quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26031: Roteiro dos museus e outros lugares de memória e cultura, abertos (ou a abrir) ao "antigo combatente" (1): Museu Militar de Lisboa e seus núcleos museológicos (Sala dos Gessos, OGFE, e PC-MFA)



Museu Militar de Lisboa (Foto:  cortesia de: www.exercito.pt )




Museu Militar de Lisboa > O fabuloso Pátio  dos Canhões  (Fonte: cortesia da página do Facebook)


1. A propósito de museus e monumento nacionais... a que têm acesso (gratuito) os antigos combatentes (*). 

Vamos abrir aqui uma campanha de informação e sensibilização para que o nosso benefício (social) se alargue também, pelo menos (e para já), aos museus municipais, sociais e privados... Há pequenos museus muito interessantes, espalhados por esse país fora, de Norte a Sul, de Oeste a Leste...

O Juvenal Amado, o Eduardo Estrela e outros camaradas que mostraram interesse por esta temática (*), com a nossa ajuda, podem identificá-los e ajudar a "sensibilizar" os proprietários e gestroes desses museus e núcleos museológicos (autarquias, misericórdias, Igreja, etc.) para a discriminação de que somos vítimas... 

É uma boa pergunta, a do Juvenal..,. Afinal, quantos somos ainda ? 500 mil, apontas ele ? Falamos de  um universo inicial de 800 mil (não contando com os nossos camaradas do recrutamento de Angola, Guiné, Moçambique e por aí fora, juntemo-lhes aí mais uns 200 mil)... Quantos não terão  já terão morrido ? 300 mil ? É mais de um terço, são 37,5%... Mas ninguém sabe ao certo... 

Teríamos  que incluir a diáspora lusófona, os nossos camaradas do continente e "ilhas adjacentes" (Açores e Madeira) que deixaram a terra ingrata e foram para o Brasil, a Venezuela, os EUA, o Canadá, a França, a Alemanha, o Luxemburgo, a Suiça, o Reino Unido, a Austrália, a África do Sul, e por aí...

2, Não há estatísticas seguras, mas no Portal do Governo, pode ler-se (informação do histórico XXIII Governo - República Portugal):

2023-09-01 às 12h41 : Emitidos mais de 409 mil Cartões de Antigo Combatente

(...) Estatuto do Antigo Combatente entrou em vigor há 3 anos. Já foram emitidos mais de 409 mil cartões de Antigo Combatente e enviadas quase 148 mil insígnias desde a entrada em vigor do Estatuto do Antigo Combatente, há três anos, e estão a aumentar os indicadores de acesso aos benefícios e direitos nele consagrados.

Ao assinalar esta data, a Defesa Nacional renova o seu compromisso com o aprofundamento dos direitos e benefícios consagrados no Estatuto. (...)

Trata-se de continuar a reconhecer e dignificar os Antigos Combatentes e valorizar os benefícios proporcionados a mais de 400 mil pessoas: no seu reconhecimento, na sua mobilidade, em situações mais extremadas de necessidade de apoio (como as de sem-abrigo), no acesso a museus públicos e na preservação da memória." (...)


Principais indicadores:

(i) cartão de Antigo Combatente: emitidos 409.721 cartões (95% dos pedidos registados);

(ii) insígnia de Antigo Combatente: enviadas 147.822 insígnias;

(iii) trransportes públicos gratuitos: 51.474 "passes de Antigo Combatente" ativos em Lisboa e Porto, mais 59; e nas restantes comunidades intermunicipais,
102,

(iv) o número acumulado de carregamentos naquelas áreas metropolitanas quase duplicou no último ano, e registou-se um aumento superior a 12 mil títulos nas comunidades intermunicipais.

(v) entrada gratuita em museus e monumentos nacionais: 6.495 bilhetes de Antigo Combatente em museus e monumentos sob alçada do Estado.

(vi) Rede Nacional de Apoio aos militares e ex-militares com perturbação psicológica crónica: 162 utentes integrados na rede após a entrada em vigor do Estatuto, num total de 852 pessoas em acompanhamento.

(viii) apoios prestados no âmbito do Plano de Ação para Apoio aos Deficientes Militares: 435 deficientes militares e 44 cuidadores abrangidos desde a implementação do Estatuto; estão em acompanhamento 1.770 pessoas.

(viii) Plano de Apoio Social aos Antigos Combatentes em Situação de Sem-Abrigo: 29 pessoas em acompanhamento.

(ix) isenção de taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS): abrange o universo de Antigos Combatentes. (...)

Em resumo, 410 mil cartões passados (95% dos pedidos registados), 6,5 mil bilhetes emtidos para entrada em museus e monumentos nacionais... Dá c. 1,6% de visitantes (admitindo que cada entrada corresponde a um antigo combatente)...

Estamos convencidos que este "privilégio" que reivindicamos (a isenção para todos os museus e monumentos, tutelados pelo Estado e demais entidades, incluindo autarquias, privados, etc.) aumentaria a frequência destes lugares de memória e cultura... 

Muitos dos antigos combatentes já têm uma autonomia e mobilidade mais reduzida, não lhes sendo fácil ir a Lisboa, Porto, Coimbra e outras cidades onde se concentram uma grande parte dos principais museus e monumentos nacionais...


3. Vamos listar aqui alguns desses museus e monumentos, começando pelos museus "militares": 

Localização: Largo do Museu da Artilharia 1100-366 Lisboa (em frente da Estação de Santa Apolónia).

Horário: de terça-feira a domingo| 10h00 – 17h00 (Últimas admissões: 16h15).


Entrada livre aos domingos e feriados até às 14h00, para todos os cidadãos residentes em território nacional.

O Museu encerra às segundas-feiras, e ainda em: 1 de janeiro, domingo de Páscoa, 1 de maio e 25 de dezembro.

Acesso: Gratuitidade aos Antigos Combatentes (AC e viúvas de AC, detentores dos cartões previstos nos artigos 4º e 7º do Estatuto do Antigo Combatente (Art.º 18 do Anexo I da Lei n-º 46/2020 de 20 de agosto).


​​​4. Missão:

(...) "O Museu Militar de Lisboa (MusMil Lisboa) promove a valorização, o enriquecimento e a exposição do património histórico-militar a si atribuído, onde se inclui o Núcleo Museológico do Buçaco, o Núcleo Museológico da Artilharia de Costa, o Espaço Museológico do Movimento das Forças Armadas e o Núcleo Museológico de Fardamento e Equipamento." (...)

​Hierarquicamente, está dependente da Direção de História e Cultura Militar​que, além deste, tutela ainda os seguintes museus mlitares e outras unidades:



5. De acordo com a Wikipedia, o Museu Militar de Lisboa, que está sob a tutela do Exército Português, é o maior museu militar em Portugal e um dos mais antigos da cidade de Lisboa. É possuidor de um vasto e valioso património museológico.

Encontra-se classificado, desde 1963,  como Imóvel de Interesse Público.

Começou a ser organizado em 1842, no Arsenal Real do Exército, pelo Barão de Monte Pedral, com a finalidade de guardar e conservar material bélico. O museu contém uma grande exposição de armas, uniformes e documentos militares históricos.

No reinado de D. Maria II, em 1851, o edifício passou a denominar-se por  Museu da Artilharia , nome que conservaria até 1926, data em que passou a ter a actual designação.

Nos finais do Séc. XIX e início do Séc. XX, o seu primeiro director, general José Eduardo Castelbranco, para apoiar a exposição das peças, fez decorar novas salas com trabalhos dos nossos melhores artistas da época.

 O Museu tem desde 1998 um espaço nas Caves para a realização de exposições temporárias e outros eventos culturais.


6. Coleções do Museu Militar de Lisboa:

(i) Peças de artilharia em bronze;  é considerada uma das mais completas coleções  a nível mundial:  as peças são preciosos documentos históricos, tanto pelas suas inscrições e símbolos heráldicos, como pelas ornamentações bem ao estilo das épocas das respectivas fundições.

(ii) Azulejaria:  é constituída por vinte e seis painéis de azulejos, dos séculos XVIII, XIX e princípios do século XX que representam os factos mais notáveis da história nacional decorrido entre 1139 e 1918. São da autoria dos artistas:

  • José Estêvão Cancela, 
  • Vítor Pereira, 
  • Gustavo Bordalo Pinheiro
  •  e Leopoldo Batistini.

(iii) Quadros: estão aqui representado alguns dos nomes mais aclamados da pintura portuguesa de finais do século XIX e início do século XX, tais como;

  • Adriano Sousa Lopes, 
  • Columbano Bordalo Pinheiro, 
  • José Malhoa, 
  • Carlos Reis, 
  • Veloso Salgado, entre outros.
(iv)  Escultura: destaque também para obras dos esculyores:

  •  Delfim Maya, 
  • Rafael Bordalo Pinheiro
  •  e José Núncio.

As colecções do museu são apresentadas em 33 espaços expositivos. Na visitam destaca-se:
  •  a sala Vasco da Gama com uma coleção de antigos canhões e murais modernos representando a descoberta do caminho marítimo para a Índia;
  • no primeiro andar,  as salas dedicadas à Primeira Grande Guerra;
  • outras salas descrevem a evolução das armas em Portugal, desde as lâminas de sílex, às lanças e às espingardas;
  • o pátio dos canhões (vd. foto acima), conta a história de Portugal em 26 painéis de azulejos, desde a Reconquista cristã à Primeira Guerra Mundial;
  • há ambém uma sala com peças miniaturas; 
  • o museu tem cerca de 26 mil peças. 

Na parte mais antiga do museu, a secção de artilharia portuguesa, exibe o carro usado para o transporte das colunas do Arco da Rua Augusta, em Lisboa.


6 . Núcleos museológicos do Museu Militar de Lisboa:

(i) Sala dos Gessos

  • aqui estão reunidas vários moldes para estatuária de figuras relevantes de Portugal, nomeadamente o molde da estátua de D. José I, localizada na Praça do Comercio);
  • localização: Campo de Santa Clara 1100-453 Lisboa;
  • horário: Segunda-feira a sexta-feira, das 10h30 às 12h00 e das 14h00 às 16h00;
  • visitas só com marcação prévia: Telefone 218 842 569. E-mail: musmillisboa@exercito.pt
  • Entrada gratuita

(ii) Núcleo Museológico do Fardamento e Equipamento (OGFE)


  • localização: Campo de Santa Clara, 1100-353 Lisboa;
  • visitas só com marcação prévia: 218 842 569. E-mail: musmillisboa@exercito.pt.
  • entrada gratuita.

(iii) Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas (PC-MFA)

  • localização: Quartel da Pontinha, Av. do Regimento de Engenharia n.º 1 - 1675-103 Pontinha.
  • visitas só com marcação prévia: Telefone: 219 320 000. E-mail: geral@cm-odivelas.pt.
  • entrada gratuita.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P26030: Convívios (1008): XXIX Encontro/Convívio dos Antigos Combatentes da Vila de Guifões, levado a efeito no passado dia 5 de Outubro de 2024, em Vila Boa de Quires

1. Mensagem do nosso camarada e amigo Albano Costa, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 4150 (Bigene e Guidaje, 1973/74), com data de 9 de outubro de 2024:

No Sábado, dia 5 de Outubro de 2024, dia em que os Antigos Combatentes na Guiné da Vila de Guifões conviveram no seu XXIX Encontro-Convívio, este ano o local escolhido foi na Quintinha dos Queiroses, em Maureles, Vila Boa de Quires.

Pelas 9 horas os Antigos Combatentes participantes reuniram-se no centro de Guifões-Matosinhos em frente ao Monumento dos Combatentes do Ultramar, de Guifões.

Foi colocada uma coroa de flores para homenagear todos os Combatentes no Ultramar e cantamos o Hino Nacional. Depois fomos em dois autocarros até Penafiel, onde fizemos uma pequena paragem, para finalmente deslocar todos para a Quintinha dos Queiroses.

Depois de um bom almoço, intercalado sempre com um bom pé de dança, foi feita a distribuição de lembranças comemorativas do evento e, também foi oferecido uma rosa a cada senhora presente.

Agradecemos toda a colaboração prestada pelo Sr. Presidente da União de Freguesias de Guifões, Custoias e Leça do Balio, Eng. Pedro Gonçalves.

Por volta das 19 horas foi o regresso ao local da partida. Feita uma viagem com chegada serena a Guifões com o pensamento já no convívio do próximo ano.













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Nota do editor

Último post da série de 30 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25994: Convívios (1007): 57º Convívio da Tabanca da Linha, em Algés, no passado 26 de setembro: 0s 9 magníficos... "piras"

Guiné 61/74 - P26029: CCAÇ 675 - Guiné 1964 / 66 - Retalhos do nosso pós-guerra - III - (Parte I) (Belmiro Tavares)


CCAÇ 675
Guiné 1964 / 66


Retalhos do nosso pós-guerra - III

Belmiro Tavares

2024

No dia 12 de maio de 2024, organizámos a nossa confraternização anual para os nossos antigos combatentes da zona norte. Reunimos em Águeda e éramos 35 convivas. Tudo (quase tudo) correu bem! O almoço estava otimo e foi bem servido. Tivemos direito a uma sala só para nós o que é deveras importante; estávamos, absolutamente, à vontade e não incomodámos os vizinhos.

Para esta reunião, tivemos em devida conta, facilitar a vida aos companheiros, principalmente, os que vivem a norte do Douro mas, segundo parece, a benesse não foi bem entendida. No entanto – cereja no topo do bolo – a irmã e o sobrinho do furriel Mesquita (dr.ª Teresa Mesquita e dr. - Francisco Mesquita) bem como três familiares do soldado n.º 2336, Jerónimo Justo (o filho, José Luis, a nora Maria de Lurdes e o neto, Tiago) fizeram questão de nos brindar com a sua benigna presença. 

Além disso, estes participantes anunciaram que estarão presentes também na confraternização do sul, em Benavente, no dia 22 de setembro do ano corrente. O nosso mui querido general, o Tavares, o C. Figueiredo, o Frade, o Luis Moreira e o Santo Marques percorreram mais de duzentos quilómetros para cada lado; o Gabriel Rosa e o M. Cariano palmilharam cerca de duzentos quilómetros na ida e na volta.

Caros minhotos! Tenham em devida conta que todos nós (os elos da nossa robusta corrente) nos sacrificámos imenso, durante aqueles dois longos anos de bruta guerra para criar e alimentar, até ao dia de hoje esta amizade enorme que nos une; esperamos que ninguém pretenda deitar por terra o esforço, a ousadia, a enorme coragem e a amizade que tem unido todos os robustos elos da nossa corrente. Pensem nisso! Esperamos, sinceramente, que todos pretendam que a Gloriosa CCaç 675 se mantenha viva durante muitos anos. O Tavares defende que sempre foi muito bem recebido pelo nosso pessoal do Minho – em boa verdade nunca foi mal recebido pelos antigos combatentes, em parte alguma! Pretende-se que assim continuemos por muitos e bons anos.

O comandante desta tropa especial continua a ser o nosso General Tomé Pinto que se mantém duro como o aço - se, como ele afirmou, no dia 12 de maio de 1965, em Binta, “Com tais soldados (os da CCaç 675) é fácil ser vencedor. Nós diremos que com tal comandante será impossível não ser vencedor; com ele ao nosso lado, tudo era fácil e, todos juntos, vencemos o que parecia impossível. Teremos de continuar a ser vencedores!

Mudando de rumo!
Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017)


Até ao dia de hoje, não temos notícias dignas de registo acerca do nosso pessoal. Assim sendo, vamos falar de uma figura ímpar da nossa CCaç 675. É certo que não pode haver comparações pois, a sua especialidade era única. Referimo-nos, claro está, ao nosso mui distinto médico, dr. Martins Barata.

Sabemos que provém de uma família de arquitetos e pintores. O seu “mano velho” também foi arquiteto; foi ele quem projetou o emblema da CCaç 675 que veio a ser considerado o mais original (e diferente) de quantos apareceram naquela Guiné tórrida e inclemente. O nosso era, na verdade, simples e simbólico: “CCaç 675 Nunca Cederá” sobre as cores da Infantaria.

Damos como certo que não vamos falar do médico porque não temos cabedal para tanto. Mas podemos afirmar que era um bom médico (muito bom mesmo) e sempre presente onde e quando necessitávamos dele. Nunca virou a cara à luta… à sua luta… que era também a nossa!

Pelo menos nos primeiros tempos de mato, ele foi muito assediado por alguns dos nossos soldados para se livrarem de uma ou outra patrulha mais assustadora. Não constou que alguém tivesse beneficiado de tais artimanhas. O nosso bom Galeno confiava nos seus alargados conhecimentos e experiência de vida e, assim sendo, não seria fácil demovê-lo ou enganá-lo.

Ainda em Bissau, os soldados lamentavam que ele receitava apenas comprimidos LM (Laboratório Militar) e que “os mesmos” serviam para debelar todos os males que os assolavam. O bom do nosso médico foi incansável a explicar que os comprimidos que usávamos eram todos preparados no mesmo laboratório mas tinham finalidades e valências próprias. Conseguiu levar a água ao seu moinho! Tudo ficou esclarecido.

Na primeira quinta-feira que passámos em Bissau, ele mandou distribuir a cada militar, à hora do almoço, um comprimido (“daraprim”, um antipalúdico, se bem me lembro); espalhou-se entre os nossos soldados (nas outras unidades terá acontecido o mesmo) que se tratava “apenas” de um remédio “para combater ou diminuir o “apetite sexual”. Foi difícil combater tal boato entre os soldados, defendendo que se tratava apenas de uma proteção contra o paludismo – uma doença tropical, ainda muito ativa na Guiné e não só. Não evitaria que se contraísse tal maleita mas, quem tomasse aquele comprimido preventivo, não seria tão fortemente atacado.

Com o tempo, tudo entrou nos eixos, devidamente, - o nosso doutor passou no exame – e, lentamente, começou a ser admirado e respeitado (sem imposição) pelos nossos soldados; aliás, ele merecia toda a admiração, consideração e respeito de todos nós.

O doutor Barata gostava de ir connosco para o mato… de vez em quando. O nosso conceituado mestre da guerrilha não gostava (mas não o proibiu) que ele se expusesse, desnecessariamente, e alegava:
- Se o doutor vier connosco de uma patrulha e se tivermos um ferido grave, o senhor não estará nas melhores condições para o tratar como estaria se tivesse ficado no quartel.

O nosso bom Galeno ouviu as palavras sensatas do nosso venerável capitão e terá reduzido o número das suas saídas para o mato… talvez.

Constou que os nossos adversários (os nacionalistas) se assustaram, fortemente, ao ver um militar da CCaç 675 com uma arma tão estranha (uma máquina fotográfica); terão pensado que se tratava de um “lança misseis” e/ou um “drone” e deram corda às sandálias; com o rabo entre as pernas, rumando aos seus esconderijos, como, usualmente, faziam.

Acontece que, no dia 28 de dezembro de 1964, dia em que fomos, severamente, atingidos por uma potente mina anticarro (foi a primeira de seis); o nosso médico estava lá – demos graças a Deus! – caso contrário, os danos poderiam ter sido bem mais graves. Ele manteve-se calmo, atuante e dominou a situação; ia aconselhando os dois cabos enfermeiros, ali presentes, os quais se comportaram como deviam. Naquele dia, de triste memória, nem o fur. mil. enf. Oliveira se encontrava entre os operacionais mas os dois cabos enfermeiros fizeram maravilhas; como soe dizer-se: das tripas fizeram coração! Seguindo o exemplo do seu chefe, iam acorrendo a todos os “focos de incêndio” e… eram tantos, meu Deus!

Sinto vontade de recordar, aqui e agora, as ousadas palavras do mui ilustre “inventor do quadrado móvel” da CCaç 675:
- O soldado português é o melhor soldado do mundo! Ele é corajoso, voluntarioso, valente e ousado. Poderá não morrer pela Pátria ou pela Bandeira, mas, de bom grado, dá a vida pelo seu chefe ou pelo companheiro do lado.
E acrescentava:
- Será que ele – “doa a quem doer”! Será que ele tem as chefias que merece?!

Nota: as palavras em itálico e entre aspas são acrescento nosso.

Voltemos ao campo da verdade!

O dr. Martins Barata conseguiu, no meio daquele inferno medonho e sem os meios adequados, elaborar diagnósticos completos e perfeitos acerca de cada sinistrado.

Agora, será de bom tom lembrar, também, a extraordinária atuação do soldado nativo n.º 108, Mamadu Bangoran (etnia fula), um soldado com muitos altos e baixos. Naquele dia, de triste memória, não fora a sua inaudita coragem e o seu arreigado portuguesismo e teríamos mais mortos, certamente, ou feridos mais graves, ainda. Ele arriscou, literalmente, a sua vida, entrando no meio daquelas chamas alterosas para retirar dali alguns feridos que, por si só, não conseguiriam livrar-se daquele inferno. Reentrou no meio daquelas chamas impetuosas para recolher espingardas, capacetes, carregadores, cantis, etc. para que não fossem parar às mãos dos independentistas vorazes. Não temeu sequer a mais que provável explosão do depósito de gasolina.

Depois disto, juntou-se aos companheiros que enfrentavam, corajosamente, os adversários que desencadearam uma severa emboscada, logo após o rebentamento da desastrosa mina. Escondidos entre o capim alto e denso, iam fustigando a nossa tropa, que, com eficácia os colocou em fuga desvairada.
Era mesmo assim, aquele jovem fula! Naquele dia, portou-se como um herói!

Que será feito de ti, companheiro, Bangoran?! A CCaç 675 fez de ti um homem e não te esquece! Tu também não nos esquecerás, certamente!

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 24 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25441: CCAÇ 675 - Guiné 1964 / 66 - Retalhos do nosso pós-guerra - II (Parte III e última) (Belmiro Tavares)

Guiné 61/74 - P26028: Parabéns a você (2320): Manuel Resende, ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884 (Jolmete, 1969/71)

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Nota do editor

Último post da série de 9 de Setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26023: Parabéns a você (2319): Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Guiné - Catió e Ganjola, 1963/64 e Cabo Verde - Ilha do Sal, 1964/65)

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26027: Fotos à procura de... uma legenda (183): Antigos combatentes da Guiné-Bissau reivindicando, na festa da comemoração dos 50 anos da indepedÊncia, o aumento da sua pensão



Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > Cerimónia dos 50 anos da independência da Guiné-Bissau > Desfile de um grupo de antigos combatentes do PAIGC.

Cartaz com os seguintes dizeres: "República da Guiné-Bissau | Combatentes da Liberda[de]
 da Pátria | Libertem-nos da pensão de 39000 francos CFA | Os libertadores".

Foto: Estúdios Revolución. Cortesia de Granma (2023) (*)



1. Por ocasião da comemoração dos 50 anos da Independência da Guiné-Bissau, no passado dia 16 de novembro de 2023, com desfile ao longo da Av Amílcar Cabral,  um grupo de antigos guerrilheiros, incluindo Aruna Baldé, empunhava um cartaz (vd. foto acima) a reivindicar o aumento da  pensão que recebem (39 mil francos CFA, o equivalente a 59,5 euros, à cotação atual  da moeda guineense).

(...) "A Lusa encontrou-o [,ao Aruna Baldé,
] com o seu grupo junto ao busto de Amílcar Cabral, ao fundo da avenida que leva o nome do herói da independência, para acompanhar, no desfile que marcou a celebração, os que, com a coragem com que combateram no passado, reivindicam agora uma pensão que lhes permita ter o mínimo para sobreviver e uma vida digna.

"Com os abutres a sobrevoarem os céus de Bissau, o busto de Amílcar Cabral não 'assistiu' aos festejos dos 50 anos da independência, celebrados fora de data -- Sissoco Embaló escolheu o Dia das Forças Armadas e não o 24 de setembro da proclamação unilateral da independência -, mantendo o olhar virado para o mar, que fica logo a seguir ao porto de Bissau." (...)


2. Mais entusiástica e retórica foi a notícia do jornal cubano "Granma", que deu conta da participação da delegação de Cuba nas cerimónias oficiais:

(...) Al frente de la delegación cubana, recibida con todos los honores y el cariño que la Mayor de las Antillas inspira por estas tierras, llegó a la avenida Amílcar Cabral el miembro del Buró Político y vicepresidente de la República, Salvador Valdés Mesa.

Hubo honores y agradecimiento para Cuba en la conmemoración, que dio inicio con la condecoración a varias personalidades unidas, de manera indisoluble, a la historia de Guinea Bissau.

Los primeros fueron dos internacionalistas cubanos: el comandante Víctor Dreke Cruz y el diplomático Oscar Oramas Olivas, quien ha sido embajador en varios países africanos. Ambos recibieron, de manos del presidente guineano, Umaro Sissoco Embaló, la Orden Nacional Colinas de Boe, la mayor condecoración que otorga el Estado de este país." (...)

(...) "Durante poco más de dos horas, la emblemática avenida Amílcar Cabral se desbordó con la alegría del pueblo guineano y la marcialidad de las tropas. Fue un vibrante desfile que rindió tributo a la historia de este país, y que contó con la presencia de varios jefes de Estado y primeros ministros de naciones amigas de Guinea Bissau." (...)

A jornalista cubana, que assina a peça,  não faz referância à luta do Aruna Baldé e demais "combatentes da liberdade da Pátria" que, de resto, não estragaram a festa do presidente Sissoco Embaló.  Curiosamente, e talvez por não ter entrendido a mensagem do cartaz, em português  (Os "lbertadores" a pedirem a "lbertação da pensão mínima"), o "Granma" inseriu, por equívoco, ou fora de contexto,  a foto que acima reproduzinmos, com a devida vénia.

Também mais uma vez ficámos sem saber, de fonte oficiosa, o número de "internacionalistas cubanos" que lutaram contra o "exército colonialista portuguesa" ao lado do PAIGC, de 1966 a 1974: já lemos alguns valores, muito díspares, que vão das escassas centenas a alguns milhares.... (Enfim, uma questão a desenvolver em próximo poste.)

Para já, talvez os nossos leitores queiram acrescentar algo mais à legenda da foto (***) ... Sem querer fazer comparações (nem  imiscuirmo-nos, nos assuntos internos da República da Guiné-Bissau) parece haver, em todo o lado, algumas semelhanças na injustiça (relativa) a que estão sujeitos todos os antigos combatentes de todas as antigas  guerras...


Guiné 61/74 - P26026: Historiografia da presença portuguesa em África (446): A Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, os primeiros meses de 1884 (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
É notório que o Governador Pedro Ignácio de Gouveia não deixa os seus créditos por mãos alheias, manda publicar os relatórios dos administradores do concelho, parecendo que não temos aqui matéria que o investigador não pode descurar, por exemplo, no Boletim n.º 9, de 1 de março, o administrador de Cacheu fala de Ziguinchor e das suas carências, é preciso um quartel, o alferes que preside ao presídio de Geba lembra que tem 40 soldados, força ridícula para resistir à imensa força dos Fulas; o régulo Dembel considera que os Mandingas são seus escravos; publicam-se, para o que der e vier os contratos celebrados por Honório Pereira Barreto, fundamentalmente sobre a região de Bolor, é clara a preocupação do Governador de querer ver legitimados os contratos anteriormente celebrados, e neste caso aqueles que estão numa área a ser disputada pela França, veremos mais adiante outros tratados de cessão, como os de Jufunco e a convenção feita pelos Felupes de Varela. O que acontece é que o Governador é firme no acatamento à lei, está profundamente atento às sequelas da guerra do Forreá, mas tem falta de meios, humanos e financeiros.

Um abraço do
Mário



A Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, os primeiros meses de 1884 (5)


Mário Beja Santos

Estamos no último ano da governação de Pedro Ignácio de Gouveia, este distinto oficial da Armada procura estrenuamente gerar progresso e pacificar os permanentes conflitos interétnicos, esforça-se por nomear para postos sensíveis pessoas dedicadas e competentes. Vamos encontrar, infelizmente com pouca frequência relatos que nos permitem ficar com a imagem de uma determinada região, é o caso do relatório da responsabilidade do administrador do concelho de Cacheu publicado no Boletim Official n.º 9, de 1 de março.

Vejamos alguns parágrafos elucidativos:
“Falando das condições especiais sobre a povoação de Cacheu, dirá que está assente em terreno acessível e cercada de charcos e terrenos pantanosos e de uma praia lodosa; todavia, é certo que passa por uma das mais salubres da província. Próximo a ela vegeta uma imensa floresta, formada de diversas árvores frondosas de grandes dimensões, e frutíferas, oferecendo uma perspetiva verdadeiramente aprazível. Durante a quadra pluviosa do ano, formam, no interior e nas proximidades da vila, tantos pântanos acidentais que se torna difícil o trânsito.
Pelo muito que tenho permanecido nesta vila, diligenciei quanto pude para ver se combatia parte dos inconvenientes apontados já mandando abrir regos para dar saída à água, já aterrando as covas e as partes mais baixas e, finalmente, fazer empedrar alguns que faziam parte de passagens mais frequentes. O largo do quartel, era um terreno irregular e, junto a esse edifício, formava-se acidentalmente um grande pântano, o interior do referido quartel tornava-se um receptáculo de humidade. O dito terreno foi desbastado, aterrado o pântano, nivelado e bem batido com malhos próprios para aquele fim. No interior da vila vêem-se alguns entulhos amontoados, e prédios em ruína. As casas são, na maior parte, cobertas com capim, as ruas tortuosas, formando labirintos, não havendo por enquanto possibilidade de as meter em simetria.”


Irá fazer referência ao estado dos edifícios, à saúde pública, ao comércio e finanças e deixará uma palavra sobre Farim e Ziguinchor. O Governo tinha dois edifícios no concelho, uma igreja que carece de ser melhorada; o estado sanitário seria inteiramente bom, se não fosse o sarampo que apareceu nesta vila, procedia-se então à reparação do quartel militar, o comércio decorria satisfatoriamente, verificava-se atraso de pagamentos das coletas em dívida. Refere-se a Farim desta maneira: “Torna-se de absoluta necessidade que neste presídio seja edificado um quartel militar para alojamento da força de guarnição; aludindo a Ziguinchor, previa-se a edificação de um quartel." Assina Sérgio Leitão de Mello.

E logo a seguir vem uma informação do presídio de Geba, é seu chefe o alferes Salomão José Guerreiro, que pede que seja informado o Governador de que foram batidos os mouros em Bigene, tendo os Fulas incendiado a tabanca, e dizendo o seguinte:
“Decerto este acontecimento deve trazer-nos graves consequências, começando já os seus efeitos, pois que hoje de manhã o régulo Dembel mandou um seu emissário ao juiz do povo a fim de que reunisse todos os Mandingas de Bigene que se achavam na praça porque eram seus escravos. Como é meu dever, quero opor-me a um tom bárbaro desígnio, por isso que, seja quem for que se venha abrigar sob a nossa bandeira, ninguém tem sobre ela poderes alguns; porém, a força de que disponho é diminutíssima (40 soldados) para resistir à imensa força dos Fulas; é por isso que eu rogo com instância e o mais depressa possível que seja fornecida a força de que puder por alguns dias dispor o Batalhão de Caçadores n.º 1, vindo com ela o alferes Geraldes, se Sua Excelência, o Governador, o achar conveniente. Sua Excelência, conhecedor como é do caráter traiçoeiro destes negros, não deixa decerto de atender ao que exponho.”

No Boletim Official n.º 10, de 8 de março, o administrador Sérgio Leitão de Mello volta à carga, faz alusão ao relatório do ano anterior, de que aqui se faz referência e diz, ter recebido uma participação do chefe do presídio de Farim.
Reza o seguinte:
“No território de Farim estão negociantes saídos de pontos estrangeiros com fazendas e mercadorias taxadas na pauta aduaneira desta província e pelas posturas municipais deste concelho, circunstância que, além de ser uma fraude, importa que as referidas fazendas são postas à venda por preços que não podem ser competidos pelos negociantes do presídio. Torna-se obrigatório para cada um dos administradores, como autoridades subalternas, o dever de estudar dentro dos limites da sua jurisdição, as medidas profícuas, tendentes a evitar qualquer mal ou contrariedade e comunicar ao chefe superior o seu pensamento. Temos de ponderar a validade da força militar, de grande utilidade para completar a estabilidade, com ela o sossego da província.

Precisamos adotar e pôr em execução outras medidas de superior alcance, tendentes a suplantar a série de inconvenientes que a incúria deixou arreigar. Se a posse e domínio do rio de Casamansa se não decide, precisamos ocupar: ao litoral a ilha que demorou a infeliz povoação de Bolor de tristíssimas recordações, entre os rios de Casamansa e S. Domingos, e na margem esquerda deste, a antiga povoação de Mata de Putama, denominado Fuladu, povoação gentílica, acima de Farim, dez a doze léguas aproximadamente à beira do rio deste nome. Estas ocupações seriam de reconhecida vantagem.”

E tece ainda mais considerações sobre a afluência comercial, o transporte de mercadorias e produtos coloniais, tudo decorrente das ocupações que ele propõe. Como se sabe, estas preocupações vão desaparecer com a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, a região de Ziguinchor passará a possessão francesa.

O Boletim n.º 15, de 12 de abril, insere a cópia da convenção feita entre o Governador de Cacheu e dependências e os régulos de Bolor, recorde-se que Honório Pereira Barreto faleceu em 1859, mas temos de atender à data desta convenção que é de 1853. Refere-se a data, 18 de fevereiro desse ano, de 1853, quem esteve presente, e chega-se ao texto:
“Os régulos de Bolor, por si e por seus possessores cedem à nação portuguesa o terreno denominado Eguel; os régulos obrigam-se a não ceder, vender ou trocar parte alguma do seu território com outra qualquer nação que não seja a portuguesa; para evitar qualquer abuso, os régulos de Bolor obrigam-se a impedir que sejam enviadas para o interior, quer por terra quer por mar, fazendas em indivíduos que não sejam de Cacheu ou a quem o Governo de Cacheu não der licença expressa; não será tolerada a navegação estrangeira no esteiro que comunica com o Casamansa, o que só é permitido às embarcações de Cacheu ou que vierem com o passe do Governo de Cacheu; o litoral de Bolor é considerado português para todos os efeitos, porém, o Governo português não poderá pôr embaraço ou ónus algum sobre a navegação e comércio dos habitantes de Bolor e dos povos gentios com quem o mesmo Bolor tem relações comerciais; os régulos de Bolor obrigam-se a defender o Governo português de qualquer ataque que lhe for feito; o Governador obriga-se a pagar anualmente a pensão seguinte: 6 barras de ferro, 6 frascos de pólvora e 5 galões (8 frascos de aguardente) que há de ser divida por ambos os régulos; os régulos de Bolor obrigam-se a prestar todo o socorro que for requisitado pelos navios que encalharem na barra; o Governador obriga-se a pagar duas barras de ferro à canoa que levar a Cacheu a notícia de algum naufrágio, e a dar alguma gratificação ao régulo ou régulos que de boa vontade se prestarem aos socorros exigidos."
Seguem-se as assinaturas.

O Boletim seguinte, o 16, com data de 19 de abril, é uma outra cópia alusiva à aquisição da praça de Bolor, tem a data de 8 de janeiro de 1835, é processo que teve na liderança Honório Pereira Barreto, vejamos os traços essenciais:
"O rei de Bolor cede à rainha de Portugal, a si e seus descendentes, para sempre, e sem restrição alguma, todo o território denominado Baluarte, servindo de limite o rio que circunda o dito terreno; todo o navio que negociar no território de Bolor será obrigado a pagar na alfândega portuguesa os direitos das fazendas vendidas, de modo que se pratica em colónias portuguesas; todas as vezes que no território de Bolor se acharem a vender em terra fazendas aos súbditos portugueses não será permitida a qualquer nação estrangeira desembarcar em terra suas fazendas, só assim poderão negociar a bordo da embarcação; nenhum navio português pagará daixa (imposto) no porto de Bolor, mas todo o navio estrangeiro pagará ao rei de Bolor uma barra de ferro, um frasco de pólvora e dois frascos de aguardente; o Governo português pagará todos os anos nos mês de janeiro, ao rei de Bolor, quatro barras de ferro, quatro frascos de pólvora e oito frascos de aguardente; a praça portuguesa defenderá com o seu fôlego o território de Bolor, de qualquer nação inimiga que a queira atacar, e o rei de Bolor também se obriga a ajudar a defender o território português, quando este seja atacado pelo inimigo interno ou externo; o Governo da praça castigará severamente todo e qualquer indivíduo português ou estrangeiro que fizer algum atentado aos habitantes de Bolor; fugindo qualquer pessoa da praça para o chão de Bolor, o rei será obrigado a entregá-la; os habitantes do Ponto do Baluarte não poderão ir a outro território."
Seguem-se as assinaturas.

Pedro Ignácio de Gouveia, distintíssimo oficial da Armada, sucede a Agostinho Coelho como Governador da Guiné (será Governador entre 1881 e 1884). A primeira vez que me confrontei com a sua prosa, e que muito me impressionou, foi a carta que ele dirigiu ao ministro da Marinha e Ultramar referindo a viagem do alferes Marques Geraldes até Selho (hoje no Senegal), para ir buscar mulheres raptadas de um parente do régulo local, é um belíssimo documento.
A Fortaleza de Cacheu e a estátua mutilada de Honório Pereira Barreto
Imagem antiga de Ziguinchor, já possessão francesa

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 2 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26001: Historiografia da presença portuguesa em África (445): A Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, últimos meses de 1883 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26025: S(C)em Comentários (48): O quarto dos horrores... no "Anexo de Campolide" do HMP (Excerto do livro "Cabra Cega", 2015, de A. Marques Lopes, 1944-2024)


Guiné > Bissau > HM 241 > c. maio/ junho de 1972 > Gravemente ferido em combate, em 14/5/1972, o José Maria Pinela esteve aqui internado dois meses, sendo sendo evacuado para o HMP, em Lisboa donde teve alta em 6/4/1973. É hoje DFA (Deficiente das Forças Armadas).

É caso para perguntar;: quantos de nós passaram por aqui ? quantos cá morreram ? quantos foram transferidos para o HMP ? quantos foram parar ao "Texas", o "Anexo de Campolide" ? quantos passaram por Alcoitão ? quantos "viajaram" até Hamburgo?

Foto (e legenda): © José Maria Pinela (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Não temos falado aqui suficientemente e em voz alta (!) dos nossos "hospitais militares" (o HM 241, Bissau, o HMP, Lisboa, incluindo o seu famigerado "Anexo de Campolide", o Centro de Reabilitação de Alcoitão, que pertencia à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Hospital Militar de Hamburgo, e outros "pesadelos") (*)

Este excerto do livro do A. Marques Lopes ("Cabra Cega, 2015) merece ser relido e comentado (**). Não pode passar sem comentários. E se tiver cem comentários, melhor, é sinal que ainda estamos vivos... (***).


O quarto dos horrores... no "Anexo de Campolide" do HMP

por A. Marques Lopes


(...) À medida que ia andando espreitava para os quartos e camaratas. O que via deixava-me estarrecido e sem fala, não havia palavras perante tal panorama. Havia alguns que pareciam melhor, mas vi homens sem pernas, outros sem braços, uns cegos e, destes, alguns sem mãos ou sem braços também. Ainda bem que não era para falar com eles que ia. Só de ver já era impressionante. Se tivesse de os ouvir contar como foi, estavam stressados de certeza, devia ser terrível.

Ia tão com intenção de só ver o Fragata que não me passara pela cabeça que, no quarto dele, podia encontrar igual panorama. E encontrei mesmo quando lá cheguei e vi as quatro camas. 

Fiquei especado à porta, atónito. O Fragata estava com uma perna engessada, numa cama estava um sem mãos e a cara com manchas esverdeadas, noutra um sem pernas e, fora o que me deixara estarrecido, vi numa das camas um tronco de homem com uma cabeça.

(...) Enquanto falava com o Fragata, ia dando umas miradas aos outros que lá estavam e via-os interessados na conversa. Acabei por ficar familiarizado com aquele ambiente e mais calmo. Senti-me mais à-vontade.

 – Como é que foste ferido?  –perguntei ao que não tinha mãos.

 – Era o furriel de minas e armadilhas e… já sabe. Estava a desmontar uma armadilha e ela rebentou-me nas mãos.

– Aí o Quim está fodido. Nem uma punheta pode bater – disse o Fragata.

E riu-se, o sem pernas também. Menos o tronco com cabeça. Mas o Quim não se desmanchou.

 
– Trabalho mais e melhor sem mãos do que vocês com elas. Quando a minha Zulmira cá vem vocês vêem bem quanto tempo passo com ela ali no quarto do truca-truca.

Admirei-me pois não imaginava que a tropa se preocupasse em cuidar desse aspecto com os feridos que ali tinha. Se calhar era um esquema organizado por eles, também podia ser. 

Virara-me para o que não tinha pernas e ia-lhe perguntar mas ele antecipou-se.

 
–Era condutor auto-rodas e uma mina que rebentou por baixo da GMC,  levou-me as pernas. Mesmo assim, meu alferes, tive mais sorte que ali o Casqueiro  – apontou para o de tronco e cabeça. – Ele conduzia um Unimog, que é muito mais leve, e a mina levou-lhe tudo. Pernas, braços e tomates. E até o deixou surdo.

Fiquei silencioso. Além dos mortos, até tinha entre eles uns amigos, havia estes jovens com a vida desfeita, sem hipóteses do futuro que podiam vir a ter se não os metessem naquela guerra. O Casqueiro sobretudo. Estava ali, rosto fixo sem ouvir nada da conversa deles. Era um homem-saco só podendo abrir a boca para lhe meterem comida e água. Já reparara que devia ter uma fralda, de certeza que era onde fazia as necessidades. As deste muito mais, mas os outros também tinham ficado com grandes limitações. O Fragata safara-se, e graças ao inimigo. À vista disto já não era a estupidez ou as barbaridades como se fazia a guerra que me perturbavam, era a guerra em si, e sobretudo esta sem sentido que deixava tantos sem futuro.

(,,,) Os outros notaram como eu estava. O Fragata quis amenizar. Era palerma, às vezes, mas era bom rapaz. Eu sabia disso.

– Eu aqui, meu alferes, sou o anjo deles  – disse –. Ali ao Quim sou eu que lhe abro a carcela quando ele quer mijar. Mas não lhe pego na gaita! – os outros riram-se.  – O Fragoso não, que o gajo tem mãos para arrear as calças. O Casqueiro não é preciso tratar dele, ele faz tudo sozinho  – riram-se todos. – Tenho é que chamar o enfermeiro quando o gajo se borra e mija todo. É cá um pivete!  – os outros riram-se novamente. –  E à noite? Nem queira saber.  Quando estes gajos se põem a sonhar com minas e emboscadas não me deixam dormir. Tenho de os acordar e chamar o enfermeiro para lhes espetar uma agulha.

Já vira, já vira a malta inutilizada e traumatizada ali despejada. Aquelas piadas eram um intervalo curto nas suas horas longas de angústia e desespero. Tinha de sair dali.

–  Vou-me embora. Mas antes diz-me lá, ó Fragata, ainda bebes mijo?

– Não goze comigo, meu alferes. Agora é só cerveja.(....)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)

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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:


17 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24074: (De) Caras (195): Em 1975, cinco anos depois, saí do Hospital Militar Principal com as marcas da mina A/P, armadilhada, que me mudou completamente a vida: estava destroçado, cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda (Manuel Seleiro, 1º cabo, Pel Caç Nat 60, DFA, São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)

26 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22847: Memória dos lugares (434): Hospital Militar de Hamburgo, onde estiveram internados, para tratamento e reabilitação, camaradas nossos deficientes como o Quebá Soncó (CCAÇ 1439) e o António Dias das Neves (CCAV 2486): não se sabe quantos, mas devem ter sido algumas centenas de um total de mais de 1800 "amputados", entre 1964 e 1974

Guiné 61/74 - P26024: Facebook...ando (64): Nunca me esqueci nem esquecerei por muitos anos que viva (António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68; natural de Avintes)





António Reis, hoje e ontem: ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68;  natural de Avintes, V. N. Gaia, senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 882; é autor de dois livros de memórias da Guiné; tem página no Facebook.



Espinho > 20.º Encontro do Pessoal do HM 241 (Bissau) > 7 de Outubro de 2023 >  O António Reis e a esposa, Rosa, na convívio anual do pessoal do HM 241 (Bissau)


Fotos (e legendas): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro de  António Reis, "A minha jornada de África", 1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, 111 pp. 



1. Da página do Facebook do António Reis,  nosso tababqueiro nº 882, reproduzimos, com a devida vénia, a seguinte postagem de 27 de junho de 2024, 11h24:


Nunca me esqueci nem esquecerei 
por muitos anos que viva

por António Reis


Era uma enfermaria de três camas; passou por ela desde o general Arnaldo Schulz, o "governador", aos turras. Esteve sempre aos nossos cuidados. Depois passou para reanimação e aos cuidados do sargento Alves.

E foi neste tempo e espaço que o dr. Machado lamentava a morte de um alferes que acabava de morrer, ainda na maca, com um estilhaço na cabeça. Era o sétimo desde que lá chegou, dizia ele. E foi o sargento Alves, da reanimação, a entrar na minha enfermaria e a dizer para o sargento Claro, meu chefe, com ar pesaroso e lágrimas nos olhos: «Não tenho sorte nenhuma, os doentes morrem-me todos!».

Era na verdade uma dor de alma ver aqueles moços com 20 anos morrerem, mas a culpa não era da sua sorte, sargento Alves, era do estado em que eles lá chegavam, e o dr. Fernando Garcia não os conseguia salvar a todos.

A culpa também não era tua, Zé do Mato - a ti mandaram-te para lá, que ias defender a Pátria. Tu, Zé do Mato, que eras o que mais sofrias e mais morrias, que quando te obrigavam cumprias, quando te pediam, cedias. Tudo em nome da Pátria! 

O que tu não sabias é que a Pátria te ia ser tão ingrata. Usou-nos e deitou-nos fora. Nunca mais quis saber de nós. Mas louvou os desertores, os delatores e muitos mais, e ainda com direito a insultar-nos. Mas disto não me atrevo a falar do que li.

Agora fala-se em indemnizações. As primeiras a serem indemnizadas seriam as nossas mães, que foram as que mais sofreram, os deficientes, os espoliados que deixaram lá uma vida de trabalho e aqueles que ficaram marcados, o que lhes dificultou o resto da vida. Estes sim, era em nome da Pátria, já que a nós não nos contemplou como prometeu!

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P25999: Facebok...ando (63): "A Última Ceia", por Manuel Serôdio, desenho (ou pintura ?) deixado na messe de sargentos em Empada, ao tempo da CCAÇ 1787/BCAÇ 1932 (1967/69)

Guiné 61/74 - P26023: Parabéns a você (2319): Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Guiné - Catió e Ganjola, 1963/64 e Cabo Verde - Ilha do Sal, 1964/65)

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Nota do editor

Último post da série de 4 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26008: Parabéns a você (2318): Artur Conceição, ex-Soldado TRMS da CART 730 / BART 733 (Bironque, Bissorã, Jumbembem e Farim, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º Cabo Apontador de Metralhadora da CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26022: Lembrete (47): Sessão de apresentação do livro "O (Ainda) Enigma da Vida Intelectual e Científica de João Barreto", de Mário Beja Santos, a ter lugar no próximo dia 10 de Outubro de 2024, quinta-feira, pelas 16h00, na Sociedade de Geografia de Lisboa

C O N V I T E


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2024:

Meus caros,
Meti-me numa alhada que não sei como é que vai acabar, já gastei a ponta dos dedos a folhear Boletins Officiais de Cabo Verde e da Costa da Guiné e também da Província da Guiné, até já pedi ajuda ao Philip Havik por causa da Escola de Medicina Tropical, e tenho que saber o que é que este meco andou a fazer desde que se reformou (1931), a única coisa que sei é que viveu sempre em Lisboa até que partiu para as estrelas em 1 de dezembro de 1940. Não me podia ter metido noutra alhada maior, eu que andava com o Boletim Official da Província da Guiné à volta de 1890... Peço, pois, a amabilidade de fazerem a notícia nos próximos dias e um pouco antes do 10 de outubro. Grato.

Um abraço do
Mário



CONVITE

O que falta saber sobre a obra científica do autor da única História da Guiné, apresentação do livro na Sociedade de Geografia de Lisboa, 10 de outubro, pelas 16h00.

João Barreto (de seu nome João Vicente Sant’Ana Barreto) foi aluno distintíssimo da Escola Médico-Cirúrgica de Nova Goa, ali lecionou cerca de um ano, antes de partir para Lisboa apresentou um trabalho de estrutura invulgarmente moderna sobre a peste na Índia portuguesa. Continuará os seus estudos em Lisboa, parte em 1916 para Cabo Verde, onde permanecerá durante toda a Primeira Guerra Mundial. Segue depois para a Guiné, é louvado pelo seu desempenho no combate à peste em Cacheu, exerce outros cargos em Bafatá, em 1923 é nomeado delegado na Junta de Saúde de Bissau. Parte para a Índia, onde permanecerá cerca de meio ano. É no seu regresso à Guiné que os seus trabalhos científicos ganham reconhecimento. É então enviado para a Presidência da República uma proposta de condecoração como Cavaleiro da Ordem de Avis.

É uma parte deste percurso que este estudo aprecia, há ainda significativas lacunas a preencher, haverá que decifrar o que vai levar este notável epidemiologista a lançarse num empreendimento da única História da Guiné, que dará à estampa dois anos antes de falecer.

A pedido de um seu bisneto, lancei-me neste empreendimento, é empolgante tudo quanto escreveu (fora o que ainda não se conhece), incluindo os seus comentários quando foi delegado de saúde na Ilha do Fogo, no auge do conflito mundial.

A apresentação deste estudo será precedida, em homenagem à sua memória, a uma visita à Sala da Índia, seguindo-se uma passagem pela Sala de Portugal para visitar os tesouros artísticos da Índia portuguesa, visita que decorrerá entre as 15h30 e as 16h00.

A sessão de apresentação contará com Valentino Viegas, professor universitário aposentado, o autor e o comentário final de Aires Barreto, bisneto do biografado.

Seguir-se-á um Porto de Honra.

Por decisão do autor da edição, os participantes receberão gratuitamente um exemplar da obra.
Bolama no tempo em que lá viveu João Barreto, ali se tornou cidadão emérito
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Notas do editor:

Vd. post de 19 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25958: Agenda cultural (859): Convite para a sessão de apresentação do livro "O (Ainda) Enigma da Vida Intelectual e Científica de João Barreto", de Mário Beja Santos, dia 10 de Outubro de 2024, pelas 16h00, na Sociedade de Geografia de Lisboa

Último post da série de 4 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25713: Lembrete (46): Últimos dias! Viagem de grupo à China com o acompanhamento do Prof. Dr. António Graça de Abreu - 01 a 12 Setembro 2024

Guiné 61/74 - P26021: (De) Caras (222): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de setembro de 2024:

Queridos amigos,
Se é verdade que o tenente Barbieri, na primeira carta aqui publicada, nos dá conta de uma desastrada operação que ocorreu na Península do Sambuiá, obrigando-nos a refletir como todos nós fomos impelidos a viver desaires militares pelo desenho de operações que desconhecia cabalmente o terreno, esta carta do alferes Pedro Barros e Silva é um documento significativo para se ver como em 1966, e seguramente que ele estava altamente informado pelos dados que aqui apresenta, já havia quem, lucidamente, antevia um final pouco feliz para a nossa presença na Guiné, o PAIGC, por este tempo, já dispunha inequivocamente de um armamento no terreno muito superior ao nosso. Ainda vou bater à porta da minha fornecedora para ver se, por bambúrrio da sorte, ainda se possam encontrar mais correspondência deste alferes que devia ter acesso às mais cotadas informações militares, e não só.

Um abraço do
Mário


Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (4)

Mário Beja Santos

Nota explicativa: tratando-se da segunda parte da carta dirigida em 17 de agosto de 1966 ao alferes Pedro Barros e Silva do seu amigo Paulo António, em Lisboa, convém alertar o leitor que tem tudo a ganhar em ler o texto anterior, lendo e relendo o que o militar enviou para Lisboa já não duvido tratar-se, deste pequeno acervo que adquiri recentemente na Feira da Ladra, de um significativo documento que pode e dever ser orientado para investigadores. 

O alferes Barros e Silva começa a refletir-se sobre como se processou a colonização na Guiné, se as mudanças em curso, perpetradas pelas autoridades portuguesas, chegam ao bom porto, ele está profundamente cético; destaca seguidamente a atividade do PAIGC, aí não tem dúvidas que será na Guiné que se irá definir o futuro do Estado Novo (recorde-se que a carta é escrita em 1966).

É precisamente aqui que ele continua:

“E comparado com a porrada que aqui vai haver e até talvez com a que já há, as lutas de Angola e de Moçambique hão-de parecer infantis guerras de índios e cowboys. O terreno e as populações, e a situação geográfica aliados às estratégias em luta, a intensificação da propaganda IN, a ocupação efectiva de vastas regiões e consequente organização político-administrativa, o aumento da capacidade de combate (armamento, instrução, efectivos, etc.) e o crescente número de russos e cubanos que lutam nas fileiras do IN. Eis alguns indícios cuja análise nos fornece uma desagradável conclusão.

O terreno não é mau nem bom, é simplesmente impróprio para efectuar acção com motorizados. Assim, restam a artilharia e a aviação por um lado, a infantaria por outro. Deste modo, tem de morrer muita gente para os desalojar.

As populações são turras e nós quando as não chateamos não as controlamos, quando as chateamos, elas cavam e vão para as praças-fortes do IN, contribuindo assim para o engrossamento das fileiras deste.

Das estratégias e situação geográfica já falámos. Passamos agora à propaganda.

Há mais de um mês que o IN nos dedica quase diariamente um programa. O convite à deserção é apresentado como algo de aceitável e até de louvável; isto misturado com algumas deserções extraordinárias do vice-chefe da segurança e de outros. 

Insiste-se sobre a situação desesperada em que nos batemos, tudo por causa dos miseráveis capitalistas exploradores do povo, etc., do que o povo português não tem culpa nenhuma. E aqui entram no baile as Frentes Patrióticas com os seus folhetins tais como o ‘Passa Palavra’ e outros, fazendo ver aos compatriotas que somos uns malandros se andarmos a matar os nossos queridos irmãos de cor. E tudo por causa dos fascistas alemães que dão armamento aos salazaristas a troco do santo território pátrio. Estás a ver o género.

Até que ponto estas lengalengas influem no moral do soldado, não sei em absoluto. Mas parece-me que o soldado nem as ouve. Para ele a propaganda adequada é outra.

Como já escrevi por aí, o IN ocupa além do Oio, o Cantanhez, o Quitafine e o Como. São verdadeiras praças-fortes dotadas de abrigos contra ataques aéreos, etc.

Outras regiões foram organizadas política e administrativamente na base de grupos, subsecções e secções. Mas organização em terra de preto é como manteiga em nariz de cão. O mais importante é o poderio militar do IN nestas regiões.

As secções do Exército Popular encontram-se fardadas, treinadas e armadas até aos dentes. E, para ajudar à festa, temos os russos e os cubanos (estes, pelo menos, já têm levado umas coças bastante razoáveis). Pensa-se que dentre em pouco estarão na Guiné mil ou mais cubanos.

O material que o IN possuiu é o que de há de melhor pelos sítios. Só lhes falta aviação e marinha. De resto, postos-rádio, antiaéreas quádruplas, canhões sem recuo de infantaria (fala-se em obuses), bazucas, rockets, morteiros de 61, 82 e até talvez de 120, metralhadoras de todos os tipos e feitios, automáticas a dar com pau, enfim, estão mais bem armados que cá a rapaziada.

A missiva já vai longe. Não era minha intenção massacrar-te com este cumprimento salazarento. Antes de acabar ainda te quero falar sobre as tais prisões e das consequências que delas advieram. Não era segredo para ninguém que muitos dos ocupantes de cargos administrativos estavam à espera de serem ministros. Como o Governo salazarista não os satisfazia, resolverem oferecer os seus préstimos à outra equipa. Neste caso, ao contrário do que acontece com o futebol (lá se foi a Comunidade Luso-Brasileira) quem pagou as luvas foram os jogadores. 

Assim, em Bissau até havia o futuro Presidente da República (abastado comerciante, explorador das carreiras navais para o interior da província e, portanto, da tropa, suspeito de tráfico de armas, dono dos barcos que em 1963 se enganaram na rota e foram mais para o Sul), ministros em profusão nas pessoas-vice-presidente da Câmara, de um vogal no conselho administrativo e até de um modesto alfaiate do Batalhão de Intendência. Todas estas prisões e outras de menos importância tiveram por base o célebre atentado de Farim de que falei na altura.

Ora quando a gente lhes buliu,  os homens grandes de Bissau, os turras muito logicamente decidiram meter um cagaço aos rapazes de Bissau. Assim, deslocaram uns mil ou 2 mil mânfios para a região Nhacra – Mansoa (Balantas, quase todos turras). Este tem-se entretido a chatear a rapaziada. 

Os Comandos ficaram à nora, mandaram as mulheres e as crianças para a metrópole, e de vez em quando lançam tremendos alarmes gerais por toda a cidade. Muito construtivo.

Entretanto, o batalhão de Mansoa tremeu, tremeu e disse: não posso mais. Então, os avisados homens grandes das estrelas decidiram reforçá-lo com unidades vindas do Norte.

Os negros, servos do diabo, agora entretêm-se no Norte a cortar estradas com valas e abatises (o que não acontecia há 2 anos).

Bem, não te quero maçar mais apesar de haver muito mais para dizer.

Um grande abraço do amigo,
Pedro

P.S – lê o artigo de Raymond Cartier no Diário de Notícias de 5 de agosto"

Distribuição do correio, imagem registada na RTP no Natal de 1966, Guiné

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 3 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26005: (De) Caras (221): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (3) (Mário Beja Santos)