois textos à consideração e reflexão da nossa Tertúlia sobre o nosso Blogue e seus intervenientes, nós todos e cada um à sua maneira.


1. Mensagem de Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 28 de Outubro de 2010:

Caros Amigos
Não imagino se este email, será oportuno ou não.
Mas não quero deixar de manifestar o que considero neste momento sobre a 'Tabanca Grande'.

Creio que, sem desvalorizar sentimentos, sofrimentos de qualquer ordem, concepções não alteradas com o decorrer do tempo por razões desconhecidas, dos seus Tertulianos; o Blogue está a sofrer actualmente uma mutação evolutiva de qualidade (diferente).

Apraz-me constatar, depois da minha já muita "exploração de textos" no Blogue, que a malta está a ganhar vontade (coragem?) para novas abordagens, sobre aquilo que de alguma forma nos moldou, alterou, ou influenciou nossas vidas. E até nos atormentou, mesmo antes, da condição de militar.

Causas, fundamentos e consequências da Guerra Colonial, foi e continua sendo, algo "sigiloso" porque alguns dos seus mentores, estrategas e/ou dirigentes políticos, ainda andam pela nossa praça (activos e influentes próximos da classe dirigente do país). O que constitui ainda uma restrição e inibição, no mínimo psicológica, à livre manifestação de opinião ou sentimentos.

Considero também salutar este pequeno 'salto' no Blogue porque, já há muito tempo, sob o conceito 'politicamente correcto', a sociedade não aborda temas ou assuntos que determinaram nossas vidas, enquanto ex-combatentes e a sociedade em geral. Enfim... transformando-se desta forma em tabu, a guerra colonial, em consequência de uma concepção política/económica da época, que agora geneticamente igual e global.

Sendo de todo saudável que quebremos aquelas barreiras, porque estou convencido que existe ainda muitos ex-combatentes que transportam montes de dúvidas na compreensão, tendo sido por vezes protagonistas de uma determinada característica de guerra, e por outro lado serem conhecedores de outros desenvolvimentos com parâmetros absolutamente diferentes ou até antagónicos. Levando à não compreensão e à perda da percepção de conjunto da guerra colonial, nas diversas frentes, e mesmo no próprio território para onde foi mobilizado.

Sei que o Blogue, não é um fórum de discussão... porém devo reconhecer publicamente que meu objectivo tem sido através dos Comments, (permitam-me a expressão) acicatar a discussão e o acto de expressar nos mesmos comments, muitas vezes de forma relâmpago, a dúvida mais profunda sobre o assunto que por vezes está disfarçada de uma "afirmação indesmentível".

Amigos a picada já vai longa.

Um abraço para vocês
P.S. - Utilização livre deste email para C.Vinhal e Luís Graça

Carlos Filipe
ex-CCS/BCAÇ3872
Galomaro


2. Comentário que o nosso Editor Luís Graça deixou no Poste 7190:

Sinal de maturidade deste blogue (ou das gentes que nele escrevem e comentam) é o facto de virmos aqui contar o que nos vai na alma, descrever as emoções associadas a grandes momentos da nossa história de vida ou da nossa história colectiva, trazer as nossas reflexões sobre os acontecimentos do passado, expor as nossas memórias, seguramente reconstruídas...

O nosso blogue, enquanto tal, não tem uma orientação político-ideológica, não é monárquico nem republicano, não é colonialista nem anti-colonialista, não é pró nem contra, enfim, recusa ter "adesivos"... O que importa é a capacidade (logística e metodológica) de reunir à volta do poilão da Tabanca Grande gente que fez a guerra colonial (do ultramar para uns, de libertação, para outros...) e que pensa pela sua cabeça. E sem tabus. De há muito que combatemos o "politicamente correcto", o "seguidismo", o "conformismo", mas também o "bota-abaixismo", o "revanchismo", e demais imos...

O nosso único limite é o do "bom senso e bom gosto" e a tolerância, o respeito uns pelos outros: não tenho que GRITAR as minhas convicções à frente dos outros, muito menos os meus ódios de estimação, por exemplo... Há outros espaços para isso, que não este.

Dito isto, saúdo os quatro intervenientes, o autor do poste e os três camaradas que o comentaram. O meu aplauso vai, em primeiro lugar, para o Zé Corceiro que nos deixou uma magnífica peça sobre esses já longínquos tempos do 25 de Abril de 1974, com preciosas fotos de autor, inéditas, e com apontamentos deliciosos, e que escreveu sobre esses acontecimentos marcantes com inteligência emocional, com elegância, com saudade mas também com distanciamento crítico... Enfim, uma nota de apreço também para os três comentadores do poste, o António Barbosa, o Carlos Filipe e o Zé Dinis, que vieram enriquecer o texto do Zé Corceiro...

Ainda temos poucos testemunhos sobre esta efeméride, o 25 de Abril de 1974, que, quer se queira quer não, mexeu com todas as nossas vidas (e as vidas dos povos que viviam sob a administração portuguesa na África e na Ásia)...

Seria bom, por exemplo, que o António Barbosa nos contasse, com mais detalhe, o que se passou em Cabuca, por essa altura, indo ao encontro da sugestão do Filipe... É pena que, com o tempo, as "imagens" e as "emoções" (positivas, negativas ou neutras) desses dias se desvaneçam, quanto mais não seja pelo efeito da usura (física e mental...) do tempo.

Um Alfa Bravo.
Luís
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7166: Blogoterapia (163): Recordações da infância (Felismina Costa)

OBS:- Negritos da responsabilidade do editor

Guiné 63/74 - P7188: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (1): Carta ao meu querido amigo Fodé Dahaba

1. O nosso camarada Mário Beja Santos vai à Guiné-Bissau a partir do próximo dia 17 de Novembro de 2010.
A este propósito e sabendo que o Mário nos irá proporcionar relatos interessantes da sua viagem, vamos criar uma série dedicada a esta romagem de saudade, hoje inaugurada com uma carta que o camarada Beja Santos dirigiu ao seu querido amigo Fodé Dahaba*.


2. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2010:

Caríssimo Carlos,
É só para ficares com conhecimento do que é que eu ando a preparar.
Ficas autorizado a dar-lhe a publicidade que entenderes.

Recebe um abraço do gratidão do
Mário


3. Carta de Mário Beja Santos para Fodé Dahaba

Lisboa, 24 de Setembro de 2010

Fodé, meu querido irmão,


Por recomendação do Abudu Soncó, que me prometeu portador para esta carta, nos próximos dias, faço-te chegar por escrito o plano da minha viagem.

Espero na próxima semana marcar a viagem entre, aproximadamente, 17 de Novembro e o primeiro fim da semana de Dezembro. Tenho assegurado um quarto para os dias em que ficar em Bissau e o Sr. Fernando Ramiro Semedo, que tem uma quinta em Santa Helena dar-me-á abrigo, no período em que eu estiver na região de Bambadinca. Se ao Sr. Semedo convier que eu parta imediatamente do aeroporto de Bissau para Santa Helena, assim acontecerá. Estarei aí cerca de 10 dias e depois regresso a Bissau. Mas também pode ser ao contrário, fico primeiro uns dias em Bissau e depois sigo para Bambadinca.

Como te disse ao telefone, só vou porque tu me podes ajudar com a viatura e o motorista (que eu pagarei) e porque o Sr. Semedo me dá condições de alojamento. Estou a preparar um livro que é complemento dos dois que escrevi sobre a minha comissão na Guiné. Desta vez, um homem de 65 anos vai rever os sítios onde viveu e onde combateu, vai reencontrar-se e despedir-se dos seus amigos, nada tem de melancólico ou triste, faz parte das leis da vida, muitos dos nossos camaradas já partiram deste mundo, quero-me despedir dos que ainda cá estão e que nunca, em todos estes dias ao longo de 40 anos, esqueci a amizade e a lealdade que tiveram comigo.

O que pretendo fazer?

Em primeiro lugar, percorrer todo o Cuor: De Finete a Canture, de Canture a Gãngémeos, de Carenquecunda a aldeia do Cuor; visitar Sansão, que foi a velha tabanca do régulo, subir depois a Missirá e ir a Cancumba (onde estava fonte onde nos abastecíamos) e depois seguir até à ponte do Gambiel. Claro está que penso visitar demoradamente Missirá. Depois se, houver estrada, ir até Pate Gide, Sancorlá, até Salá. Também se houver condições, descer até Quebá Jilã, que naquela altura era território povoado pelo PAIGC. Noutro passeio, seguir de Cancumba até Gambana e depois Mato de Cão, onde fui praticamente todos os dias, enquanto estive no Cuor; e fazer a estrada entre Saliquinhé, passar por São Belchior e descer até ao Enxalé. A última etapa será subir por Sinchã Corubal e ir até Madina e depois Belel, no fundo todo o território onde vivia a população e o bigrupo que nos atacava no Cuor.

Em segundo lugar, pretendo rever a região dos Nhabijões, seguir daqui para Amedalai, depois Demba Taco, Taibatá e Moricanhe, se existir. Não te esqueças que percorri esta região a pente fino, um pouco à semelhança das tabancas próximas de Bambadinca, desde Bambadincozinho até Samba Juli.

Em terceiro lugar, percorrer toda a região do Xime, passando por Madina Colhido, Ponta Varela, Poindom, Gundagué Biafada, Baio, Buruntoni e depois a Ponta do Inglês. É muito provável que esteja tudo bastante diferente, haverá certamente população, no tempo da guerra era o Xime e depois o Poidom o Buruntoni e Galo Corubal, onde nunca estive. Combati muito neste sítio, faz todo o sentido voltar a visitá-lo.

Em quarto lugar, mas só se houver condições, fazer o itinerário até Bafatá, onde fui tantas vezes, seja para ir buscar correio, receber instruções no agrupamento, fazer compras, etc.

Em quinto lugar, e também só se houver condições, ir até ao Xitole, pois dirigi várias colunas, fará todo o sentido ir até lá, embora não seja prioritário, tirando a região de Mansambo, onde combati e patrulhei, tudo mais foram colunas de reabastecimento, embora sempre cheia de riscos de toda a espécie.

Em sexto lugar, rever os meus inesquecíveis amigos. Conto que tu possas dar notícia da minha viagem e escolhermos um dia para nos encontrarmos todos em Bambadinca. Tu ficarias responsável por organizar um encontro com arroz e frango assado que, como é evidente, serei eu a pagar. Dos cabos do meu tempo, não sei por onde andam o Domingos Silva e o José Pereira. Tenho feito perguntas ao Mamadu Camará e ao Queta Baldé, mas eles perderam o rasto dos seus camaradas, vivem há muitos anos em Portugal. Disseram-me que morreu o Ussumane Baldé. Parece que o Jobo Baldé vive em Galomaro. O Serifo Candé vive em Biana, ainda estava cheio de saúde quando o fui visitar, em 1991. O Mamadu Jau, um dos meus bazuqueiros, vive em Amedalai. Tenho por ele um afecto muito grande, e sei que sou retribuído pelo Mamadu. Nada sei do Abdulai Djaló, a quem chamavam “Campino”, não se está na Guiné ou no Senegal. O “Doutor”, Quebá Sissé, parece que vive em Farim. Nada sei de Ieró Baldé, o “Nova Lamego” que foi o meu primeiro guarda-costas. Tu tens obrigação de me ajudar com os nomes dos soldados milícias de Finete, aqueles que estiveram às minhas ordens entre Agosto de 1968 e Novembro de 1969. Disseram-me que o Mamadu Silá era padre, deve viver em Badora ou no Cossé. Tenho imensas saudades de Gibrilo Embalo, do Albino Amadu Baldé (era o comandante das milícias de Missirá) e de Madiu Colubali. Em 1991, andei à procura de Dauda Seidi, também não sei nada dele. Olhando agora para a fotografia que tirei na ponte de Udunduma, no dia de Natal de 1969, vejo Tunca Sanhá, Sadibi Camará, Jalique Baldé, Sadjo Baldé (não confundir com o Sadjo Baldé que morreu em Missirá na noite de 19 de Março de 1969), Bacari Djassi, Fodé Sani, a memória não guardou mais nomes e eu não tenho coragem para te pedir para andares a anunciar esta minha viagem a toda a gente. Faz o que puderes, nunca terei palavras para te agradecer o que vais fazer por mim.

Não podes imaginar a emoção que representa para mim esta viagem, todos estes encontros, rever com os meus olhos todos estes locais, ver o pôr-do-sol em Chicri e sobre Finete. Todas as noites rezo pelos nossos mortos, pelo Uam Sambu, o Cibo Indjai, o Paulo Semedo, o José Jamanca, o Benjamim Lopes da Costa. A distância que nos separa é irremediável e é por isso que me quero preparar bem para um dos maiores acontecimentos da minha vida, visitar pela última vez a Guiné onde me fiz homem.

Logo que esteja tudo concretizado sobre os horários de chegada e partida, telefono-te. Fiquei à espera que a Margarida me falasse do assunto do teu filho, ainda não telefonou. Vê no que eu posso ajudar. Será com muita alegria que te vou ver e abraçar dentro de poucos meses. Desde o dia 22 de Fevereiro de 1969, em que ficaste tão ferido, que te guardo como a imagem de todo o sofrimento em que tem vivido a Guiné. Daria tudo o que tenho para que esta viagem se transformasse na derradeira hora de paz desse martirizado.

Até breve, beijo-te com muito carinho e mando saudades à tua mulher e toda a família,
Mário

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Nota de CV:

Vd. poste último poste de Mário Beja Santos de 27 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7192: Notas de leitura (162): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (2) (Mário Beja Santos)

(*) Vd. poste de 3 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3016: Em busca de... (32): Margarida Dahaba, professora, filha do 2º Sargento Fodé Dahaba (M. Ribeiro de Almeida / J.M. Gonçalves Dias)

Guiné 63/74 - P7187: Memória dos lugares (106): Gadamael e as peripécias do pós-25 de Abril de 1974 (José Gonçalves)

Guiné > Região de Tombali > Gamael > Maio de 1974 > A primeira visita do PAIGC à tabanca e aquartelamento: e O Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Patrício ), do seu lado direito está o comissário político do PAIGC. O nosso camarada José Gonçalves está atrás, na segunda fila,  entre os dois. O capitão Pimentel, comandante da CCAÇ 4152/73,  está ao lado do José Gonçalves, por detrás do Comandante Patrício. (*)






Guiné > Região de Tombali > Gamael > 1974 > O capitão Peixoto da CCAV 8452, de T-shirt branca com o seu nome estampado. De lado estão dois capitães do COP5 e de costas o Alf Mil Lobo, da CCAÇ 4152/73 da minha companhia. Esta foto foi tirada na messe de oficiais da CCAV 8452, construída com troncos e chapas de lata.


Fotos (e legendas): © José Gonçalves (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

1. Mensagem do nosso camarada José Gonçalves, que vive no Canadá há mais de 3 dezenas de anos:

Data: 29 de Outubro de 2010 02:04
Assunto: Fotos de Gadamael e pessoas faladas neste blog mas até agora sem fotos



Caro Luís:

Aqui te mando duas fotos tiradas em Gadamael.

A primeira foi quando da primeira visita do PAIGC e onde se encontra o Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Patrício );   do seu lado direito está o comissário político e eu encontro-me atrás entre os dois.  O capitão Pimentel,  comandante da minha companhia, está ao meu lado por detrás do Comandante Patrício.

Como podem observar não era todos os dia que recebíamos visitas destas. Estavamos todos a acompanhar o "camarada" numa visita à tabanca. Será que alguém ainda se lembra do nome deste comissário político ? Eu já não tenho a minima ideia. Do que me lembro fpo ele ter sido ultrapassado,  nos encontros posteriores,  por individualidades militares com maior patente. Acho que só o vi mais uma vez,  mas não como participante activo.

A outra é uma foto do capitão Peixoto da CCAV 8452,  de T-shirt branca com o seu nome estampado,  que era o uniforme preferido do mesmo. De  lado estão dois capitães do COP5 e de costas o Alf Mil Lobo da minha companhia. Esta foto foi tirada na messe de oficiais da CCAV 8452 que,  como se vê,  era de troncos e chapas de lata.

Cumprimentos

José Gonçalves

Alf Mil Op Esp
CCAÇ 4152/73
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3262: No 25 de Abril eu estava em... (3): Gadamael e depois Cufar (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152)

(...) Maio de 1974: Apresenta-se o senhor comissário político



Era em principio de Maio de 1974 pouco depois do 25 de Abril . Estava na messe de oficiais a beber o meu whisky quando o barman me diz que estava um preto a querer falar com o comandante. Eu fui ver o que era e deparo com um indivíduo, desconhecido, bem vestido e com muita cortesia me pediu para falar com o comandante. Perguntei-lhe quem era e o que queria do comandante. Para minha surpresa disse-me que era o comissário político do PAIGC para a zona de Gadamael e que queria falar com o comandante sobre o 25 de Abril. Fiquei de boca aberta, como é de calcular, e mandei-o entrar e pedi para chamarem o comandante.


O comandante chegou (o nome dele apagou-se da minha memória mas era um capitão tenente fuzileiro especial) e perguntou-lhe se tinha vindo sozinho. O comissário politico disse-lhe que não e que tinha vindo com 2 pelotões e que estavam escondidos perto do campo de aviação. O comandante disse-lhe que o pessoal do PAIGC não podia ficar nesse local e ou se retirava ou se apresentava.


O comissário então dirigiu-se para o mato e começou a falar em voz alta e começaram a aparecer soldados do PAIGC vindos da mata, armados até aos dentes. O comandante então disse-lhes que não permitia que ficassem ali armados, e que para entrarem tinham que nos entregar as armas. Qual não foi o meu espanto quando eles disseram que sim. Nós pedimos a um escriturário para fazer a escrita e começamos a recolher as armas.


Eles entraram e foram conviver com o pessoal que estava do "nosso lado”. Beberam e comeram e nós conversámos com o comissario, depois fomos apresentá-lo ao régulo e mostrámos-lhe o aquartelamento e a tabanca. Depois foi a vez de lhes entregar as armas para estes se irem embora para o outro lado da fronteira . Ouve pequenos desacordos porque alguns deles pensavam que tinham entregue mais munições do que recebiam mas como já estavam bêbedos a maior parte deles (pois os nossos soldados se tinham encarregado disso) e com a comando deles tudo se resolveu amigalvelmente. (...)



Visita de cortesia dos nossos oficiais a Kandiafara, na Guiné-Conacri


Tive outra surpresa quando estes nos convidaram para irmos visitar o aquatelamento deles, em Kandiafara. Eu decidi não ir pois o meu treino de ranger fez-me um pouco incrédulo de tudo o que se estava a passar mas os meus camaradas foram. O que me contaram foi que quando passaram a fronteira as autoridades da Guiné Conacri tinham mandado que o PAIGC entregasse os portugueses que tinham passado a fronteira. A resposta do PAIGC foi que não o fariam porque eram convidados do PAIGC e que os devolveriam ao seu aquartelamento e caso a Guiné Conacri os quisesse prender teria que os ir buscar a Gadamael Porto. Claro que nunca vieram.


Depois deste incidente tivemos vários encontros todos eles em Gadamael Porto onde o PAIGC já vinha de Unimog, de marca russa. Nesta altura as negociações em Londres não estavam a correr muito bem e houve alturas onde nós pensámos que teríamos que voltar a lutar outra vez.

Tínhamos decidido entre nós que avisaríamos e daríamos a uns e outros 3 dias antes de reiniciar as hostilidades. Tudo isto foi decidido na messe de oficiais em Gadamael Porto entre uns bons copos de whisky. No pós-25 de Abril fomos militares e também diplomatas pois estávamos em contacto direto com o PAIGC. Disto não tenho a certeza pois os nomes da maior parte das pessoas me escapam, mas lembro-me de um dos dirigentes do PAIGC que veio sempre à paisana e que me parece muito com o Nino Vieira mas não posso afirmar pois nessa altura eu não tinha absolutamente ideia nenhuma de quem era o Nino Vieira.


Retirada de Gadamael sob protecção do... PAIGC


Também tivemos problemas com as milicias porque estes se voltaram contra nós (o que não é de admirar pois nós basicamente os abandonámos à sua sorte) e tivemos que ter protecçao do PAIGC quando nos retirámos de Gadamael. O mesmo não aconteceu em Cufar onde não houve problemas na retirada.. (...)