sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7689: Notas de leitura (194): Ordem Para Matar, de Queba Sambu (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Ou o Tenente-Coronel Queba Sambu diz a clara certidão da verdade ou é um dos maiores pantomineiros da história. Temos aqui, tintim por tintim, nomes, datas e embustes, prisões, homicídios, cenas que imitam a CIA e o KGB, ou então é puro delírio, trata-se de terrorismo de Estado, ou anda muita gente a assobiar para o lado. Não se pode ficar indiferente a este relato amplamente documentado se bem que o livro, por falta de revisão, chega a ser caótico no português e nas nomenclaturas.
Se algum dos confrades conhecer o contraditório destas acusações e denúncias, por favor, ajude-nos.

Um abraço do
Mário


Episódios de terror e despotismo nos tempos de Luís Cabral e Nino Vieira

Beja Santos

“Ordem para Matar, dos fuzilamentos ao caso das bombas da Embaixada da Guiné”, escrito pelo Tenente-Coronel Queba Sambu (Edições Referendo, 1989) é uma leitura indispensável para quem quiser entender as práticas de sanha demencial do poder despótico que se exerceu ao mais alto nível, depois da independência. O seu autor foi um chefe de serviços secretos, especialista em contra-informação. Quadro do PAIGC desde os anos de luta armada, mereceu a confiança dos dois primeiros presidentes da República e acompanhou de perto actos de puro terror e pôde presenciar as manifestações mais repugnantes do poder totalitário destes dois dirigentes. O que se estranha é não ver esta obra discutida ou contraditada, parece haver vontade de a tapar com um manto diáfano da incomodidade, como se não fosse politicamente correcto dissecar os desmandos e a bestialidade do poder autocrático, tal como ele foi exercido por homens que se diziam seguidores do pensamento de Amílcar Cabral. É tal a riqueza de informação deste libelo de Queba Sambu, que o iremos repartir para ter acesso a informação raramente versada.

O autor inicia o seu trabalho com um “breve historial da luta nacional de libertação” inserindo o seu próprio protagonismo. Passa-se adiante tudo quanto ele escreve sobre o fenómeno da descolonização e está seguramente documentado e é hoje incontestável. Educado numa missão católica em Catió, Sambu estagiou na União Soviética e daqui voltou para a região Sul, ficando às ordens do comando de Gan-Tchombê, na região de Cubisseco, em 1970. Relata pormenorizadamente o apoio que recebeu dos “padres italianos”. De Catió fugiu para as zonas libertadas. Por determinação do comando dos serviços de segurança do PAIGC foi transferido para colaborador do comandante de segurança do sector de Tombali, em 1971. Em 1973 voltou à URSS para estagiar e mais tarde foi nomeado comandante do comando de Gan-Tchombê. Descreve a Operação Mar Verde, o assassinato de Amílcar Cabral e a ofensiva de 1973. O episódio mais interessante deste depoimento tem a ver com a retaliação que o PAIGC perpetrou com um plano para assassinar Spínola em Bubaque, em retaliação pela morte de Amílcar Cabral. Ele refere que foram destacados Agostinho Pereira e Marcos da Silva para preparar o plano do atentado, a operação não se consumou por nunca terem chegado botes de desembarque equipados com motores potentes.

A seguir ao 25 de Abril, descreve as conversações entre o PAIGC e as autoridades portuguesas e depois detalha as suas novas missões no aparelho de Estado. O PAIGC, mal chegado a Bissau, pôs em movimento uma nova máquina de segurança, prevendo um inimigo interno, que convinha vigiar e reprimir, montou uma máquina de investigações secretas susceptível de policiar todos os opositores incluindo a FLING. Observa o agravamento das condições de vida da população, os protestos mal dissimulados contra a polémica questão da unidade Guiné/Cabo Verde e as críticas feitas a Luís Cabral sobre a situação ruinosa para onde descambava o país. Para Queba Sambu, a equipa governativa deu prioridade aos burocratas e desagregou-se a confiança no PAIGC. Necessitando, nessa conjuntura, de exibir um culpado, a culpa partidária implantou um regime de terror, começando pelos ex-comandos africanos.

Para Queba Sambu, desde 1974 que se preparava um pretexto para fuzilar os ex-comandos, a começar pelos mais influentes. Estes começaram a fugir para o Senegal e daqui foram recambiados e entregues às forças de repressão. A dar fé aos argumentos utilizados, iam-se igualmente desenvolvendo antagonismos de forças nacionalistas, interiores e exteriores, bem implantadas nas estruturas da função pública. Apareceram organizações de oposição ao PAIGC como a OANG – Organização Anticolonialista da Guiné-Bissau que se opunha à unidade federalista Guiné/Cabo Verde e que pretendia erradicar o chamado “neocolonialismo cabo-verdiano da Guiné”. A segurança actuou, prendeu, torturou e fuzilou. Queba Sambu descreve como se processou a perseguição aos ex-comandos, como foram presos os dissidentes do PAIGC e como foram organizados espectáculos públicos de fuzilamentos.

No início de 1977, por se ter recusado a cumprir ordens do secretário-geral da Segurança, Sambu foi designado para a Escola da Polícia Nacional e Ordem Pública. Volta a fazer curso na União Soviética e é num contexto de uma progressiva degradação económica, em 1980, que se monta o cenário que leva ao golpe de 14 de Novembro, traduzido no afastamento e até prisão dos dirigentes cabo-verdianos e à criação de um conselho da revolução tendo Nino à frente, numa altura em que Luís Cabral estava detido na fortaleza da Amura.

O golpe de Estado, trouxe expectativas a vários movimentos contestatários, incluindo a FLING. É esse um dos aspectos mais válidos da descrição feita pelo Sambu, fica-se com um quadro de actuação de duas correntes da FLING e, segundo ele, ascendeu ao poder, ou tornou-se influente perto dele a presença de inimigos do PAIGC ainda agarrados a concepções colonialistas. São acusações vagas e genéricas que valem o que valem.

E chegámos assim a um novo contexto de instabilidade que se expressou por uma série de golpes de Estado (ou as suas simulações) após o 14 de Novembro. Depois de 1981, Sambu passou a chefiar os serviços da contra-informação das Forças Armadas. Sambu não queria aceitar este cargo e escreve: “Recordo as especulações urdidas aquando da chegada à Guiné do grupo de oficiais do estágio na União Soviética e do qual eu fazia parte. Dizia-se que a nossa estadia naquele país tivera por objectivo a aprendizagem de métodos de interrogatório, tortura a presos políticos e formas de homicídio clandestino. Era enorme a aversão geral pelos serviços de contra-inteligência civil e militar e os seus elementos chegaram a sofrer fortes pressões, da parte de familiares e amigos, no sentido de abandonarem as funções”.

É época dos golpes e contragolpes, das intrigas permanentes e de um indescritível estado de suspeição ao mais alto nível. Datará dessa época uma movimentação tribalista para perseguir os quadros balantas do PAIGC, a começar pelo mais popular e influente, Paulo Correia, então Ministro da Defesa. Mal tomou posse, Sambu foi envolvido em inquéritos tendo por motivo o comportamento de elementos ligados à hierarquia do comando militar. O que se apurou foi existir um grave mal-estar social e militar visto alguns membros do Estado-Maior e todos os comandos das unidades do interior estarem abusivamente a fazer requisições excessivas de géneros alimentícios, incapazes de ver as terríveis condições de vida em que se encontravam os seus subordinados. Diz ele que havia requisições das chefias que chegavam a atingir duas toneladas de arroz, 100 litros de óleo e 300 quilos de açúcar enquanto os subordinados quase nada tinham para comer. Este relatório foi transmitido a Nino que classificou a situação de "imoralidade colectiva". Nino exigiu medidas severas a quem voltasse a praticar tais tipos de delitos ou actos de corrupção. Mas o descontentamento das Forças Armadas prosseguiu, também por faltas de pré e soldo dos militares. É neste ambiente de descontentamento que foram montados vários esquemas de intentonas e de golpes sediciosos.

(continua)
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7682: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (17): Algumas conversas para melhor perceber o PAIGC

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7659: Notas de leitura (193): Entre o Paraíso e o Inferno, de Abel Jesus Carreira Rei (Mário Beja Santos)

6 comentários:

JC Abreu dos Santos disse...

... que, ou o ex-alferes miliciano Mário Beja dos Santos, nos seus relatos das andanças pela Guiné, publicados nos seus livrinhos-de-memórias e neste blogue, «diz a clara certidão da verdade ou é um dos maiores pantomineiros da história»...

Conheço, desde 1994, a obra citada: logo então lida, relida, cotejada. Não lhe encontrei, nem encontro, "pantominices".
Já o mesmo não se poderá afirmar, sem sombra de dúvida, relativamente a certos escritos do "Tigre de Missirá", feito recensor.

Cordialmente,
J.C. Abreu dos Santos

Anónimo disse...

O esforço de Beja Santos para não deixar nada para trás, na procura da compreensão total desta guerra, é extraordinário.

Esta guerra não foram apenas os vinte e tal meses de cada um da nossa geração.

Força Beja Santos e que não te falte disponibilidade.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Caros Camrigos
Hoje estou,confesso,mal disposto,por isso.. não estou virado para a ironia.A história(a de verdade) são os factos reais e verdadeiros,não aqueles que queremos como verdade consoante as nossas convicções politico-ideológicas.Estou farto de mistificaçoes..estou farto desta merd.. Espero que a verdade, a verdadeira, surja algum dia, feita por historiadores verdadeiramente independentes...já agora leiam "OS ANOS DA GUERRA COLONIAL" de ANICETO AFONSO E CARLOS MATOS GOMES, que se limitam quase a descrever factos,e sem por em causa a idoneidade dos autores,supostamente verdadeiros.
O irritado ex-muita coisa
C. Martins

Anónimo disse...

Camaradas,
Associo-me ao comentário do mais velho Rosinha. De facto, o Mário faz recensões a textos editados, e desta, em particular, não distingo qualquer desvio tendencial. Não é, por certo um pantomineiro da história, nem mistificador, porque não está a fazer conclusões históricas, nem os críticos as apontaram.
Enquanto houver interessados sobre a matéria, o Mário apenas abre portas a novas fontes, cuja responsabilidade não lhe pode ser imputada.
JD

Unknown disse...

Não li o livro, mas vou lê-lo quando puder. O que Queba Sambu relata é presumivelmente verdadeiro porque quando da minha segunda estada na Guiné-Bissau tive conhecimento de n relatos semelhantes. A perseguição aos oficiais balantas por parte de Nino Vieira em 1986 (Paulo Correia, Viriato Pâ), alguns deles torturados no próprio Palácio Presidencial diante do todo-poderoso "Kabi"; o assassinato do nosso compatriota Jorge Quadros com barras de ferro no seu apartamento em Bissau; as perseguições do sinistro Iaia Dabó e do irmão Baciro Dabó (que foi Chefe da "secreta" ninista, Ministro da Administração Territorial e candidato presidencial, assassinado em 2009) aos seus compatriotas durante a guerra civil de 1998-1999 e múltiplos outros casos que poderiam ser relatados à exaustão dão bem conta do que foi - e ainda é - o estado paranóico da Guiné-Bissau. Os relatos da Amnesty International, da Human Rights Watch e de agências especializadas da ONU não mentem e podem ser consultados por quem quiser. A diplomacia portuguesa, ao mais alto nível, teve conhecimento de tudo isto e jamais denunciou o que quer que fosse. De modo que o que relata Sambu, a julgar pela curta análise feita não anda, seguramente, muito longe da verdade.
Francisco Henriques da Silva
Já agora, nem a CIA, nem o KGB, nos bons tempos, chegaram a tanto, pelo menos eram mais sofisticadas.
Mantenhas
Francisco

Anónimo disse...

Um pedido, que talvez esclareça algumas dúvidas:
O ex-ministro (Saúde? Educação?) Bamba, presentemente funcionário da ADFA, balanta, e quase fuzilado na Guiné, terá muito para contar, por certo!
Entrem em contacto com ele através da ADFA...esclarecerá mais, do que muitas dúvidas ainda no ar!
Luis Nabais