segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7664: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (47): Na Kontra Ka Kontra: 11.º episódio




1. Décimo primeiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 23 de Janeiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


11º EPISÓDIO

- E quanto ao fanado? Aqui as bajudas vão ao fanado?

- Que eu me lembre nesta tabanca nunca houve festa do fanado das bajudas. Como sempre houve pouca gente e poucas bajudas, as “mulheres grandes” nunca se interessaram com isso.

- João, se algum dia precisar da sua ajuda para conseguir uma bajuda, posso contar consigo?

O João sorriu como querendo dizer que sabia de que bajuda se tratava e respondeu que sim, que podia contar com ele.
O nosso Alferes sente-se satisfeito. Tinha conseguido o seu primeiro objectivo. Teria o caminho livre para definitivamente abordar a Asmau. Agora sim, apercebe-se que relampeja ao longe e sente-se como que mais leve. Tinha saído um peso de cima dele. Logo que o João se despede e se vai deitar, o Alferes Magalhães faz o mesmo. Na morança deita-se vestido como está, em cima da cama, coloca o auscultador no ouvido, liga o pequeno gravador e não demora a adormecer.

O Alferes Magalhães acorda cedo, como é costume, mas com uma noite de sono completa. A conversa com o João tinha sido o sedativo de que andava a precisar. Agora sabia que podia contar com ele para apadrinhar a próxima conversa com o pai da Asmau. A pressa sentida em se juntar à Asmau como que se tinha desvanecido. Era como se já a considerasse sua. Agora era uma questão de tempo. Pouco tempo, pensa. Sentia-se calmo como não acontecia desde a chegada a Madina Xaquili.

Apesar de ter dormido bem, teve que fazer alguma ginástica matinal. Ter dormido vestido e calçado deixara-o um pouco trôpego. Chamou o Dionildo para, conforme as normas que estabelecera, lhe fazer a segurança até à orla de mata, onde vai fazer as suas “necessidades”. Logo que retorna à tabanca, e já dentro do “arame”, dispensa o seu companheiro e vai sozinho à fonte onde toma um banho de água fresca que, naquele clima, é divinal.

Quando vai à fonte, normalmente leva a máquina fotográfica, pois está sempre esperançado de ver por lá novamente a “sua” bajuda. Desta vez ela não está. Apenas algumas mulheres dos milícias a lavar roupa. Tenta conversar com algumas, sem êxito, pois só falam os seus dialectos e pouco crioulo. Nota que uma delas tem o peito e a barriga “decorados” com cicatrizes, que teriam sido feitas com qualquer objecto cortante. Por gestos pede permissão para a fotografar. Ela ri imenso porque o Alferes acha graça às “tatuagens”.

Rindo por o Alferes achar graça às suas tatuagens

Não deixa de pensar mais uma vez naquela questão de os guineenses tomarem banho várias vezes ao dia pois sempre tinha ouvido dizer que os africanos, em geral, cheiravam muito a suor. Na Guiné foi-se apercebendo de que era raro sentir esse cheiro. Também as mulheres gastavam grande parte do seu tempo a lavar a roupa dos familiares, aliás de uma forma bem peculiar: A roupa ensaboada era batida com muita força sobre uma pedra ou então pisada dentro de uma selha.

Mais uma vez encontrando-se várias mulheres junto da fonte surge, encosta a baixo, uma bajudinha a avisar que determinada mulher estava para parir e precisava de ajuda. Embora nem todas tivessem as funções de parteiras, as “mulheres grandes” meteram as roupas nas suas meias cabaças e dirigiram-se para a tabanca para ajudarem no que pudessem.

O Alferes ainda permanece junto à nascente congeminando a forma de melhorar a captação da água. No início tinha que se apanhar a água de uma poça, agora já corria à altura de se poder encher um garrafão de pé. Com mais uma escavação de uns dois metros na direcção do veio de água, passar-se-ia a ter um autêntico fontanário. Sim, porque não se sabia o tempo que se ia permanecer em Madina Xaquili e era imperioso melhorar todas as condições que propiciassem uma melhor vivência.

Ficar ali sozinho não era conveniente. Estava fora do “arame”. Embora achasse que, a haver uma aproximação dos guerrilheiros, ela aconteceria pelo lado da picada de Padada e não por esta zona baixa de onde nem sequer se viam as moranças, o nosso Alferes dirige-se para a tabanca. Pelo caminho cruza-se com os dois camaradas encarregados do abastecimento de água, quer para cozinhar quer para o filtro de água para beber.

O abrigo destinado à população civil, bem no centro da tabanca, estava quase pronto. Já podia albergar todos mas era necessário escavar mais um pouco para o acabar de cobrir com troncos de palmeira. O Alferes, bem disposto e cheio de forças, dá fisicamente uma ajuda. Antes do almoço tem que ir tomar outro banho, tão suado estava. O pretexto de encontrar por lá a Asmau também contava. Desta vez não tem sorte.

Depois de um almoço de esparguete com atum e chouriço, que o “legionário” sempre na sua grande frigideira, prepara divinamente, o nosso Alferes, como todos os camaradas, vai dormir a sesta.

Quando já eram horas de retomar os trabalhos, o Alferes Magalhães vai ao encontro do seu pessoal. Logo o Dionildo se lhe dirige:

- F… meu Alferes, sabe que dia é hoje?

- Sei lá, não ando a contar os dias.

- O dia da semana?

- Ah, isso sei, é sexta-feira.

- Sabe que a mulher que estava para parir já teve uma menina?

- Já me constou.

- F… sabe que nome lhe puseram?


Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7648: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (46): Na Kontra Ka Kontra: 10.º episódio

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