Caros Editores
Junto a história "Tony - O Lisboeta", para incluir nas "Memórias boas da minha guerra".
É mais uma daquele tempo - há mais de 40 anos - que hoje, possivelmente, não teria a mesma importância. Mas, para nós teve, e são esses tempos que estamos a reviver.
Um abraço do
Silva
Memórias boas da minha guerra (10)
Tony, o lisboeta
Chamava-se António Martins mas gostava que o tratassem por Tony e de preferência ainda, por Tony Quin. A verdade é que, além de ter alguma semelhança física com este actor, ele evidenciava-se a imitar "Zorba, O Grego", a dançar.
Deu nas vistas logo que chegou a Gaia, ao RASP, para a formação do BART 1913. Tinha aspecto bem cuidado, vestia muito bem, caminhava muito direitinho e executava gestos moderados e muito seguros. Enfim, naqueles anos sessenta, fugia um pouco àquela bandalheira reinante. Salientou-se, ainda, porque entre aquela maralha toda do norte, ele falava um pouco diferente. Exibia muito aqueles galicismos próprios duma capital pretensiosa e seguidora de outras modas, tidas como mais avançadas. Levou um tempito a recuperar. Quando dizia que queria ir ao “rês–tô-ran”, lá tínhamos que lhe explicar que em Portugal não havia disso, mas sim Restaurantes, Tascos, Tasquinhas, Tabernas e Adegas. Falava em “friu”, ”riu”, “uma ganda t’são na .picha”, etc, etc., mas, rapidamente, verificou que ser português não é o mesmo que ser lisboeta e para ser aceite plenamente como português, teria que se corrigir.
Logo nos primeiros dias desta concentração em Gaia (Janeiro 1967), ao entrar no Quartel, já um pouco atrasado, vi um grupo de militares na cavaqueira, ao sol, por detrás da casa da guarda. Parei quando ouvi:
- Tens razão, esse Silva é um gajo porreiro. Estive com ele na recruta em Espinho, e era só brincadeira”. E logo adiante alguém insinuou:
- Anda aí um lisboeta que eu não sei bem para que lado é que ele cai. E o Tripeiro acrescentou:
- Eu sei, é um que anda vestidinho como o Carlinhos da Sé.
Ora, o Chiquitita, do Concelho de Vila Verde, meteu também a sua colherada :
- Tais tão enganadinhos, morcoins! Foi então que o Matosinhos retorquiu:
- Ouve lá oh manca-mulas, que vens de trás do cu da burra, que é que percebes do assunto? O Chiquitita não se ficou:
-Bós tendes a mania que sondes da cidade mas nestas cousas sei munto bem quando o gado é de cobriçon e aquele num m’ingana.
Viana do Castelo > Centro histórico > Praça da República
Foto de Carlos Vinhal (2010)Em Viana do Castelo, uns dias antes de partirmos para a Guiné, quando dávamos a voltita pela cidade, depois do jantar, passávamos junto à casa das meninas e parávamos diante da porta aberta. Alguém gritava:
- Ó senhora Maria, que material tem hoje? E, de lá do cimo da escadaria interior, surgia uma idosa que se virava para o lado e dizia:
- Ó rapariga, mostra aí alguma coisa. Ao que ela correspondia erguendo uma perna e mostrando parte do avantajado presunto. E, como sempre, reclamávamos da má qualidade do material. Um dia, a velhota acabou por nos dizer:
- Já percebi, vejam se me trazem um gajo para aqui, porque já há mais gente a querer disso.
À mesma hora, costumava andar o Tony ali para os lados da Areosa, na estrada para Caminha e Valença, logo a seguir a Viana do Castelo, a seduzir uma jovem. Contava ele que ela tinha oito irmãos mais novos e que, sempre que estava à porta a acompanhar a rapariga, eles vinham por ordem decrescente, em fila de pirilau, desejar as boas noites ao Senhor Tony de Lisboa. Confessou-me também que já tinha problemas de consciência, nesta relação fortuita, uma vez que se tratava de uma família de tradições muito respeitáveis e que, lá por Lisboa, não fora habituado a nada disto.
Foi então que nos lembrámos de o incluir num “inventado” convite de umas jovens de primeira, onde iríamos fazer um belo serão (quase de despedida). O Tony ficou entusiasmado, foi ao seu guarda-roupa, cuidadosamente destinado a uma longa estadia num país tropical e sacou um lindo fato branco/creme que, com os óculos “Ray-Ban”, lhe ficavam a matar.
Dirigímo-nos para a casa da D. Maria, onde, assim lhe dissemos, seria o tal “serão” de despedida. Como a porta já estava aberta e ele se apresentava como a estrela cintilante, foi fácil convencê-lo a subir a escadaria à frente do grupo. Ao mesmo tempo que a senhora aparecia, o Mendonça gritou:
- Dona Maria, aqui está a sua encomenda. Ela respondeu, acenando para o Tony:
- Anda daí minha beleza, temos muito que conversar.
A explosão de riso foi geral. O Tony, apercebendo-se da marosca, galga os degraus, a fugir e a gritar:
- Matarroanos! Matarroanos! Vocês é que precisam de quem vos “enrasque”, seus filhos de p...
Apesar do Vieira não se segurar de pé a rir, o Tony, como era um gajo porreiro, foi quem mais gozou com esta tramóia.
Seguidamente, lá fomos enfiar umas "cargas etílicas", na Cervejaria Central, para cimentar a nossa excelente e duradoira camaradagem
Silva da Cart 1689
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 13 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7609: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (6): O Valente era mesmo valente
Vd. último poste da série de 5 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7555: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (9): Piteira - O Rânger do Alentejo
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