1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Janeiro de 2011:
Queridos amigos,
Já estamos na despedida.
Quero agradecer a todos aqueles que contribuíram para clarificar impressões de viagem que deixaram o Tangomau intrigado. Não há nada como descobrir que a viagem ficou incompleta, havendo necessidade de regressar, um dia. Em nome das amizades inigualáveis, em nome do lugar que se habitou e que se grudou ao coração.
Um abraço do
Mário
Operação Tangomau (17)
Beja Santos
Algumas conversas para melhor perceber o Outro, o PAIGC
Despedidas e promessas
1. É uma reunião muito estimulante com mulheres e homens predominantemente entre os 50 e 70 anos. Já se percebeu que não há nenhuma historiografia oficial, formal ou informal, tanto na posse do PAIGC ou dos seus dirigentes históricos. Há arquivos incompletos, há os trabalhos de Luís Cabral, Aristides Pereira, Mário Pinto de Andrade, as prosas laudatórias da propaganda, de um modo geral inúteis para se obter a panorâmica de como o PAIGC se inseriu junto das populações e delas obteve apoios incondicionais ou as abrigou a colaborar na luta; há muita documentação na Fundação Mário Soares, serve para esclarecer alguns ângulos, mas não todos; desapareceram documentos secretos, correio entre dirigentes, ordens de batalha, até comunicados políticos.
Continua a ser tabu o relacionamento entre os dirigentes cabo-verdianos e os quadros militares guineenses. Ninguém usa como referência o Livro Branco do PAIGC, ninguém tem ilusões que é uma historiografia oficial datada, a história não é feita de declarações incontestáveis. É por todos admitido que foi no Congresso de Cassacá (1964) que o poder político se sobrepôs ao poder militar, orientando-o durante e após a independência, até 1980. Eram os comissários políticos que superintendiam as operações militares, os comandantes prestavam permanentemente contas.
A partir de 1980, com a era de Nino, deu-se uma demarcação, com o agravamento da situação económica e financeira, os militares sentiram-se livres de contestar e de se orientar nos negócios. Quando se sentiram ameaçados, como Ansumane Mané, reagiram. Até hoje. Os altos comandos vivem permanentemente à espreita de serem liquidados, desde a época do conflito político-militar de 1998.
O Tangomau já esgotou praticamente o seu stock de imagens. Nas reuniões por onde anda, nem lhe passa pela cabeça tirar fotografias. Socorre-se de fotografias não publicadas. Neste caso, uma panorâmica do cemitério de Bissau, o talhão dos combatentes da guerra da pacificação, rodeado do talhão dos combatentes da guerra que perdurou até 1974. Estava tudo relativamente bem arranjado, a Liga dos Combatentes determinara uma boa limpeza. Estava um dia luminoso, o Tangomau sentiu-se impelido a estranhas orações, quase conversas, entre o céu e a terra, era uma evocação errática e difusa em nome de todos os mortos.
2. O Tangomau muda de registo e pergunta à assistência como é que os quadros do PAIGC sentiam o crescimento do pensamento nacional, houve comentários variegados, alguns deles mereciam aprofundamento e até registo para um qualquer historiador procurar direcções de análise desse PAIGC aparentemente coeso e militarmente indómito. Um dos comentários lembrou ao perguntador a singularidade do desencadear da guerrilha: primeiro, a formação dos agitadores, quadros que foram lançados na subversão, quer nas barbas das autoridades, quer aproveitando a insignificância da sua presença, como foi o caso do Sul; esses agitadores conduziram à mobilização de populações, mesmo à custa do terror e da separação das famílias, em escassos meses, em 1963, o Sul foi transformado em parcelas atomizadas que reduziram a capacidade de manobra das tropas portuguesas.
Cabral era um ideólogo incontestado, nos primeiros anos; os choques virão mais tarde, se bem que permanecessem discretos, entre cabo-verdianos e guineenses, estes últimos frequentaram escolas de formação e foram confrontados com outras formas de racismo. Uma guerrilha que se expande tão rapidamente entre 1963 e 1964, populações a viver sempre em risco e, de um modo geral, a aceitar esses riscos e os sacrifícios no transporte de munições, armamento, comida e medicamentos, tudo acaba por se saldar numa combatividade de âmbito nacional, basta pensar no hino e na bandeira.
Alguém da assistência pede para fazer um comentário: é verdade que hoje o pensamento nacional é difuso, mas no conflito político-militar a população insurgiu-se contra a presença estrangeira, contingentes senegaleses e de Conacri foram severamente reprimidos por exércitos ad hoc, compostos por gente de todas as etnias. E foi lembrado ao perguntador se era possível não haver uma consubstanciada crença no PAIGC quando, em 27 de Abril de 1974, andavam grupos nas ruas de Bissau a gritar vivas ao MFA e ao PAIGC. O Tangomau a todos agradece, amanhã terá um encontro com Filinto Barros e Chico Bá para falar sobre a evolução da guerra de 1973 para 1974, ouvi-los sobre o que devíamos fazer conjuntamente para se estudar melhor o Outro, antes e depois da guerra que findou em 1974.
É a última fotografia que resta de Ponta Varela. Permite verificar a natureza do Geba estreito, que aqui começa ou aqui finda. Neste exactíssimo ponto, dentro da vegetação, os guerrilheiros do PAIGC flagelavam batelões e até lanchas da Armada. O Tangomau sentiu-se compensado da passeata em companhia de gente moçoila, intrigada com o velhote que caminhava despachado aqueles quilómetros ida e volta, encantado com hortas, cabaceiras, poilões e o marulhar da corrente desse Geba, que é o rio da sua vida.
3. Anoitece, o Tangomau despede-se das pessoas que amavelmente cederam a conversar com ele. Regressa à Pensão Central, vem com muita precisão de tomar um banho de caneco, pôr o corpo na horizontal, sentir o fresco de uma ventoinha trepidante. Encontra Patrício Ribeiro, combinam ir jantar num restaurante de comida portuguesa. Antes, conversa com a Avó Berta, conta-lhe o que andou a fazer pela região de Bambadinca. A Avó Berta aproveita para lhe falar de como, com o marido, num oceano de dificuldades, montaram a Pensão Central, como ela sobreviveu a todas as carestias, ali se recebeu professores, ali se manteve a sede viva da cooperação portuguesa e internacional. O Tangomau embevece-se com o fulgor desta senhora exemplar que se recusa a abandonar a grande obra da sua vida.
Refrescado e com o corpo menos moído, vai prestar contas e dar graças ali ao pé, na catedral. Dar graças por o coronel Jales Moreira ter pedido ao Daniel Nunes para encontrar uma solução de acolhimento na região de Bambadinca, foi ele quem apresentou o Tangomau ao embaixador Inácio Semedo, depois este pôs o irmão em acção; dar graças ao Fodé à família, dar graças a quem o reconheceu e o quis rever, com a alegria estampada no rosto, dar graças pela imensidade destas relações indestrutíveis, até ao último alento da sua vida.
Era assim a Pensão Central em 1997, fora retocada, pintada de branco imaculado, agora está de azul e há muita ferrugem à mostra. Ainda é possível andar num destes táxis azuis, com um ou até quatro passageiros. Importa não esquecer o bem que aqui se fez a quem chegou com fome e à procura de abrigo, de todas as partidas do mundo (foto retirada do site: www.guinee-bissau.net, com os devidos agradecimentos).
4. Vão jantar, o Patrício Ribeiro e o Tangomau, num restaurante decorado à portuguesa, até ali há enchidos, cebolas e alhos decorativos. Para surpresa do empregado, o Tangomau pede dois ovos estrelados, umas batatinhas fritas e uma boa salada, tudo a regar com uma cerveja gelada. A assistência grita frenética, o Barcelona esmaga o Real Madrid, há claques furiosas pró e anti-Cristiano Ronaldo. O Real Madrid sai dali desfeiteado, o Tangomau despede-se de Patrício Ribeiro, cai de sono, já está informado que aí pelas 23 horas se apaga a luz com o corte de energia, quer fazer as últimas leituras, preparar-se para os últimos encontros de amanhã, vai entregar cartas a Tumlo Soncó, que dentro em breve parte para o Cuor.
Na cama, folheia os elementos que compilou sobre o MFA da Guiné, o golpe militar que ele desencadeou em Bissau logo a seguir ao 25 de Abril, até o plano de ali fazer uma sublevação caso falhasse o 25 de Abril em Lisboa. Nunca entendeu porque é que os protagonistas não documentaram claramente estes factos, os movimentos, as tensões ideológicas e depois o entabulamento de relações, mais ou menos informais, com o PAIGC e como, logo em 1 de Julho de 1974 centenas de militares exigiram ao Governo de Lisboa o reconhecimento da República da Guiné-Bissau, no fundo se a Guiné o berço do MFA e este conspirou e descolonizou por conta própria no território, que diálogo se estabeleceu com os quadros do PAIGC. E assim adormeceu, mesmo sentindo a pressão do calor e depois de olhar, assombrado, o volteio dos carros na Avenida Amílcar Cabral, a fugir dos buracões do alcatrão, na noite escura.
Este é o Zé Pereira que viajou de Bissorã para me abraçar. Era o 1.º cabo mais culto e desempenado do Pel Caç Nat 52. Foi um exemplo de coragem quando, com Missirá em chamas, foi salvar uma criança esquecida numa morança. O que o Tangomau lhe deve não cabe num possível título de dívida e quando lhe disse: “Zé, deixa-me tirar-te uma fotografia, quer que todos saibam quanto te admiro!” ele logo respondeu: “Sim, mas com o teu livro na mão, este é meu e vou levá-lo para Portugal, quando for visitar o meu filho”. Um pai orgulhoso por ter conseguido dar estudos médios a todos os seus filhos, o Aillton é avançado no Atlético Clube Oriental e está a acabar a licenciatura.
5. De manhã, não há tempo para o devaneio de leituras, é importante escrever ao régulo Carambá, ao Príncipe Samba e ao Fodé. O ambiente escolhido é o do Centro Cultural Francês, é fresco e silencioso, o Tangomau escolhe uma mesa na zona da banda desenhada, bem fornecida e tentadora, sem perda de tempo escrevem-se saudações e promessas.
Que o régulo Carambá veja o Cuor desenvolver-se, do Geba estreito até Madina de Gambiel. Que o régulo esteja descansado, o Tangomau sente impulso para voltar, a velha estrada abandonada de Gambaná atrai-o, percorreu-a vezes sem conta, corta-lhe o coração vê-la reduzida a um caminho alcantilado de pouco préstimo, quer voltar à Aldeia do Cuor que ele encara como uma civilização perdida, nunca decifrou aqueles muros tão altos, houve quem lhe dissesse que ali se pensou criar a povoação mais importante, desistiu-se, sabe Deus porquê, foi assim que nasceu Bambadinca, era por Aldeia do Cuor que se pensava escoar as madeiras exóticas e os produtos agrícolas do Gambiel.
Ao Príncipe Samba desejou-se as maiores felicidades, agradeceu-se o encontro comovente, aquela tradução para crioulo, cheia de intenção e sentimento, aqueles pedidos de ajuda a que ele gostaria de corresponder e lamentavelmente não pode, o Tangomau recorda e acentua a gratidão pela dedicação recebida. Ao Fodé, o muito obrigado por ter convocado tanta gente, ele foi o anjo de S. Gabriel que anunciou a vinda do Tangomau.
Aproveita-se o agradecimento para fazer tábua rasa das diferentes tensões entre ambos, aguarda-se agora reencontro em Lisboa. Escritas as missivas, faz-se a sua entrega no Bairro Missirá, Tumlo lembra ao Tangomau que tem um filho com muito jeito para a bola, pede-lhe encarecidamente ajuda, o Tangomau volta a chorar, de impotência, não pode corresponder a tanto pedido.
Tumlo Soncó sentado, parece que está à espera calmamente que o futuro seja pródigo, lhe traga algumas benesses. É nestas coisas que o Tangomau revela a incipiência própria dos fotógrafos amadores, deixa sombra da Maria Fausta, a mulher de Abudu Soncó, e do Sr. Sabino, o motorista da Embaixada de Portugal.
6. Entregues as cartas, o Tangomau parte para um café onde se vai encontrar com Filinto Barros e Chico Bá, ou Francisco Silva, que foi comissário geral das frentes Norte e Sul. Ambos autorizam que o Tangomau tome notas. A primeira pergunta incidiu sobre o modo como se radicalizou a luta, exigindo, logo após o 25 de Abril uma independência total e irrestrita. Os interlocutores responderam que se temia também com o futuro de Angola e Moçambique: se a independência da Guiné empanasse, haveria consequências para as outras colónias. Era preciso que tudo começasse claramente na Guiné.
Ao contrário do que se tem dito, os negociadores guineenses pediram às autoridades portuguesas para ficarem transitoriamente na Guiné, cedo se aperceberam que não havia condições nem militares nem políticas. Os quadros do PAIGC sabiam não dispor de uma estrutura administrativa capaz para as novas realidades da independência. Os gestores que se prepararam vieram de escolas muito rígidas, como a RDA, uma outra realidade. Filinto Barros lembrou que a confraternização em Bissau teve muito poucas arestas, logo a seguir à chegada do PAIGC, por pura coincidência, encontrou do lado português um oficial da Armada que estudara com ele no Colégio Nuno Álvares. O erro não esteve em exigir a independência, esteve em não partilhar por mais alguns anos com os portugueses a aprendizagem da administração.
Falando dos acontecimentos de 1973 e 1974, estes dois importantes quadros políticos foram consensuais: não havia pressa quanto ao fim da guerra, sentia-se e sabia-se da erosão que a guerra estava a provocar e que a perda de supremacia aérea trouxera uma profunda desmotivação. Mesmo que, por absurdo, os aleados da NATO dessem provisoriamente um equilíbrio militar, a capacidade do PAIGC estava imparável, agora não era só o facto das tropas mal saírem do arame farpado, já se combatia com carros de combate e escolhiam-se alvos como Canquelifá que, tudo previa, iria ser cercada em Maio, em termos semelhantes ao de Guidage, como no ano anterior.
Os informadores do PAIGC em Bissau também sabiam que ia haver abandono de vários quartéis junto da fronteira e com graves consequências para o moral das tropas, essas populações ao abandonarem as suas tabancas iriam concentrar-se à volta de Bissau, agravando todos os problemas. Outra informação digna de nota: quando se proclamou o Estado em 24 de Setembro, a partir dessa data deu-se uma sangria de estudantes já adolescentes que se foram oferecer para a guerrilha. Era uma quantidade impressionante. A direcção do PAIGC ao comentar o facto concluiu que a juventude guineense irreversivelmente se pusera do lado do PAIGC. A relação de forças entrara em desequilíbrio, estes jovens marcavam a diferença. Discutiram-se ainda projectos sobre as relações com o Outro, de ambos os lados. Todos prometeram manter-se em contacto.
O Tangomau voltou à Madina do Gambiel à procura do paraíso, das palmeiras de Samatra. Tudo mudou, mantém-se luxuriante mas aquela beleza esmagadora desapareceu. Foi um dos momentos de decepção. Felizmente que o Tangomau fora reconhecido por Ieró Baldé, não há paisagem que substitua um momento de tanta beleza nos corações.
7. Amanhã haverá despedidas, algumas delas comoventes. E depois terminará este diário composto a trouxe-mouxe. O Tangomau vai às compras, para si e à procura de lembranças para os outros. Será a circunstância para mostrar as últimas fotos e convidar todos os confrades a voltar à Guiné.
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7676: Ninte Kamatchol: a história da capa de um livro (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 21 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7650: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (16): Até Bissau num toca-toca e conversas sobre a história do PAIGC
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Guiné 63/74 - P7682: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (17): Algumas conversas para melhor perceber o PAIGC
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Guiné 63/74 - P7681: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (10): Tony, o lisboeta
1. Mensagem José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Janeiro de 2011:
Caros Editores
Junto a história "Tony - O Lisboeta", para incluir nas "Memórias boas da minha guerra".
É mais uma daquele tempo - há mais de 40 anos - que hoje, possivelmente, não teria a mesma importância. Mas, para nós teve, e são esses tempos que estamos a reviver.
Um abraço do
Silva
Memórias boas da minha guerra (10)
Tony, o lisboeta
Chamava-se António Martins mas gostava que o tratassem por Tony e de preferência ainda, por Tony Quin. A verdade é que, além de ter alguma semelhança física com este actor, ele evidenciava-se a imitar "Zorba, O Grego", a dançar.
Deu nas vistas logo que chegou a Gaia, ao RASP, para a formação do BART 1913. Tinha aspecto bem cuidado, vestia muito bem, caminhava muito direitinho e executava gestos moderados e muito seguros. Enfim, naqueles anos sessenta, fugia um pouco àquela bandalheira reinante. Salientou-se, ainda, porque entre aquela maralha toda do norte, ele falava um pouco diferente. Exibia muito aqueles galicismos próprios duma capital pretensiosa e seguidora de outras modas, tidas como mais avançadas. Levou um tempito a recuperar. Quando dizia que queria ir ao “rês–tô-ran”, lá tínhamos que lhe explicar que em Portugal não havia disso, mas sim Restaurantes, Tascos, Tasquinhas, Tabernas e Adegas. Falava em “friu”, ”riu”, “uma ganda t’são na .picha”, etc, etc., mas, rapidamente, verificou que ser português não é o mesmo que ser lisboeta e para ser aceite plenamente como português, teria que se corrigir.
Logo nos primeiros dias desta concentração em Gaia (Janeiro 1967), ao entrar no Quartel, já um pouco atrasado, vi um grupo de militares na cavaqueira, ao sol, por detrás da casa da guarda. Parei quando ouvi:
- Tens razão, esse Silva é um gajo porreiro. Estive com ele na recruta em Espinho, e era só brincadeira”. E logo adiante alguém insinuou:
- Anda aí um lisboeta que eu não sei bem para que lado é que ele cai. E o Tripeiro acrescentou:
- Eu sei, é um que anda vestidinho como o Carlinhos da Sé.
Ora, o Chiquitita, do Concelho de Vila Verde, meteu também a sua colherada :
- Tais tão enganadinhos, morcoins! Foi então que o Matosinhos retorquiu:
- Ouve lá oh manca-mulas, que vens de trás do cu da burra, que é que percebes do assunto? O Chiquitita não se ficou:
-Bós tendes a mania que sondes da cidade mas nestas cousas sei munto bem quando o gado é de cobriçon e aquele num m’ingana.
Em Viana do Castelo, uns dias antes de partirmos para a Guiné, quando dávamos a voltita pela cidade, depois do jantar, passávamos junto à casa das meninas e parávamos diante da porta aberta. Alguém gritava:
- Ó senhora Maria, que material tem hoje? E, de lá do cimo da escadaria interior, surgia uma idosa que se virava para o lado e dizia:
- Ó rapariga, mostra aí alguma coisa. Ao que ela correspondia erguendo uma perna e mostrando parte do avantajado presunto. E, como sempre, reclamávamos da má qualidade do material. Um dia, a velhota acabou por nos dizer:
- Já percebi, vejam se me trazem um gajo para aqui, porque já há mais gente a querer disso.
À mesma hora, costumava andar o Tony ali para os lados da Areosa, na estrada para Caminha e Valença, logo a seguir a Viana do Castelo, a seduzir uma jovem. Contava ele que ela tinha oito irmãos mais novos e que, sempre que estava à porta a acompanhar a rapariga, eles vinham por ordem decrescente, em fila de pirilau, desejar as boas noites ao Senhor Tony de Lisboa. Confessou-me também que já tinha problemas de consciência, nesta relação fortuita, uma vez que se tratava de uma família de tradições muito respeitáveis e que, lá por Lisboa, não fora habituado a nada disto.
Foi então que nos lembrámos de o incluir num “inventado” convite de umas jovens de primeira, onde iríamos fazer um belo serão (quase de despedida). O Tony ficou entusiasmado, foi ao seu guarda-roupa, cuidadosamente destinado a uma longa estadia num país tropical e sacou um lindo fato branco/creme que, com os óculos “Ray-Ban”, lhe ficavam a matar.
Dirigímo-nos para a casa da D. Maria, onde, assim lhe dissemos, seria o tal “serão” de despedida. Como a porta já estava aberta e ele se apresentava como a estrela cintilante, foi fácil convencê-lo a subir a escadaria à frente do grupo. Ao mesmo tempo que a senhora aparecia, o Mendonça gritou:
- Dona Maria, aqui está a sua encomenda. Ela respondeu, acenando para o Tony:
- Anda daí minha beleza, temos muito que conversar.
A explosão de riso foi geral. O Tony, apercebendo-se da marosca, galga os degraus, a fugir e a gritar:
- Matarroanos! Matarroanos! Vocês é que precisam de quem vos “enrasque”, seus filhos de p...
Apesar do Vieira não se segurar de pé a rir, o Tony, como era um gajo porreiro, foi quem mais gozou com esta tramóia.
Seguidamente, lá fomos enfiar umas "cargas etílicas", na Cervejaria Central, para cimentar a nossa excelente e duradoira camaradagem
Silva da Cart 1689
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 13 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7609: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (6): O Valente era mesmo valente
Vd. último poste da série de 5 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7555: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (9): Piteira - O Rânger do Alentejo
Caros Editores
Junto a história "Tony - O Lisboeta", para incluir nas "Memórias boas da minha guerra".
É mais uma daquele tempo - há mais de 40 anos - que hoje, possivelmente, não teria a mesma importância. Mas, para nós teve, e são esses tempos que estamos a reviver.
Um abraço do
Silva
Memórias boas da minha guerra (10)
Tony, o lisboeta
Chamava-se António Martins mas gostava que o tratassem por Tony e de preferência ainda, por Tony Quin. A verdade é que, além de ter alguma semelhança física com este actor, ele evidenciava-se a imitar "Zorba, O Grego", a dançar.
Deu nas vistas logo que chegou a Gaia, ao RASP, para a formação do BART 1913. Tinha aspecto bem cuidado, vestia muito bem, caminhava muito direitinho e executava gestos moderados e muito seguros. Enfim, naqueles anos sessenta, fugia um pouco àquela bandalheira reinante. Salientou-se, ainda, porque entre aquela maralha toda do norte, ele falava um pouco diferente. Exibia muito aqueles galicismos próprios duma capital pretensiosa e seguidora de outras modas, tidas como mais avançadas. Levou um tempito a recuperar. Quando dizia que queria ir ao “rês–tô-ran”, lá tínhamos que lhe explicar que em Portugal não havia disso, mas sim Restaurantes, Tascos, Tasquinhas, Tabernas e Adegas. Falava em “friu”, ”riu”, “uma ganda t’são na .picha”, etc, etc., mas, rapidamente, verificou que ser português não é o mesmo que ser lisboeta e para ser aceite plenamente como português, teria que se corrigir.
Logo nos primeiros dias desta concentração em Gaia (Janeiro 1967), ao entrar no Quartel, já um pouco atrasado, vi um grupo de militares na cavaqueira, ao sol, por detrás da casa da guarda. Parei quando ouvi:
- Tens razão, esse Silva é um gajo porreiro. Estive com ele na recruta em Espinho, e era só brincadeira”. E logo adiante alguém insinuou:
- Anda aí um lisboeta que eu não sei bem para que lado é que ele cai. E o Tripeiro acrescentou:
- Eu sei, é um que anda vestidinho como o Carlinhos da Sé.
Ora, o Chiquitita, do Concelho de Vila Verde, meteu também a sua colherada :
- Tais tão enganadinhos, morcoins! Foi então que o Matosinhos retorquiu:
- Ouve lá oh manca-mulas, que vens de trás do cu da burra, que é que percebes do assunto? O Chiquitita não se ficou:
-Bós tendes a mania que sondes da cidade mas nestas cousas sei munto bem quando o gado é de cobriçon e aquele num m’ingana.
Viana do Castelo > Centro histórico > Praça da República
Foto de Carlos Vinhal (2010)Em Viana do Castelo, uns dias antes de partirmos para a Guiné, quando dávamos a voltita pela cidade, depois do jantar, passávamos junto à casa das meninas e parávamos diante da porta aberta. Alguém gritava:
- Ó senhora Maria, que material tem hoje? E, de lá do cimo da escadaria interior, surgia uma idosa que se virava para o lado e dizia:
- Ó rapariga, mostra aí alguma coisa. Ao que ela correspondia erguendo uma perna e mostrando parte do avantajado presunto. E, como sempre, reclamávamos da má qualidade do material. Um dia, a velhota acabou por nos dizer:
- Já percebi, vejam se me trazem um gajo para aqui, porque já há mais gente a querer disso.
À mesma hora, costumava andar o Tony ali para os lados da Areosa, na estrada para Caminha e Valença, logo a seguir a Viana do Castelo, a seduzir uma jovem. Contava ele que ela tinha oito irmãos mais novos e que, sempre que estava à porta a acompanhar a rapariga, eles vinham por ordem decrescente, em fila de pirilau, desejar as boas noites ao Senhor Tony de Lisboa. Confessou-me também que já tinha problemas de consciência, nesta relação fortuita, uma vez que se tratava de uma família de tradições muito respeitáveis e que, lá por Lisboa, não fora habituado a nada disto.
Foi então que nos lembrámos de o incluir num “inventado” convite de umas jovens de primeira, onde iríamos fazer um belo serão (quase de despedida). O Tony ficou entusiasmado, foi ao seu guarda-roupa, cuidadosamente destinado a uma longa estadia num país tropical e sacou um lindo fato branco/creme que, com os óculos “Ray-Ban”, lhe ficavam a matar.
Dirigímo-nos para a casa da D. Maria, onde, assim lhe dissemos, seria o tal “serão” de despedida. Como a porta já estava aberta e ele se apresentava como a estrela cintilante, foi fácil convencê-lo a subir a escadaria à frente do grupo. Ao mesmo tempo que a senhora aparecia, o Mendonça gritou:
- Dona Maria, aqui está a sua encomenda. Ela respondeu, acenando para o Tony:
- Anda daí minha beleza, temos muito que conversar.
A explosão de riso foi geral. O Tony, apercebendo-se da marosca, galga os degraus, a fugir e a gritar:
- Matarroanos! Matarroanos! Vocês é que precisam de quem vos “enrasque”, seus filhos de p...
Apesar do Vieira não se segurar de pé a rir, o Tony, como era um gajo porreiro, foi quem mais gozou com esta tramóia.
Seguidamente, lá fomos enfiar umas "cargas etílicas", na Cervejaria Central, para cimentar a nossa excelente e duradoira camaradagem
Silva da Cart 1689
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 13 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7609: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (6): O Valente era mesmo valente
Vd. último poste da série de 5 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7555: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (9): Piteira - O Rânger do Alentejo
Guiné 63/74 - P7680: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (50): Na Kontra Ka Kontra: 14.º episódio
1. Décimo quarto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 26 de Janeiro de 2011:
NA KONTRA
KA KONTRA
14º EPISÓDIO
Começa a anoitecer pelo que o nosso Alferes, dado o esforço desenvolvido, sente necessidade de ir tomar um banho à fonte. Vai à sua morança, pega na toalha e na caixa do sabonete e vai carreiro abaixo. Ao sair do “arame” vê um vulto caminhar em sentido contrário. Cansado como estava só se apercebe de quem é, quando se cruzam.
É a Asmau. Primeiro NA KONTRA a sério. Não pode perder esta oportunidade. Pela primeira vez irá tentar falar com ela. Irá saber se realmente ela fala alguma coisa de português.
- Olá Asmau. Kurpo di bó?
- “Alfero” pode falar português.
Autenticamente “caíram os queixos” ao Alferes. Aconteceu o que tanto desejava. A Asmau, por ser filha do Chefe de Tabanca, sabia exprimir-se em português.
- Asmau, como aprendeste a falar português?
- O meu pai mandou-me dois anos para Galomaro, a viver com um tio meu e lá ia à escola. Não aprendi muito mas…
Ela interrompeu o que estava a dizer, não sem motivo. O Alferes acabava de lhe passar uma mão ao longo de um dos seus longos braços apreciando a macieza da sua pele, tão característica dos africanos.
- Asmau, como és bonita. Que pele macia tens.
Asmau entendeu o que o Alferes disse e o que não disse… e com um largo sorriso aproveita para se afastar. O Alferes segue-a com o olhar até ela desaparecer numa curva do carreiro. Dá um estalo com os dedos e vai enfim tomar o seu banho.
Já não estava ninguém na fonte. Desta vez não se importou de estar ali sozinho, quase noite, fora do “arame”, à hora provável de aproximação do inimigo. Podia até ser “apanhado à mão”. A adrenalina provocada por aquele toque no braço da Asmau fazia-lhe esquecer todo o perigo. E só de pensar que ela não tinha apenas um braço…
Já noite, depois do jantar, o Alferes Magalhães passa pelo “bentem” apenas para dar as boas-noites ao pessoal, e vai deitar-se. Desde que tinha chegado à tabanca ainda não tinha ouvido uma sinfonia até ao fim. Desta vez, com tempo, e com os seus problemas quase todos resolvidos, ia tentar ouvir a 5ª de Mahler completa.
Conseguiu. Por isso dormiu até mais tarde. Acordou com o barulho do pessoal a falar alto. Saiu da morança e passou pelo “legionário” dizendo-lhe para lhe aprontar o café enquanto ainda ia passar pelo forno. Queria ver se não havia fissuras, pois não sabia como se comportava aquele barro ao secar. Verificou que estava tudo perfeito e foi tomar o café.
Definitivamente iria haver pão, mas não como imaginara…
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7673: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (49): Na Kontra Ka Kontra: 13.º episódio
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Guiné 63/74 - P7679: Agenda cultural (103): Programa na SIC com o Cor. Sentieiro - o Capitão da "Ostra Amarga" – 6 Fevereiro 2011 (Virgínio Briote)
1. O nosso camarada Virgínio Briote (ex-Alf Mil Comando, Brá, 1965/67), enviou-nos a seguinte mensagem em 21 de Janeiro de 2011:
Programa na SIC
Caros Luis, Carlos e Eduardo,
O Cor Sentieiro (o Capitão Cmdt da Cª da "Ostra Amarga") telefonou-me um dia da semana passada. Já há cerca de dois anos que não falávamos mas o Cor. Sentieiro não perdeu o espírito vivo e a memória acurada, que o caracterizam, apesar dos problemas que teve com o fígado que o obrigaram a trocar por um novo.
Telefonou-me para me dar uma informação. Acabava de ser contactado por um jornalista da SIC que lhe solicitava uma data para um encontro pessoal. Esclarecidas as razões do interesse da SIC, o Coronel acordou em os receber na sua casa de Torres Novas, não sem referir que o caso da "Ostra Amarga" já tinha sido muito discutido, nem tinha sido um dos mais significativos por que passou na Guerra na Guiné, e seguramente muito menos para outros militares portugueses e que o que tinha dado projecção ao episódio foi o facto das filmagens terem sido obtidas em directo por um grupo notável de profissionais da informação, todos franceses e já com algum traquejo de situações idênticas ou do mesmo género.
Aproveitei para lhe dizer que o seu Filho Miguel nos tinha enviado, em tempos, uma mensagem sobre o filme da "Ostra Amarga". Ficou surpreendido e pediu-me que lhe lesse o teor da mensagem. Fui ao blogue e li-lhe o texto devagar, para lhe dar tempo. No fim, do outro lado, o silêncio. E do meu lado, o mesmo, fiquei sem pedalada durante uns segundos para continuar. Demos a volta e combinámos encontrar-nos brevemente.
Hoje, há momentos, voltou a ligar-me com novidades. Uma equipa da SIC tinha acabado de sair de sua casa, Torres Novas, a Cristina Boavida (jornalista SIC) tinha-o entrevistado durante cerca de duas horas e que o tema tinha sido a "Ostra Amarga". No início, quando se apresentaram, informaram que no próximo 6 de Fevereiro se comemoram 50 anos do início da Guerra em Angola. E uma das partes do programa Grande Reportagem é só sobre a Guiné. Disseram-lhe que, sobre a "Ostra", para além dele, contactaram ou iam contactar a enfermeira pára Rosa (não me soube dizer que Rosa, houve mais que uma), provavelmente uma que se vê num dos helis em evacuação, um militar da CCav emboscada (que não me soube dizer o nome) e que na próxima semana, a Cristina Boavida vai a Paris entrevistar a Geneviève Chauvel (no 1º contacto, o Cor Sentieiro tinha-lhe esclarecido o jornalista que havia um blogue sobre a Guiné, que tinham obtido o filme e que tinham contactado a jornalista Chauvel e que no blogue a história estava contada da forma que ocorrera).
Caros Camaradas, era isto que vos queria transmitir: que, aparte os meus pormenores, o importante é estarmos prevenidos para a data: 6 Fevereiro, domingo, SIC, Grande Reportagem.
Um abraço,
v briote
___________
Notas de M.R.:
Hoje, há momentos, voltou a ligar-me com novidades. Uma equipa da SIC tinha acabado de sair de sua casa, Torres Novas, a Cristina Boavida (jornalista SIC) tinha-o entrevistado durante cerca de duas horas e que o tema tinha sido a "Ostra Amarga". No início, quando se apresentaram, informaram que no próximo 6 de Fevereiro se comemoram 50 anos do início da Guerra em Angola. E uma das partes do programa Grande Reportagem é só sobre a Guiné. Disseram-lhe que, sobre a "Ostra", para além dele, contactaram ou iam contactar a enfermeira pára Rosa (não me soube dizer que Rosa, houve mais que uma), provavelmente uma que se vê num dos helis em evacuação, um militar da CCav emboscada (que não me soube dizer o nome) e que na próxima semana, a Cristina Boavida vai a Paris entrevistar a Geneviève Chauvel (no 1º contacto, o Cor Sentieiro tinha-lhe esclarecido o jornalista que havia um blogue sobre a Guiné, que tinham obtido o filme e que tinham contactado a jornalista Chauvel e que no blogue a história estava contada da forma que ocorrera).
Caros Camaradas, era isto que vos queria transmitir: que, aparte os meus pormenores, o importante é estarmos prevenidos para a data: 6 Fevereiro, domingo, SIC, Grande Reportagem.
Um abraço,
v briote
___________
Notas de M.R.:
A Grande Reportagem tem conta no Facebook:
http://www.facebook.com/pages/GRANDE-REPORTAGEM-SIC/108154918250?v=info Vd. sobre esta matéria os postes: 8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote) 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça) Vd. último poste desta série em: 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7660: Agenda cultural (102): DocLisboa2011, de 20 a 30 de Outubro, com uma nova directora, Anna Glogowski, e um ciclo dedicado à guerra colonial (Agência Lusa / Carlos Pinheiro)
Guiné 63/74 - P7678: Casos de azar e sorte (1): Camarada ferido pelo impacto de granada que não explodiu (José Corceiro)
1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 24 de Janeiro de 2011:
Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Envio este texto onde relato um episódio passado na Guiné que na altura me apiedou, que publicarão caso entendam que tem algum interesse para o blogue.
Quanto à foto que eu na época tirei, onde são visíveis os ferimentos provocados na pessoa, a mim não me choca, mas pode ferir sugestibilidades mais sensíveis de alguns. Sendo assim, publicar a foto pode não ser a opção mais curial, deixo à vossa sensibilidade a decisão de fazer o que acharem mais adequado.
Um abraço
José Corceiro
Foto 1 - Corceiro, no Hospital de Bissau, à volta com as suas escritas.
CASOS DE AZAR E SORTE (1)
Camarada ferido pelo impacto de uma granada que não explodiu
Creio não estar a errar, se afirmar que já todos nós, ao longo das nossas vidas, nos confrontámos e fomos surpreendidos por acontecimentos que se nos perspectivaram estarem a tanger e ameaçar entrar na fronteira do incrível, deixando-nos a meditar com alguma perplexidade, porque à luz duma interpretação racional tivemos dificuldade em os ajuizar numa explicação lógica que nos tranquilizasse o ego, ou que serenasse a crença de outros, para os quais essas circunstâncias poderão ter a grandeza de mistério!
Eu ao longo da minha existência tenho sido bafejado por muitos e variados casos, a raiar o limite do fenomenal, algumas vezes como espectador, outras como sujeito interveniente. O meu carácter é de compleição reservada, pois não sou pessoa de manifestar exaltação exacerbada e irreflectida, perante os acontecimentos extraordinários que tenho testemunhado e vivido, durante o percurso da minha vida. Direi que é raro expandir-me em manifestações efusivas ou admiração de entusiasmo desmedido, de forma a empolgar exageradamente os acontecimentos menos explicáveis, mas com potencial espectável que ocorram e nos quais eu possa estar envolvido, pois aceito pacificamente a “lei da probabilidade” que diz:
- Tudo aquilo que é susceptível de acontecer mais cedo ou mais tarde acontece!
Posto isto, perante os casos que se me afiguram como enigmáticos, mas com o mínimo de virtualidade provável para que sucedam, mantenho uma postura de euforia contida dominada pelo racional, visto reconhecer que há por vezes coincidências resultantes de acontecimentos concomitantes que conduzem a estes “fenómenos” menos vulgares que ocorrem, e eu admito-os como casos passíveis de acontecer!
Redigi este intróito com a finalidade de enquadrar a narração de alguns episódios que vivi na Guerra da Guiné, durante o período que lá permaneci e que a seguir vou tentar descrever. São meia dúzia de casos que teimam em permanecer mais lúcidos e vivos no meu consciente e que vou partilhar convosco, dividindo o envio em partes.
1.º CASO - O dia nove de Dezembro de 2010, foi editado o P7409 cujo título é: - A Granada de Morteiro que Veio Jantar. O Autor é o nosso estimado camarada, Alberto Branquinho.
Nesse poste eu deixei o seguinte comentário:
- “Não tenho a certeza que seja o mesmo caso, que o Torcato refere sobre o acidente da granada de morteiro que se alojou na coxa dum ser humano sem explodir!
Eu, durante um internamento que tive no Hospital de Bissau, foi-me permitido, por pessoa conhecida, atendendo ao inédito acontecimento, tirar umas fotos que guardo da coxa dum adulto, com os ferimentos provocados por uma granada que não deflagrou. Segundo me disseram na altura, a pessoa em questão estava na sua tabanca deitada, quando foi surpreendida com a granada que se alojou na coxa.”
Foto 3 - Tirada por mim no Hospital de Bissau. Os ferimentos da foto foram causados por uma granada que não explodiu.
(Clicar para ampliar a imagem)
Porque creio que haverá desfasamento temporal entre o acontecimento que o Torcato referiu no comentário ao P7409 e isto que eu vi e que fotografei a parte da pessoa, com ferimentos provocados por uma granada disparada que ao cair atingiu a coxa dum ser humano e não rebentou, como na altura me foi dito, afigurasse-me provável que não sejam o mesmo caso, pois entendo não haver similaridade entre os dois.
Julgo que os traumatismos visíveis na foto são de etimologia perfurocontundentes, ou seja, que poderão ser as contusões provocadas pelo impacto da granada, que ao atingir a coxa rasgou os tecidos musculares e destruiu algumas partes ósseas. As lesões parecem-me ser muito extensas para a contundência causada pelo objecto em análise, ainda que a profundidade seja a espectável que provocaria o projéctil. Pois temos que levar em linha de conta, que a contusão dependerá sempre de N factores, como seja a direcção da força que provocou os danos, outros obstáculos já ultrapassados pelo engenho, a aceleração ou desaceleração da velocidade do objecto e a posição do corpo atingido, ou seja o alvo!
Disseram-me na altura e a foto confirma-o, que não tinha sido afectado nenhum órgão vital, mas é bem visível que ficou muito lesada a complexidade dos ligamentos iliofemorais, assim como o conjunto dos diversos músculos existentes na zona do ferimento, que são muitos, tais como os glúteos, os gémeos, os adutores, o periforme, o obturador etc. Ficaram dilacerados vasos e nervos da região afectada. Foram destruídos o colo e a cabeça do fémur, assim como a cápsula coxofemoral, até a crista ilíaca foi atingida.
Mas, que foi uma coincidência de azar e sorte, lá isso foi; atendendo a similitude dos efeitos provocados por esta causa, em relações a outras que aconteceram com perigosidade idêntica noutras ocasiões.
O ter-se ficado com vida por a granada não ter rebentado, foi um factor de sorte; o estar a descansar em casa e ser atingido pelo projéctil, que causou ferimentos que provavelmente desencadearão um processo que levará à amputação da perna, isto foi um factor de azar!
Não soube como evoluiu clinicamente o caso.
Junto envio foto que na época eu tirei, no Hospital de Bissau.
Foto 4 - Granada que caiu sem explodir, dentro do Aquartelamento de Canjadude, durante uma flagelação desencadeada pelo inimigo.
Foto 5 - Míssil disparado pelo inimigo que não explodiu ao cair. Espetou-se junto ao bloco do edifício, caserna, secretaria, refeitório, armazém e cozinha, de Canjadude. Se tivesse rebentado, estas estruturas iam todas pelos ares. São visíveis estragos na cobertura da cozinha, devido a outro rebentamento!
Um abraço
José Corceiro
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(*) Vd. poste de 19 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7471: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (9): Como vejo o Natal (José Corceiro)
Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Envio este texto onde relato um episódio passado na Guiné que na altura me apiedou, que publicarão caso entendam que tem algum interesse para o blogue.
Quanto à foto que eu na época tirei, onde são visíveis os ferimentos provocados na pessoa, a mim não me choca, mas pode ferir sugestibilidades mais sensíveis de alguns. Sendo assim, publicar a foto pode não ser a opção mais curial, deixo à vossa sensibilidade a decisão de fazer o que acharem mais adequado.
Um abraço
José Corceiro
Foto 1 - Corceiro, no Hospital de Bissau, à volta com as suas escritas.
CASOS DE AZAR E SORTE (1)
Camarada ferido pelo impacto de uma granada que não explodiu
Creio não estar a errar, se afirmar que já todos nós, ao longo das nossas vidas, nos confrontámos e fomos surpreendidos por acontecimentos que se nos perspectivaram estarem a tanger e ameaçar entrar na fronteira do incrível, deixando-nos a meditar com alguma perplexidade, porque à luz duma interpretação racional tivemos dificuldade em os ajuizar numa explicação lógica que nos tranquilizasse o ego, ou que serenasse a crença de outros, para os quais essas circunstâncias poderão ter a grandeza de mistério!
Eu ao longo da minha existência tenho sido bafejado por muitos e variados casos, a raiar o limite do fenomenal, algumas vezes como espectador, outras como sujeito interveniente. O meu carácter é de compleição reservada, pois não sou pessoa de manifestar exaltação exacerbada e irreflectida, perante os acontecimentos extraordinários que tenho testemunhado e vivido, durante o percurso da minha vida. Direi que é raro expandir-me em manifestações efusivas ou admiração de entusiasmo desmedido, de forma a empolgar exageradamente os acontecimentos menos explicáveis, mas com potencial espectável que ocorram e nos quais eu possa estar envolvido, pois aceito pacificamente a “lei da probabilidade” que diz:
- Tudo aquilo que é susceptível de acontecer mais cedo ou mais tarde acontece!
Posto isto, perante os casos que se me afiguram como enigmáticos, mas com o mínimo de virtualidade provável para que sucedam, mantenho uma postura de euforia contida dominada pelo racional, visto reconhecer que há por vezes coincidências resultantes de acontecimentos concomitantes que conduzem a estes “fenómenos” menos vulgares que ocorrem, e eu admito-os como casos passíveis de acontecer!
Redigi este intróito com a finalidade de enquadrar a narração de alguns episódios que vivi na Guerra da Guiné, durante o período que lá permaneci e que a seguir vou tentar descrever. São meia dúzia de casos que teimam em permanecer mais lúcidos e vivos no meu consciente e que vou partilhar convosco, dividindo o envio em partes.
Foto 2 - Corceiro, sentado de frente lado esquerdo. Refeitório do Hospital de Bissau, Não recordo os nomes dos outros camaradas.
1.º CASO - O dia nove de Dezembro de 2010, foi editado o P7409 cujo título é: - A Granada de Morteiro que Veio Jantar. O Autor é o nosso estimado camarada, Alberto Branquinho.
Nesse poste eu deixei o seguinte comentário:
- “Não tenho a certeza que seja o mesmo caso, que o Torcato refere sobre o acidente da granada de morteiro que se alojou na coxa dum ser humano sem explodir!
Eu, durante um internamento que tive no Hospital de Bissau, foi-me permitido, por pessoa conhecida, atendendo ao inédito acontecimento, tirar umas fotos que guardo da coxa dum adulto, com os ferimentos provocados por uma granada que não deflagrou. Segundo me disseram na altura, a pessoa em questão estava na sua tabanca deitada, quando foi surpreendida com a granada que se alojou na coxa.”
Foto 3 - Tirada por mim no Hospital de Bissau. Os ferimentos da foto foram causados por uma granada que não explodiu.
(Clicar para ampliar a imagem)
Porque creio que haverá desfasamento temporal entre o acontecimento que o Torcato referiu no comentário ao P7409 e isto que eu vi e que fotografei a parte da pessoa, com ferimentos provocados por uma granada disparada que ao cair atingiu a coxa dum ser humano e não rebentou, como na altura me foi dito, afigurasse-me provável que não sejam o mesmo caso, pois entendo não haver similaridade entre os dois.
Julgo que os traumatismos visíveis na foto são de etimologia perfurocontundentes, ou seja, que poderão ser as contusões provocadas pelo impacto da granada, que ao atingir a coxa rasgou os tecidos musculares e destruiu algumas partes ósseas. As lesões parecem-me ser muito extensas para a contundência causada pelo objecto em análise, ainda que a profundidade seja a espectável que provocaria o projéctil. Pois temos que levar em linha de conta, que a contusão dependerá sempre de N factores, como seja a direcção da força que provocou os danos, outros obstáculos já ultrapassados pelo engenho, a aceleração ou desaceleração da velocidade do objecto e a posição do corpo atingido, ou seja o alvo!
Disseram-me na altura e a foto confirma-o, que não tinha sido afectado nenhum órgão vital, mas é bem visível que ficou muito lesada a complexidade dos ligamentos iliofemorais, assim como o conjunto dos diversos músculos existentes na zona do ferimento, que são muitos, tais como os glúteos, os gémeos, os adutores, o periforme, o obturador etc. Ficaram dilacerados vasos e nervos da região afectada. Foram destruídos o colo e a cabeça do fémur, assim como a cápsula coxofemoral, até a crista ilíaca foi atingida.
Mas, que foi uma coincidência de azar e sorte, lá isso foi; atendendo a similitude dos efeitos provocados por esta causa, em relações a outras que aconteceram com perigosidade idêntica noutras ocasiões.
O ter-se ficado com vida por a granada não ter rebentado, foi um factor de sorte; o estar a descansar em casa e ser atingido pelo projéctil, que causou ferimentos que provavelmente desencadearão um processo que levará à amputação da perna, isto foi um factor de azar!
Não soube como evoluiu clinicamente o caso.
Junto envio foto que na época eu tirei, no Hospital de Bissau.
Foto 4 - Granada que caiu sem explodir, dentro do Aquartelamento de Canjadude, durante uma flagelação desencadeada pelo inimigo.
Foto 5 - Míssil disparado pelo inimigo que não explodiu ao cair. Espetou-se junto ao bloco do edifício, caserna, secretaria, refeitório, armazém e cozinha, de Canjadude. Se tivesse rebentado, estas estruturas iam todas pelos ares. São visíveis estragos na cobertura da cozinha, devido a outro rebentamento!
Foto 6 - Baioa, em Canjadude, junto do míssil que não explodiu ao cair.
Um abraço
José Corceiro
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(*) Vd. poste de 19 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7471: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (9): Como vejo o Natal (José Corceiro)
Guiné 63/74 - P7677: Facebook...ando (8): Ganha força a ideia de um próximo encontro dos ex-Bedanda: Mensagens de António Teixeira, Mário Bravo e Hugo Moura Ferreira
Guiné > Região de Tombali > Bedanda (?) > s/d > Miúdos de Bedanda... Foto coloca no Mural da Tabanca Grande Luís Graça, no Facebook, por António Henrique Teixeira... Reproduzido com a devida vénia... (LG)
Foi com grande alegria que, depois de ter entrado nesta página, recebi mensajens de grandes amigos como o Mário Bravo, o Vermelho e o Vasco.
Agora que nos encontrámos, dificilmente perderemos o elo.
Acabei de telefonar ao Pinto Carvalho que concordou imediatamente em procurarmos mais pessoal para se organizar uma almoçarada com o pessoal de Bedanda.
Já temos alguma gente, mas se por acaso alguém que lá esteve e leu este poste, entre em contacto connosco.
Um grande abraço e até breve.
António Teixeira
2. O Mário Bravo, por sua vez, acrescenta:
Já enviei
mensagem para o Teixeira. Espero que este movimento de ex- Bedandas não pare,
pois o grupo parece que está a aumentar.
3. Outro camarada, que passou por Bedanda, embora noutros tempos (1967/68), o nosso camarigo da primeira hora, Hugo Moura Ferreira (Perfil no Facebook: andou na escola Liceu de Gil Vicente, em Lisboa, vive em Lisboa, é casado, e nasceu a 6 de Fevereiro de 1943; foi Alf Mil da CCAÇ 1621, Cufar e Cachil, e CCAÇ 6, Bedanda, 1966/68), apoia a iniciativa de um próximo encontro de ex-Bedandas:
Concordo em
absoluto com o Mário Bravo. Cá por mim, como Bedandense, tenho um certo orgulho
por ter passado por aquelas paragens e ter convivido com gente maravilhosa, de
cá e principalmente de lá, pelo que desejava juntar o maior numero possível de
camarigos dali.
Já tentei por várias vezes, mas tem-se tornado difícil, quer
pelo tempo necessário para tal, quer para a localização daqueles que estiveram
por lá ao longo dos anos. No meu
caso (1967/68) tenho encontrado grande dificuldade em localizar pessoal do meu
tempo.
Tenho mesmo tentado encontrar alguns Guineenses que sei viverem por cá e
até que pertenceram ao meu Grupo de Combate, o 2º, sem resultados práticos. Mas
continuo tentando, embora admita que com pouco empenho. Mas irei alterar esse
estado de coisas e darei notícias.
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Último poste desta série >
13 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7604: Facebook...ando (7): A terrível emboscada sofrida por uma coluna da CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro) e CCAÇ 2700 (Dulombi) em 1 de Outubro de 1971, às 20h30, na estrada Galomaro - Duas Fontes (Bangacia)... (António Tavares / Carlos Filipe / Juvenal Amado / Américo Estanqueiro)
Guiné 63/74 - P7676: Bibliografia (35): Ninte Kamatchol: a história da capa de um livro (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2011:
Queridos amigos,
Nunca se recupera de uma relação feliz com uma escultura que é eminentemente bela, seja qual for a sua dimensão. Havia que se encontrar um elemento sugestivo para a história de uma heroína anónima com que eu espero encantar alguns leitores. Mostrei este Ninte Kamatchol, foi aprovado por unanimidade.
É com orgulho que vos transmito a notícia, é um pouco da Guiné numa história de uma Guiné que nos precedeu.
Um abraço do
Mário
"Mulher Grande" livro de autoria de Mário Beja Santos, a lançar no próximo dia 10 de Março de 2011, pelas 18,30 na Livraria Bertrand do Chiado, Lisboa
Ninte Kamatchol: a história da capa de um livro
Beja Santos
Na então Praça do Império (hoje Praça dos Heróis Nacionais) visitei, em 29 de Julho de 1968, o Museu da Guiné. A primeira carta que enviei à minha namorada, referi que era um museu cheio de obras de grande beleza, sobretudo na escultura em madeira, panaria e artigos em couro. Lamentava a falta de referências das obras, era um ambiente soturno, abafado, não havia documentação à venda, inclusive catálogos. E dizia expressamente que a arte Nalu e arte Bijagó eram esplendorosas, sobretudo um pássaro reduzido um corpo longilíneo, harmoniosamente suportado por uma base canelada. A partir dessa data, as minhas relações com o pássaro Nalu foram constantes e de paixão controlada. Distribuí pássaros Nalus pelos amigos e familiares, quando regressei em 1970, o mesmo aconteceu nas viagens de trabalho de 1990 e 1991. Claro está, pássaros de dimensão média ou até pequena. O Ninte Kamatchol é hoje um dos símbolos da Guiné, até constou das notas de pesos, logo a seguir à independência: para além da fantasia da forma, os animistas atribuem-lhe virtudes quase miraculosas como a de afugentador dos maus espíritos, protector do lar ou da família. Como cada um é livre de ver numa obra de arte o que lhe apetece, sempre tomei o Ninte Kamatchol como a ave que transborda e transporta felicidade, é um permanente levantar voo, ele olha-nos a perscrutar o nosso humor, como se nos pedisse: põe-te bem contigo e com o mundo.
Na viagem que fiz recentemente à Guiné, tomei a decisão de mandar fazer um Ninte Kamatchol à minha medida: em posição de voo, assente numa coluna que rematasse num plinto escavado, leve, para parecer despercebido. Fiz a encomenda antes de partir para Bambadinca e recebi-o no dia da partida, ao entardecer de 1 de Dezembro, encerado, sem brilho algum.
A Mulher Grande é o título de um livro que será lançado em 10 de Março e onde a sua heroína vive uma série de peripécias entre os anos 50 e 60. Não é por acaso que o livro se intitula Mindjer Garandi. Havia que encontrar elementos sugestivos, logo confessei que nada me ocorria para um vida venturosa e aventureira de cerca de 90 anos e com facetas tão díspares. Lembrei-me então do pássaro Nalu, esse portador da felicidade, esse limpa ódios e até abençoador de cerimónias fúnebres. O Ninte Kamatchol foi recebido com entusiasmo pelos gráficos que decidiram plasmá-lo na capa, como se mostra.
Os meus confrades muito me honrarão se assistirem ao lançamento desta Mulher Grande com ilustração de Ninte Kamatchol em 10 de Março, pelas 18.30 horas, na livraria Bertrand, do Chiado. A apresentação será feita pela escritora Lídia Jorge.
OBS: - Negrito da responsabilidade do editor
____________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7659: Notas de leitura (193): Entre o Paraíso e o Inferno, de Abel Jesus Carreira Rei (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Nunca se recupera de uma relação feliz com uma escultura que é eminentemente bela, seja qual for a sua dimensão. Havia que se encontrar um elemento sugestivo para a história de uma heroína anónima com que eu espero encantar alguns leitores. Mostrei este Ninte Kamatchol, foi aprovado por unanimidade.
É com orgulho que vos transmito a notícia, é um pouco da Guiné numa história de uma Guiné que nos precedeu.
Um abraço do
Mário
"Mulher Grande" livro de autoria de Mário Beja Santos, a lançar no próximo dia 10 de Março de 2011, pelas 18,30 na Livraria Bertrand do Chiado, Lisboa
Ninte Kamatchol: a história da capa de um livro
Beja Santos
Na então Praça do Império (hoje Praça dos Heróis Nacionais) visitei, em 29 de Julho de 1968, o Museu da Guiné. A primeira carta que enviei à minha namorada, referi que era um museu cheio de obras de grande beleza, sobretudo na escultura em madeira, panaria e artigos em couro. Lamentava a falta de referências das obras, era um ambiente soturno, abafado, não havia documentação à venda, inclusive catálogos. E dizia expressamente que a arte Nalu e arte Bijagó eram esplendorosas, sobretudo um pássaro reduzido um corpo longilíneo, harmoniosamente suportado por uma base canelada. A partir dessa data, as minhas relações com o pássaro Nalu foram constantes e de paixão controlada. Distribuí pássaros Nalus pelos amigos e familiares, quando regressei em 1970, o mesmo aconteceu nas viagens de trabalho de 1990 e 1991. Claro está, pássaros de dimensão média ou até pequena. O Ninte Kamatchol é hoje um dos símbolos da Guiné, até constou das notas de pesos, logo a seguir à independência: para além da fantasia da forma, os animistas atribuem-lhe virtudes quase miraculosas como a de afugentador dos maus espíritos, protector do lar ou da família. Como cada um é livre de ver numa obra de arte o que lhe apetece, sempre tomei o Ninte Kamatchol como a ave que transborda e transporta felicidade, é um permanente levantar voo, ele olha-nos a perscrutar o nosso humor, como se nos pedisse: põe-te bem contigo e com o mundo.
Na viagem que fiz recentemente à Guiné, tomei a decisão de mandar fazer um Ninte Kamatchol à minha medida: em posição de voo, assente numa coluna que rematasse num plinto escavado, leve, para parecer despercebido. Fiz a encomenda antes de partir para Bambadinca e recebi-o no dia da partida, ao entardecer de 1 de Dezembro, encerado, sem brilho algum.
A Mulher Grande é o título de um livro que será lançado em 10 de Março e onde a sua heroína vive uma série de peripécias entre os anos 50 e 60. Não é por acaso que o livro se intitula Mindjer Garandi. Havia que encontrar elementos sugestivos, logo confessei que nada me ocorria para um vida venturosa e aventureira de cerca de 90 anos e com facetas tão díspares. Lembrei-me então do pássaro Nalu, esse portador da felicidade, esse limpa ódios e até abençoador de cerimónias fúnebres. O Ninte Kamatchol foi recebido com entusiasmo pelos gráficos que decidiram plasmá-lo na capa, como se mostra.
Os meus confrades muito me honrarão se assistirem ao lançamento desta Mulher Grande com ilustração de Ninte Kamatchol em 10 de Março, pelas 18.30 horas, na livraria Bertrand, do Chiado. A apresentação será feita pela escritora Lídia Jorge.
OBS: - Negrito da responsabilidade do editor
____________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7659: Notas de leitura (193): Entre o Paraíso e o Inferno, de Abel Jesus Carreira Rei (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P7675: Memória dos lugares (125): Aldeia Formosa (hoje, Quebo): em busca de fotos do Cherno Rachide, que morreu em 1973 (Pepito / Vasco da Gama)
Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > "Festa Fula da matança do carneiro. A figura central é o chefe religioso Cherno Rachide, que neste preciso momento acabou de sacrificar o carneiro depois de ter rezado missa". [Em segundo plano, por detrás do Cherno Rachide, com o rosto enquadrado por rectângulo a verde, vê-se o Cap Mil Vasco da Gama, comandante da CCAV 8351, Os Tigres de Cimbijã, a vermelho]
Foto (e legenda): © Vasco da Gama (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
1. Há um ano atrás, a 7 de Fevereiro de 2010, o nosso amigo Pepito mandou-nos a seguinte mensagem que depois encaminmhei para o Vasco dsa Gama
Qual é a possibilidade do autor das ditas cujas me autorizar a fazer amplicópias grandes para ass doar? Para isso preciso delas em formato menos reduzido, i.e., mais pesadas.
abraço
pepito
2. Eis a resposta do Vasco da Gama, nesse mesmo dia, e que por razões de oportunidade (ou distracção nossa...) nunca chegou a ser publicada... Mas julgo que o assunto merece ser retomado no nosso blogue. Pode ter haver mais camaradas que tenham (e queiram disponibilizar) fotos do Cherno Rachide. Aqui fica o apelo do Pepito e a generosa resposta do Vasco da Gama, o grande Tigre do Cumbijã, Cap Mil da CCAV 8351 (Cumbijã,. 1972/74). Vou pedir ao Vasco que me mande, de novo, as digitalizações das fotos (de ou com o Cherno Rachide) já publicadas e eventulamente de outras que encontre no seu álbum da Guiné, mas com maior resolução...
Queridos amigos, não precisam de me perguntar, as fotos não são minhas, são nossas, de todos nós. Tenho muito poucas fotografias da Guiné, pois para além de não ter máquina fotográfica nessa altura, curiosamente comprei ontem a minha primeira máquina, os sítios por onde andei, Cumbijã e Nhacobá, não se prestavam a grandes poses.
Recordo-me, no entanto, de estar sempre atento aos acontecimentos fora do vulgar ligados aos Homens Grandes como era o caso do Tcherno Rachide ou do General Spínola, momentos esses que já enviei para o nosso Blogue. Julgo ter ainda mais duas ou três fotografias, tenho de recorrer à minha mulher, uma ainda no Quebo com o "Califa" que era o homem mais velho de Aldeia ( dizia-se que tinha 83 anos em 1973) e penso que antigo chefe religioso, e garantidamente uma ou duas fotografias já depois de estar em definitivo no Cumbijã, onde recebi a visita do antigo chefe da Tabanca bem como do Sekuna, filho do Tcherno Rachide e que lhe sucedeu, e ainda de um Tcherno do Senegal que era irmão do Tcherno Rachide. Vou procurá-las e se tiverem interesse digam e eu enviá-las-ei de seguida.( Assim a minha mulher as encontre).
É curioso como fechando os olhos recordo toda esta gente e como gostaria de voltar a abraçar os moços que trabalhavam na minha companhia como carregadores o Umarú, o Mário e o Iaia.
Tenho uma foto dos dois primeiros e sei que o Umarú trabalhou após o 25 de Abril no porto de Bissau, pois escreveu-me em 78 ou 79 para a Figueira, andava eu por Coimbra, uma carta que andou perdida uma série de tempo. Vou enviá-las, juntamente com as outras, para que o Pepito me prometa que os encontra para que possamos conversar e, eu,chorar um pouco.
Há dias, consegui falar por telefone com um antigo guia da minha Companhia que vive no Unal! Posso adiantar que era um Balanta, protegido pelo Tcherno Rachide e hoje convertido ao islamismo. Dava uma história curiosa e vou enriquecendo os meus conhecimentos sobre o Padé, falando com um filho dele que trabalha em Coimbra e também presta apoio à Associação Humanitária Terras e Gentes do camarada José Moreira.
Tinha previsto ir à Guiné este ano! Não dá...lá estarei para o ano...(?)
Pepito, desculpa a intimidade, conta sempre comigo para o que necessites da minha modesta pessoa.
Um abraço para ti e outro para o Comandante Luís.
Vasco da Gama
__________________
Nota de L.G.:
Último poste desta série > 24 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7665: Memória dos lugares (124): As visitas 'sanitárias' do Alf Mil Médico Mário Bravo (Bedanda, Dez 1971/Mar 72): Guileje, Gadamael, Cacine
Último poste desta série > 24 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7665: Memória dos lugares (124): As visitas 'sanitárias' do Alf Mil Médico Mário Bravo (Bedanda, Dez 1971/Mar 72): Guileje, Gadamael, Cacine
Guiné 63/74 - P7674: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (4): As abelhas (Rui Silva)
1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 24 de Janeiro de 2011:
Caros Luís Graça, Vinhal, Briote, Magalhães Ribeiro e Humberto Reis:
Recebam um grande abraço e doses de energia para manter o Blogue no seu grande nível.
Aqui vai o meu trabalho (Abelhas – IV) na sequência do meu trabalho sobre “Doenças e outros problemas de saúde…”
Até sempre!
Rui Silva
2. Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA (Bissorã – Olossato – Mansoa 1965/67)
(I) Paludismo (P7012)
(II) Matacanha (P7138)
(III) Formiga “baga-baga” (P7342)
(IV) Abelhas
(V) Lepra
(VI) Doença do sono
Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.
Assim:
As 4 primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As 2 últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos - houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.
ABELHAS - IV
ABELHAS!!!... era este o grito, o grito de alerta, uma espécie de “passe palavra” em tom aflitivo. Era este o grito que fazia o pessoal da Companhia correr a sete pés e a esquecer todo o mais.
Assustava mais este grito, que o grito”Aí estão eles!” grito que acontecia no milésimo de segundo imediato a um tiro do inimigo.
O inimigo contava muitas vezes com a colaboração deste temível exército natural e assim muitas vezes fazia as emboscadas em sítio em que houvesse um enxame ali perto da passagem da tropa. Um tiro no enxame compacto, na altura da passagem da tropa, iniciava a emboscada e ao mesmo tempo o ataque desenfreado das abelhas a quem andava por ali perto.
Contava-se assim esta habilidade inimiga, pois não me lembro da minha Companhia ter sido vítima deste expediente inimigo. Não terá calhado, certamente.
Mas há histórias para contar sobre abelhas na 816…
Certa vez, vinha a Companhia de regresso ao aquartelamento de Olossato e, como sempre, extenuada, e depois de uma operação muito perto da base de Morés.
A certa altura retomamos um carreiro, já não muito longe do Olossato. O pessoal, em fila indiana, vinha com a atenção redobrada, pois vinha a ver onde o da frente punha os pés para pôr os dele também, pois assim julgava livrar-se ou defender-se melhor das minas anti-pessoais, já que naquela zona havia fama de aparecerem com frequência. Esta atenção obrigava a Companhia a deslocar-se com alguma lentidão. Chegou-se a fazer o levantamento de uma mina.
De repente, e bem perto de mim, atrás, alguém grita: ABELHAS!!!...
Foi como o tiro de pistola numa prova de 100 metros nas Olimpíadas.
Toda a gente enceta uma correria (que me fez lembrar o filme “A Revolta dos Cossacos” onde estes em frente alargada corriam para o inimigo) em direcção ao aquartelamento que já estava perto. Esqueceram-se as minas, os cuidados com emboscadas e… foi, mas, um “ver se te avias”. Nunca se chegou tão rápido ao quartel… e, nem minas nem emboscadas.
Um nativo, ao arrancar num arbusto um ramo para fazer uma rodilha para pôr as granadas de morteiro ou bazooka à cabeça, não reparou que estava ali perto um enxame, daí…
Lembro-me que um pouco depois, já no quartel, vi o “Flector” do morteiro, irreconhecível. As pálpebras de tal modo inchadas e os lábios mais grossos do que os de um nativo, aí bem dotado, a cara toda inchada, se não me dissessem que era o Flector eu julgaria que estava ali um extra-terrestre. Pelo menos um oriental bem inchado.
Mas não passou do susto… e das consequências para o “Flector”. As abelhas, parecia, que faziam pontaria a um e não mais o largavam e julga-se que o ataque tinha um efeito simpatia porque se no caminho da revolta, houvessem mais enxames, estes solidarizavam-se com as que estavam em guerra aumentando assim o efectivo da nuvem assassina.
Houve mais alguns casos com as abelhas (casos pontuais), mas tudo passava algumas horas depois e com tratamento na enfermaria.
Contaram-me, mais tarde, de um caso passado noutra Unidade, que um soldado foi vítima de tal ataque das abelhas, que praticamente o cobriram, e que ele num acto desesperado matou-se com a sua própria G3. Poderá alguém contar isto com mais pormenor?
O Martins (Fur Mil da minha Companhia), também tem uma história para contar, quando foi mordido por grande quantidade de abelhas, quando foi pôr abaixo, julgo com TNT ou qualquer outro explosivo, uma árvore de grande porte, junto ao aquartelamento de Olossato, do lado de Bissorã e perto da Tabanca do Olossato e que vinha servindo de abrigo ao inimigo sempre que este nos vinha “visitar”. O Capitão resolveu nomear um grupo para pôr abaixo aquela árvore pondo assim fim aquele escudo inimigo. Deu-se o estoiro (ouvimos na messe) e passados alguns minutos aparece-me o Martins todo sarapintado, tipo rubéola. “Foram as abelhas”, diz ele em tom desapontado. Estava lá um enxame. Dá-se o rebentamento e logo de seguida, um enxame, que até estava sossegado na árvore, sai ao ataque, e… escolhe o desafortunado Martins.
“Eh pá deves estar cheio de dores”, perguntamos logo. “Não, não me dói”.
As ferroadas eram tantas que acabaram por criar um efeito anestesiante. Terá sido assim? Os leigos diziam que sim.
Um cacho de abelhas. Foto, reproduzida da Net que pode muito bem ter sido tirada na Guiné. Nem era preciso tocar no cacho, bastava barulho inusitado.
AS ABELHAS
Abelhas (Apis mellifera) são insectos himenópteros (com 2 pares de asas membranosas) que polinizam as plantas, produzem mel … e também picadas mortais.
Há cerca de 20.000 espécies de abelhas no mundo. O seu tamanho varia de 2 mm. a 4 centímetros. Algumas são pretas ou cinzentas, mas há as de cor amarelo brilhante, vermelhas, verdes ou azuis metálicas.
Apis mellifera scutellata (abelha africana ou “assassina”) Esta era a espécie de Apis mellifera que nos consumia na Guiné o corpo e também a alma.
As abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) ou “abelhas assassinas”, são originárias do Leste da África e são mais produtivas e muito mais agressivas.
São menores e constroem alvéolos de operárias menores que as abelhas europeias. Sendo assim, suas operárias possuem um ciclo de desenvolvimento precoce (18,5 a 19 dias) em relação às europeias (21 dias), o que lhe confere vantagem na produção e na tolerância aos ácaros.
Possuem, visão mais aguçada, resposta mais rápida e eficaz ao fenómeno de alarme. Os ataques são, geralmente, em massa, persistentes e agressivos, podendo estimular a agressividade de operárias de colmeias vizinhas.
Ao contrário das europeias que armazenam muito alimento, elas convertem o alimento rapidamente em cria, aumentando a população e liberando vários enxames reprodutivos.
Migram facilmente se a competição for alta ou se as condições ambientais não forem favoráveis.
Essas características têm uma variabilidade genética muito grande e são influenciadas por factores ambientais internos e externos.
O ferrão da abelha, que se situa na extremidade posterior do abdómen da abelha fêmea, é um sistema complexo compreendendo uma parte glandular, na qual se produz o veneno, e uma estrutura quitinosa e muscular, que serve par ejecção do veneno e profusão e introdução do ferrão. Apresenta rebarbas na sua superfície que dificultam sua saída, de tal sorte que, após a ferroada, todo o sistema é destacado, permanecendo na vítima. E a abelha morre logo a seguir. Geralmente, a profundidade de inserção é de 2 a 3 milímetros. No local movimentos reflexos de sua estrutura muscular fazem com que o ferrão se introduza cada vez mais.
Na rainha, as farpas do ferrão são menos desenvolvidas que nas operárias e a musculatura ligada ao ferrão é bem forte para que a rainha não o perca após utilizá-lo.
MORFOLOGIA e BIOLOGIA das ABELHAS (Apis mellifera)
(Extraido com a devida vénia do site “sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br”)
Aspectos morfológicos das Abelhas (Apis melllifera)
As abelhas, como os demais insectos, apresentam um esqueleto externo chamado exoesqueleto.
Constituído de quitina, o exoesqueleto fornece proteção para os orgãos internos e sustentação para os músculos, além de proteger o inseto contra a perda de água. O corpo é dividido em três partes: cabeça, tórax e abdómen (fig. 1). A seguir, serão descritas resumidamente cada uma dessas partes, destacando-se aquelas que apresentam maior importância para o desempenho das diversas atividades das abelhas.
Cabeça
Na cabeça, estão localizados os olhos -simples e compostos- as antenas, o aparelho bucal (fig. 2) e, internamente, as glândulas.
Os olhos compostos são dois grandes olhos localizados na parte lateral da cabeça. São formados por estruturas menores denominadas omatídeos, cujo numero varia de acordo com a casta, sendo bem mais numerosos nos zangões do que em operárias e rainhas. Possuem função de percepção de luz, cores e movimentos. As abelhas não conseguem perceber a cor vermelha, mas podem perceber ultra-violeta, azul, verde, amarelo e laranja.
Os olhos simples ou ocelos são estruturas menores, em número de três localizadas na região frontal da cabeça formando um triângulo. Não formam imagens. Têm como função detetar a intensidade luminosa.
As antenas, em número de duas, são localizadas na parte frontal mediana da cabeça. Nas antenas encontram-se estruturas para o olfato, tato e audição. O olfacto é realizado por meio das cavidades olfativas, que existem em número bastante superior nos zangões, quando comparados com as operárias e rainhas. Isso se deve à necessidade que os zangões têm de perceber o odor da rainha durante o voo nupcial.
A presença de pêlos sensoriais na cabeça serve para a perceção das correntes de ar e protegem contra a poeira e água.
O aparelho bucal é composto por duas mandíbulas e a língua ou glossa. As mandíbulas são estruturas fortes, utilizadas para cortar e manipular cera, própolis e pólen. Servem também para alimentar as larvas, limpar os favos, retirar abelhas mortas do interior da colmeia e na defesa. A língua é uma peça bastante flexível coberta de pêlos, utilizada na coleta e transferência de alimento, na desidratação do néctar e na evaporação da água quando se torna necessário controlar a temperatura da colmeia.
No interior da cabeça encontram-se as glândulas hipofaringeanas, que têm por função a produção da geleia real, as glândulas salivares que podem estar envolvidas no processamento do alimento e as glândulas mandibulares que estão relacionadas à produção de geleia real e feromônio de alarme (fig. 3).
Tórax
No tórax destacam-se os órgãos locomotores – pernas e asas (fig. 1)- e a presença de grande quantidade de pêlos, que possuem importante função na fixação dos grãos de pólen quando as abelhas entram em contacto com as flores.
As abelhas, como os demais insetos, apresentam 3 pares de pernas As pernas posteriores das operárias são adaptadas para o transporte de pólen e resinas. Para isso, possuem cavidades chamadas curvículas, nas quais são depositadas as cargas de pólen ou resinas para serem transportadas até a colmeia. Além da função de locomoção, as pernas auxiliam também na manipulação da cera e própolis, na limpeza das antenas, das asas e do corpo e no agrupamento das abelhas quando formam “cachos”.
As abelhas possuem dois pares de asas de estrutura membranosa que possibilitam o voo a uma velocidade média de 24 Km/h
No tórax, também são encontrados espiráculos, que são órgãos de respiração, o esófago, que é parte do sistema digestivo e glândulas salivares envolvidas no processamento do alimento.
Abdómen
O abdómen é formado por segmentos unidos por membranas bastante flexíveis que facilitam o movimento do mesmo. Nesta parte do corpo, encontram-se órgãos do aparelho digestivo, circulatório, reprodutor, excretor, órgãos de defesa e glândulas produtoras de cera (fig. 3).
No aparelho digestivo, destaca-se o papo ou vesícula nectarífera, que é o órgão responsável pelo transporte de água e néctar e auxilia na formação do mel. O papo possui grande capacidade de expansão e ocupa quase toda a cavidade abdominal quando está cheio. O seu conteúdo pode ser regurgitado pela contração da musculatura.
Existem quatro glândulas produtoras de cera (ceríferas), localizadas na parte ventral do abdómen das abelhas operárias. A cera segregada pelas glândulas se solidifica em contacto com o ar, formando escamas ou placas que são retiradas e manipuladas para a construção dos favos com auxílio das pernas e das mandíbulas.
No final do abdómen, encontra-se o órgão de defesa das abelhas -o ferrão- presentes apenas nas operárias e rainhas. O ferrão é constituído por um estilete usado na perfuração e duas lancetas que possuem farpas que prendem o ferrão na superfície ferroada, dificultando sua retirada. O ferrão é ligado a uma pequena bolsa onde o veneno fica armazenado. Essas estruturas são movidas por músculos que auxiliam a introdução do ferrão e injeção do veneno. As contrações musculares da bolsa de veneno permitem que o veneno continue sendo injectado mesmo depois da saída da abelha. Desse modo, quanto mais depressa o ferrão for removido, menor será a quantidade de veneno injectada. Recomenda-se que o ferrão seja removido pela base, utilizando-se uma lâmina ou a própria unha, evitando-se pressioná-lo com os dedos para não injetar uma maior quantidade de veneno. Como, na maioria das vezes, o ferrão fica preso na superfície picada, quando a abelha tenta voar ou sair do local após a ferroada, ocorre uma rotura de seu abdómen e consequente morte. Na rainha, as farpas do ferrão são menos desenvolvidas que nas operárias e a musculatura ligada ao ferrão é bem forte para que a rainha não o perca após utilizá-lo.
Segue: Lepra - V
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)
Caros Luís Graça, Vinhal, Briote, Magalhães Ribeiro e Humberto Reis:
Recebam um grande abraço e doses de energia para manter o Blogue no seu grande nível.
Aqui vai o meu trabalho (Abelhas – IV) na sequência do meu trabalho sobre “Doenças e outros problemas de saúde…”
Até sempre!
Rui Silva
2. Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA (Bissorã – Olossato – Mansoa 1965/67)
(I) Paludismo (P7012)
(II) Matacanha (P7138)
(III) Formiga “baga-baga” (P7342)
(IV) Abelhas
(V) Lepra
(VI) Doença do sono
Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.
Assim:
As 4 primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As 2 últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos - houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.
ABELHAS - IV
ABELHAS!!!... era este o grito, o grito de alerta, uma espécie de “passe palavra” em tom aflitivo. Era este o grito que fazia o pessoal da Companhia correr a sete pés e a esquecer todo o mais.
Assustava mais este grito, que o grito”Aí estão eles!” grito que acontecia no milésimo de segundo imediato a um tiro do inimigo.
O inimigo contava muitas vezes com a colaboração deste temível exército natural e assim muitas vezes fazia as emboscadas em sítio em que houvesse um enxame ali perto da passagem da tropa. Um tiro no enxame compacto, na altura da passagem da tropa, iniciava a emboscada e ao mesmo tempo o ataque desenfreado das abelhas a quem andava por ali perto.
Contava-se assim esta habilidade inimiga, pois não me lembro da minha Companhia ter sido vítima deste expediente inimigo. Não terá calhado, certamente.
Mas há histórias para contar sobre abelhas na 816…
Certa vez, vinha a Companhia de regresso ao aquartelamento de Olossato e, como sempre, extenuada, e depois de uma operação muito perto da base de Morés.
A certa altura retomamos um carreiro, já não muito longe do Olossato. O pessoal, em fila indiana, vinha com a atenção redobrada, pois vinha a ver onde o da frente punha os pés para pôr os dele também, pois assim julgava livrar-se ou defender-se melhor das minas anti-pessoais, já que naquela zona havia fama de aparecerem com frequência. Esta atenção obrigava a Companhia a deslocar-se com alguma lentidão. Chegou-se a fazer o levantamento de uma mina.
De repente, e bem perto de mim, atrás, alguém grita: ABELHAS!!!...
Foi como o tiro de pistola numa prova de 100 metros nas Olimpíadas.
Toda a gente enceta uma correria (que me fez lembrar o filme “A Revolta dos Cossacos” onde estes em frente alargada corriam para o inimigo) em direcção ao aquartelamento que já estava perto. Esqueceram-se as minas, os cuidados com emboscadas e… foi, mas, um “ver se te avias”. Nunca se chegou tão rápido ao quartel… e, nem minas nem emboscadas.
Um nativo, ao arrancar num arbusto um ramo para fazer uma rodilha para pôr as granadas de morteiro ou bazooka à cabeça, não reparou que estava ali perto um enxame, daí…
Lembro-me que um pouco depois, já no quartel, vi o “Flector” do morteiro, irreconhecível. As pálpebras de tal modo inchadas e os lábios mais grossos do que os de um nativo, aí bem dotado, a cara toda inchada, se não me dissessem que era o Flector eu julgaria que estava ali um extra-terrestre. Pelo menos um oriental bem inchado.
Mas não passou do susto… e das consequências para o “Flector”. As abelhas, parecia, que faziam pontaria a um e não mais o largavam e julga-se que o ataque tinha um efeito simpatia porque se no caminho da revolta, houvessem mais enxames, estes solidarizavam-se com as que estavam em guerra aumentando assim o efectivo da nuvem assassina.
Houve mais alguns casos com as abelhas (casos pontuais), mas tudo passava algumas horas depois e com tratamento na enfermaria.
Contaram-me, mais tarde, de um caso passado noutra Unidade, que um soldado foi vítima de tal ataque das abelhas, que praticamente o cobriram, e que ele num acto desesperado matou-se com a sua própria G3. Poderá alguém contar isto com mais pormenor?
O Martins (Fur Mil da minha Companhia), também tem uma história para contar, quando foi mordido por grande quantidade de abelhas, quando foi pôr abaixo, julgo com TNT ou qualquer outro explosivo, uma árvore de grande porte, junto ao aquartelamento de Olossato, do lado de Bissorã e perto da Tabanca do Olossato e que vinha servindo de abrigo ao inimigo sempre que este nos vinha “visitar”. O Capitão resolveu nomear um grupo para pôr abaixo aquela árvore pondo assim fim aquele escudo inimigo. Deu-se o estoiro (ouvimos na messe) e passados alguns minutos aparece-me o Martins todo sarapintado, tipo rubéola. “Foram as abelhas”, diz ele em tom desapontado. Estava lá um enxame. Dá-se o rebentamento e logo de seguida, um enxame, que até estava sossegado na árvore, sai ao ataque, e… escolhe o desafortunado Martins.
“Eh pá deves estar cheio de dores”, perguntamos logo. “Não, não me dói”.
As ferroadas eram tantas que acabaram por criar um efeito anestesiante. Terá sido assim? Os leigos diziam que sim.
Um cacho de abelhas. Foto, reproduzida da Net que pode muito bem ter sido tirada na Guiné. Nem era preciso tocar no cacho, bastava barulho inusitado.
AS ABELHAS
Abelhas (Apis mellifera) são insectos himenópteros (com 2 pares de asas membranosas) que polinizam as plantas, produzem mel … e também picadas mortais.
Há cerca de 20.000 espécies de abelhas no mundo. O seu tamanho varia de 2 mm. a 4 centímetros. Algumas são pretas ou cinzentas, mas há as de cor amarelo brilhante, vermelhas, verdes ou azuis metálicas.
Apis mellifera scutellata (abelha africana ou “assassina”) Esta era a espécie de Apis mellifera que nos consumia na Guiné o corpo e também a alma.
As abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) ou “abelhas assassinas”, são originárias do Leste da África e são mais produtivas e muito mais agressivas.
São menores e constroem alvéolos de operárias menores que as abelhas europeias. Sendo assim, suas operárias possuem um ciclo de desenvolvimento precoce (18,5 a 19 dias) em relação às europeias (21 dias), o que lhe confere vantagem na produção e na tolerância aos ácaros.
Possuem, visão mais aguçada, resposta mais rápida e eficaz ao fenómeno de alarme. Os ataques são, geralmente, em massa, persistentes e agressivos, podendo estimular a agressividade de operárias de colmeias vizinhas.
Ao contrário das europeias que armazenam muito alimento, elas convertem o alimento rapidamente em cria, aumentando a população e liberando vários enxames reprodutivos.
Migram facilmente se a competição for alta ou se as condições ambientais não forem favoráveis.
Essas características têm uma variabilidade genética muito grande e são influenciadas por factores ambientais internos e externos.
O ferrão da abelha, que se situa na extremidade posterior do abdómen da abelha fêmea, é um sistema complexo compreendendo uma parte glandular, na qual se produz o veneno, e uma estrutura quitinosa e muscular, que serve par ejecção do veneno e profusão e introdução do ferrão. Apresenta rebarbas na sua superfície que dificultam sua saída, de tal sorte que, após a ferroada, todo o sistema é destacado, permanecendo na vítima. E a abelha morre logo a seguir. Geralmente, a profundidade de inserção é de 2 a 3 milímetros. No local movimentos reflexos de sua estrutura muscular fazem com que o ferrão se introduza cada vez mais.
Na rainha, as farpas do ferrão são menos desenvolvidas que nas operárias e a musculatura ligada ao ferrão é bem forte para que a rainha não o perca após utilizá-lo.
MORFOLOGIA e BIOLOGIA das ABELHAS (Apis mellifera)
(Extraido com a devida vénia do site “sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br”)
Aspectos morfológicos das Abelhas (Apis melllifera)
As abelhas, como os demais insectos, apresentam um esqueleto externo chamado exoesqueleto.
Constituído de quitina, o exoesqueleto fornece proteção para os orgãos internos e sustentação para os músculos, além de proteger o inseto contra a perda de água. O corpo é dividido em três partes: cabeça, tórax e abdómen (fig. 1). A seguir, serão descritas resumidamente cada uma dessas partes, destacando-se aquelas que apresentam maior importância para o desempenho das diversas atividades das abelhas.
Fig. 1 - Aspectos da morfologia externa da Apis mellifera
Cabeça
Na cabeça, estão localizados os olhos -simples e compostos- as antenas, o aparelho bucal (fig. 2) e, internamente, as glândulas.
Os olhos compostos são dois grandes olhos localizados na parte lateral da cabeça. São formados por estruturas menores denominadas omatídeos, cujo numero varia de acordo com a casta, sendo bem mais numerosos nos zangões do que em operárias e rainhas. Possuem função de percepção de luz, cores e movimentos. As abelhas não conseguem perceber a cor vermelha, mas podem perceber ultra-violeta, azul, verde, amarelo e laranja.
Fig. 2- Aspectos da morfologia externa da cabeça da operária de Apis mellifera
Os olhos simples ou ocelos são estruturas menores, em número de três localizadas na região frontal da cabeça formando um triângulo. Não formam imagens. Têm como função detetar a intensidade luminosa.
As antenas, em número de duas, são localizadas na parte frontal mediana da cabeça. Nas antenas encontram-se estruturas para o olfato, tato e audição. O olfacto é realizado por meio das cavidades olfativas, que existem em número bastante superior nos zangões, quando comparados com as operárias e rainhas. Isso se deve à necessidade que os zangões têm de perceber o odor da rainha durante o voo nupcial.
A presença de pêlos sensoriais na cabeça serve para a perceção das correntes de ar e protegem contra a poeira e água.
O aparelho bucal é composto por duas mandíbulas e a língua ou glossa. As mandíbulas são estruturas fortes, utilizadas para cortar e manipular cera, própolis e pólen. Servem também para alimentar as larvas, limpar os favos, retirar abelhas mortas do interior da colmeia e na defesa. A língua é uma peça bastante flexível coberta de pêlos, utilizada na coleta e transferência de alimento, na desidratação do néctar e na evaporação da água quando se torna necessário controlar a temperatura da colmeia.
No interior da cabeça encontram-se as glândulas hipofaringeanas, que têm por função a produção da geleia real, as glândulas salivares que podem estar envolvidas no processamento do alimento e as glândulas mandibulares que estão relacionadas à produção de geleia real e feromônio de alarme (fig. 3).
Fig. 3 – Aspecto da anatomia internada operária Apis mellifera
Tórax
No tórax destacam-se os órgãos locomotores – pernas e asas (fig. 1)- e a presença de grande quantidade de pêlos, que possuem importante função na fixação dos grãos de pólen quando as abelhas entram em contacto com as flores.
As abelhas, como os demais insetos, apresentam 3 pares de pernas As pernas posteriores das operárias são adaptadas para o transporte de pólen e resinas. Para isso, possuem cavidades chamadas curvículas, nas quais são depositadas as cargas de pólen ou resinas para serem transportadas até a colmeia. Além da função de locomoção, as pernas auxiliam também na manipulação da cera e própolis, na limpeza das antenas, das asas e do corpo e no agrupamento das abelhas quando formam “cachos”.
As abelhas possuem dois pares de asas de estrutura membranosa que possibilitam o voo a uma velocidade média de 24 Km/h
No tórax, também são encontrados espiráculos, que são órgãos de respiração, o esófago, que é parte do sistema digestivo e glândulas salivares envolvidas no processamento do alimento.
Abdómen
O abdómen é formado por segmentos unidos por membranas bastante flexíveis que facilitam o movimento do mesmo. Nesta parte do corpo, encontram-se órgãos do aparelho digestivo, circulatório, reprodutor, excretor, órgãos de defesa e glândulas produtoras de cera (fig. 3).
No aparelho digestivo, destaca-se o papo ou vesícula nectarífera, que é o órgão responsável pelo transporte de água e néctar e auxilia na formação do mel. O papo possui grande capacidade de expansão e ocupa quase toda a cavidade abdominal quando está cheio. O seu conteúdo pode ser regurgitado pela contração da musculatura.
Existem quatro glândulas produtoras de cera (ceríferas), localizadas na parte ventral do abdómen das abelhas operárias. A cera segregada pelas glândulas se solidifica em contacto com o ar, formando escamas ou placas que são retiradas e manipuladas para a construção dos favos com auxílio das pernas e das mandíbulas.
No final do abdómen, encontra-se o órgão de defesa das abelhas -o ferrão- presentes apenas nas operárias e rainhas. O ferrão é constituído por um estilete usado na perfuração e duas lancetas que possuem farpas que prendem o ferrão na superfície ferroada, dificultando sua retirada. O ferrão é ligado a uma pequena bolsa onde o veneno fica armazenado. Essas estruturas são movidas por músculos que auxiliam a introdução do ferrão e injeção do veneno. As contrações musculares da bolsa de veneno permitem que o veneno continue sendo injectado mesmo depois da saída da abelha. Desse modo, quanto mais depressa o ferrão for removido, menor será a quantidade de veneno injectada. Recomenda-se que o ferrão seja removido pela base, utilizando-se uma lâmina ou a própria unha, evitando-se pressioná-lo com os dedos para não injetar uma maior quantidade de veneno. Como, na maioria das vezes, o ferrão fica preso na superfície picada, quando a abelha tenta voar ou sair do local após a ferroada, ocorre uma rotura de seu abdómen e consequente morte. Na rainha, as farpas do ferrão são menos desenvolvidas que nas operárias e a musculatura ligada ao ferrão é bem forte para que a rainha não o perca após utilizá-lo.
Segue: Lepra - V
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)
Guiné 63/74 - P7673: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (49): Na Kontra Ka Kontra: 13.º episódio
1. Décimo terceiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 25 de Janeiro de 2011:
NA KONTRA
KA KONTRA
13º EPISÓDIO
E quando todos se apressavam a molhar os bocados de bolacha no delicioso molho feito pelo “legionário”, o Alferes abre o seu jogo:
- Rapazes, embora eu não coma pão às refeições, também tenho sentido a sua falta, mas mais por vós, resolvi que vai haver pão. Hoje mesmo vou falar com o João Sanhá sobre isso.
- F… meu Alferes, como é que o João vai arranjar pão?
- Calma, muita calma, Dionildo. Vou pedir-lhe que me arranje barro. Nas palhotas é sempre aplicado muito barro e portanto deve haver muito por aí.
- F… pão, barro, o João, o meu Alferes deve estar a ficar apanhado pelo clima, e muito…
- Se houver barro, amanhã tu e mais dois camaradas amassam uma porção e eu próprio irei fazer um forno. Com este clima e se tudo correr bem, no dia seguinte deve estar seco e passa-se a fazer pão.
Acabado o jantar, os homens um tanto incrédulos com a estória do forno, mantêm-se à mesa a conversar uns com os outros sonhando com a possibilidade de virem a ter pão fresco todos os dias. O nosso Alferes dirige-se rapidamente até ao ponto de encontro do pessoal, no “bentem” debaixo do mangueiro, onde já estava o João e alguns milícias.
- Boa noite.
- Boa noite, responderam todos ao mesmo tempo.
Não havia pressa em abordar o assunto do barro, desde que o João não quisesse ir deitar-se. Assim, ainda conversaram sobre o som de timbre metálico, como de uma campainha, que vinha de cima do mangueiro. Tratava-se, como o João explicou, do som produzido pelos machos dos morcegos frutívoros, que o produziam para atrair as fêmeas. O Alferes, que à noite andava sempre com uma lanterna, facilmente iluminou um dos morcegos pendurado num ramo, de cabeça para baixo, vendo-se perfeitamente o mexer dos seus lábios ao produzir o tal som estridente.
Mas antes que o João se fosse deitar o nosso Alferes vai direito ao assunto principal dessa noite:
- João, pretendo fazer um forno para cozer pão. Para isso preciso de barro. Consegue-se arranjar?
Perante a admiração do Alferes o João apressou-se a dizer:
- Há barro em qualquer sítio da tabanca. É só escolher o local e com uma pequena escavação consegue-se o que se quiser e amassa-se logo aí.
- Certo João, já tenho alguns camaradas para tratarem do barro. A construção do forno será comigo. Amanhã cedo tornamos a falar.
Depois de uma noite bem passada, não deixando de sonhar, pelo menos acordado, com a sua Asmau, apressa-se a que o “legionário” lhe sirva o café com leite que, apesar de ser em pó dava uma bebida muito aceitável, naquele cu de Judas.
O João apareceu e, juntamente com os homens encarregados de preparar o barro, foram escolher o local. Teria que ser um pouco afastado de qualquer morança para as fogueiras que se iriam fazer não as porem em perigo.
Ficou-se a saber que em qualquer local onde se escavasse dava barro. Escolheu-se o sítio e, em pouco tempo, estavam os homens a pisar o barro. Os aguadeiros iam providenciando que não faltasse água para o amassar. Todas as pequenas pedras que eram pressentidas com os pés eram retiradas pois, sendo de um material diferente, podiam vir a contribuir para o aparecimento de fissuras quando da secagem da obra.
O Alferes Magalhães tinha alguns conhecimentos destas construções, ligados ao curso de Arquitectura que tinha interrompido. Por isso, e porque em criança tinha feito pequenos fornos de barro para brincar, pensa moldar todo o forno nesse material. O João e também outros milícias tinham-se juntado para assistir ao acontecimento. Sugerem que se façam primeiro uns tijolos para os utilizar depois de secos ao sol. Esse processo iria atrasar a construção mas foi logo aceite pelo Alferes. Ao fim da manhã já estavam umas dúzias de tijolos a secar ao sol e feita a base do forno.
Depois da sesta o Alferes verificou que os tijolos já tinham a consistência necessária para o trabalho, pelo que rapidamente iniciou a construção. Com cerca de um metro de diâmetro pelo interior, ao fim da tarde estava pronto. Foi capeado e alisado à mão com uma aguada de barro o que lhe deu um ar de construção profissional.
O forno para fazer pão.
Começa a anoitecer pelo que o nosso Alferes, dado o esforço desenvolvido, sente necessidade de ir tomar um banho à fonte. Vai à sua morança, pega na toalha e na caixa do sabonete e vai carreiro abaixo. Ao sair do “arame” vê um vulto caminhar em sentido contrário. Cansado como estava só se apercebe de quem é, quando se cruzam.
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7667: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (48): Na Kontra Ka Kontra: 12.º episódio
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