sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7687: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (51): Na Kontra Ka Kontra: 15.º episódio




1. Décimo quinto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 27 de Janeiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


15º EPISÓDIO

Já noite, depois do jantar, o Alferes Magalhães passa pelo “bentem” apenas para dar as boas-noites ao pessoal, e vai deitar-se. Desde que tinha chegado à tabanca ainda não tinha ouvido uma sinfonia até ao fim. Desta vez, com tempo, e com os seus problemas quase todos resolvidos, ia tentar ouvir a 5ª de Mahler completa.

Conseguiu. Por isso dormiu até mais tarde. Acordou com o barulho do pessoal a falar alto. Saiu da morança e passou pelo “legionário” dizendo-lhe para lhe aprontar o café enquanto ainda ia passar pelo forno. Queria ver se não havia fissuras, pois não sabia como se comportava aquele barro ao secar. Verificou que estava tudo perfeito e foi tomar o café.

Definitivamente iria haver pão, mas não como imaginara…

A meio da manhã, com todos os trabalhos a decorrer, inclusive a apanha de lenha para depois queimar no forno, eis que se começa a ouvir o ruído de viaturas. Conforme as instruções recebidas todo o pessoal se aprontou, vestindo a camisa os que estavam em tronco nu, o que era habitual quando estavam a trabalhar. O Alferes sabendo que, quer o Comandante Chefe de Bissau, quer o Coronel de Bafata não iam aparecer ali num Unimog, aos saltos, não se preocupou muito com quem lá vinha. Era com certeza o pessoal da Companhia de Galomaro.

Passados uns minutos chega uma coluna de três Unimogs. Houve os cumprimentos habituais, como se o pessoal já não se visse há séculos. Além do sempre esperado correio, traziam abastecimentos de toda a ordem e, naturalmente, pão! Logo o Alferes anteviu a possibilidade de não forçar com fogueiras a secagem do forno, para este não estalar. Havia pão para dois ou três dias.

Os que chegaram foram dizendo que traziam duas arcas “térmicas”, uma com gelo e a outra com cervejas frescas. Seria boa ideia habituar o palato a cervejas frescas se depois teriam que as beber a trinta e tal graus? Sempre se tiraria a barriga de misérias.

Foi sol de pouca dura. Um qualquer “inteligente” em Galomaro, em vez de por o gelo numa arca e as cervejas noutra, pôs tudo misturado. O que chegou foram apenas cervejas frescas e água…

Uma coluna, trazendo correio e abastecimentos, era sempre bem vinda mesmo sem mensagem prévia. Esta muito mais, pois trazia um grupo de sete soldados e um Furriel para reforçar a guarnição de Madina Xaquili. Pena era que não trouxesse qualquer reforço de armas pesadas ou mais granadas para o morteiro. Enfim, sempre era alguma coisa.

O João arranjou mais umas moranças para os oito homens acabados de chegar e, depois das despedidas do pessoal que retornava a Galomaro, vão todos almoçar.

Logo à mesa, o Alferes Magalhães pensou em entregar ao Furriel acabado de chegar, parte das responsabilidades que tinha sobre os ombros. Uma razão sobressaía: ter mais tempo para se dedicar à sua bajuda.

Nesta primeira refeição, a conversa repartiu-se por um lado entre os dois graduados como seria natural, por outro entre todo o resto do pessoal partilhando as suas experiências. O Alferes põe o Furriel a par de toda a situação e pede-lhe para executar as funções de orientação dos trabalhos que ele próprio vinha exercendo.

O pessoal foi dormir a sesta e os dois graduados continuam à mesa a bebericar uma boa bagaceira acabada de chegar. A mesa, sob um alpendre de folhas de palmeira e implantada numa pequena elevação, proporcionava quase sempre uma aragem refrescante. O Alferes conta ao camarada as suas intenções sobre a Asmau, única bajuda casadoira da tabanca. Conta que as coisas já estão adiantadas, pelo menos para ele, e que talvez no dia seguinte já fosse “negociar” com o Chefe da Tabanca, Adramane, pai da Asmau. O Furriel, acabado de chegar e só conhecendo o Alferes agora, não expressa qualquer opinião sobre o assunto. Apenas lhe deseja felicidades.

Depois de uma pequena sesta o Alferes faz o que o João Sanhá lhe tinha feito no dia da sua chegada: Vai mostrar os recantos da tabanca ao Furriel. Fala-lhe nas sentinelas metidas na mata para os lados de Padada, mostra-lhe o fornilho detrás do poilão, os abrigos e vão à fonte. Pelo caminho o Alferes vai dizendo:

- Nosso Furriel, foi a época seca, passaram uns seis meses sem chover e poucos lugares haverá na Guiné que tenham nesta altura uma nascente de água a correr e com a qualidade que já vai apreciar.

Estavam a chegar ao fim da zona desmatada e iam entrar na zona ensombrada da mata onde se situa a fonte, quando o Furriel pára olhando fixamente para o grupo de mulheres que estavam a lavar roupa. Fica estático. Mudo por instantes, talvez a pensar no que iria dizer ao Alferes.


Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7680: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (50): Na Kontra Ka Kontra: 14.º episódio

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