sábado, 15 de novembro de 2014

Guiiné 63/74 - P13898: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XVI: maio de 1973: o IN recruta coercivamente mancebos nas tabancas sob seu controlo (Poindom, Ponta Varela, Ponta Luís Dias e Ponta do Inglês): um dos recrutas era informador das NT


Foto nº 1 > "Algumas centenas de metros mais abaixo o Corubal enfia-se no Geba (...). A vista é extasiante, o que mais perturba o Tangomau é imaginar que se viveu naquele inferno e com aquele panorama edénico, pelo menos o que se avista em direcção a Quinara, a escassos quilómetros. "


Foto nº 2 > "A vista é extasiante, o que mais perturba o Tangomau é imaginar que se viveu naquele inferno e com aquele panorama edénico, pelo menos o que se avista em direcção a Quinara, a escassos quilómetros. " (...)

Foto nº 3 >  "Pouco resta da casa de Inglês Lopes, ao que parece era este o dono da Ponta (... ) Entre 1964 e 1966, a qui esteve um pelotão destacado da companhia do Xime, mais um pelotão de milícias. (...) O destacamento vinha até junto à água, havia um pontão para receber as embarcações, tudo desapareceu".

[Nota de LG:   antigo embaixador em Lisboa da República da Guiné-Bissau, Constantino Lopes, ex-Combatente da Liberdade da Pátria, que esteve preso no Tarrafal, de 1962 a 1969, é hoje o único herdeiro e proprietário da Ponta do Inglês, exploração agrícola, de 50 hectares; o seu pai, Luís Lopes, tinha por alcunha o Inglês; informação que me foi dada pelo próprio Constantino Lopes em 12/11/2008, no Museu da Farmácia, no lançamento do livro do Beja Santos, "O Tigre Vadio"].


Foto nº 4 > "Gã Garneis [ou Gã Garnes, Ponta do Inglês], fixa-se a legenda, estamos no centro de um antigo quartel, apresentam-se pessoas, o Tangomau conversa com Jubalo Jau, que fora prisioneiro na luta, capturado numa operação entre o Buruntoni e a Ponta do Inglês" (...



Foto nº 5 > "É nisto que se faz a aproximação e se vêem as marcas das balas, sabe-se lá se de rajadas ou de tiro-a-tiro. O que interessa é que ficaram lá, entre esculturas. É impressionante, os próprios guias dizem que a população aqui vem regularmente relembrar o que faz uma guerra, ver as marcas que a natureza não pode absorver, as árvores não gritam, tornam-se esculturas vivas, memoriais de sofrimentos ignorados. Se os habitantes de cá respeitam estes pavores da guerra, o que é que nos falta para iludirmos que devemos alguma homenagem a quem tanto aqui penou, mesmo por escassos anos? " (...)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Gã Garnes [ou Ponta do Inglês] > Novembro de 2010 >  Viagem de Mário Beja Santos (Op Tangomau) (*)



Fotos: © Beja Santos (2011). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Continuação da publicação da História do 
António Duarte
BART 3873 (que esteve colocado na zona leste, 
no Setor L1, Bambadinca, 1972/74), a partir
de cópia digitalizada da História da Unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte (**)

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974;  foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e não como voluntário, como por lapso temos indicado); economista, bancário reformado, formador; foto atual à direita].

O único destaque do mês de maio de 1973, vai para: (i)  a  fraca atividade do IN no início do tempo das chuvas; e a (ii)  a informação de que está a "recrutar coercivamente" mancebos nas populações sob o seu controlo (Ponta Varela, Poindom, Ponta do Inglês. Ponta Luís Dias) (pp. 55/57) (LG).

Dez anos depois do início da guerra, o PAIGC continua a manter,  sob o seu controlo,  um importante núcleo populacional, espalhado pelo sector L1 (subsetores do Xime, Mansambo e Xitole: Cancodea Befada, Cancodea Balanta, Mina, Ponta João da Silva, Ponta Luís Dias, Satecuta. Mangai) e estimado em 4100 pessoas, em 1970, pelo comando do BART 2917, a que se deverá juntar mais 1900, a norte do Rio Geba, nas regiões de Madina e Banir). Contas feitas, no setor L1, o IN teria uma população de 6 mil sob o seu controlo. Em contrapartida, a populção sob controlo das autoridades portuguesas andaria à volta das 20 mil, também segundo a mesma fonte.

Ainda de acordo com a história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72),  "na área do sector do Bart [2917]  existem muitas bolanhas ricas, verificando-se no entanto que estas, com excepção das do Enxalé, Nhabijões e Finete, ou estão abandonadas (Samba Silate, São Belchior, Saliquinhé, etc.) ou são exploradas por populações sob controlo IN (todas as bolanhas da margem direita do Rio Corubal e margens do Rio Malafo)."  (LG).

Maio de 1973: o IN recruta coercivamente mancebos nas tabancas sob seu controlo (Poindom, Ponta Varela, Ponta Luís Dias e Ponta do Inglês): um dos recrutas era informador das NT













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Notas do editor:

(*) Vd- poste de 11 de janeiro de  2011 > Guiné 63/74 - P7590: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (13): Os mistérios da estrada da Ponta do Inglês


(...) Os mistérios da estrada da Ponta do Inglês

1. Toda a região do Xime exerceu e exerce fascínio no Tangomau. (...)

Foi ali, de 1962 para 1963, que se abriu a segunda frente, Domingos Ramos vivia em Tubacutà, dentro da mata do Fiofioli; chegaram ao arrojo de colocar em Gundaguê Beafada um dístico “Aqui começa o território livre da República da Guiné, isto em 1963. 

A despeito do que era propalado pela propaganda, o controlo do Xime e Bissari, até ao Corubal, era exercido pelas forças comandadas por Domingos Ramos e pelos líderes que lhe sucederam. O Xime era um eixo estratégico e daí a tentativa, que se prolongou por alguns anos, de ter aberta a via até à Ponta do Inglês, na desembocadura do Corubal, em frente a Quinara.

 Esta estrada irá ser um calvário, entre minas e emboscadas, ali se verteu sangue e o destacamento da Ponta do Inglês tornou-se um inferno. O que o Tangomau conhecia era a região de Ponta Varela, o Poindom, até à Ponta do Inglês e respectivos acessos. A população cultivava as bolanhas, fundamentais para o aprovisionamento, era terras úberes; a navegação no Corubal fora tornada impraticável, de modo que qualquer saída do Xime e qualquer detecção significava confronto a prazo. (...)

Guiné 63/74 - P13897: Bom ou mau tempo na bolanha (75): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (15) (Tony Borié)

Septuagésimo quarto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Resumo do dia décimo quinto

A povoação de Tok está situada numa grande planície no Vale do Tanana, entre o Rio Tanana e o “Alaska Range”, que é uma cordilheira com 650 Km de comprimento, relativamente estreita, na região centro-sul do território do Alaska. Esta povoação fica num cruzamento do “Alaska Highway”, com o “Glenn Highway”, com muita importância, tendo uma área de aproximadamente 132 Km2, tudo em terra, sendo a marca “Historic Milepost 1314”, do “Alaska Highway”, onde dormimos.

Pela manhã, tomando um copo com café, uma pessoa a nosso lado, aqui residente há muitos anos, mas que tinha vindo das ilhas do Hawai, querendo saber de onde éramos oriundos, começou por explicar que a povoação de Tok começou a ter alguma visibilidade a partir do ano de 1942, quando do início da construção do “Alaska Highway”, pois passou a ser um grande campo de construção e manutenção desta famosa estrada, até lhe chamavam o “Million Dollar Camp” e, até aquela data, era conhecida como uma aldeia onde viviam os “Athabascan”, um povo que aqui caçou, pescou e viveu por séculos.


Estávamos mais ou menos a 100 milhas (160 quilómetros) da fronteira com o Canadá, quando comprávamos alguma gasolina, o condutor de uma caravana, que vinha da fronteira, lavando os vidros da frente e as manetes das portas, explicou-nos que a estrada estava em construção a partir do quilómetro 15 ou 20, dentro do território do Canadá, para nos prepararmos para muitas paragens, mas com o nosso equipamento, não iríamos ter muitos problemas, ele sim, teve e, pelo aspecto da viatura, devia mesmo de ter tido.

A fronteira chegou, umas milhas antes existe um estabelecimento com um grande cartaz anunciando que é a última oportunidade de comprar gasolina, recordações, comida, bebida e outras lembranças do Alaska, havia algum trânsito, antes de entrar no edífio que cruza a fronteira, verificámos os documentos, tudo em ordem, sempre perguntam se levamos bebidas com álcool, dissemos que sim, eram ainda algumas garrafas de vinho que tinham vindo da origem, ou seja da nossa casa na Florida, o funcionário riu-se e desejou-nos “bon voyage”, em francês.


Depois da fronteira, algumas fotos, e eis-nos na estrada onde começaram a aparecer as tais obras de manutenção e alteração da via, com paragens sucessivas, longas esperas pelo “carro piloto’, onde as pessoas aproveitavam para sair das viaturas, tirar fotos do cenário, ou conversar, começando até novos conhecimentos.

Parámos na povoação de Beaver Creek, que marca o “Historic Milepost 1202”, onde dizem que é uma comunidade com poucos habitantes, pois além de ser a residência dos empregados do “Canada Border Services Agency”, tem só algumas “cabanas” para turistas que aqui querem passar algum tempo, pescando nos dois pequenos rios que por aqui passam.


Continuámos a nossa rota, rumo ao leste, paragens frequentes, desvios de estrada, parando na povoação de Burwash Landing, que marca o “Historic Milepost 1093” e, que é uma pequena comunidade encostada ao “Kluane Lake”, que é um grande e bonito lago, que primeiramente foi usada como “campo de férias de verão”, até começar a ser um “posto avançado de trocas”, que os irmãos Jacquot, por volta do ano de 1900, aqui construiram.


A pequena povoação de Destruction Bay, que marca o “Historic Milepost 1083”, era já ali, é uma pequena comunidade que sobrevive quase do negócio de turismo, com as pessoas que por aqui passam no “Alaska Highway”, até dizem que a sua população está a diminuir, pois já chegou a ter 59 habitantes e, presentemente andam à volta de 35.



Embora as obras na estrada nos obrigassem a frequentes paragens, um tempo depois, pois de acordo com os habitantes daqui, a distância não conta, o que conta é o tempo e, medem a distância de uma povoação a outra pelo tempo, não pela distância, ei-nos na povoação de Haines Junction, que marca o “Historic Milepost 1016”, que também começou a ter alguma visibilidade por altura do ano da construção do “Alaska Highway”, sendo neste momento um importante encontro de duas estradas, pois daqui segue a estrada número 3, com destino ao sul da província de Yukon. Antes, dizem que por mais de dois mil anos, era um campo de caça e pesca que o povo, “Southern Tutchone”, usava em algumas estações do ano.


E como já dissemos, também passado algum tempo, ainda de dia, embora fossem já 9 horas da noite, chegámos de novo ao pequeno óasis no deserto, que é a cidade de Whitehorse, que marca o ”Historic Milepost 918”, da qual já falamos anteriormente, onde depois de visitar o Centro de Turismo, procurámos comida e dormida, onde se pudesse tomar banho e dormir com algum conforto.


Já agora, queria lembrar que o trajecto que hoje fizemos, entre a cidade Tok, no estado do Alaska e a cidade de Whitehorse, na província do Yukon, já no Canadá, ficou por fazer, na viagem de ida para o estado no Alasca, pois nessa altura, nesta cidade de Withehorse, desviámo-nos para norte, fizemos o célebre “”Klondike Loop”, que nos levou à cidade de Dawson City, que depois de atravessar, numa jangada o rio Yukon, entrámos na estrada que chamam “Top of the World Highway”, onde fizemos a fronteira com o estado do Alaska, em direcção à cidade de Tok.

Neste dia, percorremos 452 milhas, com o preço da gasolina, variando entre $1.66 e $1.82

Tony Borie, Agosto de 2014.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13861: Bom ou mau tempo na bolanha (73): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (14) (Tony Borié)

Guiné 63774 - P13896: Recortes de imprensa (70): "Ùltima descolagem!", homenagem de um amigo torrejano ao cor pilav ref António Manuel Carrondo Leitão, que foi fur pil heli AL III no CTIG (jornal "O Almonda", 14/11/2014)


Foto: Cortesia de O Almonda, 14/11/2014 [Edição: LG]







Excerto do jornal regionalista O Almonda, de Torres Novas, com data de 14 do corrente. Reproduzido com a devida vénia [Edição: LG]


1. Trata-se de uma singela homenagem, de um amigo e camarada de armas, o ten cor ref Faria Costa, ao cor pilav ref António Manuel Carrondo Leitão, recentemente falecido, e já aqui evocado pelo António Martins de Matos (*). 

O Carrondo Leitão foi fur pil do heli AL III, e foi condecorado com a Cruz de Guerra, por feitos no TO da Guiné em 1974.

Este recorte (**)  foi-nos enviado pelo nosso camarada, também ele torrejano, Carlos Pinheiro [, ex-1.º cabo trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70], a quem agradecemos a atenção e a colaboração.

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Guiné 63/734 - P13895: História da CART 3494 (2): SANTA CRUZ DA TRAPA (Bambadinca – São Pedro do Sul) (Jorge Araújo)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 4 de Novembro de 2014:

Caríssimos Camaradas,

Os meus melhores cumprimentos.

Para além das acções de risco elevado que experienciámos durante a nossa campanha no TO do CTIG, e que amiúde vos tenho recordado, outras houve que, igualmente, convém dar nota pública para memória futura.

Está neste caso a narrativa que hoje vos trago ao conhecimento, certamente desconhecida da grande maioria das subunidades do BART 3873, e, em particular, dos assíduos visitantes da nossa Tabanca Grande.

Trata-se da atribuição de um nome toponímico a uma Tabanca do subsector de Bambadinca, que não tendo carácter de geminação de relações protocolares, teve por base o reconhecimento da população que connosco partilhou o mesmo espaço durante os anos da nossa presença na região leste da Guiné.

SANTA CRUZ DA TRAPA

(Bambadinca – São Pedro do Sul)

- Um nome; duas comunidades separadas por + de 4.000 kms - 

I – INTRODUÇÃO

Mobilizado pela 1.ª Repartição do Estado Maior do Exércitoem 04NOV1971 – faz hoje quarenta e três anos–para substituir o BART 2917 no Sector L1, com sede em Bambadinca[nota circular n.º 4496/PM-Proc.º 18/3873], a chegadada Companhia de Comando e Serviços [CCS] do BART 3873 a esta localidade da Zona Lestesó se verificou em 28JAN1972, 6.ª feira, sob o comando do Ten.Cor.Art. António Tiago Martins (1919-1992), tendo como 2.º Comandante o Maj.Art. João Manuel Pereira do Carmo Sousa Teles e Chefe da SECOPINFO o Maj.Art. Henrique Artur Branco Jales Moreira.

Durante quarenta e cinco dias [até 14MAR1972] decorreu a fase de transição, também designada de sobreposição, processo considerado de grande importância no contexto do conflito político-militar ultramarino. A institucionalização deste princípio normativo tinha por objectivodesenvolver algumas competências operacionais, para além da natural aquisiçãode conhecimento o mais amplo possível da malha e características do seu território,por via da transmissão de experiências, factos e feitos registados anteriormente, de modo a facilitar a integração do contingente recém-chegado, preparando-o para o cumprimento das suas missões e/ou tarefas prospectivas.


O pensamento filosófico do seu líder, e concomitantemente transmitido a todo o contingente do BART 3873, projectou-se, desde logo, na intencionalidade da escolha do lema da sua missãono TO do CTIG, gravada nos ícones da Unidade e Subunidades: «NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ». A operacionalização global deste desiderato [Cap. II; HU]passaria pela neutralização da subversão, através duma manobra simultaneamente psicológica, social e militar.

Na manobra militar [3.ª dimensão], as responsabilidades estavam distribuídas pelas subunidades colocadas nos subsectores do Xitole [CART 3492], de Mansambo [CART 3493] e do Xime [CART 3494], reforçadas com Pel Caç Nat’s, Pel Mil e Pel Art, enquanto o subsector de Bambadinca disponha de uma Companhia de Intervenção do CAOP 2 [CCAÇ 12], Pel Rec Daimler e Pel Morteiro.

Quanto à áreapsicológica e à promoção social [1.ª e 2.ª dimensão], o método a utilizar traduzir-se-ia, objectivamente, na necessidade de ganhar confiança e intimidade com a população local, através de palavras e actos relevantes. Para este efeito, foram espalhados panfletos de propaganda nos trilhos de passagem utilizados pelo IN, no cumprimento da directiva para uma «Guiné Melhor». Foram cedidas viaturas e barcos para o transporte de pessoas e bens, assim como foi feita protecção nocturna adiferentes tabancas pelas NT. A assistência médica e medicamentosa e os contactos permanentes com as tabancas passaram a ser uma prática regular. Melhorou-se a pista de aviação de Bambadinca de molde a receber aviões T-6 [1.º fascículo; HU].

Durante o primeiro ano da missão [1972/1973] foram construídas nove escolas na área de jurisdição do Batalhão, a saber: Ganhoma, Samba Juli, Sincha Mamajã, Sansancuta, Mero, Tangali, Sincha Madiu, Afia e Demba Tacobá, desconhecendo-se se destas alguma era Posto Escolar Militar. A edificação da Escola de Mero e de Sansancuta contaram com o apoio dos Pel Mil 358 e 203, respectivamente.

Corolário das múltiplas acções desenvolvidas pelas NT no apoio às populações, e referidas anteriormente, o mês de Abril de 1973 ficou marcado por um acto público de grande significado colectivo, ao ser proposta, e depois aprovada, uma nova designação toponímica para uma recém-reconstruída/ocupada Tabanca, localizada no subsector de Bambadinca – Santa Cruz da Trapa.

II – SANTA CRUZ DA TRAPA –– ABRIL DE 1973

- NOVO TOPÓNIMO DO SUBSECTOR DE BAMBADINCA

A presente narrativa surge na sequência de uma nova incursão ao baú de memórias das minhas vivências como ex-combatente no CTIGuiné [1972-1974], em que quatro fotos tiradas no mesmo contexto me permitiu recordar outros papéis aí desempenhados. Estou-me a referir ao que foi relatado na introdução e que, muito provavelmente, a grande maioria dos operacionais do BART 3873 [subunidades] ainda hoje desconhece.

A decisão de a divulgar, recuando mais de quatro décadas, foi uma vez mais influenciada pela publicação faseada dos diferentes fascículos que a nossa «Tabanca Grande» tem vindo a fazer, documento facultado pelo nosso camarada António Duarte [ex-Fur. Mil. da CART 3493/CCAÇ 12].

Relembro, então, o que constano documento dactilografado da História da Unidade [BART 3873], no 12.º fascículo; Abril de 1973, ponto 84. «POPULAÇÃO»:

- “O Pel. Mil. 370 de SANSANCURA pediu que se fixasse na antiga tabanca abandonada, denominada SINCHA BAMBÉ. A ocupação da primitiva localidade foi rodeada por um cerimonial confraternizador e significativo, na medida em que uma povoação morta desperta para a vida da GUINÉ. Estiveram presentes o CMDT do BART 3873, COR ART ANTÓNIO TIAGO MARTINS, cujo topónimo da terra natal – STA CRUZ DA TRAPA foi atribuído à renascida povoação por sugestão dos milícias, o Régulo de BADORA, MAMADU BONCO, os chefes das tabancas vizinhas e população. Uma lápide ali colocada ficou assinalando o acontecimento” (p.52).

Fiquei a conhecer a existência da Tabanca de Santa Cruz da Trapa por mera coincidência, estava eu a comandar o efectivo militar “residente” no Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, sito na estrada Bambadinca-Xime, desde Julho/1973 [vd. P12565 + P12586 + P12734].

Quando se casava a oportunidade com a boleia, deslocava-me à sede do BART para tratar de assuntos logísticos e, algumas vezes, recolher o correio. Aproveitando esse facto, era natural e normal uma deslocação à Messe de Sargentos, interagindo com os camaradas aí presentes, repondo os líquidos necessários, comendo umas tapas e comentando o dia-a-dia da nossa “problemática”.

No sábado, 22SET1973, viagem idêntica aconteceu e o itinerário anterior repetiu-se. Foi aí que tomei conhecimento, pela primeira vez, da existência da Tabanca de Santa Cruz da Trapa, mas não sabia que essa designação estava relacionada com uma Freguesia do Continente com o mesmo nome, uma das catorze que constituem o Município de São Pedro do Sul, Distrito de Viseu.

Porque estava programada uma deslocação a essa Tabanca para o dia seguinte, 23SET1973 - Domingo, foi-me pedida uma ajuda para reforçar a equipa nomeada para a sessão de contacto com a população, que aceitei.

Foram-me buscar à “Ponte” pela manhã, tendo-me sido sugerido que trajasse com roupa civil, que respeitei.

Eis as quatro imagens de Santa Cruz da Trapa [subsector de Bambadinca] que guardo no meu baú de memórias.


Foto 2 – Santa Cruz da Trapa; subsector de Bambadinca [23Set1973]. Viatura utilizada na deslocação. 


Foto 3 – Santa Cruz da Trapa; subsector de Bambadinca [23Set1973]. Foto para mais tarde recordar. Os furriéis: Jorge Araújo [CART 3494], Américo Costa [35ª CCmds] e Manuel Carvalhido [CCS - Armamento].


Foto 4 – Santa Cruz da Trapa; subsector de Bambadinca [23Set1973]. Momento de descontracção [e alguma parvoíce] com a cumplicidade de um burro de SCT. Os furriéis: Jorge Araújo [CART 3494], Edgar Soares [CCS - Op.Esp.] e Horácio Carrasqueira [CCS].


Foto 5 – Santa Cruz da Trapa; subsector de Bambadinca [23Set1973]. Idem. O J. Araújo [CART 3494] e o Marques [CCS].

III – SANTA CRUZ DA TRAPA

- FREGUESIA DE SÃO PEDRO DO SUL [VISEU]

Para enquadrar este texto, contactei recentemente um elemento do executivo da Junta de Freguesia de Santa Cruz da Trapa, Concelho de São Pedro do Sul, Distrito de Viseu, perguntando-lhe se tinha conhecimento da existência de uma comunidade na Guiné com o mesmo nome da sua Autarquia; a resposta foi negativa.

Relativamente ao Coronel António Tiago Martins, CMDT do BART 3873, soube que faleceu em 10OUT1992, com setenta e três anos. Por outro lado, a sua esposa, Idalina Carvalho Pereira Jorge Martins, faleceu em 12ABR2011, com oitenta e oito anos. 

- Eis um pouco da história de Santa Cruz da Trapa

Quando D. Afonso Henriques, por volta de 1132,concedeu Carta de Couto ao recém-refundado Mosteiro de Santa Cristina de Lafões, a então chamada Villa de Sancta Cruce já existia. Chamava-se "parrochia Sancti Mamedis" de Baroso. Sabe-se que a íntima ligação dos condes de Borgonha com S. Bernardo e o apoio que este reformador de Cister obteve nas terras que viriam a ser Portugal deu lugar ao nascimento do convento cisterciense de Lafões, chamado de S. Cristóvão.Uma das terras incluídas no seu património tomara entretanto o nome de Trapa, certamente por influência dos eremitas, que aí tiveram uma pequena ermida e um cenóbio reconstruído e ampliado, ao que consta, por Cristóvão João, também cavaleiro-fidalgo. Terá portanto existido num certo espaço, um convento na Trapa, que Cristóvão João (ou Anes) encaminhou para os cónegos Regrantes de Santo Agostinho (Crúzios).

A partir da primeira metade do século Xll tanto a Vila da Trapa, com o seu couto conventual, como Paçõ (de Palatiolo, residência de um antigo proprietário rural) passaram a integrar o Couto de Cima, para sustento de S. Cristóvão de Lafões. No entanto o antigo Couto da Trapa não perdeu importância, antes passou com o tempo a ser uma espécie de sede administrativa do grande Couto de Cima.

Esta que é talvez uma das mais belas aldeias da Beira e seguramente uma das que mais terá para contar, atravessou séculos de tempo, desempenhando-se da função de sede dum concelho medieval, autónomo, criado a partir da sua situação de terra coutada, portanto em muitos aspectos, isenta da intervenção das autoridades centrais e regionais. 

Para memória, deixou-nos os vestígios do edifício da Câmara, hoje já alterado, restos do pelourinho que alguém em má inspiração meteu a cabouco dum muro, restos da antiga cadeia (ali junto a uma quinta com o nome de Leira da Cadeia), e documentação (de 1823) em que se apresenta como sede dos recenseamentos da Capitania-Mor das Ordenanças.

Uma freguesia milenária esta, com uma bonita igreja do século XVIII, construída por iniciativa do ilustre pároco Dr. José de Almeida Navais, por então já com o composto nome de igreja de S. Mamede de Santa Cruz da Trapa. Nome composto, como que a pretender resumir o também complexo percurso histórico.

Santa Cruz da Trapa, até pela riqueza histórica, humana e paisagística envolvente neste lindíssimo Vale de Lafões, é todo um convite ao turismo inteligente e cultural [fotos abaixo].

Fonte: sctrapa.jfreguesia.com/historia 




Eis mais um pequeno contributo para a história do BART 3873/CART 3494.

Um abraço,
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
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Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P13894: Parabéns a você (816): António Inverno, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 (Guiné, 1972/74); Orlando Pinela, ex-1.º Cabo Reab Mat da CART 1614 (Guiné, 1966/68) e Pacífico dos Reis, Coronel Cav Ref, ex-Cap Cav CMDT da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)



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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13888: Parabéns a você (815): César Dias, ex-Fur Mil Sap Inf do BCAÇ 2885 (Guiné, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546 e Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enf.ª Paraquedista (1961/70)

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13893: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXVI: O finório e o 1º sargento (José Luís Sousa, ex-fur mil, 1º pelotão)


1º encontro do pessoal da CCAÇ 2533, depois do regresso da Guiné... Foi em 1986... Foto da página do Facebook do Agostinho Gomes Evangelista, um rapaz que eu já convidei para integrar a Tabanca Grande: (i) andou na escola Escola Industrial e Comercial de Viana do Castelo; (ii) vive em Viana do Castelo; (iii) é natural da Ponte da Barca; e (iv) é Casado.

 O cap Sidónio (hoje coronel reformado) é o terceiro da primeira fila, ladeado à sua direita pelos alferes mil Mota e Neto.  O Evangelista é o último da penúltima fila, a contar da direita. O Nascimento não aparece na foto. Nem ele nem o Lessa.

(Foto reproduzida com a devida vénia; identificação dos camaradas feita  pelo Luís Nacimento; edição: LN/LG).


1. Mensagem da Jéssica Nascimento com data de 8 do corrente:

Boa tarde Sr. Luís Graça,

Junto envio em anexo o que solicitou ao meu avô [, foto acima].

Agradeço a sua simpatia em publicar a minha fotografia e os seus comentários.

Gostei muito :)

Um alfa bravo do meu avô Luis Nascimento e um beijo desta Tabanqueira Jéssica Nascimento.





Foto de Canjambari


2. Continuação da publicação das "histórias da CCAÇ 2533", a partir do documento editado pelo ex-1º cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). (*)

Hoje a histáoria é contada pelo ex-fur mil José Luís Simões (também do 1º pelotão):   é a propósito de um pobre "finório"  que seguiu o conselho da tropa, que mandava desenrascar (pp. 88/89)... Mas quem não conheceu finórios, na tropa e na guerra ?!... Havia-os de todos os tamanhos e feitios... Este, coitado, era um finório da arraia miúda. (LG)






1
Cartão de Boas Festas, com a foto do Luís Nascimento


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Guiné 63/74 - P13892: (Ex)citações (247): A propósito das ajudas (suecas e outras) ao desenvolvimento... Os elefantes brancos da Guiné-Bissau (Beja Santos)


Guiné > Região de Bafatá > Xime > Um "elefante branco": um silo de mancarra (que seria depois transportada de barco, pelo Rio Geba, até ao Cumeré, onde pelo menos já em 1991 o Beja uma  fábrica de descasque )... Não sabemos a proveniência do financiamento [O Rosinha diz que era gaulês...]


Foto: © Mário Beja Santos (2011). Todos os direitos reservados


1. Excerto de um texto de reportagem do Mário Beja Santos, de visita ao Xime, em finais  de 2010 (*):

(...) Ninguém ignora que há elefantes brancos na Guiné, construções grandiosas e sem préstimo, projectos faraónicos que serviram para sacar financiamentos e que não trouxeram um grama de desenvolvimento.

O que se está a ver, e segundo informaram o Tangomau, é um majestoso silo da mancarra que seria descascada no Cumeré onde o Tangomau em 1991 viu uma construção gigantesca que depois terá sido vendida para a Índia, a preço de saldo. 

São muitos os autores que se interrogam sobre os projectos que não levam a ponto nenhum. Em Bissau, o Tangomau comprou no INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa um livro sobre a intervenção rural onde uma autoridade, Flavien Fafali Koudawo, escreve coisas como esta: 

“Ao tomarem as rédeas da Guiné-Bissau independente, as novas autoridades assumiram-se portadoras de um modelo de desenvolvimento. Na ausência de uma visão clara deste modelo, e dado a inexistência de um quadro de articulação coerente das vias e meios para alcançar metas bem planeadas, o referido modelo ficou apenas um objectivo vislumbrado. Nem as orientações do terceiro congresso do PAIGC que pretenderam traçar em 1977 o quadro da reconstrução nacional, nem o primeiro plano quadrienal de desenvolvimento económico e social (1983 – 1986) conseguiram consubstanciar um verdadeiro projecto nacional, no sentido de uma projecção num futuro desejado, conscientemente escolhido e claramente delineado. Na ausência deste projecto, o modelo afogou-se na ineficaz heterogeneidade duma miríade de projectos que ilustraram sobejamente que de boas intenções o inferno está cheio”. 

Não é nada agradável terminar assim o dia depois de percorrer este território onde os guerrilheiros do PAIGC se impuseram do princípio ao fim, como se estivesses absolutamente conscientes do vigor da sua causa. 

Aqui, no Xime, avista-se esta construção faraónica que nunca foi usada, à sua volta há trabalhadores a cultivarem como há milhares de anos, no delta do Nilo. É uma visão da ficção científica ou de como em África há que repensar o desenvolvimento e o bem comum. E fiquemo-nos por aqui, foi um dia a valer, já nem haverá tempo de ver o pôr-do-sol no Bairro Joli. E, no regresso, ainda há uma paragem comovente em Amedalai que se contará no relato de domingo de manhã, antes do Tangomau ir às compras para a grande festa, o grande reencontro com todos quantos puderam vir. (...) (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de janeiro de  2011  Guiné 63/74 - P7590: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (13): Os mistérios da estrada da Ponta do Inglês

(**) Último poste da série > 5 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13850: (Ex)citações (246): Ainda o rebentamento de uma granada no meio da população de Ganturé, durante um batuque (Mário Vitorino Gaspar)

Guiné 63/74 - P13891: Agenda cultural (356): Apresentação do livro "O Corredor da Morte", dia 18 de Novembro de 2014, pelas 15h30, na Associação Apoiar, Lisboa (Mário Gaspar)




1. Em mensagem de hoje, 14 de Novembro de 2014, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), solicita a divulgação da apresentação do seu livro "O Corredor da Morte", na APOIAR, no próximo dia 18 de Novembro.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13884: Agenda cultural (355): Convite para o Seminário de Estudos Internacionais dedicado ao tema "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro", de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, dia 20 de Novembro de 2014, pelas 18h00, no Auditório B1.03 do Instituto Universitário de Lisboa (Eduardo Costa Dias)

Guiné 63/74 - P13890: Manuscrito(s) (Luís Graça) (48): Rua Cor de Rosa...

Partidas & Chegadas

por Luís Graça


Para o Zé Belo
que parte,
para Key West, na Florida,
e para o Alberto Branquinho
que fica em Lisboa,
com o Tejo por cambar. (*)





Rua Nova do Carvalho.
Agora Rua Cor de Rosa…



Há um bar para cada marinheiro,
Seja branco, preto ou amarelo,

Desde que no bolso tenha  dinheiro.
É um sítio de partidas e chegadas
De todas as almas penadas.


Wiking, samurai ou paspalho,
Entro no Jamaica,
Saio no Escandinávia.
O mundo é estreito
Para tanto abraço apertado,
Ali, no Cais do Sodré.

Hei-de vir a partir pratos
No Bar dos Gregos,

Coisa sem graça.
Mas agora tomo 
O meu último uísque marado,
No Texas,
Antes de partir para a Guiné,

No T/T Niassa.

Não há irãs,
Acocorados nos poilões.
Não há sequer poilões.

Mas em cada dia 
Haverá novas manhãs.

Luís Graça (**)

Guiné 63/74 - P13889: Notas de leitura (650): 1 de Novembro de 2014, na Feira da Ladra (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2014:

Queridos amigos,
Já houve referência à edição de 1944 desta adaptação do “Romance da Conquista da Guiné”, não foi muito feliz, estou crente que não mobilizou muitos jovens para ler mais Zurara, o percurso das viagens está muito sincopado, devia ter sido precedido de uma explicação das diferentes viagens, comportar um mapa das mesmas, etc.
Esta edição é mais cuidada que a primeira, com o benefício dos bons desenhos de Júlio Gil. E feita esta aquisição cheguei imprevistamente a outra, um livro de António Carreira que me pôs a refletir como foi possível vender como fidedigna a doutrina da unidade entre a Guiné e Cabo Verde.
Depois falamos.

Um abraço do
Mário


1 de Novembro de 2014, na Feira da Ladra (2)

Beja Santos

Ainda não refeito do achado da fotografia em que o padre Afonso parte mantenha com o Cardeal Patriarca e da curiosa revista A Terra, número associado à 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto em 1934, encontrei noutra banca o Romance da Conquista da Guiné, adaptação, para rapazes da “Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné” por Gomes Eanes da Zurara, trabalho de Frederico Alves, ilustrações de Júlio Gil. Aqui há uns meses atrás encontrei num alfarrabista na Avenida do Uruguai, em Lisboa, a primeira edição, de 1944, editada pela Agência-Geral do Ultramar, agora esta nova edição, de 1965, foi publicada pelas Edições Panorama, do SNI. O livro terá pertencido à biblioteca de Guedes de Amorim, conforme dedicatória que aqui se mostra.



Não há muito a dizer sobre um trabalho a que se fez larga referência. É uma adaptação para um público jovem de um dos clássicos da historiografia portuguesa e um dos pilares da história luso-guineense. Limito-me a um conjunto de referências até chegarmos à Guiné, ou seja a Grande Senegâmbia, para o saber do tempo era tudo a Guiné, ou a Etiópia Menor, tais ainda as imprecisões cartográficas, e mais tarde a Senegâmbia, convém recordar que Honório Pereira Barreto, um dos cabouqueiros da Guiné atual, envia às autoridades de Lisboa uma memória da Senegâmbia.

É muito bonito o retrato que Zurara dá do Infante Dom Henrique, convém não esquecer que a crónica é o seu panegírico:  
“A sua estatura era de bom tamanho, a sua carnadura grossa, os membros largos e fortes e a cabeleira levantada. A pele foi branca, primeiro; porém o sol do Algarve acabou por queimá-la. A sua presença, à primeira vista, amedrontava os tímidos. Rara lucidez de espírito e teimosia incomparável”.

Mais adiante, Zurara vai enumerado as razões pelas quais o Infante se afoitou à empreitada dos Descobrimentos: querer devassar o mistério oceânico; podia bem ser que, entre terras e povos desconhecidos, os mareantes achassem bons portos e excelentes mercadorias ignoradas dos navegadores e comerciantes do tempo; impunha-se conhecer até onde chegaria a força dos infiéis; pretendia saber se em África existiriam países cristãos dispostos a arriscar a vida pela Fé; era seu desejo chamar a Jesus todas as almas que se quisessem salvar; e cumprir o seu destino realizando altas conquistas, tudo cumprindo a prazer do seu rei.

E assim se aparelhavam as caravelas e foram contornando a costa africana, passaram pelas Canárias. Estes empreendimentos conheceram uma pausa quando houve discórdias entre os que tomaram partido pelo Infante Dom Pedro e os que se puseram ao lado de D. Afonso V. Sossegados os negócios do reino, foram retomadas as viagens, Zurara descreve como Nuno Tristão armou Antão Gonçalves cavaleiro num local que se ficou a chamar por Porto do Cavaleiro. Em 1443, Nuno Tristão chegou ao Cabo Branco, descobriu a Ilha das Garças, estava-se no bom caminho. Em dado passo, regressando as caravelas a Lagos, expuseram os prisioneiros trazidos, é um dos textos mais espantosos de Zurara e da historiografia portuguesa:
“Os outros juntaram-se no campo, coisa maravilhosa de ver, pois eram uns de alvura sem mácula e formosos, outros de cor parda, e outros ainda, negros como a noite, feios e mal-ajeitados de corpo. Meu Deus! E qual coração, por mais empedernido, se não comover diante daquele triste rebanho?
Uns, de rostos baixos, lavavam as faces com pranto, outros trocavam olhares angustiados; gemiam alguns, dolorosamente, fitando as alturas do Céu, gritando de rijo, como se rogassem ajuda ao Pai da Natureza; outros rasgavam com as unhas a pele da cara e arremessavam-se ao chão; outros, ainda, soltavam do peito um coro de lamentações à maneira dos cânticos da sua terra distante.
E como se não bastasse a condição de escravos, aproximaram-se, então, os da partilha que, para ajustarem os quinhões, muitas vezes tiveram de separar os filhos dos pais, e as mulheres dos maridos, e os irmãos entre si. O coração não mandava, mandava a sorte”.

Dinis Dias demandou a terra daqueles negros conhecidos por guinéus, estas terras na linha da costa ocidental de África eram conhecidas por Guiné. Sucedem-se as façanhas, as viagens tormentosas, em dada viagem julgou-se ter chegado ao rio Nilo e Zurara escreve:
“O Nilo é o rio das maravilhas, o rio mais nobre do mundo, e a sua grandeza foi cantada pelos sábios da Antiguidade.
Dizem alguns que ele nasce ao pé do Mar Vermelho e dali corre, para o ocidente, através de muitos acidentes. Nesta ilha, do senhorio da Etiópia, há uma cidade outrora chamada Sabá, ao tempo que o faraó do Egito lá enviou Moisés”.

Há pelejas com os mouros, morrem companheiros, morre Nuno Tristão na sua glória de bem servir. Prossegue o panegírico de Zurara:
“Aventuraram-se longe, muito longe, as caravelas do Senhor Infante. E o eco das navegações que fizeram soou até nas cortes da Noruega, Suécia e Dinamarca, onde nobres varões se deixaram tentar pelas vozes correntes e, descendo a Europa, vieram à beira do Tejo para haver em prova de que a verdade era tão grande como a fama”.

A crónica avança para o seu termo. Em 1448, D. Afonso V é rei na plenitude, aqui se põe fim à crónica, com seguintes dizeres: “e por isso que vós, mui alto e muito excelente Príncipe Dom Henrique, segundo creio o mais virtuoso entre os mortais, mandastes a mim, Gomes Eanes de Zurara, vosso criado, e por vossa mercê cavaleiro e comendador na Ordem de Cristo, que pusesse esses feitos em história, com grande razão me apraz terminar em agradecimento a vós”.



As pechinchas ainda não acabaram; ainda não refeito deste Zurara adaptado a jovens com ilustrações de Júlio Gil e dou comigo a manusear uma preciosidade de António Carreira, um conjunto de enseios editados em 1984, pela Ulmeiro, ali se fala da geografia e da demografia de Cabo Verde, as várias secas e fomes do século XX, como se organiza a sociedade cabo-verdiana, as migrações internas, a emigração e a imigração, é a primeira vez que leio algo de substancial sobre estas fomes e secas e sua interpretação: o deserto do Sara tem as suas culpas e aqueles ventos que afugentam as chuvas, a derruba e a queima de tudo quanto é mato e arvoredo; as pragas de gafanhotos que devoram e danificam culturas e pastos, a acentuada diminuição das águas subterrâneas; o crescimento explosivo da população que tudo agravou e face à qual a emigração foi útil mas insuficiente. Uma leitura atrativa, esclarecedora, Carreira, nascido na Ilha do Fogo, em 1905, e que trabalhou como administrador na Guiné, foi um dos seus historiadores mais prolíficos e probos. Daí valer a pena dedicar-lhe espaço em próximo apontamento.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13870: Notas de leitura (649): 1 de Novembro de 2014, na Feira da Ladra (1) (Mário Beja Santos)