quarta-feira, 6 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23413: Historiografia da presença portuguesa em África (324): A circunscrição de Geba, em 1914, relatório de Vasco Calvet de Magalhães (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
Estamos sempre a aprender, veja-se este relatório de 1914 do Administrador da Circunscrição de Geba, um território com as dimensões aproximadas de um terço da Guiné atual. Fazia parte das obrigações dos administradores enviarem relatórios ao Governador em Bolama, este por sua vez coligia todas as informações recebidas e enviava um relatório ao Ministro da Marinha e do Ultramar. Vê-se com alguma perplexidade como é que o administrador dá ampla publicidade através de uma edição da sua iniciativa, ou recebera autorização superior ou reformara-se. É patente o orgulho pela obra feita, tece críticas demolidoras não só para a administração como para os administrados, não deixa de falar na indolência do indígena e em simultâneo faz propostas concretas para o desenvolvimento agrícola, para a criação de ensino técnico-profissional, para grandes mudanças de tributação e sobretudo faz um apelo a uma organização efetiva da administração colonial. Leitura indispensável para entender a presença portuguesa numa região onde não havia tradição da nossa colonização, e onde o poder colonial contava inegavelmente com o suporte das etnias islamizadas.

Um abraço do
Mário



A circunscrição de Geba, em 1914, relatório de Vasco Calvet de Magalhães (1)

Mário Beja Santos

Com impressão na tipografia Progresso, Porto, 1916, o Administrador da Circunscrição de Geba fazia o seu relatório, seguramente encaminhado para Bolama, terá recebido autorização para edição própria. É um documento de grande importância, como o leitor ajuizará. Permite, em primeiro lugar, apercebermo-nos como mudam os critérios de organização do território, e neste caso é surpreendente a circunscrição civil de Geba, tinha uma área aproximada de 13 mil quilómetros quadrados, cerca de um terço do território da colónia, limitada a Norte e a Oeste pela linha de fronteira do marco 58º ao 95º, pelos limites Sul e Leste das regiões de Pateá, Colá e Oio, e limite a Oeste a região do Cuor; ao Sul e Leste o rio Corubal desde a sua confluência com o Geba até ao território do Corubal e a linha de separação deste território do de Badora e Cossé e linha de fronteira do marco 24º ao 58º, e o rio que a separa da região Norte do Forreá. Cerca de 19 regulados, desde Cabu até Mansomine. Impossível não ficarmos impressionados com a extensão desta circunscrição. Queixa-se de muita coisa, logo dos vencimentos e dos efetivos, dizendo que o corpo de guardas é insuficiente, nem chega para policiar a povoação de Bafatá, vê-se constrangido a encarregar indígenas para desempenhar serviços inerentes aos guardas, sem remuneração. E dá conta do crescimento de Bafatá, a vila tem conhecido um grande e rápido desenvolvimento, teria uma população superior à de Bissau, não contando com a população flutuante, daí ser imperativo ter um maior número de agentes de segurança.

É verdadeiramente demolidor quando fala da instrução: “Consiste apenas em ensinar os indígenas a ler e escrever, como se estes predicados bastem para fazer deles indivíduos úteis à terra de onde são nativos! Estes indivíduos recebem apenas uma instrução superficial e quando já sabem soletrar e fazer duas letras dão por finda a sua instrução. As escolas primárias do interior são úteis, mas quando nelas se criem conjuntamente escolas de ensino de trabalho manual, como oficinas de carpinteiro, marceneiro, serralheiro, alfaiate, sapateiro, etc.”. Dá-nos conta que há 62 estabelecimentos comerciais, é um número excessivo, apareceram muitos comerciantes sírio-libaneses a partir de 1911, faz deles uma apreciação pejorativa: “Vivem, em geral, miseravelmente, restringindo as suas necessidades ao número possível e juntando umas centenas de escudos lá vão para Beirute! O indígena, que parece destinado a ser explorado, é uma vítima nas mãos destes indivíduos, que sem consciência nem escrúpulos os exploram. Põe acima de tudo as suas ambições, e por isso enganam no peso, na medida, nos preços gerais do mercado, o indígena, e não levam mais longe a ganância dos seus lucros porque se começou a exercer fiscalização rigorosa”.

Muda de tema, direciona-se para a agricultura, dizendo que em geral são os cabo-verdianos os únicos indivíduos que exploram a agricultura na região, o indígena tem repugnância ao trabalho assalariado, e vaticina mesmo: “Poderão vir as maiores e mais poderosas companhias que encontrarão nesta região sempre este grande obstáculo”. Novamente desassombrado a falar das questões da Fazenda: “Por decreto de agosto de 1912 foi criada uma repartição da Fazenda nesta localidade, mas até hoje ainda nenhum empregado da Fazenda para aqui veio destacado”. E mais desassombrado se revela a apreciar o serviço de fiscalização aduaneira: “Em 1909, quando aqui tomei posse, havia apenas em toda a circunscrição um posto fiscal, chamado do Boé, mas verdadeiramente o que havia estava em Pai-Ai, muito aquém do Boé. O aspirante ali destinado fazia o que queria. Apreendia borracha, mercadorias e dinheiro aos indígenas do nosso território, um verdadeiro salteador de estrada”. Deplora os fiscais, verdadeiros ladrões e o corpo de guarda-fiscais, gente viciosa e indisciplinada. Tal como hoje, critica o funcionamento da justiça, houvera um aspirante que praticara mão-baixa, fora o cabo dos trabalhos demiti-lo, o processo arrastava-se há anos, o ladrão bandeara-se com uma bela soma.

Agora o assunto é o imposto de palhota, e ficamos a saber que os indígenas pagavam imposto com muita facilidade e na época em que se lhes determinava. Há razões que parecem bastante plausíveis para que o imposto deva ser individual e não por palhota, descobrira, sobretudo em gente da etnia Mandinga, que para pagar menos imposto chegava a haver palhotas com 23 pessoas, inconcebível. E dá sugestões: “Deveria ser estabelecido uma percentagem X sobre o imposto total recebido pela administração, para ser aplicado o seu produto em melhoramento de obras locais, a exemplo do que se faz em Moçambique e nas vizinhas colónias francesas. Era a forma de poder fomentar mais rapidamente esta região tão rica, valorizando-a ainda mais, construindo estradas que tão necessárias são, pontes, viadutos”.

A edição do relatório faz-se acompanhar de imagens que são uma verdadeira preciosidade, estão focadas no crescimento e desenvolvimento de Bafatá, mas mostram também os empreendimentos em que Vasco Calvet de Magalhães se envolveu, de fontanários a estradas. Não é despiciendo referir que se deve a este administrador de circunscrição a primeira estrada guineense de algum porte, entre Bafatá e Bambadinca, aliás, ele teve a preocupação de mostrar Bambadinca pela importância que tinha na região. Para além de imagens, dá números, sempre com prudência, irá falar do arrolamento com devidas cautelas, desconfia dos números. É um documento de inegável valor histórico, percebe-se que a povoação de Geba já tinha uma importância mitigada, a expansão era de Bafatá para os pontos remotos do Leste.

Há outras duas apreciações sobre este administrador: como as suas responsabilidades vão até ao Oio, colaborará com Teixeira Pinto; e terá um papel determinante na montagem de uma política colonial de fracionamento de poderes, será ele a dividir o imenso regulado onde pontificava o régulo Monjur, um importante colaborador dos portugueses nas guerras de pacificação, um régulo Fula altamente prestigiado que depois de destituído do seu poder viveu os últimos anos em obscuridade e foi alvo de pompas fúnebres emocionantes.

(continua)

Fotografias assinadas por Domingos Alvão, um grande fotógrafo que esteve presente na I Exposição Colonial, que se realizou no Porto em 1934, retirámos estas duas imagens no site Memória de África e do Oriente, seguramente que fizeram parte do repositório da investigadora Jill Rosemary Dias
Quatro imagens extraídas do site Memória de África e do Oriente, muito provavelmente também da coleção de Jill Rosemary Dias
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23396: Historiografia da presença portuguesa em África (323): Dados sobre a Guiné no início da década de 1920, trabalho de um aluno da Escola Colonial (1850-1925) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 5 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23412: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (5): Então o comandante do navio não assinou o recibo de entrega do preso?... (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 2732, Mansabá, 1970/72)

1. Os pobres dos editores deste blogue mal têm tempo para se coçarem, quanto mais escrever as suas próprias histórias e editar os seus próprios postes... Há material (sobretudo os textos com montes de fotografais...) que pode levar algumas horas a editar...

Mas a verdada é que eles, editores,  também sabem escrever e até têm, além de memória, sentido de humor... Hoje fomos recuperar um comentário do nosso querido Carlos Vinhal, esquecido ou escondido na "montra traseira" (a caixa de comentários) do nosso blogue, no poste P23391 (*).

Afinal, é uma história (aliás, são duas) com "princípio, meio e fim", e que encaixa na perfeição na nossa nova série "A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra" (**)

Recorde-se que o nosso camarada, amigo e coeditor Carlos Vinhal (um histórico da Tabanca Grande, à qual pertence desde 25 de março de 2006)  foi  furriel miliciano atirador de artilharia  com a especialidade de minas e armadilhas. Incorporado como instruendo do CSM em Abril de 1969 nas Caldas da Rainha (RI5), tirou a a especialidade de atirador de artilharia em Vendas Novas (EPA), tendo passado ainda, em novembro, por Tancos (EPE) onde tirou o XXXIII Curso de Minas e Armadilhas... 

Em dezembro de 1969 rumou ao Funchal onde ajudou a dar a especialidade de atirador a um grupo de militares madeirenses com os quais se formaram as duas primeiras Companhias da Bateria de Artilharia de Guarnição n.º 2 (BAG2, a partir de 1970, GAG2) a irem para o Ultramar: a CART 2731 foi para Angola, e a sua, a CART 2732, embarcou no cais do Funchal para a Guiné no dia 13 de abril de 1970, onde chegou a 17. 

Como quase quase toda a malta, esteve "hospedado" uns dias, 
no Depósito de Adidos, em Brá, e  no dia 21 do mesmo mês seguiu, com os seus madeirenses da CART 2732,  para Mansabá (que ficava na região do Oio, entre Mansoa e Farim).  Aqui permanceu em quadrícula até finais de fevereiro de 1972.

Mas estas duas histórias, que metem 1.ºs cabos milicianos e presos (e que, por isso, têm o seu quê de pícaro), não se passam exatamente nos Adidos, nem em Lisboa, nem em Brá,  mas uns tempos antes, no GAG2 (Grupo de Artilharia de Guarnição nº 2), no Funchal... (O BAG2 /GAG2 teve origem nas unidades de artilharia estacionadas na Madeira pelo menos desde 1661; hoje está integrado no Regimento de Guarnição nº 3.)



O soldado do GAG2, Funchal, que foi 'repescado' nas águas do Tejo pela Polícia Militar...

No BAG2 / GAG2 (Funchal) havia uma cela com alguns presos. Ao domingo abria-se a porta e os presos iam com as famílias, esposas, filhos, pais, etc, dar umas voltas pelas redondezas. Ao fim da tarde regressavam à situação de presos. 

Uma situação complicada foi quando num dia em que o aspirante não foi à instrução que constava de uma progressão ao longo das levadas, um dos recrutas veio ter comigo e pediu para ir falar com o aspirante ao quartel. Anui.

Quando mais tarde voltei, estava tudo em alvoroço porque o tal recruta tinha abandonado o quartel e apanhado clandestinamente um navio para o continente. 

Fiquei mesmo atrapalhado, mas antes de manifestar a minha preocupação, perguntei naturalmente ao aspirante se o militar tinha estado com ele durante a manhã. Que tinha estado e que lhe tinha pedido para o deixar ir a casa porque morava ali perto. Só que não voltou à hora de almoço. 

Contactada Lisboa, no dia seguinte a PM estava à sua espera no cais. O recruta tendo-se apercebido da recepção que lhe estava destinada, atirou-se à água, sendo preciso algum trabalho para o capturar. A esta distância não me lembro quem era e se foi connosco.


Atão, e o recibo de entrega do preso, assinado pelo comandante do navio ?

Ainda outra história com prisioneiros. Um dos meus camaradas foi incumbido de levar um preso ao cais do Funchal para ser encaminhado sob prisão para Lisboa. Chegados a bordo, o cabo miliciano entregou o preso e os respectivos papéis. 

De volta ao quartel, o oficial de dia perguntou-lhe se o Comandante do navio tinha assinado o recibo de entrega do preso.
- Era preciso? 

Havia que voltar rapidamente ao cais antes que o navio zarpasse.

Carlos Vinhal

Notas do editor:

(**) Vd. poste de 25 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P632: Tabanca Grande: Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

(***) Último poste da série >  4  de julho de  2022 > Guiné 61/74 - P23409: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (4): peripécias de um aspirante miliciano, no Depósito de Adidos de Luanda, um mês e tal à espera de transporte para o CTIG (João Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt, PTE / BENG 447, Brá, 1967/71)

Guiné 61/74 - P23411: Blogpoesia (772): A CCS, "Era aquela Companhia", por Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 - Parte I - (1)

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 5 de Julho de 2022:
Bom Dia Carlos Vinhal, Bom Dia Tabanca Grande
Desta vez é, "ERA AQUELA COMPANHIA", parte 1, e depois será a segunda parte.
E muito mais haverá para enviar à Tabanca. É que agora pensei em não te dar sossego , é muito o trabalho aqui acumulado.

Para todos os que habitam na Tabanca Grande vai um bom abraço em especial para os Chefes de Tabanca.
Albino Silva





ERA AQUELA COMPANHIA

Parte I - (1/2)

Desembarcados no Cais
Quando ao Canchungo chegámos
E a terra da Guiné
a primeira vez nós pisámos.

Foi-nos dado uma Caserna
Para toda a comissão
Junto ao arame farpado
Bem pertinho da Prisão.

Eram tantas as mulheres
Pois havia a Tabanca à beira
Cada uma delas só queria
Ser a nossa lavadeira.

Havia muitas Bajudas
Lavadeiras para a farda
Todos escolhemos uma
Só para lavar e mais nada.

O Quartel conhecemos
Tudo quanto lá havia
Cantina, Casernas, Cozinhas
As camas onde se dormia.

Estava junta a CCS
a Companhia formada
dando início à missão
naquela terra azarada.

Comandava o Batalhão
Um Coronel porreiro
O Martiniano Gonçalves
Depois Aristides Pinheiro.

Guilhermino Militar
Um Major mal humorado
Só dizia não há figos
Era mau para o soldado.

Era Segundo Comandante
E por Vacas conhecido
Rabugento muito mau
Ele era destemido.

Tinha outro Major
Se chamava Milheiriço
Ameaçava tudo à chapada
Era Oficial castiço.

Deu uma chapada a um militar
E dessa cena quem viu
O soldado ficou de pé
E foi o Major que caiu.

O Nelson Santos
Como oficial era bom
Com nós em Teixeira Pinto
Onde era Capitão.

O Tenente Paulo Dias
Fazendo o que mais sabia
Por gostar de escrever
Era chefe de Secretaria.

Era Alferes de Transmissões
E disso bem ele sabia
O António S. Ferreira
Lá na nossa Companhia.

O Alferes Leite Faria
Oficial bem aplicado
A comandar a "ferrugem"
Andava sempre borrado

Foi sempre bem estimado
Era um Alferes verdadeiro
Trabalhava na oficina auto
Mas por fora era um lateiro.

Havia em Teixeira Pinto
Uma Igreja para a oração
Francisco da Costa e Silva
Era o Alferes Capelão

Era bom Capelão
E até a bajuda rezava
Passava o tempo connosco
E na Tabanca pregava.

Como era militar
Era nosso Capelão
Com eles todos rezavam
E a cantar era bom.

Maximino Vaz da Cunha
Alferes Médico Miliciano
E o Sargento Ajudante
Era o António Maria Mano.

Era o Alferes Lamares
Quase com a nossa idade
Ele também Miliciano
Chefe da Contabilidade.

Outro Alferes era o Corais
Com um pouco de mania
Era ele o Tesoureiro
Lá na nossa Companhia.

Bessa de Melo outro Alferes
Era Médico que mal o vi
Ele tinha a nossa idade
Por isso não o esqueci.

Alferes Miliciano Médico
O Maymone Martins então
Excelente militar aplicado
Tudo o que fazia era bom.

Como nós era Periquito
Mas com ele se aprendia
Grande Médico corajoso
Em tudo quanto fazia.

Era amigo e ensinava
E muito a gente aprendeu
Bom camarada e gentil
A malta não o esqueceu.

Com prazer tudo fazia
Fosse no Quartel ou não
As consultas que ele dava
Para todo o Batalhão.

Via e ouvia o doente
Quando estava a consultar
Depois fazia a receita
Para o doente tomar.

Companhia de Comando e Serviço
Lá na Guiné era assim
Era aquela companhia
Do principio até ao fim.

O Comandante da CCS
Aquele que mais dava a voz
Era o nosso Capitão
António Rodrigo Queiroz.

Era um Homem cumpridor
Como Oficial era bom
Zeloso com a Companhia
Um excelente Capitão.

Comandava muito bem
Pois exigia respeito
Gostava que todos cumprissem
Fazendo tudo bem feito.

O Alferes Vidal era forte
Dos Sapadores comandante
Punha-os a abrir trincheiras
Que faziam num instante.

No Reconhecimento o Sanches
Era Alferes entendido
Até de Oficial Dia
Ele era bem recebido.

Era a nossa CCS
Eram nossos oficiais
Em quem tanto confiámos
Pois eram todos iguais.

O Nosso Primeiro Mestre
A quem via dia a dia
Até altas horas da noite
Em sua Secretaria.

O Nosso Primeiro Mestre
Um homem bem educado
A todos tratava bem
Fosse Oficial ou soldado.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23406: Blogpoesia (771): "Amor e Vida", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887)

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23410: Notas de leitura (1461): "Crónicas Soviéticas", por Osvaldo Lopes da Silva; Rosa de Porcelana Editora, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Julho de 2022:

Queridos amigos,
O nome Osvaldo Lopes da Silva está diretamente associado à presença de quadros cabo-verdianos que tiveram um papel da maior importância nos derradeiros anos da luta. Leopoldo Amado já entrevistara longamente este quadro do PAIGC e do PAICV tudo a propósito da sua participação no cerco de Guileje. É um documento memorial de quem acompanhou ininterruptamente durante 28 anos a história da URSS e procurou estudar as sucessivas evoluções até à desintegração da URSS. Julião Soares Sousa saudará no prefácio a importância destes testemunhos, que são raríssimos. Atenda-se ao que ele vai escrever sobre o papel da URSS não só no apoio ao PAIGC como no relacionamento havido com outros movimentos de libertação. Não é surpresa o que ele escreve do mau relacionamento entre o aparelho dirigente soviético e o MPLA.

Um abraço do
Mário



Memórias de um quadro do PAIGC e PAICV na União Soviética

por Mário Beja Santos


"Crónicas Soviéticas", por Osvaldo Lopes da Silva, Rosa de Porcelana Editora, 2021, é uma narrativa de índole memorial centrada fundamentalmente na década de 1960 e que acompanha a vida deste quadro do PAIGC e PAICV no seu relacionamento com a URSS, até ao seu desmembramento. 

Osvaldo Lopes da Silva cursava Engenharia Civil em Portugal quando, em 1961, aderiu ao PAIGC e partiu para o exílio. Completou o curso de Economia em Moscovo, foi comandante de artilharia na luta armada na Guiné, teve papel relevante no cerco a Guileje. Com a independência de Cabo Verde assumiu as pastas ministeriais da Economia e Finanças e posteriormente dos transportes, comércio e turismo. 

É, indiscutivelmente, um ensaio histórico a ter em conta não propriamente por relato que o autor nos dá da evolução da URSS, mas do seu papel com as lutas de libertação nacional, havendo referências bem claras do apoio dado pela URSS ao PAIGC.

O autor chega a Moscovo em finais de 1961, manterá uma relação ininterrupta de 28 anos com o país. Irá recordar as vivências do estalinismo, a ascensão de Khrushchov, a crise dos mísseis, a queda de Khrushchov, a invasão da Checoslováquia, uma narrativa que se prolongará até 1989, data em que ele visita pela última vez a URSS. Considera-se testemunha privilegiada da vida da União Soviética. Fala-nos dos seus estudos em Kiev, a tentativa dos anfitriões em dar explicações para as crises da Polónia e da Hungria, a doutrina da coexistência pacífica, mas o autor vai detetando situações anómalas, um exemplo. 

“O que ainda restava da paranoia securitária da era de Estaline atingia por vezes os limites do ridículo. Os cidadãos soviéticos não dispunham de lista telefónica. Nem mesmo os da maior cidade, Moscovo, com os seus 6 milhões de habitantes. Para ultrapassar a situação, a cidade de Moscovo, que já era imensa nos anos 60, era servida por uma rede de uns 10 quiosques, não mais, cada um depositário de uma lista telefónica.”

E descreve os interrogatórios de quem estava do lado de lá do balcão, tão minuciosos que afastavam os mais afoitos. Relata a vida universitária dos estudantes de África, Ásia e América Latina, as conversas havidas com antigos presos políticos, as prisões mais arbitrárias que imaginar se possa. 

E acompanhamos as estimas e amizades que ele vai fazendo com gente que lhe fala da História da Rússia, ainda do tempo do Romanov e da ascensão do bolchevismo, dir-se-á que não há aqui elementos históricos novos, mas é uma narrativa muito bem-apresentada, 

Osvaldo Lopes da Silva disseca o estalinismo em todo o esplendor dos seus crimes, vamos perceber o ódio enraizado dos polacos contra os russos, e mesmo antes da Segunda Guerra Mundial. Temos o corolário das purgas, antes de mais dos leninistas da primeira hora até ao complô que estava a ser montado sobre médicos judeus, estava igualmente prevista uma purga de físicos mas Estaline e Béria retraíram-se quando o físico-chefe deu a saber que o fabrico da bomba atómica se baseava na teoria da relatividade e da mecânica quântica, isto quando o aparelho comunista se preparava para exorcizar a “teoria idealista” da relatividade.

A narrativa prossegue dando conta da política de Estaline durante a Segunda Guerra Mundial, dos problemas emergentes com a China, as infâmias do acordo germano-soviético de não agressão de 1939, temos depois a era de Khrushchov, inicialmente cheia de esperanças, o abalo provocado pela crise dos mísseis de Cuba, a nova liderança soviética com Brejnev à frente, um período hoje inequivocamente classificado como de estagnação e da burocracia toda poderosa.

Em finais de janeiro de 1967, Amílcar Cabral chegou a Moscovo vindo de Cuba, dá instruções a Osvaldo para partir para Conacri. Está nessa altura em preparação uma formação militar em que participaram cabo-verdianos com novo armamento destinado à guerrilha. Salta o seu relato para a separação de Guiné-Bissau de Cabo Verde e escreve o seguinte:

“Na impossibilidade em que Cabo Verde se encontrava nenhuma intervenção no sentido de alterar uma evolução política que se anunciava destrutiva, fazíamos apelo aos amigos que nos acompanharam na Luta que se aproximassem mais dos guineenses, com ajuda e aconselhamento. Foi-me assegurado que a nossa interpretação dos acontecimentos ocorridos na Guiné-Bissau tinha pleno cabimento nas análises das autoridades soviéticas e aconselhavam-nos a deles tirar uma inequívoca conclusão: o projeto de Unidade Guiné-Cabo Verde estava morto e enterrado; tentar ressuscitá-lo só podia levar à desnecessária confrontação.”

O autor dedica um capítulo ao papel da URSS nas lutas de libertação, desvela que Khrushchov era apoiante da descolonização, daí a criação da Universidade Patrice Lumumba para milhares de jovens do terceiro mundo, e concedeu uma ajuda multiforme aos movimentos de libertação nacional. 

Os soviéticos eram pragmáticos, preferiam concentrar a ajuda na formação de quadros militares qualificados e graduar o fornecimento de material bélico à medida que o movimento de libertação nacional desse provas de controlar o terreno. Não esquece o grave diferendo sino-soviético e dá-nos uma imagem dos primeiros anos da luta dos movimentos de colónias portuguesas.

“O material fornecido pela União Soviética ao PAIGC começou por ser constituído por pistolas Makarov, carabinas SKS, pistolas metralhadoras PPCha, a pachanga dos guerrilheiros, morteiros, canhões sem recuo, tudo material que abarrotava os paióis dos tempos da II Guerra Mundial e que já não tinha qualquer utilidade para as renovadas e modernizadas forças armadas soviéticas.” 

Refere o salto qualitativo de 1969 com os cursos abarcando artilharia, minas e armadilhas, o PAIGC passou a receber os mísseis terra-terra GRAD e cada vez mais AK, em detrimento de PPCha.

E recorda que o ponto mais alto da ajuda militar da URSS ao PAIGC foram os mísseis antiaéreos Strela. Essa ajuda militar dava especial atenção à formação militar, em centros de formação ou em bases navais. 

Também foi dispensado apoio à formação de pessoal de saúde, formaram-se algumas centenas de ajudantes de enfermagem. É igualmente referido que o principal interlocutor de Cabral era Boris Ponomariov, o responsável pela programação anual da ajuda soviética na luta do PAIGC. É aquando de uma dessas visitas que o autor nos relata o que pensava sobre a unidade de Guiné-Cabo Verde e as discussões havidas com Cabral. Osvaldo tinha sérias reservas, como escreve. 

“A simples constatação da existência de fortes resistências ao projeto de unidade no seio de guineenses e de cabo-verdianos, as quais tenderiam a agudizar-se depois de vencido o inimigo comum, o colonialismo português, só poderia reforçar as minhas reservas. A plataforma que eu proporia seria no sentido de salvar o que fosse possível do relacionamento entre guineenses e cabo-verdianos, apresentado abertamente a unidade como um contrato para a luta, entre partes reconhecidamente diferentes, com claro respeito pela personalidade nacional de cada uma delas.” 

E discute com Cabral, que lhe pergunta mesmo se ele pensava que queria impor a unidade pela via autoritária, se não tinha confiança nele. Ao que Osvaldo respondeu: 

“Tenho toda a confiança no camarada Cabral. Não tenho é confiança num projeto que depende, em tudo, da boa fé de um só homem.” 

O autor conclui a sua narrativa com a descrição da cooperação Cabo Verde-União Soviética.

Como observa em prefácio Julião Soares Sousa, há um mérito maior neste trabalho. 

“É que são praticamente inexistentes memórias de quadros de movimentos de libertação que, tendo feito formação na URSS ou algures.  se predispuseram a relatar as suas vivências. Não podia deixar de enfatizar a importância deste contributo de Osvaldo Lopes da Silva para a História Contemporânea.”
Osvaldo Lopes da Silva, fotografia da Infopress de Cabo Verde, com a devida vénia
Fotografia tirada na base de formação militar de Perevalnei (Crimeia), em abril de 1969. Vê-se, da esquerda para a direita: Osvaldo Lopes da Silva, Samora Machel, oficial soviético, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e não identificado.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23401: Notas de leitura (1460): “O percurso geográfico e missionário de Baltasar Barreira em Cabo Verde, Guiné, Serra Leoa”, por Graça Maria Correia de Castro; Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 2001 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23409: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (4): peripécias de um aspirante miliciano, no Depósito de Adidos de Luanda, um mês e tal à espera de transporte para o CTIG (João Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt, PTE / BENG 447, Brá, 1967/71)

1. Mensagem do João Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt do PTE (Pelotão de Transportes Especiais) / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971)


Data - 4 jul 2022, 15h06
Assunto - Passagem por Depósito de Adidos

Ao ler artigos interessantes de camaradas nos Depósitos de Adidos (em Lisboa, Bissau e Luanda) comecei a relembrar alguns episódios (pícaros?), que espero tenham  interesse para publicação Talvez sim, talvez não, conforme comentários que li no Blog. (Mas aqui vão.) (*)

Estive no Depósito de Adidos de Luanda um mês e tal. (Novembro/Dezembro de 1968). Estava no QGA (Quartel General de Angola) quando fui mobilizado e fui imediatamente para o Depósito de Adidos a aguardar transporte para a Guiné. (Que não havia directo!)

Solução era  vir a Lisboa e daí para Bissau, mas quando?!... E em navios fretados, quanto tempo mais?

E, enquanto lá permanecesse, continuava como aspirante miliciano pois só seria promovido (a alferes) à data do embarque.

Solução: Lá arranjei uma “cunha” na Força Aérea, tendo conseguido lugar num avião que vinha para Lisboa e com escala na ilha do Sal. Dificil,  pois estava lotado para o destino Lisboa. 

Além disso ainda consegui trazer a minha mala com um pouco mais do peso permitido. Mesmo assim tive de vir com as botas calçadas para aquela não pesar mais... Enfim, mais uma semanita e tal na ilha do Sal, onde na messe me roubaram uma boa camisola, no dia da partida, até me levarem para Bissaslanca num avião de carga da FAP, entre caixotes e demais material.

No Depósito de Adidos, em Luanda, a situação era sempre diferente e interessante, pois por lá passavam todos os camaradas em deslocações, à espera de transportes, para consultas, etc, muitos deles “pirados” e outros muito “pirados”.

Assim, eu embora tenha conseguido não dormir nem comer lá (e raramente lá estava durante o dia), sempre tinha de fazer serviços e nesses dias por lá ficava.

Alguns episódios que recordo:

Todos os dias era recebido pelo Oficial de Dia um telefonema do QGA  (não me recordo do nome da secção, seria ComLad?), para saber da situação no DA. (Esse telefonema era de horário aleatório.)

Certa noite, estando eu lá a dormir, por estar de serviço juntamente com  um Alferes, foi recebido o tal telefonema do QG, o Alferes dormia e ressonava e por mais barulho que fizesse não acordava. Resolvi então atender e, logo do outro lado, o militar disse a senha, à  qual eu teria de responder com a contra-senha. Mas qual contra-senha? 

Não notei que ficasse muito admirado por eu não saber. (Porventura já seria habitual naquele DA.) Lá me explicou que eu teria de ver um cartão (que ainda demorei a encontrar) e, consoante a senha, ver no quadriculado como havia de responder. 

Lá fiz isso e dei-lhe a contra-senha errada! Perguntou-me de imediato o nome e quem eu era, ao que respondi de imediato. Qual o meu espanto quando ele se identificou como capitão e disse que me conhecia muito bem, pois tinha estado comigo no QG. Após alguma boa cavaqueira, “perdoou” o lapso, lá se despediu e me poupou uma provável “porrada”.

Era habitual, todas as noites, haver uma ronda de jeep por algumas unidades de Luanda, com passagem e apresentação aos oficiais ou sargentos de dia das mesmas. Normalmente a ronda era feita por sargento ou furriel e praças. 

Bela noite, estando eu de serviço, o alferes, o sargento e alguns praças escalados já não se encontravam no DA, uns por entretando terem tido transporte, e outros se encontrarem “desenfiados”. Resolvi fazer a ronda sozinho, conduzindo o jeep, o qual consegui, e sendo “compreendido” pelos camaradas das outras unidades. Correu bem, nada se passou no DA,  nem na ronda e regressei ao DA, tudo calmo, nada se passou...

Outra noite, também de serviço e também sem o alferes, fui acordado por um camarada pois nas traseiras de uma casa civil com muro para o quartel, um homem gritava a bom som, pedindo ajuda porque o queriam matar. Com uma escada que encontrámos, trepei até ao cimo do muro e vi-o muito exaltado dizendo que à frente da casa estava um individuo a ameaçá-lo, por causa da mulher, e se nós poderiamos ajudar. 

 Lá lhe disse que era assunto civil e que chamasse a polícia, mas ele dizia que tinha medo de entrar em casa pois o outro poderia estar também a tentar entrar pela frente. Lá ficou mais sossegado quando eu lhe disse que iria mandar o jeep de ronda passar à frente da casa dele. O jeep passou, mas não foi visto homem nenhum, nem mais vimos ou ouvimos o fulano, nem nessa noite nem nunca mais, e também porque nunca mais passei frente à casa dele.

E, por agora é tudo, até ao próximo post.

Abraço, 
João Rodrigues Lobo.
___________

Guiné 61/74 - P23408: Tabanca da Diáspora Lusófona (19): Oh, home, sweet home!... De novo em casa, depois de um périplo de dois meses por Portugal, Inglaterra e Eslovénia (João Crisóstomo, Queens, Nova Iorque)


Foto nº 1 > Inglaterra >Stonehenge > 20/5/2022 > João e Vilma


Foto nº 2 > Inglaterra > Londres > Piccadilly Circus >
 18/5/2022> João e Vilma


Foto nº 3 > Inglaterra > Londres > 18/5/2022>
 "Depois do valente trambolhão da Vilma , 
escadas abaixo, neste ‘London bus', 
não houve vontade de mais fotos… e voltamos a Portugal"


Foto nº 4 >  Eslovénia  >  > 18/5/2022> Vilma no seu "jardim secreto", algures numa das montanhas da sua bela e querida terra natal


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de João Crisóstomo, membro da nossa Tabanca Grande, com cerca de 190 referências no blogue, conhecido luso-americano a viver em Queens, Nova Iorque, ativista social (tendo-se batido por causas como Foz Côa, Aristides Sousa Mendes e Timor Leste), régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, ex-alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67):

Data - segunda, 27/06/2022, 00:23

Assunto - Home, sweet home!

Caríssimo:
 
Acabo de chegar dum encontro da “Academia de Bacalhau de Long island” (comemorando mais um aniversário) e lá fizemos os tradicionais brindes “Gavião do Panacho” (*)… Ao transmitir-lhes o abraço que o Rui Chamusco me instruiu esta manhã para fazer, eles decidiram dar uma pequena ajuda para a Escola S. Francisco de Assis em Timor Leste… Gente boa!

Chegámos bem, vindos da Eslovénia, depois de dois atrasos (menores): um Zagreb, minutos antes de nós deslocarmos eles fecharam tudo para uma aterragem de emergência, usando a pista que o nosso avião ia usar para deslocar. Avisaram-nos etc. etc., ao mesmo tempo que nos informaram ter tudo corrido bem sem acidentes para passageiros e tripulação. É tudo o que sei, nem sei sequer que avião foi. 

Depois em Lisboa, em trânsito , chegando atrasados, foi uma corrida para apanhar o avião para Nova Iorque. E ao fim e ao cabo não era preciso pois outros aviões chegaram atrasados e eles esperaram… Chegámos um pouco atrasados a Nova Iorque mas chegámos direitinhos.
 
Tínhamos um amigo nosso à nossa espera e estamos em casa. Oh, home, sweet home! Como é bom entrar no nosso próprio buraquinho! (Depois de dois meses fora, passando por Portugal, Inglaterra e Eslovénia, périplo de que te mando mais algumas fotos.)

Mando-te os contactos que me pediste do ex-fur mil da CCAÇ 1439, Joaquim Teixeira, bem como do "Mafra",  Manuel Leitão, e do filho, Pedro Leitão (**). Não encontrei o nome do "Mafra"  na  lista de essoal da CCaç 1439. Dizes tu que ele era de um Pelotão de Morteiros... E já é tarde para ligar para ele. Mas amanhã eu ligo.

Estou, estamos, cansados… vou-me mesmo deitar que a idade agora já exige destas coisas…
Abraços e beijos à Alice. E sempre na esperança de que vocês nos façam a surpresa de nos anunciarem a vossa visita…

João e Vilma

2. Em mensagem anterior, de 16 de junho de 2022, 19h02, o João (ainda na Eslovénia com a Vilma)  tinha-nos dito, entre coisas, o seguinte:

(...) Nós estamos bem, e quase de volta a nova Iorque. Entre as voltas que temos dado neste país de sonho fomos visitar o nosso "Secret Garden”. Fica numas montanhas a 973 metros de altitude. Em 2017, por brincadeira deixamos a nossa passagem marcada numa árvore (sei que é coisa de garotos, mas deu-nos para aquilo…) e no ano seguinte marcamos a nossa passagem outra vez. Depois veio a pandemia etc.,  e no ano passado eu não pude acompanhar a Vilma. E este ano fomos ver se o nosso “memo” ainda lá estava… e estava , como podes ver pela foto.

Aproveito para juntar um apendice ao livro LAMETA. Este é um corolário à Escola S. Francisco de Assis em Timor Leste. Como sabes a situação da falta de professores credenciados ainda não encontrou solução e continuamos a lutar com quantas forças temos e todos os meios que se nos apresentam. Neste apêndice falo também do “Dia da Consciência”, celebrado amanhã , 17 de junho, data que felizmente não tem sido esquecida.
 
Um grande abraço , já com com muitas saudades, J
oão e Vilma. (...) (***)

_________

Notas do editor:



domingo, 3 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23407: Convívios (937): 37º encontro nacional do BENG 447, Caldas da Rainha, 25/6/2022, com 181 participantes (João Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt, PTE, Brá, 1967/71)






Caldas da Rainha > 25 de junho de 2022 > Vários aspetos do convívio que juntou 181 camaradas e familiares

Fotos (e legendas): © João Rodrigues Lobo (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem de João Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt do PTE (Pelotão de Transportes Especiais) / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971)

Data - 25/06/2022, 18:41
Assunto - 37º Convívio do BENG 447

Decorreu hoje no Paraíso do Coto, Caldas da Rainha, mais um encontro dos camaradas do Grande Batalhão. (*)

Estiveram presentes 181 camaradas, com as suas inevitáveis recordações .

Do "meu" PTE  reconhecemo-nos 4, com sentimentos alegres e espontâneos, o Lobo, o Simão, o Leal e o Neves. Boas recordações. O capitão Aguiar também nos trouxe boas memórias bem como a excelente organização do Araújo e outro camarada.

Todos conviveram e recordaram tempos de há 50 anos atrás. Pró ano há mais. (**)

Grande abraço,
João

Anexo - 6 fotos
_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23372: Lembrete (41): 37º Encontro Nacional do Pessoal do BENG 447, Brá, Bissau, sábado, 25 de junho, Restaurante O Paraíso do Coto, Caldas da Rainha: há autocarros a partir do Porto e de Lisboa

(**) Último poste da série > 27 de junho de  2022 > Guiné 61/74 - P23387: Convívios (936): 26º Convívio do Pessoal de Bambadinca (1968/71) + CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): Caldas da Rainha, 28/5/2022: Fotos - Parte II (João Crisóstomo)

Guiné 61/74 - P23406: Blogpoesia (771): "Amor e Vida", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887

© ADÃO CRUZ


Em mensagem do dia 28 de Junho de 2022, o nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68) enviou-nos este seu pema:


Amor e Vida

Sei que a vida vive no caminho dos montes
sei que a vida mora na música das flores
sei que a vida mora na casa da poesia
e no coração do silêncio em que o sonho dorme.

Sei que a vida não é aurora resplandecente
nem o infindo vazio do nada
sei que a vida é flor criada
fio a fio
espinho a espinho
na esperança de encontrar o amor
no alvor da madrugada.

Sei que a vida só é poema
quando o amor se cruza no caminho
sei que o amor é sonho
quando o sonho acorda na canção da vida.

Hoje…

Não sei onde descobrir um raio de luz
ou um copo de vinho para acender o sol
nem descortino o pequeno horizonte
rente ao chão ou rente ao mar
onde amor e vida se possam encontrar.

Sei apenas que as noites são pequenas
para acordar no meio de um sonho bonito
e que as águas do rio não fazem ideia
de que as ondas do mar são águas de infinito
que apagam suavemente em leve sussurro
o que amor e vida escreveram na areia.


adão cruz

____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23399: Blogpoesia (770): "Já Poeta não sou", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887)

Guiné 61/74 - P23405: A minha guerra foi pior que a tua?!...(1): Bambadinca (1969), Gandembel (1968/69), Gadamael (1973) (Luís Graça / C. Martins / Hugo Guerra / Alberto Branquinho / Joaquim Mexia Alves)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Invólucros de granadas de canhão s/r, deixadas na orla da mata contígua à pista de aviação, na noite do ataque a Bambadinca, 28 de maio de 1969...  


Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de janeiro de 1971 a outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por ele gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.

Foto (e legenda): © Morais da Silva (2012) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2317 (1968/69) > A messe de oficiais

Foto (e legenda): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Nas nossas conversas sobre a Guiné do nosso tempo (1961/74), já tenho ouvido "bocas"  do género: "Ah, mas não compares, o meu sítio foi muito pior do que o teu!"... 

Pior? Melhor? O que isso quer dizer? Há escalas para medir estas coisas?... Não creio. E até agora nunca ouvi dizer, a nenhum antigo combatente, que passou lá, na Guiné,  "as melhores férias da sua vida"...

Mesmo em Bissau, não havia o conforto e a segurança  que se podia esperar, por comparação, por exempo, com as outras capitais dos territórios em guerra, como Luanda e Lourenço Marques. Bissau chegou a ser flagelada, houve atentados terroristas, ouvia-se Tite a "embrulhar", estava a escassos quilómetros de Bissalanca e da Base Aérea nº 12, havia um inusitado movimento  de tropas, viaturas, aeronaves, navios da marinha,  estava rodeada de quartéis, tinha um enorme perímetro de duplo arame farpado, etc. 

Bissau era o "hall" de entrada da guerra...  Mas não se vivia lá tão mal (e em insegurança) como na generalidade dos quartéis e destacamentos do "mato"...  E no "mato" a guerra (e a sua violência) foi evoluindo com o tempo, e o próprio dispositivo militar foi crescendo e adaptando-se, de acordo com o terreno, a região, a implantação do IN, a sua agressividade, estratégia, armamento, população sobre o seu contr0lo, etc.  E, claro, o conceito de estratégia  dos nossos comandantes-chefes (de que destaco os três principais, Arnaldo Schulz, 1964/68; António Spínola, 1968/73; Bettencourt Rodrigues, 1973/74)...

Claro que havia diferenças em função do ramo das forças armadas a que se pertencia (Exército, Marinha, Força Aérea), especialidade, posto, local, período, companhias de quadrícula e de intervenção, tropa especial e "tropa-macaca", etc. 

Os desgraçados que estiveram em Gandembel (de abril de 1968 a janeiro de 1969), os "homens de nervos de aço", sofreram 372 ataques e flagelações em menos de nove meses, até que o Spínola mandou retirar aquele  dispositivo (em Gandembel e Balana) (*)... (Nos últimos tempos temos falado pouco de Gandembel, será que já está tudo dito ?!...)

Nunca ninguém contabilizou os milhares de granadas que lá cairam... e muito menos a dor, o sofrimento (físico e psíquico), o luto, o stresse pós-traumático, etc. (coisas que são mais difíceis de descrever, medir, quantificar...).

Mas Gandembel foi, fora de dúvidas,  um dos piores sítios da guerra da Guiné, mas também só existiu durante o tempo necessário para uma mulher gerar uma criança (nove meses). Depois a FAP foi lá e escaqueirou todo o trabalho ciclópico dos homens da CCAÇ 2317 (1968/70), que construiram, sob as ordens de Schulz e depois de Spínola, aquele quartel, a pá e pica, e defenderam-no com unhas e dentes das investidas do 'Nino' Vieira...

O mesmo se pode dizer de Guidaje, Guileje e Gadamael, nos meses de maio/junho de 1973... Será que se tornaram "colónias de férias" ou "resorts turísticos" depois disso? Guileje foi retirada em 22 de maio de 1973, por isso fica fora da corrida... Por seu turno, Guidaje acalmou, mais depressa que Gadamael... E houve outros sítios (por exemplo, na zona leste, no setor de Nova Lamego) que também conheceram o inferno depois da "batalha dos 3 G": Copá, Canquelifá, etc.

Como se costuma dizer,  cada um sabe de si e Deus sabe de todos...  Mas cada um tem o direito de dizer, aqui no blogue,  onde e quando a guerra lhe doeu mais...  

Vamos lá "repescar" alguns comentários do nosso vastíssimo blogue, que já tem mais de 23,4 mil  postes e 93,4 mil comentários... Alguns comentários "escondidos" (na vitrine das traseiras) merecem vir até à montra principal do nosso blogue, mesmo que seja uma dezena de anos depois... Ficamos também a saber que alguns dos nossos leitores (e comentadores) são mais nocturnos ("mochos") do que diurnos ("cotovias")...


2. Seleção de nove comentários, datados de 30 e 31 de Maio de 2011 e de 1 de junho de 2011, de vários camaradas,  ao poste P8345 (**), poste esse que teve cerca de 4 dezenas de comentários, numa altura (2011) em que ainda havia muita coisa para dizer, contar ou comentar, e a malta ainda tinha muito sangue na guelra. Mas também, de algum modo, estávamos a aprender a lidar com as nossas diferenças de perceção e opinião... e a cultivar o humor de caserna.

Refira-se, por fim que  um dos autores do poste P8345 (o Carlos Marques dos Santos) e três dos comentadores (Jorge Cabral, Luís Faria, Torcato Mendonça), infelizmente já faleceram... Curvo-me à sua memória e não lhes perturbo o sono eterno.

(i) Luís Graça | 29 de maio de 2011 às 07:38

(...) Para um "pira" acabado de desembarcar numa LDG no Xime, e que faz o percurso Xime-Bambadinca, em coluna auto, com forte protecção, e debaixo de grande tensão, na manhã de 2 de junho de 1969, a imagem do amontoado de invólucros (e empenagens) de granadas de morteiro e canhão s/r é das coisas que ficam logo na retina...

Fiz/fizemos o mesmo "percurso turístico" que muitos outros camaradas da zona leste, ao passar e parar em Bambadinca, a caminho do centro militar de Contuboel (por exemplo, visita aos quartos atingidos por morteiradas)... Felizmente que, embora tendo bom armamento (e até sofisticado), os artilheiros do PAIGC eram em geral mauzinhos, por falta de formação técnica...

O ataque a Bambadinca teve sobretudo impacto político e psicológico... É de destacar a "ousadia" do PAIGC... E a data escolhida (28 de Maio) também não terá sido arbitrária...


(ii) Luís Graça | 29 de maio de 2011 às 08:17

Que a defesa militar de Bambadinca foi descurada, não temos dúvidas... Estava-se sob o efeito psicológico, positivo, da Op Lança Afiada... Ninguém acreditava que alguma vez Bambadinca pudesse ser atacada... Em Maio de 1969, Bambadinca tinha apenas os seguintes efectivos:

(i) Comando e CCS do BCAÇ 2852

(ii) Pel AM Daimler 2046

(iii) Pel Mort 2106 (-)

(iv) Pel Caç Nat 63

Casa arrombada, trancas à portas... Daí o desgraçado do Carlos Marques Santos ter saído de Mansambo para ir "montar a tenda" na ponte (semidestruída) do Rio Udunduma... Daí as emboscadas (todos os dias) em Bambadincazinho (na célebre Missão do Sono), a abertura de valas à pressa... São factos a lembrar. (...)


(iii) C. Martins | 30 de maio de 2011 às 01:05

(...) Sempre que leio estas estórias fico com inveja... Oh bambadinqueiros, foram todos uma cambada de sortudos!... 

Nós, os gadamaelistas,  era assim: embrulhar, corrida para os abrigos ou espaldões de obus e morteiros, comer vianda, jogar póquer  de dados, beber Old Parr ou Gin com água da bolanha, dormir nos intervalos, sair para o mato, embrulhar, idem, idem, idem... Isto para os graduados, porque para os soldados ainda era pior.

Eu já sabia que tinha sido assim, só estou a confirmar. Não me lembro de ter passado um único momento agradável. Não nos podiamos dar ao luxo de facilitar.

Um alfa bravo para todos os sortudos. 
O invejoso C. Martins (ex-artilheiro em Gadamael)


(iv) Hugo Guerra | 30 de maio de 2011 às 20:23

(...) Faz tempo que me remeto ao silêncio, embora todos os dias e por mais que uma vez "folheie" o nosso blogue. 

Reparo que é preciso muito cuidado para deixar algo escrito porque as apreciações chovem, o que é salutar, e portanto todo o cuidado é pouco com o que se digita.

Hoje fiquei banzado com o relato do ataque a Bambadinca, localidade que eu, na minha ingenuidade dos vinte anitos, pensava não existir na Guiné que frequentei entre Agosto de 68 e Março de 70. (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e São Domingos), só para avivar a memória.

Que me perdoem os homens e mulheres que fizeram a guerra em Bambadinca, mas podiam ficar-se pelas belas desrições que fazem das Messes, das Familias presentes, da vida social e do que mais constituia o seu dia a dia e lembrarem-se de vez em quando das centenas de ataques junto ao arame farpado em Gandembel, dos mortos e feridos que lá tivemos, e éramos cerca de 500 homens enterrados nos bunkers, à espera que a noite corresse bem e não nos entrassem no arame farpado.

Bolas... não me venham dizer que todas as "estadias" na Guiné eram iguais. Isso é fazer esquecer Madina do Boé, Guileje, Gadamael Guidage e outros tantos buracos onde os nossos militares faziam das tripas coração para sobreviver.

Não me sobra engenho e arte para descrever o que eram essas flagelações, mas custa-me ver que o blogue está a ficar demasiado cor de rosa.

As porradas que vou levar dos camaradas que habitualmente escrevem no blogue, serão encaradas com simpatia porque muito poucos escolheram as suas estâncias de férias.

Quando em Set 1970 fui viver e trabalhar para Angola, no Ambriz primeiro e em Camabatela por último, aí sim, vi com os meus olhos o que era uma guerra convencional e de ar condicionado, com mortos e feridos em acidentes de viação e chá das cinco em casa dos gerentes coloniais das fazendas, que ainda os havia... Mas isso são outros trezentos que, por exemplo, o camarada Rosinha bem conhece...

Agora a minha Guiné... poupem-me, sem ofensa para ninguém. (...)


(v) Alberto Branquinho | 30 de maio de 2011 às 23:06

(..) Ó camarada Hugo Guerra! Que coragem! Ando, desde 6ª feira à noite, a matutar sobre "comento... não comento".

E, agora, fazendo novo acesso a este post sobre o ataque a Bambadinca (primeiro lugar onde arrimámos, para ficar em Fá uns meses), vejo que alguém veio dizer aquilo que eu andava a matutar: digo/não digo... embora de forma mais comedida.

É que o que eu queria, afinal, dizer era da trabalheira que dariamos aos editores se escrevessemos sobre as vicissitudes dos vários ataques diários (nocturnos e diurnos) que sofriamos em Gandembel e Ponte Balana. (Pelo menos durante o quase mês e meio que durou a operação Bola de Fogo).

E o que teriam que contar os de Guileje, Gadamael, Guidage, etc. Preocupação era quando estavam um dia sem atacar ("O que é que os gajos estarão a pensar fazer?").

Desculpem qualquer coisinha (...)

 
(vi) C. Martins | 31 de maio de 2011 às 00:21

(...)   Eu até sei porque fui destacado para Gadamael: foi por motivos políticos... O meu o crime foi pertencer à pró-associação de estudantes da FML - Faculdade de Medicina de Lisboa.

Não, não era do PCP, se bem que os pides pensavam que sim, e por isso bastante porrada levei em Caxias, para além da tortura do sono. 

Solto, malhei com os costados na tropa. Mobilizado para o CTIG, passei dois dias em Bissau, e aí vou eu de batelão até Cacine e de sintex até Gadamael. 

Aí chegado deparo com um ambiente surrealista, 15 minutos depois de desembarcar, parti o bico com elas a cairem junto ao arame farpado em frente aos obuses, a mata a arder e eu em cima da roda do obus a armar aos cucos para demonstrar que os tinha no sítio... Só que estava borrado de medo. Fiquei logo apanhado do clima.

Camarigos, quando digo que muitos foram uns sortudos, estou a falar a sério, assim como quando digo que tenho inveja.

Quero realçar que não me considero nenhum herói, apenas fui objecto das circuntâncias.

Era contra a guerra, e tinha bastante consciência política... mas jamais pensei em desertar ou ser refractário... O que é uma contradição, é verdade... Mas, o que é que querem?... Gosto muito de ser tuga, porra... Estou a ficar emocionado.

Acho que já disse demais, para quem quer ficar no semi-anonimato, e tem idade para ter juízo.

Um alfa bravo para os sortudos, e principalmente para os menos. (...)


(vii) Joaquim Mexia Alves | 31 de maio de 2011 às 09:47

(...) Perante alguns comentários aqui colocados, resta-me pedir desculpa por me ter "armado" em combatente. É que não estive em Guidage, Guileje, Gadamael, e outros sítios e como tal não tenho direito a contar as minhas "férias" na Guiné.

Não sou um combatente, sou um sortudo!!!

Ainda gostaria de saber quem foi que meteu uma cunha para eu ter tanta sorte em ter ido para a Guiné, para os sítios tão agradáveis em que passei dois anos da minha vida?

Pior do que eu, ou seja, ainda menos combatente, só o cozinheiro que nunca saiu para o mato!

Mato? Qual mato? Aquilo era um jardim onde se saltava à corda e brincava à cabra-cega!

Remeto-me à minha insignificância, e peço desculpa por ter estado na Guiné.

Um abraço para todos, com um sorriso, porque o humor ajuda a sentirmo-nos bem. (...)


(viii) Alberto Branquinho |   31 de maio de 2011 às 12:44

(...) Pensei que estavamos a falar "só" de ataques a aquartelamento(s) e não da "guerra fora de portas"... para onde foi extrapolado o cotejo.

É que quanto a "guerra fora de portas" há, logo, um factor importante, que é o de muitos (a maior parte das unidades) terem permanecido todo o tempo no mesmo quartel ou na mesma (reduzida) zona e outros terem andado durante dois anos com a "trouxa" às costas, como unidades de intervenção, como "mulheres-a-dias" a fazer limpezas em casa alheia, por quase dois terços da Guiné. Transportados em colunas-auto e variadas vezes em Lanchas de Desembarque, contando, neste caso, com uma emboscada. (...) 


(ix) C.Martins | 1 de junho de 2011 às 00:23

(...) Pronto, está o "caldo entornado"... Peço desculpa a todos que se sentiram ofendidos ao chamar-lhes "sortudos".

Não foi minha intenção menosprezar e muito menos ofender quem quer que seja... Não penso nem nunca pensei que fui melhor que os outros... só porque estive num sítio onde a guerra foi mais intensa...

Cada um sabe de si. A minha forma de estar na vida, não é propriamente vangloriar-me do que fiz, nomeadamente na guerra.

Todos fomos combatentes, mas não se pode escamotear a verdade... havia no TO da Guiné zonas mais "quentes" do que outras... é ou não é verdade?

Eu só falo de Gadamael, porque foi o único sítio onde estive, posteriormente também estive em Bissau já na fase de retracção das NT quando já não havia guerra, onde a bem da verdade, passei os únicos tempos na "descontração".

Penso que uma das finalidades do blog, é cada um relatar aquilo que passou. (...)

Ainda quero dizer a todos os camarigos, que aquilo que nos une (ex-combatentes na Guiné) é bem mais forte, independentemente das opiniões de cada um.

Por favor levem isto na "desportiva".. eu pelo menos levo. (...)

(Luís Graça):

(...) Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação [, Lança Afiada,], o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFog, morteiros...

Esse ataque ficou célebre: os camaradas de Bambadinca, segundo algumas versões que ouvi na altura, da "velhice", e dados que confirmei mais tarde, teriam sido apanhados com as calças na mão, far-se-iam quartos de sentinela sem armas, não havia valas suficientes, houve indisciplina de fogo, etc...

 Claro que no dia seguinte o Caco Baldé, alcunha por que era conhecido o Gen Spínola, deu porrada de bota a baixo, na hierarquia do comando do batalhão, do tenente-coronel (Pimentel Bastos, o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS (...).

A sorte da malta de Bambadinca (Comando e CCS/BCAÇ 2852, Pel Caç Nat 63, Pel Mort 2106 e Pel AM Daimler 2106, sem esquecer os civis...) terá sido, diz-se ainda hoje, os canhões s/r, postados ao fundo da pista de aviação, terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... 

Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, menos de uma semana depois, a 2 de junho de 1969, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de 18 meses de inferno... quando fomos justamente colocados... em Bambadinca como companhia de intervenção, leia-se, de "pretos"), alguns dos nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda falavam com emoção deste ataque:
- Podíamos ter morrido todos - dizia-me o 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, natural da minha terra, Lourinhã (...)

Na história do BCAÇ 2852, o ataque (ou melhor, "flagelação") a Bambadinca é dado em três secas  linhas, em estilo telegráfico: 

"Em 28 [de Maio de 1969], às 00h5, um Gr IN de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros. " (...). 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques