sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25802: Timor-Leste: passado e presente (15): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte VI: e o terror continuou no 2º semestre de 1942...


Timor > Aileu > 1938 > " D. Aleixo Corte Real, de Ainaro (ao centro),  com chefes locais e António Magno (à direita)"


Timor > Dili >  Escola Municipal c. 1936-1940

Fotos do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editadas por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Timor > Dili > Sede do BNU (Banco Nacional Ultramarino) > 1912 >  O Banco   "abriu Dependência de Dili em abril 1912 e colocou ali em circulação notas de patacas da filial de Macau com o carimbo 'Pagável em Timor' ”.


Timor > Dili > Sede do BNU (Banco Nacional Ultramarino) > 1950 > Em 1941, e segundo informação do dr. José dos Santos Carvallhos, o gerente do BNU era o sr. João Jorge Duarte e e na filial de Díli  trabalhavam vários empregados não-timorenses.


Timor > Dili >Nova sede do BNU (Banco Nacional Ultramarino) > 1969 > "Em 23 de novembro de 1969 foi inaugurada a nova sede do BNU. Em 11 de Agosto de 1975, com a instabilidade política, cessou a actividade da Filial de Dili do BNU". (...)  Retomou a atividade em 1999. (...) "O edifício onde hoje funciona a Sucursal da CGD/BNU Timor, foi inaugurado em julho 2001. A 17 de maio de 2002 foi inaugurada a agência de Baucau, a segunda cidade mais importante de Timor Leste".



Brasão de armas de Timor sob administração portuguesa


Fotos e legendas: Fonte: Blogue do Banco Nacional Ultramarino > 2 de novembro de 2011 > Timor



António Oliveira Liberato, capitão - "O caso de Timor : invasões estrangeiras : revoltas indígenas". Lisboa: Portugália, Lisboa : Portugália [195_?], 242 pp. (1)




1. Pode não ser a melhor leitura de verão... Mas o agosto (o nosso outrora querido mês de agosto...) apanhou-nos a meio desta tarefa... E temos a obrigação de a levar até ao fim... Por um dever de memória (e até de gratidão): afinal, ligam-nos, ao povo de Timor Leste,  laços históricos, linguísticos e afetivos... Os portugueses e os timorenses têm todo o interesse (e a obrigação)  de conhecer melhor a sua história comum, passada e presente, incluindo os trágicos acontecimentos que ocorreram na II Guerra Mundial: duas invasões estrangeiras (dos Aliados e depois dos japoneses), violando a neutralidade de Portugal... Mas também foi uma ocasião para ações de grande coragem e solidariedade entre um punhado de portugueses, de australianos e dos seus amigos timorenses. Estes homens e mulheres não podem ficar inumados na "vala comum do esquecimento". 

Estamos a publicar notas de leitura e excertos do livro de memórias do médico de saúde pública José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive. Atualizámos a ortografia e os topónimos. 






Mapa de Timor em 1940. In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) 

Parte VI:  e o terror continuou no 2º semestre de 1942



(i) Estamos em 12 de agosto de 1942. Timor está ocupado, pelos japoneses, desde 20 de fevereiro. O dr. José dos Santos Carvalho, chegado ao território em finais de 1941,  está agora à frente do Hospital Dr. Carvalho, em Lahane, nos arredores de Díli. Ofereceu-se como voluntário por um mês. Estava colocado em Baucau, como médico de saúde pública. Acabou de chegar a Lahane. 

À data é já administrador do concelho de Díli, o eng Canto Resende, chefe adjunto da Missão Geográfica de Timor, tornando-se o principal interlocutor dos ocupantes. Os escassos representantes das autoridades portuguesas (com exceção do  governador que ficara "refém" em Díli) estavam acantonados em Lahane, no hospital, ou dispersos por outras partes do território.

Boa parte da informação que o médico José dos Santos Carvalho passa agora a usar e  a citar é do livro de memórias do então tenente  António Oliveira Liberato, "O caso de Timor"publicado em meados dos anos 50).

Recorde-se que Timor foi invadido e ocupado  uma força de 1500 
militares japoneses, insuficiente, no entanto, para ocupar 
de maneira efetiva o território, para mais montanhoso (1 militar por cada 10 km quadrados, e por cada 300 habitantes).  Daí o recurso a milícias, c. 20 mil  (maioritariamente oriundas do lado holandês).

O isolamento dos portugueses era total. Em 31 de maio de 1942 foi ocupada a estação emissora radiotelegráfica de Taibessi. As ligações com o exterior só serão restabelecidas em 13 de setembro de 1945. 

A força militar portuguesesa em Timor era meramente simbólica: 300 homens, na sua grande maioria "indígenas". Portugal, "país neutral",  tinha concentrado os seus esforços na defesa das ilhas atlânticas, Madeira, Açores e Cabo Verde (40 mil, um terço do seu exército de 120 mil; no total terão cumprido o serviço militar, durante a II Guerra Mundial, 180 mil homens, o que representou um enorme esforço orçamental).


(...) Pelo engenheiro Canto foi posto ao corrente da situação existente. Os japoneses continuavam, permanentemente, a pretender a colaboração dos portugueses para lhes resolver os seus problemas de pessoal trabalhador, fornecimentos de géneros alimentícios, etc. 

As exigências que antes apresentavam ao administrador Aguilar continuavam a ser feitas, de modo perentório. Porém, o engenheiro, com extrema paciência e grande habilidade diplomática, conseguia um mínimo de compreensão para a nossa posição de neutralidade que não poderíamos de qualquer forma abandonar. 

A sua luta, nesse tempo, já era, como o foi sempre depois, constante e porfiada, com repetidas visitas ao consulado nipónico e pormenorizadas explicações aos agentes da Kempy [ a Gestapo  nipónica],  tais como o tenente Takeyóshi e os sargentos Sato e Abé, que frequentemente o «visitavam» no hospital, repetindo enfadonhamente as mesmas perguntas e demorando horas esquecidas em conversações que sempre orientavam para o mesmo assunto: a cooperação dos portugueses que pretendiam, e a sua desconfiança na nossa neutralidade pois havia portugueses ao lado dos australianos entre os quais o Júlio Madeira (2) [ natural de Ermera, antigo soldado nas NT, dirigia um grupo de guerrilha, resistindo aos japoneses ],  que eles porfiadamente procuravam. (...)



Governador português de Timor (1940-1945), 
(Porto, 1893-Lisboa, 1968). O " Relatório dos Acontecimentos de Timor
 pelo Governador Manuel de Abreu Ferreira de Carvalho" (publicado pela
 Imprensa Nacional, Lisboa,1947), mandado elaborar por ordem do Ministro das Colónias, 
Marcello Caetano, acabará por ficar na gaveta...


(ii) Aparecem os primeiros sinais da presença no território das sinistras "colunas negras", oriundas do Timor Holandês. Diversos postos administrativos na zona oeste do território são bombardeados pela aviação japonesa. Só havia comunicações  telefónicas, com as circunscrições da zona leste. As autoridades portuguesas  estavam isoladas e tiveram que aprender a lidar com a imprevisilidade, o despotismo e o cinismo dos japoneses. 
Só no fim da guerra se sabe da tragédia que foram os três anos e meio da ocupação japonesa.  Na metrópole a censura 
faz total "blackout" noticioso dos acontecimentos. Era ministro das colónias Francisco José Vieira Machado (12 set 39 - 6 jun 42). 

Pouco a pouco a resistência aliada (e nomeadamente australiana) vai enfraquecendo, face à contra-ofensiva dos japoneses e dos seus aliados indígenas do Timor Holandês (mas também de "centenas de índígenas do nosso domínio" que, "minadas pela propaganda nipónica (...) olhavam-nos com arrogância e propalavam o termo do domínio dos brancos", as palavras, insuspeitas, são do tenente Liberato).


(...) Porém, o mais grave é que dias antes, timorenses portugueses, haviam informado o engenheiro de que tinham desembarcado em Díli centenas de indígenas do Timor Holandês de aspecto sinistro e armados de azagaias e  catanas e distribuídos em grupos enquadrados por soldados javaneses armados com armas holandesas.

 Também, dias antes, os postos administrativos de Maubisse, Same, Beco e Mape, haviam sido bombardeados pela aviação japonesa, seguindo-se-lhe a sede da circunscrição da Fronteira (vila de Bobonaro), a sede da circunscrição do Suro (vila de Aileu) e outras localidades do oeste da Colónia entre as quais Lete-Fóho. 

Destes acontecimentos e de tudo o que se passava em todo o território de Timor, com exceção da zona Leste com a qual existiam comunicações telefónicas, chegavam muito tardiamente ao conhecimento dos portugueses do hospital de Lahane notícias muito confusas e imprecisas, melhor dizendo boatos, pois nao havia qualquer fonte de informação oficial nem sequer o Governador alguma vez lhes referiu qualquer coisa dos recados que por portadores timorenses lhe eram comunicados de Aileu e que, também, não poderiam deixar de ser muito imprecisos e inseguros.

Assim, somente no fim da guerra se soube pormenores do assassinato do cabo Alfredo Baptista, chefe do posto administrativo de Fátu-Lúlic, no dia 11 de agosto. 

Uma coluna de tropas japonesas vinda do território holandês entrou nessa povoação, indo os seus oficiais almoçar com o chefe do posto. A coluna saiu de Fátu-Lúlic após o repasto, porém, os indígenas de Atambua que a acompanhavam, a primeira «coluna negra» de cujas atividades houve notícia, ficaram para trás e mataram com as maiores atrocidades ao cabo Baptista, retalhando o seu cadáver em pedaços. 

Em vários pontos da colónia se assinalavam então movimentos de tropas japonesas, reforçadas também por elementos indígenas que, partindo de vários locais, convergiam para a zona em que operavam as guerrilhas aliadas (1). 

Na manhã do dia 13 estabeleceu-se em Aileu, que não tinha comunicação telefónica com Díli desde começos de agosto, um forte destacamento de forças nipónicas, acompanhado de numeroso núcleo de indígenas com armas gentílicas e algumas espingardas (1). A coluna que em Fátu-Lúlic assassinou o cabo Baptista era uma das três forças que avançaram sobre Bobonaro, duas partindo do território holandês e uma desembarcada em Suai e passando por Beco e Mape. 

Em conjunto, fizeram uma diversão sobre a região de Atsabe, que bombardearam intensamente, ao mesmo tempo que as tropas estacionadas em Aileu levavam as suas investidas até Maubisse e ameaçavam Ainaro. Em toda a zona da fronteira lavravam incêndios, e as tropas aliadas, abandonando o material, erravam em pequenos grupos pelas  montanhas, completamente desarticuladas, procurando refúgio na zona Leste do nosso território, onde depois as iriam perseguir os nipónicos, transformando assim toda a colónia em campo de batalha (1) . 

«A população europeia, exausta por um largo período de incertezas, depauperada pelo nervosismo, aterrorizada, aban- donou os seus lares e procurou refúgio nas aldeias indígenas cujos chefes ainda lhe mereciam confiança. O gentio movimen- tou-se e aqui e além notaram-se indícios de revolta» (1) . 

«Com a sua ofensiva, os japoneses trouxeram para a luta um novo elemento: o elemento indígena. As colunas constituías por este novo elemento, já pela cor dos seus componentes ja pelos desmandos que praticavam, ficaram sendo conhecidas em Timor por colunas negras. Estes núcleos, acompanhando as forças nipónicas, asseguravam-lhes a protecção a distância quer durante as marchas quer durante os estacionamen tos» (1).

«Inicialmente recrutadas entre as populações nativas do território holandês e das pequenas ilhas vizinhas, em breve viram as suas hostes engrossadas por centenas de indígenas do nosso domínio, principalmente da Fronteira, Maubisse e Manufai e, mais tarde, das restantes zonas da colónia. 

"Minadas pela propaganda nipónica estas massas olhavam-nos com arrogância e propalavam o termo do domínio dos brancos. O roubo a destruição e o massacre eram os seus objectivos» (1) . 

«As colunas negras, que ultimamente dispunham já de metralhadoras ligeiras e granadas de mão, entraram na luta, nas operações de agosto, como elementos de segurança e proteção das forças regulares japonesas» (1) .

 Depois, «manobrando já com relativa autonomia, dedicaram-se à perseguição dos grupos de guerrilheiros e dos portugueses que, sob a protecção daqueles, andavam a monte, aguardando a oportunidade de embarque para a Austrália. 

"Dirigidas e orientadas pela organização japonesa denominada Autory encarregada de criar, após a conquista pelas armas, a nova Ordem na Grande Ásia Oriental, percorriam todo o nosso território semeando o terror, a ruína e a morte» (1) (...)


(iii) Organiza-se, a partir de Lahane, uma coluna de voluntários (a que se juntaram vários deportados), comandada pelo sargento António Joaquim Vicente,  de socorro a Maucátar, na circunscrição de Fronteira, onde um grupo de portugueses estava cercado por timorenses rebeldes. Há rebeliões na parte oeste da colónia. Os portugueses (e seus aliados timorenses) 
estão mal equipados e pior armados.


(....) Na tarde de 19 de agosto o engenheiro Canto, depois de ter falado com o Governador, informou os que se encontravam no edifício do hospital de Lahane que havia revolta na circunscrição da Fronteira, estando em Maucátar um grupo de portugueses, entre os quais toda a família do tenente Lopes, do Suai, cercado por timorenses rebeldes e em posição muito crítica. 

Automaticamente surgiu entre todos a ideia de seguirem para o local, levando auxílio àqueles compatriotas em perigo. O Governdor permitiu e encorajou a imediata organização duma coluna de voluntários aqui constituída, mas não autorizou que o engenheiro Canto e o dr. Santos Carvalho dela fizessem parte, por a sua presença ser absolutamente necessária na região de Díli. 

O comandante da coluna foi, naturalmente, o sargento António Joaquim Vicente e as armas e munições tiradas da sala do hospital onde estavam guardadas por terem pertencido à administração do concelho de Díli e sido salvas do saque japonês. Assim, a coluna estava pronta e partiu, a cavalo, na manhã do dia 21 levando de Lahane os seguintes elementos: sargento Vicente, chefe de posto Torresão e aspirantes administrativos José Santa e Domingos Ribeiro. 

Em Liquiçá juntaram-se-lhe o sr. Jaime de Carvalho, director da Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho, o cabo Agapito dos Anjos, o professor primário Victor Duarte Santa e os deportados Jaurés Américo Viegas, Hermenegildo Granadeiro, António Santos Faísca e Raul Honório. 

Em 20 de agosto, o comandante da Companhia de Caçadores recebeu em Aileu uma ordem do Governador para preparar uma força que, sob o comando de um subalterno, partisse para Bobonaro, em virtude dos factos graves que na região se estavam passando e de que lhe dava notícia (1). 

Organizou-se, assim, um destacamento comandado pelo tenente Liberato, que para tal se ofereceu, e que seguiu para a Fronteira no dia 22 com a missão de dominar a rebelião (1) . 

Em Léte-Fóho, no dia 23, foi informado por conversa telefónica com o comandante da Companhia que a situação em Maubisse também era de rebelião tendo o quartel da Companhia sido assaltado, mortos três dos quatro soldados seus guardas e roubado ou destruído o material e que o chefe do posto, sargento Martins Coelho havia desaparecido, ignorando-se o seu paradeiro (1). 

Por estes factos, tinha o Comandante ordenado a saída para Maubisse, nesse mesmo dia, de um destacamento idêntico ao do tenente Liberato, comandado pelo tenente Ramalho dos Santos (1) e que levou como enfermeiro o praticante Alfredo Borges. 

Em Maubisse soube o tenente Ramalho pormenores da rebelião que estalara logo após o regresso a Aileu das tropas japonesas que desta vila se haviam deslocado, dias antes, a Maubisse, onde passaram a noite. Ã aproximação dos amarelos, o chefe do posto Francisco Martins Coelho, e os europeus deportados José Faria Braga, Dionísio Teixeira e Paulo Ferreira, que viviam na localidade, abandonaram as suas residências e refugiaram-se em palhotas indígenas. Porém, o chefe do posto e o deportado Faria Braga foram apanhados pelos rebeldes que os sujeitaram a suplícios horríveis, acabando por lhes deceparem a cabeça (1)  (...)


(iv) É salvo, escondido, tratado e resgatado um piloto australiano 
cuja avião fora abatido pelos japoneses. Um comando australiano consegue libertá-lo do hospital de Quelicai.


(...) Na tarde do dia 21 de agosto o Governador ehamou-me e ao engenheiro Canto à sua residência para nos  comunicar que tinha havido sobre a região de Cribas um combate aéreo entre aviões japoneses e australianos pelo que um avião australiano tora abatido e se incendiara ficando o piloto muito ferido e queimado. 

O alferes reformado Alípio Ferreira que vivia nas proximidades do local onde caiu o avião prestou os socorros de urgência ao ferido e avisou telefonicamente o administrador de Manatuto Dr. Mendes de Almeida. Este, acompanhado do enfermeiro Fernando Senanes fora buscar o oficial australiano no carro da circunscrição e trouxera-o para a residência de Saututo onde se encontrava. 

Ponderadas por nós três as diferentes soluções para o difícil problema de evitar a entrega do piloto aos japoneses, o que eles certamente viriam a exigir, resolveu-se que ele seguisse na automaca dos Serviços de Saúde,  que se mandou vir de Quelicai, para o hospital Dr. Carvalho, instalado nessa localidade, único estabelecimento onde se poderia prestar assistência eficaz a um grave traumatizado.

 O transporte do sinistrado fez-se, assim, na manhã do dia 22, tendo sido internado sob os cuidados do Dr. Correia Teles, antes que os japoneses soubessem do acontecido. Foram repetidas as suas tentativas para que o Governador «mandasse vir o oficial australiano ferido para o hospital de Lahane, pois este é que era o hospital principal dos portugueses!» 

Escusado será dizer que o engenheiro Canto, em nome do Governador, diplomaticamente, mas com toda a firmeza, se opôs, sempre a essa ideia. Sabendo da rebelião de Maubisse o administrador Mendes de Almeida organizou uma força de voluntários europeus, e das tradicionais companhias de "moradores" de Manatuto, com o fim de partir para foco da insurreição com a missão de cooperar com o destacamento militar na repressão da revolta (1) . 

A coluna do tenente Liberato cumpriu integralmente a sua missão da maneira que ele descreve num dos seus livros (1) . 

O que então somente constou na Colónia foi a morte em combate, no dia 5 de setembro, do cabo Paulo Moreira, do soldado Abel Soares dos Santos e do condenado António Fernão de Magalhães, natural de Macau, que seguira como enfermeiro do destacamento por ter prática de enfermagem no presídio de Aileu em que estava internado. 

Soube depois, pelo tenente Liberato, que este acontecimento se havia dado perto do posto administrativo de Lébus. A coluna de voluntários civis cumpriu admiravelmente a sua generosa missão conseguindo a salvação dos portugueses europeus de Maucátar, as famílias do tenente reformado João Cândido Lopes e do encarregado do posto de Fohorém, soldado Saul Nunes Catarino, que puderam dirigir-se e alojar-se em Aileu, e o castigo dos rebeldes, assegurando o respeito pela soberania portuguesa. 

No dia 1 de setembro, uma coluna japonesa desembarcou na foz da ribeira de Lacló e cercou a residência do administrador de Manatuto, Dr. Mendes de Almeida, então ausente a combater os rebeldes na área de Túriscai. Em Saututo estavam então hospedados o engenheiro José de Azevedo Noura, diretor das Obras Públicas, e as senhoras das famílias deste engenheiro, do Governador, do capitão Vieira, do tenente Alves, todos os quais foram encerrados numa das salas enquanto os nipónicos procuravam em todos os recantos vestígios de australianos!

Submeteram depois a dona da casa, D. Elzira Mendes de Almeida, a um enfadonho interrogatório sobre o oficial piloto-aviador australiano que aí tinha sido alojado e caridosamente tratado, tendo ela então demonstrado a mais serena firmeza e desprezo pelas suspeitas absolutamente infundadas de colaboração com as tropas aliadas. Retiraram-se, sem mais vexames. 

A notícia deste acontecimento motivou a fuga, no mesmo dia 1, do piloto australiano do hospital de Quelicai transportado numa cadeirinha por seus compatriotas que ali o foram buscar. 


(v) O terror dos bombardeamentos dos Aliados, em Lahane, onde se situava o hospital e a casa do governador. A que respondem as anti-aéreas dos japoneses.  O médico José dos Santos Carvalho 
renova, por mais um mês, a sua permanência, voluntária, 
em Lahane.


(...) Entretanto tinham passado vinte dias da minha permanência no edifício do hospital onde ainda havia alguns doentes internados, entre os quais duas velhas chinesas, na casa que fora pavilhão de mulheres. 

A comida era fornecida pelo mesmo fornecedor do hospital no tempo de paz, o cabo reformado Joaquim da Silva, cuja residência era próxima dos edifícios hospitalares e cujos géneros provinham de uma pequena quinta e plantação que ele possuía nas vizinhanças de Díli e onde os japoneses permitiam que os serviçais timorenses continuassem em trabalhos agrícolas. 

Vários bombardeamentos pela aviação aliada se fizeram sentir durante esse curto período os quais estoicamente suportávamos, apertados e transidos de natural temor no abrigo escavado em forma de mina na encosta da montanha. Com efeito, são indescritíveis as sensações que de todos se apoderam, sobretudo durante os repetidos voos preliminares dos aviões até se contarem as explosões correspondentes à sua completa descarga de bombas. Mas tudo leva ao terror! 

Em primeiro lugar a permanente incerteza quanto à possibilidade de em qualquer momento das vinte e quatro horas do dia se ser atingido. O som lúgubre da sereia japonesa avisava-nos — e quantas vezes fomos  nós os primeiros a sentir o ronronar dos aviões — de que eles se aproximavam. Logo se fazia sentir um ensurdecedor barulho das violentas explosões dos canhões anti-aéreos e do matraquear das metralhadoras! 

E, tudo isto, sabendo nós que as forças aliadas não poderiam estar informadas da nossa posição de neutralidade e dos locais em que não havia japoneses

Dava-nos alguma confiança o facto da bandeira nacional estar hasteada permanentemente no pavilhão principal do hospital e pintada, em grande tamanho, no seu telhado coberto de folha de ferro zincado. Mas, de noite, como se poderia ver este sinal de gente portuguesa? Confortava-nos o facto de as tropas japonesas estarem alojadas em Díli não se aproximando dos edifícios hospitalares de Lahane e da residência do Governador. 

Porém, na manhã do dia 5 de setembro, chegou ao hospital uma grossa coluna de forças nipónicas comandada por um capitão que, portando-se com toda a correcção, mas com característica frieza, falando inglês razoável, disse que vinham instalar-se na parte dos edifícios do hospital, que não era necessária para nós e, por isso, pedia para eu mandar imediatamente desocupá-la. 

Tentei convencê-lo, então, de que não ocupassem, ao menos, os edifícios mais próximos do pavilhão principal onde estavam alojados os portugueses, mas tudo foi em vão. Instalaram-se, assim, no pavilhão de timorenses, no pavilhão de mulheres, no pavilhão de doenças infecciosas, que se encontrava quase concluído, e na casa da residência do médico-chefe da Repartição de Saúde. 

Ficámos, assim, somente com o pavilhão principal do hospital, as suas dependências e o edifício da casa mortuária. Uma limitadíssima área de terreno circunjacente ficava à nossa disposição, incluindo o pequeno jardim. Mas nem essa escapou.

Passados dias vieram dizer-nos que iam construir abarracamentos para as tropas, encostados ao pavilhão principal do nosso hospital. Depois de muito trabalho, o engenheiro Canto convenceu-os a construirem-nos no jardim, o que foi feito, ficando, situados a menos de dez metros de nós e cobertos a zinco que seria perfeitamente visível dos aviões aliados. 

Estando a chegar o termo do período de trinta dias para o qual eu me tinha oferecido a trabalhar em Díli, oferecime, novamente, para aí permanecer mais um mês, o que fiz no dia 8 de setembro. 

Por Balibó havia então rebelião de parte dos seus sucos. O chefe de posto, cabo Simão Esteves Coronho foi obrigado a retirar-se para Atabai onde se manteve sempre em contacto com os chefes timorenses de Balibó que se mantiveram fiéis e já firmemente apoiado pelos arraiais (3)  de Maubara, do que mostrou ser grande Português, o liurai, coronel José Nunes (1). 

Requisitara o cabo Coronho, um pelotão da força de polícia timorense da Fronteira que estava aquartelada em Bobonaro, com o fim de vir para Balibó proteger a evacuação do posto de quem o quisesse fazer (1) . O pelotão chegou àquela localidade onde encontrou o praticante de enfermeiro Emílio de Oliveira que ali se encontrava por acaso e que, pela força das circunstâncias, teve de tomar o comando do destacamento e manter-se na tranqueira do posto, informando o chefe de posto de tudo, actuando como melhor entendia e assumindo as responsabilidades que pudesse haver (1). 

No dia 10 de setembro o enfermeiro Oliveira comunicou ao cabo Cironho que com os soldados timorenses, alguns chineses e um arraial de 200 homens havia feito batidas na região de Bui-Lácu e que dentro da tranqueira de Balibó estavam perto de quatrocentas pessoas, entre chineses, soldados, moradores e arraiais (1) (3). Mais informou o enfermeiro Emílio haverem chegado à tranqueira duas camionetas com forças japonesas que pediram géneros, que pagaram a pronto, respeitaram as mulheres que se encontravam na tranqueira e trataram muito bem os soldados timorenses (1). 

Porém, nesse mesmo dia, se deram gravíssimos acontecientos em Balibó, pois os japoneses, metralharam o enfermeiro Oliveira e os dez soldados que o acompanhavam, sendo mortos alguns deles e escapando o enfermeiro, um cabo e quatro soldados (1). 

As actividades das tropas japonesas eram agora distribuídas por todo o território timorense e os indígenas, desorientados com o seu estranho procedimento, mostravam-se receosos, apoderando-se de todos o terror (1) .

O tenente Liberato encontrava-se, então, encerrado, com a sua força em Bòbonaro, insistindo com o seu comandante pelo envio de reforços (1). Para satisfazer os seus pedidos, o capitão Freire da Costa ordenara a organização de arraiais nas regiões de Ainaro, Manatuto e Baucau. Os japoneses, porém, estendendo as suas operações àquelas zonas, impossibilitaram o recrutamento dos homens. Velhacos, percorriam com insistência aquelas zonas, tornando infrutíferos todos os esforços para a organização dos arraiais (1). 

A partir do dia 13 de setembro acentuou-se a atividade dos rebeldes em toda a frente de Memo a Mape. Os arraiais fiéis, desanimados pela falta de reforços, fraquejaram. Em Léber abandonaram as posições, mas a rápida intervenção duma equena força militar, comandada pelo soldado Saul, restabeleceu a situação (1). 

Nas regiões de Balibó e Cova continuava a confusão. O tenente de segunda linha, reformado, Paulo Ferreira, preso e conduzido pelos nipónicos para Atambua, recuperara a liberdade sob o compromisso de colaborar com eles. Tomou então a direção das investidas que os povos de Balibó, Cova, Batugadé, etc, iniciaram contra a região de Maubara, cuja defesa estava confiada a um reduzido núcleo de rapazes — Manuel da Costa, Eduardo Massa, Abel Brites, José dos Santos, Manuel dos Santos, Flávio Carion, Acácio Sanches e Gaspar Nunes — coadjuvado pelos arraiais do velho Nunes, figura prestigiosa de chefe timorense, sempre dedicado, de quem os portugueses, mais tarde, nos tempos dolorosos e amargos do campo de concentração, jamais deixaram de receber constantes provas de lealdade. Arriscando a vida, às escondidas, pela caída da noite, lá iam, ele ou o filho, o simpático Gaspar, junto do chefe de posto levar informações, a assegurarem o seu apoio, a denun- ciar as intenções dos nossos algozes, a incutir confiança no futuro. Unicamente português, só a favor de Portugal trabalhou (1). 

No dia 16 de setembro chegou a Baucau uma coluna motorizada de tropas japonesas, não acompanhada de indígenas timorenses, seguindo forças a ela pertencentes para Venilale e Ossú e outras até Quelicai. A força que se dirigia a Ossú foi surpreendida no caminho por uma patrulha holandesa que lhe cortou o caminho, inutilizando uma ponte e, aproveitando a sua paragem forçada, a atacou à metralhadora, ferindo vários homens e entre eles o oficial que comandava a patrulha, após do que se pôs a salvo. 

Os japoneses repararam a ponte e seguiram para Ossú onde, na Missão, estiveram a interrogar o chefe de posto, aspirante Eugénio de Oliveira e o superior padre Jaime Goulart que, durante a estada dos japoneses em Ossú esteve detido, com outros padres da missão, num quarto e que foi maltratado e agredido pelas tropas. O interrogatório incidiu sobre as tropas australianas a respeito das quais procuraram, evidentemente sem qualquer resultado, obter informações. 

A força que se dirigiu a Quelicai, interrogou aí, demoradamente, o director do hospital Dr. Correia Teles, a respeito da fuga do piloto australiano ferido, que ele explicou com todos os pormenores, ameaçando-o por várias vezes de o tornarem responsável por essa fuga e acabando por lhe dizer que iam averiguar se era verdade o que ele dizia, e que, se reconhecessem que o não era, voltariam lá e lhe fariam pagar caro a sua mentira. 

De facto, não houvera a mínima culpa do Dr. Correia Teles naquela fuga, pois foi alta noite e inesperadamente, que os soldados australianos penetraram no hospital e levaram o seu camarada ferido (5). 

No dia 20 de Setembro chegou a Aileu uma coluna japonesa, comandada pelo capitão Moryama, que ia acompanhada por um grande numero de indígenas, armados, disfarçados em carregadores, e que aí se estabeleceu. A pedido do comandante nipónico e para evitar incidentes, no quartel da companhia de caçadores foi suprimido todo o serviço exterior da unidade por patrulhas, mantendo-se somente sentinelas necessárias à sua segurança (6). 

Entretanto, em Bobonaro a situação piorava dia a dia. Os chefes indígenas fiéis queixavam-se, estando abalado o moral dos seus homens. A rebelião ganhava terreno e o cerco apertava-se, ameaçando isolar as forças do tenente Liberato dentro da vila. Sabia ele que nada havia já a esperar. Manatuto, Ainaro e Baucau e a própria tropa, ilaqueda nos locais onde a surpreendera o intencional recrudescimento da actividade dos japoneses, nenhum auxílio lhes poderiam prestar (1). 

Também, o velho colono Sebastião da Costa que vivia numa propriedade pertencente a seu genro Joaquim Pereira Vigário e estava situada no limite de Laulara com Aileu foi, aí assassinado com quase toda a família (7). No livro do Dr. Cal Brandão (8) se encontram pormenores acerca desse massacre. 

Numa plantação pertencente ao sr. Sebastião da Costa os criados timorenses mataram à azagaiada dois soldados japoneses que cometiam abusos, facto que se passou em abril de 1942 mas de que os japoneses nunca tiveram a certeza, embora por isso ficassem a olhar com desconfiança e ódio a família Costa. O sr. Sebastião da Costa e seu filho Manuel Albano foram, então, residir para a propriedade do seu genro e cunhado Joaquim Pereira Vigário que, agora, estava ausente por se ter oferecido como voluntário para a expedição contra a revolta de Maubisse, comandada pelo tenente Ramalho. 

Foi então que «as colunas negras assaltaram a propriedade e, numa carnificina bárbara, retalharam mais de quinze pessoas. O Manuel, exaustas as munições, teve que ver dum alto próximo a imolação de todos os entes queridos, pai, mãe, irmãos, sobrinhos e o filhito com três meses. 

Quando tudo acabou, a alma dobrada pela dor e o espírito ardendo em desejo de desforra, foi apresentar-se às guerrilhas australianas, ansioso por acalmar no ardor da guerra o fogo que o consumia. O Vigário quando teve conhecimento do crime que lhe aniquilara a família e casa, reuniu alguns criados e dirigiu-se à propriedade, já então abandonada pelos selvagens, para dar sepultura condigna aos seus mortos. Surpreendido pela entrada de alguns japoneses com uma coluna negra, o Vigário repeliu-os mas, teve que ceder terreno e de se entrincheirar num reduto de pearas, e matando se deixou morrer (9)

No dia 26 de setembro, soube-se em Bobonaro que uma coluna japonesa avançava de Ainaro em direcção a Ataabe O sargento Alexandrino, chefe do posto de Atsabe, abandonou a localidade e fugiu à aproximação da coluna. Outro tanto íiaviam feito os chefes de posto de Same, Ainaro e Uátu-Údu por onde a coluna passara anteriormente.

 No dia seguinte soube-se que os nipónicos marchavam para Bobonaro, onde chegariam a noite, o que de facto sucedeu. No dia 28 abandonaram a vila. Esta coluna tinha aprisionado o régulo Evaristo, mas dera-lhe a liberdade em Atsabe, donde regressara à sua casa de Maubisse. Porém, pouco mais tempo viveu. Foi trucidado por uma coluna negra, assim como toda a sua numerosa família, algumas semanas depois (1). 

Em Maubisse, procedia-se então a averiguações para o apuramento das responsabilidades e a punição dos supostos cabecilhas da revolta (1). Os japoneses, prontos a aproveitar o descontentamento dos nativos, em seu benefício, imediata-mente acorreram ao apelo dos insurretos prestando-lhes auxílio contra as prepotências de que se diziam vítimas (1). Inesperadamente, apareceram na região forças nipónicas acompanhadas de numerosos indígenas, estabelecendo-se em Maubisse e lançando as suas avançadas até Ainaro, cujos arraiais haviam tomado parte activa na jugulação da revolta (1). 

No dia 27 de setembro, elementos da «coluna negra», assaltaram o acampamento do destacamento do tenente Ramalho, roubando espingardas e outro material e foram eles que então prenderam o chefe Evaristo tendo-o levado com eles (1). Simultaneamente, esboçou-se uma tentativa de roubo, por parte dos mesmos elementos, à residência do administrador de Aileu, tendo os criados, que quiseram opor-se à pilhagem, sido barbaramente espancados (1). 

Criava-se assim a atmosfera de terror destinada a favorecer o planeado assalto ao comando da Companhia de Caçadores, em Aileu, que se verificou na madrugada do dia 1 de Outubro (1). 

Altas horas da noite desse dia chegou ao hospital de Lahane um timorense, emissário de um liurai dos arredores de Aileu, com um bilhete redigido, mais ou menos, nos seguintes termos: "Senhor Engenheiro. Eles foram a Aileu e estragaram tudo". O portador da mensagem nada mais pôde adiantar para satisfazer as perguntas que com natural ansiedade lhe fizemos, pois não vivia em Aileu.

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Notas do autor:

 
(1) Vide Capitão António Oliveira Liberato, O Caso de Timor, Portugália, Lisboa.
 
(2) O senhor Júlio Madeira, natural da Ermera, tinha sido soldado da Companhia 
de Caçadores e havia constituído com timo- renses uma guerrilha que fez grandes estragos entre os japoneses devido ao conhecimento perfeito que o seu chefe tinha da região onde nascera e à sua perfeita mobilidade e períica no manejo das armas.

(3) Em Timor dá-se o nome de arraial ao conjunto de timorenses civis que voluntariamente se ofereceram para servirem em operações de guerra.

(4) Sucos, são em Timor, grupos de povoações dos regulados, assim todos os regulados, os reinos de Timor, se dividem num certo número de sucos. O régulo denomina-se «liurai» e o suco tem um «chefe de suco».

 (5) Os pormenores da primeira entrada dos japoneses em Baucau e das suas façanhas em Ossú e Quelicai foram-me referidos pelo tenente Pires quando voltei a Baucau após a minha estadia em Lahane. 

 (6) Estes pormenores da entrada da coluna japonesa acompanhada de indígenas em Aileu foram-me referidos pelo administrador, Virgílio Castilho Duarte. 

(7)  As notícias do assassinato do colono Sebastião da Costa e da sua família foi-me dada pelo chefe de posto de Laulara, Francisco Torrezão.
 
(8) Vide Carlos Cal Brandão, Funo. Porto, 1946.

(9) A morte do colono Joaquim Pereira Vigário deu-se a 3 de novembro de 1942. 
 

Fonte: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pp. 44-53.
 
(Seleção, revisão / fixação de texto, título, notas introdutórias, parênteses retos, reorganização das notas, itálicos e negritos: LG)

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Nota do editor

Último poste da série > 26 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25778: Timor-Leste: passado e presente (14): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte VI: Díli, 20 de fevereiro de 1942: a invasão e a ocupação japonesas

Postes anteriores:

22 de julho de 2024 > Guine 61/74 - P25769: Timor Leste: passado e presente (13): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte V: a invasão de tropas australiano-holandesas, em 17 de dezembro de 1941

14 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25742: Timor Leste : passado e presente (12): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte IV: A vida de um médico de saúde pública, Baucau, 1941

10 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25731: Timor-Leste, passado e presente (11): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte III: A vida de um médico de saúde pública, Dili, 1941

2 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25708: Timor-Leste, passado e presente (10): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte II: Como era a pequena colónia do sudoeste asiático em 1940/41 ?

26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25683: Timor-Leste, passado e presente (9): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte I


quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25801: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (54): Acção Bacará (Golpe de mão a Amina Dala), 13 de Julho de 1970



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


ACÇÃO BACARÁ (GOLPE DE MÃO A AMINA DALA)

13 DE JULHO DE 1970

Saímos no dia 12 para fazer o "golpe de mão", mas como o percurso demorou mais tempo do que o previsto tivemos que regressar ao quartel.

Voltamos no dia seguinte, dia 13.
Já repararam nas datas?
Voltou a coincidir com as datas das vésperas e das aparições em Fátima?

Perto do objectivo o 1.º grupo de combate ficou emboscado para proteger a retirada do 4.º grupo de combate, que foi fazer o golpe de mão.

Chegados ao objetivo, os militares do 4.º grupo de combate entraram nas moranças e capturaram os elementos da população.
Além da população também apanhamos tudo o que pudesse ter interesse ou fosse suspeito.

Eu não entrei nas moranças. Fiquei com um pequeno grupo de soldados para guardar os elementos capturados nas moranças. Contei 39 elementos, entre homens, mulheres, jovens e crianças mas admito que tenha ficado algum por contar.

Saímos rapidamente, porque tínhamos a informação de haver um bigrupo naquela zona.

Era uma zona de bolanhas que evitamos fazendo o regresso pela orla da mata para não sermos facilmente detetados e estarmos mais protegidos.
O furriel Justino comandava a última secção composta por uma esquadra nossa e alguns soldados milícias.

Algumas vezes o furriel Justino pediu para pararmos, porque ouvia barulhos suspeitos e queria certificar-se do que se tratava.

Neste trajeto, ouvimos o ruído de um helicóptero que, pela direcção seguida, devia dirigir-se para o Olossato.
Como esta acção previa a presença de 1 heli-canhão em alerta no Olossato, o pessoal ficou mais tranquilo, pois podia socorrer-nos em caso de sermos atacados.

Após 3 ou 4 paragens por causa do barulho que se ouvia atrás de nós, fomos surpreendidos por um grupo de guerrilheiros que corriam pela berma da bolanha, ao nosso lado, provavelmente para nos alcançar e atacar.
Como seguíamos por dentro da mata, não fomos detetados. O IN estava ao nosso lado, a cerca de 20/30 metros de nós.
Avisei o capitão que deu ordem de fazer fogo e os "turras" de prováveis atacantes passaram a ser atacados.

Os guerrilheiros responderam com RPG's e armas ligeiras.

O capitão enquanto dava ordens, ia lançando granadas de mão e o IN atirava as roquetadas para as palmeiras atrás do capitão.
Disse-lhe para sair dali e se proteger, mas ele calmamente disse para não me preocupar com ele e para nós nos protegermos.

Como é "habitual" nestas situações o rádio RACAL não funcionou - quando havia contactos com o PAIGC os rádios raramente funcionavam. Penso que o problema não era dos rádios, mas sim dos nervos/medo dos operadores de rádio.
Valeu-nos o "banana"=AVP1 que contactou o Olossato.

O alferes Pimentel ao ouvir as armas e pela direção donde vinham deduziu que era a nossa Companhia a "embrulhar".
Pegou na carta/mapa da zona onde tínhamos ido e correu para a pista, onde o heli-canhão tinha acabado de pousar.
Deu a carta/mapa e as coordenadas ao piloto e lá foi o heli ao nosso encontro.

O heli voando baixo, aproximou-se do local e pediu a nossa posição e a posição do IN.
Após a nossa resposta, disse que já nos tinha visto e ia atacar o grupo inimigo.

As munições do heli-canhão que eram explosivas e incendiárias provocaram a fuga do IN.

Depois de fazer o reconhecimento da zona, disse que podíamos regressar pelas bolanhas, porque ia acompanhar-nos, voando por cima do nosso grupo, e evitando a volta muito maior e mais cansativa, se fosse feita pela mata.

Durante o contacto fugiram alguns populares, pelo que só chegaram 37 ao Olossato - Mesmo assim, Missão com muito bons resultados.

Quando o grupo de combate que fez a proteção chegou ao quartel, alguns desses elementos disseram aos soldados do meu grupo de combate que, quando estavam emboscados, viram passar o grupo IN mas não o intercetaram.

Como o alferes, comandante do meu grupo, não tomou posição, falei no caso ao capitão, que após "averiguações" disse-me que tinha havido "desinformação", porque o comandante do outro grupo negou terem visto o IN.

Enfim, já sabemos que "quem tem cu tem medo".

Até aceito que o outro grupo de combate tenha evitado o contacto - Só tínhamos 3 meses de comissão - mas não aceito que pelo "rádio" não nos tenha informado que "passou" ou "+areceu que passou" um grupo IN.
Com este aviso já não seríamos surpreendidos.

Felizmente não fomos surpreendidos, porque detetamos a aproximação do grupo IN.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 25 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25776: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (53): Operação Jaguar Vermelho - III: dia 1 de Junho de 1970

Guiné 61/74 - P25800: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (7): "ocupação do território", mandam eles...


Lisboa > Jantar de Natal 2007 > Os quatro magníficos da CART 1690, todos eles alferes milicianos... Ao fundo, estão o Domingos Maçarico, à esquerda, e o Alfredo Reis, à direita. Em primeiro plano, está o António Moreira , à esquerda, e o António Marques Lopes, à direita.  Todos eles feridos em combate, com exceção do Moreira. No livro, são respetivamente Zé Pedro, Aprígio, Castro e Aiveca.

Com os  quatro agora juntos na Tabanca Grande, a CART 1690 fez o pleno em matéria de alferes milicianos... Profissionalmente,  o Moreira é advogado; o Maçarico engenheiro agrónomo; e o Reis, veterinário.  Presumo que estejam todos reformados. E, de boa saúde, espero eu. 

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2007). Todos os direit
os reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1  Estamos a reproduzir alguns excertos do melhor que o  A. Marques Lopes escreveu, nomeadaente no seu livro de memórias "Cabra Cega" (*).

Seguimos, respeitando-a,  a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 14 de outubro de 2022, às 16: 20: aqui a narrativa era já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro (edição de 2015) era o seu "alter ego", ou seja, o alferes Lopes  

O Lopes e os outros alferes (nesta data, ainda mantinha 
os nomes fictícios dos seus 3 camaradas; Castro, Aprígio e Zé Pedro) da companhia, a CART 1690 (que ele nunca identifica), foram  colocados no subsetor de Geba, em 1967. E andam há já meses no mato, O diálogo que se segue é a uma conversa, que tende a azedar, entre eles e o capitão, Mendonça (na realidade, o cap inf Manuel Guimarães. que irá morrer, na estrada Geba-Banjara, em 21 de agosto de 1967, na sequência de deflagração de uma mina A/C, que também irá ferir gravcemente o A. Marques Lopes).

Este excerto correponde às pp. 414/421 do livro "Cabra Cega".


Ocupação do território, mandam eles...

por A. Marques Lopes (1944-2024)


(...) Depois desta operação, comecei a pensar se não era melhor propor ao Mendonça que me mandasse para um destacamento, um qualquer, em substituição do Castro ou do Aprígio. 

Tinha chegado à Guiné no fim de Abril, estava a meio de Julho, e já tinha gramado oito operações. Não era propriamente cansaço, descansara sempre entre elas. O que estava era farto, era isso. Sempre a ver tabancas destruídas ou a ser destruídas, a ver matar e a saber que matavam. Até eu tinha matado também. Outra como a Jigajoga, então, nem pensar. Não queria voltar a isso.

 
– Estou farto disto. Vou pedir ao Mendonça para me mandar para um destacamento –  abri-me com o Zé Pedro.

 Estás parvo, pá.

– Parvo, porquê?

– Os gajos estão lá isolados, cercados de arame farpado. Têm de amochar sem poder sair. Vá lá que o Aprígio tem alguma sorte porque tem uma tabanca ao pé e pode ver algumas bajudas.

– Quero lá saber. O isolamento não me perturba nada. Estava mais sossegado, podia ler uns livrinhos e escrever. Não me importava nada. Aliás, é o que mais desejo agora.

- Ias estar sossegado? Não penses nisso. Depois destas movimentações todas em que estão a ser apertados não há-de tardar muito que os comecem a atacar.

– Isso também não me importa. Prefiro ser atacado estando dentro de um abrigo e com arame farpado entre mim e eles. É melhor do que levar com morteiradas na cabeça a céu aberto e sem saber, a maior parte das vezes, se os gajos estão ou não já em cima de mim.

– Não sei se é melhor: Poder sair quando se quiser, andar por aqui à volta, ir até ao batalhão e ao Agrupamento, e mesmo andar no meio do mato, dá um sentimento de liberdade que não se tem quando amarrado sempre num só local.

Nesse mês de Julho o Mendonça ainda me mandou para mais três operações.
A primeira foi lixada, só porque o meu grupo de combate é que teve de fazer toda a picagem do itinerário em direcção ao destacamento do Castro. Os milícias tinham sido avisados, na véspera, para fazerem a picagem duas horas antes da coluna móvel iniciar a marcha. Mas a tabanca deles fora atacada nessa noite, sendo quase totalmente destruída, e eles não picaram. Foram várias horas a passo de caracol sob grandes chuvadas, com as ATM e GMC atrás em para e arranca. O Mendonça ainda tentara via PRC10 dizer ao Castro para ele fazer uma picagem a partir do destacamento dele até se encontrarem. Mas as comunicações não funcionaram. Foi estafante.

 É uma merda, mas não temos condições  – acabou por dizer-me com ar agastado, depois de chegarem.  – Era para irmos pelo mesmo percurso, aquele em que rebentou a armadilha, mas desta vez você ia mesmo até à base deles. Foram os gajos, de certeza, que atacaram a tabanca. Mas levaria várias horas e teria de regressar à noite

De arma a tiracolo, soergui os braços, cruzei os dedos das mãos e disse interiormente "Ótimo, haja Deus"

–  O meu capitão sabe, claro, das dificuldades da primeira operação do capitão Lindolfo, não é? E não era só um grupo de combate, o meu, era uma companhia reforçada, portanto. A segunda, com mais contingente, o dobro, e com manobra bem planeada, já teve sucesso, mesmo assim com vários feridos. Por isso, meu capitão, não entendo como é que o Agrupamento insiste assim nisto com um grupo tão pequeno. Ainda por cima sem qualquer tipo de apoio. De helicóptero, por exemplo. Estou-me a lembrar dos feridos desta última vez.

–  Ó Lopes, não confunda as coisas. O papel das companhias como a do Lindolfo e do Guilhermino é intervir, por isso lhes chamam de intervenção, isto é, realizar grandes operações em áreas onde as companhias que lá estão não podem fazer, para isso têm os apoios necessários. E essas companhias não o podem fazer porque têm que estar repartidas para a ocupação dessas áreas, como é o nosso caso. Temos uma área que não é pequena, são cerca de mil e seiscentos quilómetros quadrados.

Fiquei espantado com a área da quadrícula, nunca tinha pensado nisso. Veio-me logo à cabeça que aquilo só podia ser de e para gajos com paranóia. Ainda por cima naquela mata. Estava para manifestar o meu espanto mas o Castro, que estava ao pé, antecipou-se. Aproveitara o Mendonça estar com a garrafa de cerveja na boca, desta vez não trouxera whisky.

– Ó meu capitão, ocupar   
 abanou cabeça ceticamente  –   quer-se dizer... Eu ocupo este lugarzito aqui, o que está dentro do arame farpado, a quarenta quilómetros da sede da companhia, o Aprígio ocupa outro lugarzito da mesma maneira e também a quarenta quilómetros. Vocês, quando vêm aqui ou vão ao Aprígio vêm sempre com muitas cautelas e interrogações, pois sabem que podem apanhar com minas e emboscadas. Quer dizer que daqui e do sítio do Aprígio até à sede não se ocupa nada. Que raio de ocupação é esta, meu capitão?

Eu não estava a conhecer o Castro todo prafrentex, todo decidido a cumprir sem dúvidas a sua missão de guerra. Esta não parecia dele. Apesar do isolamento e daquela floresta toda à volta parecia estar a ver melhor. Ou era capaz de ser isso mesmo que o obrigava a ter que ver mais longe, para além da cortina de ideias feitas que lhe ensombrava a cabeça. Mas o Mendonça pareceu não gostar.

 
– Não esteja com essas merdas porque você não percebe nada disto  –  e remexeu na pasta onde levava o mapa.

– Olha mais outro ignorante, afinal não sou só eu 
–  pensei e ri-me. 

O Castro olhou-me a pensar que estava a rir-me dele. Abanei a mão direita em sinal de não enquanto o Mendonça tinha os olhos na pasta.

– Até lhe vou ler isto para você saber o que é ocupação.

O Mendonça tinha já um papel na mão que, pela forma do que tinha escrito, parecia uma mensagem.

 – Assegurar a ocupação territorial do Sector. Detecta, vigia ou captura elementos ou grupos suspeitos de subversão que se hajam infiltrado ou constituído no sector, impedindo que a subversão alastre. Captura ou aniquila os rebeldes que se venham a revelar, destruindo as suas instalações ou meios de vida e restabelece a autoridade e a ordem nas regiões afectadas.

–  Está a perceber?  
 continuou depois de ler. É assim que fazemos a ocupação, é esta a nossa missão. E não só na zona da sede da companhia mas também aqui onde você está e onde está o Aprígio. Os locais onde estão servem-nos precisamente para apoio na execução dessa missão nas zonas onde estão. Foi, por exemplo, o que eu e o Lopes fizemos outro dia e devíamos fazer hoje.

O Castro ficara embatucado e não disse nada. Eu já tinha bebido três cervejas e estava naquele estado em que me dava vontade de falar. O que o capitão lera era a conversa estereotipada, o ram-ram que vinha em todas as ordens de operação que já lera. Não lhe ia dizer que eram tretas. Era o que achava mas não lhe ia dizer assim senão ele chamava-lhe também de ignorante e continuava com aquele tipo de conversa. Mas tinha que o entalar, tinha de lhe fazer ver que não era parvo.

– Pois é isso, meu capitão, acho que é isso. É a ideia que nos transmitiam lá na metrópole, o Salazar e o Governo, as tais acções de policiamento em que andávamos envolvidos. Apanhar os gajos que pensamos que são turras, dar-lhes umas tareias se for preciso para eles arrepiarem caminho, e até limpar o sebo aos mais renitentes. Também pegar fogo às casas deles, destruir as suas culturas, os tais meios de subsistência. Tudo isso para que os gajos amochem e não ajudem a subversão. Isso acho que podemos fazer. O problema é quando eles estão armados, e até acho que estão bem armados, já pude constatar isso.

O Mendonça estava calado e de olhar draconiano. O Castro estava estupefacto e pensei que devia ser pela crueza da minha descrição. Mas decidi continuar a apertar com o capitão.

– Se calhar é por isso que nunca ouvi falar em acções de policiamento lá em Mafra, só diziam que nos preparavam para a guerra. E, olhe meu capitão, até acho que foi bom porque eu pelo menos já andei metido nela e, naquela vez que sabe, quase me ia lixando. E outra coisa, meu capitão: andar por aí à cata deles, para baixo e para cima, sem conseguir nada porque eles só se mostram quando querem e vêem que nos podem lixar, o que é que adianta? Ou mesmo quando, outro dia, fomos lá acima queimar umas tabancas e destruir instalações deles. Nunca mais lá vamos voltar, se calhar, os gajos vão reconstruir tudo e continuar. Não me parece que é assim que estejamos a ocupar território, nem a restabelecer a autoridade e a ordem, como diz essa mensagem do Agrupamento.

Os olhos do Mendonça chispavam brasa e estava vermelho. Agarrava a garrafa com força parecendo querer parti-la.

 Isso é conversa dos comunistas! Acabou!   disse de forma imperativa.

– Comunistas?! Sei lá o que é isso de comunistas, meu capitão. Estávamos aqui a conversar e eu só estava a dizer o que penso.

Sabia bem de que eram acusados os comunistas, mas estava apenas a dizer o que me parecia que era. O Capitão levantou-se de modo abrupto, quase fazendo cair a garrafa ainda meia de cerveja, e apontou-me o indicador da mão direita.

 
– Daqui para a frente ponha-se a pau comigo porque eu vou estar atento a esse tipo de conversas.

Virou-me as costas e foi para onde estava o meu grupo de combate. O Castro ficara mudo, parecia aturdido. Ouvi o Mendonça dar ordem para subirem para as viaturas e levantei-me.

– Aguenta-te – disse em tom de despedida ao Castro– passa bem que eu tenho de ir andando. (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos: LG)
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Guiné 61/74 - P25799: (In)citações (268): Horizontes da Memória (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 30 de Julho de 2024 com mais um texto, desta feita alusivo aos Horizontes da Memória.

Horizontes da Memória

Programa audiovisual de história do dr. José Hermano Saraiva, o plágio do título serve a minha liberdade de “heresias” e os meus devaneios das tardes deste verão, no disfrute dos 0,35€ diários da minha pensão de combatente...

Neste mês de julho de 2024 faz 60 anos que o Benguela, cargueiro de transporte de gado - com o currículo de navio negreiro, tinha transportado milhares de angolanos e moçambicanos para os trabalhos forçados nas roças de cacau e nas obras públicas de S. Tomé e Príncipe -, desatracou do Cais da Rocha do Conde de Óbidos cheio como um ovo, 900 militares ou carne para canhão na Guerra da Guiné (o meu batalhão mais uns pelotões independentes), partilhavam na harmonia possível os seus três porões com viaturas auto, armamento, obuses de artilharia e bombas de avião. Singrou nos caminhos marítimos de Bartolomeu Dias, Vaco da Gama, Nuno Tristão, etc., portugueses de antigamente, fomos desestivados na ponte-cais de Bissau, carregamos ao ombro o “saco-chouriço” com todos os nossos bens e o Forte da Amura foi o nosso destino.
N/M Benguela - Com a devida vénia a Dicionário de Navios Portugueses

Cumprido um ano de “intervenção às ordens de Comando-chefe”, a fazer a guerra por Bula, Morés, Talicó, S. João, Fulacunda, Cafine, Cacine, Cufar, Buba, Jncassol, Porto Gole e por outros lugares menores onde o inimigo andasse, fomos parar a quadrícula de Buruntuma, tabanca fronteiriça no extremo Leste, onde sobrevivemos quase outro ano – se até aí atuamos como “tropa especial” e móvel sem o ser, de camião, de lanchas LDM e de avião Dakota, à média duma operação por semana, naquela fronteira com a GConacry chegamos a dar batalha três vezes ao dia, o inimigo abundava do outro lado, e sempre com o mesmo à-vontade, a lançar granadas de mão, a metralhar com a G3, a Breda, a bazuca, os morteiros e o canhão s/r 10,7 NATO, - é que o Domingos Ramos, comandante da Frente Leste do inimigo tinha sido nosso camarada, ele tinha tirocinado em Pequim e nós na Fonte da Telha era a nossa diferença…

A guerra é a mãe de tudo, profetizou Heráclito de Éfeso. Faz 60 anos que fomos para a Guiné, não acabamos com a sua guerra, mas a sua guerra acabou com muitos de nós, o MFA não foi gerado com esse propósito, mas nasceu come ele e realizou-o há 50 anos – acabou com a guerra da Guiné para a malta do Portugal europeu, mas legou uma ainda mais mortífera aos guineenses. Amílcar Cabral queixava-se de sermos seus ocupantes ilegais há 500 anos, os seus naturais queixam-se dos 500 anos que andamos a iludi-los…

Para nós, a guerra do Ultramar começou em 1961, para os nossos antepassados começou com a gesta do infante D. Henrique, os 500 anos da sua longevidade alimentaram-se do sangue dos homens e do coração das mulheres, a mesma classe castrense da sustentabilidade desses 500 anos foi que sustentou os 50 anos de longevidade do regime político contra o qual virou as armas – que esconjurou o regime, superou o mantra da guerra civil, que criou a via pacífica e que entregou o destino do país ao Povo são realidades e verdades históricas.

O dia 25A aconteceu “inteiro e limpo”, funcionou como catarse do stresse da guerra da Guiné, também surfei as ondas da euforias, a emergência das derivas e o desvario do PREC encurtou-me essa felicidade, li bastante sobre a guerra civil espanhola, ainda visionei prédios com o andar destruído por granadas lançadas pelo vizinho de cima, deixar em paz a caçadeira Benelli das caçadas às perdizes nas ladeiras do Douro e nas planícies do Alentejo e ter de regressar à G3 nessa contingência foi um grande pesadelo, o 25N dos corajosos foi a terapia das disfunções aos ideais do 25A e esconjurou a perda da felicidade adquirida.

As celebrações das efemérides da mudança de regime pelas armas quando exorbitantes são divisionistas, sem prejuízo de merecedoras, mas numa justa medida. O regime anterior celebrava o 28 de maio, não raro com pompa e circunstância, mas sem decreto de feriado nacional, o regime democrático tem o dever de celebrar condignamente as datas do 5 de outubro, do 25 de abril e do 25 de novembro, mas sem decretos de feriados nacionais. Para quando a celebração das datas institucionais nacionais? Estamos à espera sentados. O Norte fundou a nossa nacionalidade no Castelo de Faria, em 25 de abril de 1127, independência do reino e de Portugal foi conquistada no Castelo de Guimarães em 24 de junho de 1128, os portugueses usaram a mobilidade para a sua dilatação até Coimbra, naturalmente, Lisboa é uma das conquistas do Norte – e há demasiado tempo os conquistadores se deixaram oprimir pelos conquistados…

O 5 de outubro foi um golpe de Estado, celebra a queda do regime, a monarquia fundou e construiu Portugal ao longo de quase 800 anos, em 1910 já era constitucional e evolutiva, na esteira das monarquias inglesas e nórdicas, nações das mais avançadas do mundo. As valas da desgraça foram cavadas pela primeira República, o Estado Novo nem será o seu pior legado, o 25 de Abril foi um golpe de Estado à imagem e semelhança do de 5 de outubro, aquele foi patriótico, de reação ao ultimato inglês ao Mapa Cor-de-Rosa e este iniciou-se corporativo, de reação à equiparação dos capitães milicianos aos direitos e sinecuras da estática classe dos capitães do QP.

Neste mês de julho de 2024 há outras efemérides: a do encontro do MFA da Guiné no mato do Oio com o PAIGC de Conacry, no contexto da sua manobra da capitulação militar; e a Lei 7/74 da Descolonização, que Freitas do Amaral explicitou e o general Spínola promulgou… A Quarta Comissão da ONU havia atestado a sua semana de vilegiatura pelos 2/3 da Guiné libertados e que o PAIGC os governava como Estado aos seus pares de Nova Iorque, o MFA não encontrou ninguém dele em Bissau, aquele partido armado era tão prestável para os encontros a tiro e aquele partido-armado demorou duas semanas a disponibilizar um delegado e em Morés, - sítio indelével na minha memória, foi uma operação de dar e levar muita porrada, escorraçamos uma grande manada de vacas, os jatos F84 (ou 86?) matavam-nas à rajada e nós varejávamos as laranjeiras com os canos das G3, o inimigo foi expropriadas das laranjeiras, mas aquelas rustáceas do Morés ainda esperam que cumpramos as ordens aéreas e terrestres do seu abate à catana ou com fogueiras aos pés.

As respetivas manifestações recomendam parcimónia, deixemos Salazar, Caetano, Tomás e os outros estar bem mortos, a paráfrase da cantautora Ana Lua Caiano tanto serve a razão como o erro. A antropologia política e social à parte (é bicicleta do Luís Graça), chamo os consequentistas à colação: o 25A foi um acontecimento de libertação, o MFA foi o ator principal da segunda maior derrota dos 800 anos da História de Portugal (a primeira foi em Alcácer Quibir), o 25 de Novembro da maioria foi o 25 de abri-2 para todos, todos, todos!

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Nota do editor

Último post da série de 24 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25678: (In)citações (267): Compensações às colónias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25798: Historiografia da presença portuguesa em África (434): Na sua "Memória - Sobre a Prioridade dos Descobrimentos Portugueses na Costa da África Ocidental, Para servir de ilustração À Crónica da Conquista da Guiné de Zurara"; Paris, Livraria Portuguesa de J. -P. Aillaud,1841, o 2.º Visconde de Santarém refuta os falsos argumentos da França sobre a Guiné (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Fevereiro de 2024:

Queridos amigos,
Creio que a chamada Questão do Casamansa tem vindo a ser tratada aqui no blogue com uma certa pertinência. É uma trágica sequela de um período de indiscutível abandono da nossa presença nesta região de África, houvera a formal abolição da escravatura, a França não escondia o seu apetite de estar presente e comerciar em exclusivo no território que corresponde ao Senegal, a Inglaterra também reivindicou a sua presença, forjou a Gâmbia, assentou arraiais na Serra Leoa, a Senegâmbia Portuguesa foi ficando cada vez mais espalmada e sempre disputada, os franceses pretenderam mesmo dominar Bissau, os régulos locais repudiaram-nos, quiseram também o Ilhéu do Rei, deu trabalho a afastá-los; os ingleses tudo fizeram para colonizar Bolama. Em termos de negociações diplomáticas, Paris teve a ousadia de argumentar com a presença dos normandos na região, em meados do século XIV. Vivendo em Paris, onde deixou um legado científico de incalculável valor, o 2.º Visconde de Santarém elaborou uma Memória que deitou por terra a falaciosa justificação francesa para se apoderar do Casamansa. É uma síntese dessa Memória que aqui se faz referência, tenho para mim que é peça fundamental para o estudo da presença portuguesa na Guiné.

Um abraço do
Mário



O 2.º Visconde de Santarém refuta os falsos argumentos da França sobre a Guiné

Mário Beja Santos

O 2.º Visconde de Santarém é uma das mais notáveis figuras da cultura portuguesa da primeira metade do século XIX, investigador distintíssimo na cartografia e nas análises feitas ao período dos Descobrimentos portugueses, mormente na África Ocidental. A sua "Memória - Sobre a Prioridade dos Descobrimentos Portugueses na Costa da África Ocidental, para servir de ilustração à Crónica da Conquista da Guiné de Zurara", publicada em Paris, na Livraria Portuguesa de J. -P. Aillaud, em 1841, é sem margem para dúvidas o documento mais incisivo que serviu para refutar os alegados fundamentos de diplomacia francesa de que este país fora o primeiro a chegar a esta região da costa africana. O Visconde de Santarém, devido à sua fidelidade ao ideário miguelista, exilou-se em Paris depois da Convenção de Évora Monte, não mais voltou a Portugal, recusou o convite que D. Pedro IV lhe fez para regressar. Estudioso emérito, dedicou-se à cartografia, deve-se-lhe a descoberta na Biblioteca Nacional de Paris da Crónica de Zurara onde supostamente se retém a imagem do Infante D. Henrique, e conhecedor da falaciosa argumentação francesa sobre a sua presença anterior à dos portugueses na costa africana, atirou-se ao trabalho, o resultado é esta Memória, peça fundamental para o estudo da presença portuguesa na região.

Veja-se sumariamente a argumentação do investigador, o rigor da sua fundamentação, e como ela pôs cobro às falsidades e devaneios de pretensos historiadores franceses.

Até aos fins do século XVI nenhum escritor estrangeiro nos disputou a prioridade dos nossos Descobrimentos na Costa Ocidental de África, somente no meado do século XVII apresentou um certo Villant de Bellefond, viajante francês, reclamando, sem prova alguma, a prioridade daqueles Descobrimentos a favor dos marítimos de Dieppe, que, segundo ele, tinham fundado estabelecimentos na Guiné, em 1364. Vários escritores o copiaram depois, e posto que os mais sábios geógrafos de todas as nações que escreveram depois de Villant, e mesmo alguns dos franceses, não admitiram aquela suposta prioridade; contudo, três obras importantes, publicadas nestes últimos anos em França, vieram de novo ressuscitar a pretensão da dita suposta prioridade dos Descobrimentos dos marítimos de Dieppe, fundando-se principalmente na relação daquele viajante do meado do século XVII.

Restabelecer, pois, os factos, e mostrar com documentos de indubitável fé que a tal pretendida prioridade dos Descobrimentos dos marítimos de Dieppe do século XIV é insustentável, tal é o objeto da presente Memória.

Fala o autor francês dos navios destes portos de Dieppe que devastaram todos os países desde o Elba ao estreito de Gibraltar, e que estes normandos terão limitado as suas navegações aos confins da Mauritânia.

É um facto histórico de indubitável fé que os peninsulares ibéricos sujeitos aos árabes e cristãos passaram frequentes vezes a África. Não se pode sustentar à vista destes factos que os normandos desde a sua aparição no século IX, onde só apareceram como piratas, pudessem ter estabelecido relações comerciais com África; os portugueses instruíram-se na geografia de África nas escolas árabes que existiam na Península, principalmente durante a dinastia Omíada.

A data publicada pelos autores que referem a presença normanda é de 1365 e o Visconde de Santarém responde:
“Recorremos a documentos autênticos que provam que já antes de 1336 tínhamos começado as nossas navegações além do Cabo Não. Se acaso aqueles supostos estabelecimentos franceses tivessem ali sido fundados em 1385, como eles dizem, teriam sido indicados nas minuciosas cartas feitas imediatamente depois, e pelo menos a parte hidrográfica daquelas costas ali se acharia marcada, mas, pelo contrário, na carta de Piziani de 1367 não se encontra o menor vestígio do conhecimento daquele país.
As reações comerciais de um povo europeu, no estado em que se achava a Europa no século XIV não se podiam ocultar das outras nações, e muito menos a dos marítimos da Normandia se podiam ocultar aos portugueses que naquele século ali comerciavam.”


O Visconde de Santarém vem seguidamente argumentar com o texto da Crónica da Guiné de Zurara e enfatiza a sua argumentação anterior.

Nenhum escritor estrangeiro do século XV e ainda de quase todo o XVI disputou aos portugueses a prioridade dos seus Descobrimentos além do Cabo Bojador e da fundação dos estabelecimentos na Costa da África Ocidental.

Só depois do meado do século XVII, um certo Villant de Bellefond, que fez viagem à Costa da Guiné em 1666 e 1667, cuja relação dedicou a Colbert, julgou propósito, sem citar documento nem prova alguma das que exige a verdade histórica, indicar que os marítimos de Dieppe tinham sido os primeiros descobridores da Guiné, onde haviam fundado estabelecimentos em 1365.

É a parte capital e a mais demolidora da refutação que o aristocrata faz às teses sem pés nem cabeça de quem pretendia uma argumentação a favor da presença francesa, isto para demonstrar como eram legítimas as reivindicações da França para dominar o comércio no Casamansa. Não querendo cansar o leitor, avanço com exemplos dados pelo eminente cartógrafo.

Na carta de África do Atlas inédito feito por João Rotz, natural de Dieppe, e que este cosmógrafo desenhara para o rei de França, como diz na dedicatória, mas que ofereceu depois a Henrique VIII de Inglaterra, Atlas que é datado de 1542, e que é pintado em 18 grandes peles de pergaminho, toda a nomenclatura hidrográfica que se lê na costa de África Ocidental é portuguesa, e não faz menção entre ela do Petit Dieppe ou Lestro de Paris. Em um outro Atlas hidrográfico desenhado em Dieppe em 1547, composto de 15 cartas, por Nicolau Vallard, de Dieppe, o qual pertenceu ao príncipe de Tallyrand, toda a nomenclatura geográfica é portuguesa.

Prosseguindo toda a sua argumentação, o Visconde de Santarém refuta as teses inventadas e que a diplomacia francesa brandia nas conversações com o Governo de Lisboa. Argumentação manhosa em toda a linha, começa-se por dizer que é inquestionável a presença portuguesa em Ziguinchor, funda-se um tanto à sorrelfa uma feitoria, ergue-se Carabane, foi um nunca mais parar de posse do Casamansa, onde lamentavelmente se ia apagando a presença portuguesa. E tudo se consumou com a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, a questão do Casamansa voltava-se definitivamente contra nós. E tudo começara com expedientes e mentiras que o Visconde de Santarém denunciou neste seu fabuloso documento editado em 1841, mas que não teve o condão de abrandar a ganância dos franceses.

Gomes Eanes de Zurara, tal como aparece idealizado na estátua de Luís de Camões, no Chiado
Carta hidrográfica da Guiné Portuguesa, 1844
Retrato do 2.º Visconde de Santarém, Manuel Francisco de Barros e Sousa da Mesquita de Macedo de Leitão e Carvalhosa, 1791-1856, na Sociedade de Geografia de Lisboa
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Nota do editor

Último post da série de 24 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25774: Historiografia da presença portuguesa em África (433): Fortunato de Almeida e a Guiné antes de 1920 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25797: (De)Caras (214): Cecílica Supico Pinto: a "líder carismática" do Movimento Nacional Feminino, com acesso privilegiado a Salazar, que veio preocupadíssima com a situação na Guiné, na véspera do 25 de Abril de 1974

 

Foto nº "34. Cilinha no porto de Lisboa na despedir-se de militares que partiam para as 'províncias ultyramarinas'. O MNF apoiava moralemnet os soldados na frente de batalha, mas não esquecia o apoio às famílias que ficavam na retaguarda.  (Arquivo do Diário de Notícias)".

Foto nº "37. Acompanhada pela Comissão Central do MNF, Cilinha fala aos jornalsitas sobre as atividades do Movimento" (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF/ MC / SEC / AG/01- 171/1546AR.)" (A Renata Cuha e Costa, vice-presidente do MNF, é a terceira a contar da direita.)

Fot nº "33. O presidente da Câmara de Lisboa, general França Borges,com algumas senhoras do MNF. dirante a receçãpo que lhes ofereceu em Montes Claros por ocasio do primeiro congresso daquele organismo, 1966. (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF/ MC / SEC / AG/ 01- 171/1586AR.)"



Foto nº "37. Condecorada com a medalha de prata do Mérito Femino pelo ministro do Exército, coronel Joaquim Luz Cunha, por ocasião do sexto aniversário do MNF, 1967. (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF / MC / SNI / RP /03- 6704/56410.)".


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Foto nº "42. Oliveira Salazar apreciava a alegria e frontalidadfe de Cecília Supico Pinto que considerava 'um verdadeiro príncipe'.  Foi uma das últimas pessoas a vê-lo com vida. (Arquivo do Diário de Notícias)".

Fotos selecionadas e reeditadas pelo blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024), com a devida vénia


Capa do livro de Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp.



1. Confidenciou a Cecília Supico Pinto (Lisboa, 1921 - Cascais, 2012) à sua biógrafa, Sofia Espírito-Santo (op cit, pág., 98):

(...) "O Dr. Salazar gostava que eu lhe contasse tudo o que via e ouvia e acreditava em mim porque sabia que eu não tinha medo de lhe dizer a verdadae, doesse a quem doesse! No fim dizia-me sempre: 'Para que quer a menina que eu vá a Angola se a menina ma traz aqui? ' " (..:)


Não duvidamos da autencidade desta confidência: Cecília Supico Pinto não foi "la Pasionaria" do regime salazarista, mas podia tê-lo sido... Tinha, inegavelmente, algumas qualidades pessoais, como por exemplo a liderança carismática, o charme, a elegância, a educação, a coragem, a coerência, a dupla elevação (física e moral) de algumas (poucas) mulheres da elite portuguesa da época: por exemplo, era mais alta que muitos homens e que a generalidades das mulheres portuguesas... (Vejam-se as fotos acima.)

De qualquer modo, o que nos chamou mais atenção, nesta seleção de fotos que tomámos a liberdade de fazer (com a devida vénia à Sílvia Espírito-Santo) foi a legenda da foto nº 34, que serve de imagem da capa do seu livro.

Por mensagm de 22/07/2024, 08:31, o João Sacôto, ex-alf mil at inf, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66), legendou a fot0 nº 34, do seguinte modo:

"Nesta fotografia estão: da esquerda para a direita: (i) o comandante do Batalhão de Caçadores 619, coronel Matias; (ii) o alf mil Montes (da CCAÇ 616, que foi para Empada); (iii) outro alferes, da CCAÇ 616 de que não me lembro o nome; (iv) a D. Cecília Supico Pinto; (v) outra cara desconhecida; (vi) o major Jesus Correia, 2º. comandante do BCAÇ 619; (vii) e finalmente outra cara de que me não recordo."

Falando ao telefone, com o meu amigo e vizinho de Ferrel, Peniche, Joaquim Jorge, ex-alf mil da CCAÇ 616 (Empada, 1964/66), ele confirmou que o Montes foi seu camarada: Fernando Paulo Montes, mais tarde médico de clínica geral, no SNS. Vivia em Sesimbra, chegou a ir aos primeiros encontros anuais da malta. Depois perdeu-lhe o contacto. Já morreu, infelizmente, de cancro.

2. O Joaquim Jorge também me confirma, para surpresa minha, que a Cilinha esteve em Empada em 1964 ou 1965, "já uns meses depois de o batalhão ter chegado". Não podia ter sido em 1966, uma vez que o BCAÇ 619 embarcou para Lisboa, a 27 de janeiro. Até agora, só tínhamos referenciado quatro visitas da "Cilinha" à Guiné: 1966, 1969, 1973 e 1974.

A Guiné será, entretanto, a última visita que ela fará, ao serviço do Movimento Nacional Feminino,  já a escassas semanas do 25 de Abril de 1974. Foi lá que tomou contacto com o livro do general Spínola, "Portugal e o Futuro" (que achou "nada de especial nem sequer bem escrito") (pág. 182).

Veio de lá com sentimentos contraditórios, tendo de imediato partilhado, ao telefone, com o Ministro da Defesa, Silva Cunha, os seus temores:

(...) As coisas não estão nada brilhantes, venho preocupadíssima da Guiné, também estive em Angola e Moçambique, o senhor sabe que eles comigo abrem-se e não fazem qualquer cerimónia. E vou dizer-lhe mais, eu parece-me que não sou uma pessoa com falta de coragem, tenho andado debaixo de fogo,tenho ido aos sítios mais complicados, mas não tenho é vocação para mártir e ou vocês fazem realmente qualquer coisa, realizam que isto está muito grave ou isto acaba mal. Como lhe digo não tenho vocação para mártir" (...) (Cecília Supico Pinto, Cascais, 22 de novembro de 2004, em entrevista dada à Sílvia Espírito-Santo, op. cit., 2008, pág. 183.)


Contrariamente a Salazar, de quem era íntima (e por isso amada e odiada dentro do próprio regime), a "Cilinha" não manteve com Marcello Caetano a mesma relação pessoal de mútua admiração e confiança. "Salazar era mais forte que Marcelo" (pág. 178).

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25765: (De) Caras (304): Não conheci pessoalmente o cap inf Manuel Aurélio Trindade, último cmdt da 4ª CCAÇ e primeiro cmdt da CCAÇ 6 (Rui Santos, ex-alf mil, 4ª CCAÇ e CIM Bolama, Bedanda e Bolama, 1963/65)