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sábado, 13 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27525: Documentos (44): Brochura "Missão na Guiné", da autoria do Estado Maior do Exército. 3ª ed., Lisboa, SPEME, 1971, 78 pp.) - Parte II: "Monografia da Guiné: Aspeto físico (pp. 11-23)


Capa do livro: Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa: SPEME, 1971, 77, [5] p., fotos.


(pp. 11-23)


Aspeto da vegetação guineense (pag. 23)

Mapa da Guiné

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Mapa da Guiné: Parte oeste do território (fazendo fronteira, a norte com Senegal; e sendo banhado a oeste e a sul, pelo oceano Atlântico). Principais localidades assinaladas:  Bissau, Bolama, Bubaque, São Domingos, Cacheu, Varela, Susana, Teixeira Pinto, Bula, Binar, Bissorã.

 Rios: Cacheu, Mansoa, Geba, Grande de Buba. Tombali. 

Ilhas: Bissau, Bijagós, Como, Jeta, Pecixe 


Mapa da Guiné: Parte leste do território (fazendo fronteira, a norte com Senegal; a leste e a sul, com a Guiné-Conacri). Principais localidades assinaladas: Farim, Mansabá, Mansoa, Pirada, Buruntuma, Piche, Nova Lamego, Beli,  Madina do Boé, Bafatá, Contuboel (e não Cotumboel), Xitole, Bambadinca, Xime, Fulacunda, Buba, Catió, Tombali, Bedanda, Guileje (ou Guilege), Cabedu, Cacine, Ponta Cajete. 

Rios: Farim, Geba, Corubal, Grande de Buba, Cumbijã, Cacine
Ilhas: Como, Melo

Nota de LG: a negrito, vão as sedes de circunscrição / concelho



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Cortesia da página do Facebook do grupo 
 Editado em 1967 pelo SPEME - Serviço de Publicações 
do Estado Maior do Exército (79 pp. + 9 inumeradas + fotos).
 Disponível na biblioteca do Exército.
. Capa: vista aérea de cidade de
 Luanda e da baía da ilha de Luanda



Disponível na Biblioteca do Exército, 
Editado em em 1967 pelo SPEME
 (76 pp. + 4 inumeradas + fotos)


1. Tem talvez um valor sentimental mas também documental esta brochura do Estado Maior do Exército, que nos era distribuída já a bordo do navio que nos transportava para a Guiné (ou do avião dos TAM, a partir de finais de 1972).(*)

 Com cerca de 70/80 páginas conforme as edições (a que estamos a reproduzir é a 3ª, do ano de 1971) era constituída por três partes: (i) Missão no Ultramar; (ii) Monografia da Guiné: aspeto físico, humano e económico; (iii) Informações úteis. 

Havia igualmente  brochuras semelhantes, com a mesma estrutura (e o mesmo "paleio", na parte respeitante á "Missão no Ultramar"), para as tropas do Exército mobilizadas para Angola e para Moçambique, edição do SPEME: "Missão em Angola" (1967); "Missão em Moçambique" (1967). 

Cada uma dessas brochuras  tinha uma barra de cor diferente: verde (Guiné), vermelha (Angola) e azul (Moçambique), com uma foto aérea da respetiva capital (Bissau, Luanda, Lourenço Marques).

Vamos agora entrar na monografia da Guiné: é antecedida pela publicação de um mapa do território e uma sucinta bibliografia: cerca de 20 títulos de livros, de autores na altura mais ou menos alinhados com (ou tolerados por) o regime do Estado Novo, entre eles alguns antigos combatentes da Guiné, nossos conhecidos: 
  • Hélio Felgas, já falecido com o posto de maj- gen;
  • Manuel Barão da Cunha; 
  • e Armor Pires Mota, este membro da Tabanca Grande, e  escritor de grande talento (tal como, de resto,  o Barão da Cunha).

Há investigadores, etnógrafos, antigos administradores da carreira colonial / ultramarina, historiógrafos,  escritores e jornalistas,  conhecidos (e com referências no nosso blogue), tais como Almirante Teixeira  da Mota, António Carreira, Manuel Belchior, João Vicente Santana BarretoAmândio César em esquecer José Júlio Gonçalves, Augusto Santos Lima, etc.)

Certamente por lapso, esta lista com sugestões de leitura, apesar de referida, não vem publicada na 1ª edição da brochura (1967).

Agora dizer-se que qualquer destes livros estavam disponíveis "em qualquer biblioteca pública", em 1971,  era gozar com a malta que vivia no interior e mesmo em muitas vilas e cidades do litoral... Bibliotecas públicas nas nossas santas terrinhas ? Quando muito a "carrinha itinerante" da Biblioteca Calouste Gulbenkian e que, infelizmente, não chegava  a todo o lado, e muito menos á Guiné. 

Espero que muitos dos nossos leitores reconheçam esta(s) brochura(s), que eram na época de distribuição gratuita.



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Nota de LG: a superfície da Guiné era e é de 36.125 km2 (e não 31,8 mil)

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Nota de LG: Quem escreveu o texto nunca esteve na Guiné. A lagoa de Cufada não fica na região do Cacheu, no  norte, mas na região de Quinara, já no sul ... Quanto ao macaréu, também nunca o viu: falar em "ondas enormes", até parece que macaréu é tsunami... Por outro lado, chamar ria ao Cacine.... é capaz de ser muito discutível. 

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Fonte: Excertos de Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa: SPEME, 1971, 77, [5] p., fotos, pp. 11-23.

(Continua)
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Nota do editor LG:

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27524: Prova de vida e votos de boas festas 2025/26 (5): Joaquim Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAV 8351/72; Ernestino Caniço, ex-Alf Mil CAV, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 e Rogério Freire, ex-Alf Mil Art da CART 1525

1. Em mensagem de 12 de Dezembro de 2025, o nosso camarada Joaquim Costa, ex-Fur Mil Armas Pesadas de Inf da CCAV 8351/72 - "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74), enviou-nos o seu postalinho de aniversário, que desdobramos para leitura mais confortável:



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2. Em mensagem de 12 de Dezembro de 2025, o nosso camarada Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa) e Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, (Bissau) (1970/1971), enviou-nos o seu postalinho de Boas Festas.

Caros amigos
Votos de Boas Festas e um Novo Ano com tudo de bom, nomeadamente a saúde.

Um abraço especial,
Ernestino



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3. Em mensagem de 11 de Dezembro de 2025, o nosso camarada Rogério Freire, ex-Alf Mil Art da CART 1525 - Os Falcões (Bissorã, 1966/667), enviou-nos o seu postalinho de Boas Festas.
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Nota do editor

Último post da série de 9 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27511: Prova de vida e votos de boas festas 2025/26 (4): Albino Silva, ex-Sold Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845

Guiné 61/74 - P27523: Notas de leitura (1873): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Há qualquer coisa de insólito no facto de este Boletim não se ter publicado durante o primeiro semestre de 1961, fala-se em agitações, mas não se dá qualquer explicação. O ano anterior fora simultaneamente de alguma pompa e circunstância, dera-se a inauguração da sede ali mesmo na Praça do Império, exaltou-se a boa comunicação existente entre a Associação Comercial Industrial e Agrícola e o Governo. Mas surgiam problemas novos, os djilas mercadejavam tudo e mais alguma coisa, impunha-se fiscalização; esse ano de 1960 fora marcado por uma quebra nas produções de mancarra e de arroz. Chegados agora a um novo ano apelava-se a uma campanha do coconote com mais regras; lembrava-se, já que havia um grande plano de obras para a regularização do Geba e aproveitamento de terrenos para a agricultura, que não se esquecesse a borracha, bem merecia o incentivo, pois dela havia bastante procura mundial. Pela primeira vez o Boletim faz uma observação clara sobre a situação política que se vive na Guiné, veja-se o que se escreveu:
"1200 mancebos guinéus ofereceram-se para dia e noite manter os matagais até desalojarem por completo os sediciosos desvinculados das tribos e dos parentes, ora convertidos em sectários do mal e da destruição indistinta por virtude de ensinamentos pérfidos ministrados por profissionais da desordem. Com Fulas, Balantas e Mandingas, raças tradicionalmente pouco afins, fundou-se a mais eficaz, aguerrida milícia da guiné portuguesa, numa voluntariosa demonstração de que nos filhos desta terra pacífica sobreleva, de quaisquer considerações de hegemonia, a comunhão fraterna imperante. 1200 homens que as populações regionais - Mansabá e Farim - de diversas etnias sustentam quando em serviço de perseguição aos guerrilheiros a monte, numa tão estreita e valorosa coadjuvância, que formulo sérias dúvidas se nós, civilizados da capital da Província, saberemos imitá-los. E lá para o Xime, ativa milícia de cerca de 600 naturais nasceu e várias outras em fluxo constante se organizam." Assinava A.J.F. Estávamos em outubro de 1962.

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné – 4


Mário Beja Santos

Foi dada a explicação pelo presidente da direção de que não houvera condições para publicar nos primeiros meses o Boletim da Associação Comercial. Abre-se este primeiro Boletim e surge-nos uma surpresa, o Conselho Técnico da Associação, Dr. Artur Augusto Silva, vem falar-nos do novo franco da Guiné:
“A vizinha República da Guiné acaba de abandonar a zona do franco e de criar uma moeda sua. Este facto, que se situa na linha da evolução antifrancesa que a jovem república tem seguido desde que abandonou a comunidade, causou certa surpresa nos meios internacionais, que não esperavam uma medida tão grave numa altura em que os nossos vizinhos do sul estão atravessando uma crise económica bastante acentuada.
Esta medida entrará em vigor no próximo dia 1 de Março e, embora não tenhamos elementos que possam servir-nos para alicerçar conclusões seguras, afigura-se-nos altamente prejudicial para os interesses dos nossos associados, uma vez que nas regiões da fronteira Leste a maior parte do comércio se faz à base do franco CFA.

Criado o franco guinéu cuja cotação dos mercados nacionais não oferece segurança e que neles não terá qualquer procura, ficarão os comerciantes da nossa Guiné na impossibilidade de receber aquela moeda em pagamento dos produtos que vendiam aos nossos vizinhos.
Poderia o franco guinéu servir localmente como um instrumento de trocas, uma vez que a vizinha Guiné nos costuma vender couros, mel, cera e borracha.
Mas, segundo informações dignas de crédito, que nos vêm chegando, tem afrouxado muito, ultimamente, a entrada de couros e borracha, em virtude já das dificuldades postas pelas autoridades vizinhas, já da maior cotação daqueles produtos na República da Guiné.
Por outro lado, a cotação do mel da nossa Guiné baixou tanto que já se nota o evidente desinteresse por parte dos produtores indígenas e o desinteresse pelo mel sente-se consequentemente à cera: não havendo produção de mel, não há cera.

Conseguirá a República da Guiné impor a sua moeda nos mercados internacionais e dar-lhe aquela estabilidade geradora de confiança?
A solução dos problemas económicos dos nossos vizinhos está ainda no limbo das hipóteses, pelo que se torna extremamente difícil fazer previsões.
País subdesenvolvido – embora com admiráveis perspetivas – a República da Guiné tem-se preocupado mais com a politização das massas do que com a planificação económica, facto que o próprio Sékou Touré reconheceu ainda recentemente. De qualquer forma, a adoção pela vizinha Guiné de uma nova moeda não se nos afigura de bom augúrio para o nosso comércio da região Leste da Província.”


A direção da Associação Comercial sentiu-se profundamente da medida política definida pelo Governo de Lisboa acerca da política açucareira. Daí o teor do ofício enviado ao Ministro do Ultramar em 16 de agosto.

A direção da Associação tinha-se reunido em sessão extraordinária para apreciar o Despacho do Governo que definia a futura política açucareira e vinha agradecer ao Ministro que atendia aos interesses da economia da Guiné. Acontecia, porém, que o Despacho em referência esclarecia “haver a considerar a possibilidade de instalação de uma indústria açucareira na guiné e o desaparecimento das pequenas indústrias rurais”.

Mas a seguir ao agradecimento vinha o queixume:

“O que, no entanto, não define, mas carece de tal é, qual o fim a dar às 25 pequenas unidades agora existentes e que, necessariamente, têm de desaparecer, isto é, o princípio ou critério que deve adoptar-se para a justa medida de indemnização e por quem deva ser feita uma vez tudo indicar que essas pequenas instalações industriais não podem subsistir. Aos seus proprietários só resta o dilema de passarem a simples agricultores de cana, mas há que prever com o tempo a indemnização devida e de modo a não ilusões que sujeita a invitáveis prejuízos muito de supor em tais casos.

Outro lado deste problema e de não menor importância para o qual ousamos chamar a atenção de Vossa Excelência, certos da sua plena concordância achando-o de toda a justiça é o da formação do capital da empresa e seu modo de distribuição:
Diz o Despacho reservar-se 30% do capital aos ‘produtores ultramarinos de açúcar de cana’ e, muito naturalmente, como ao presente nenhum existe na Guiné Portuguesa, esta comparticipação é destinada exclusivamente aos atuais produtores de Angola e Moçambique o que significa pura e simples exclusão de comparticipação de capital ou economias da Guiné – o que não é justo nem pode satisfazer quer aos que por estas mourejam há muitos anos vindos de longe quer aos naturais evoluídos que do assunto se apercebem e dele tirem as suas conclusões.”


É um teor de carta dilacerante em que se apela a disposições como a indemnização, a reserva de participação do capital da futura empresa açucareira ao capital ou economias particulares da Guiné, pedindo-se mesmo que a sede da empresa tenha de ser obrigatoriamente na Guiné.

A campanha do coconote, como se tem visto, é tema recorrente. Pede-se a atualização do valor fiscal do coconote, fazendo-o corresponder à cotação efetiva e em prática na Província: 1$90 por kilo nos portos de embarque; caso contrário, voltarão por certo a repetir-se as imobilizações dos armazéns de consideráveis quantidades do produto. Mas os comerciantes também chamam a atenção do governador para outras duas consequências: aviltamento de preço de compra aos naturais; retraimento muito sensível nas aquisições àqueles.

Na prática apresentar textos divulgativos, num desses números vem um artigo sobre a borracha, uma riqueza inaproveitada. Faz-se um apelo ao Diretor da Fazenda para que os técnicos encarem a borracha como um elemento primordial de fomento da Guiné, a pessoa que assina o artigo recorda as verbas avultadíssimas para as obras de regularização do Geba, tudo a cargo da Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné, há que potenciar riqueza, para além das cabeças de gado há que fomentar de novo os negócios da borracha.

Finalmente volta-se a falar da mancarra, dizendo-se num texto que no limiar da campanha de 1962-63 estamos com todos e contra todos na essência da orientação preconizada. Enviou-se uma exposição ao encarregado do Governo focando um conjunto de seis pontos: a conveniência de antecipar por uns dias a data da abertura da campanha, para eliminar a possibilidade de especulação no referente às compras aos agricultores nativos; a fixação dos contingentes exportáveis convém ser feita e ser conhecida pelos interessados antes da data da abertura oficial da campanha; é indispensável saber-se antes da abertura os preços fob-Bissau e cif-Lisboa para a mancarra e para a ginguba (nome dado em Moçambique ao amendoim) estabelecidos pela Metrópole; fixação dos contingentes de exportação com interferência da Comissão Reguladora das Oleaginosas; pede-se o estabelecimento de dispositivos militares de proteção aos locais de recolha e armazenagem do produto no interior; entende a Associação Comercial que é inadiável a introdução dos nossos produtos agrícolas nos mercados internacionais, de forma a que a correspondente obtenção de divisas equilibre as despendidas pela Guiné nas aquisições do estrangeiro e ocasione também uma maior segurança económica para todas as vezes que a Metrópole não se disponha a absorver pela totalidade das produções locais – facto, infelizmente, muito repetido.

Pastor Mancanha
Tocadores de tambor
Resolução da divergência matrimonial
Homem Nalú

Estas quatro últimas imagens foram retiradas do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, anos de 1960 e 1961

(continua)

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Notas do editor:

Post anterior de 5 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27498: Notas de leitura (1871): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 8 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27506: Notas de leitura (1872): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27522: Em bom português nos entendemos (28): B'ráassa, Brasa, Brassa ou Birassu (como os balantas se autodenominam) ( Cherno Baldé, Bissau)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > Nhabijões >2º semestre de 1970 > Luta balanta, entre dois "blufos", presenciada por militares destacados para protecção do reordenamento (à esquerda, o fur mil Henriques, da CCAÇ 12, de calções, tronco nu e óculos escuros, hoje editor deste blogue; na altura, devia etsar a comandar um pelotão da CCS/BART 2917 que guarnecia o destacamento: era tudo "básicos e gajos com porradas"..)... Ao fundo, a nova tabanca, reordenada...

Nhabijões deve ter sido o maior ou um dos maiores reordenamentos jamais feitos no tempo de Spínola. Foi um duro golpe para o PAIGC. Os reordenamentos são do tempo do BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72)... Uma equipa (técnica) da CCAÇ 12 (a par das CCS dos supracitados batalhões) foi destacada o reordenamento.

Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-Fur Mil At Inf, Op Esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro de Cammilleri, Salvatore - A identidade cultural do povo balanta. Lisboa: Edições Colibri; Edições FASPEBI, 2010, 110 pp., ilustrado. Tradução do italiano: Lino Bicari  (1935-2024) e Maria Fernanda Dâmaso.


1. B'raassa, Brasa ou Brassa, o termo que os balantas da Guiné-Bissau usam para se autodenominarem. Há um problema com a transliteração de sons da língua balanta para português e, consequentemente,  com a grafia a ser fixada.  Por outro lado, o termo é menos comum, para os não-balantas. 

O termo que os próprios Balanta usam para se referir à sua identidade e que é o mais consistentemente citado na literatura de antropologia e linguística é Brassa. Trata-se de um "autónimo".

Este termo é, na verdade, a adaptação para a escrita de como eles pronunciam a sua própria designação ("B'ráassa")  e que se refere à forma como eles se veem como "o povo" ou "os homens".

No entanto, é comum encontrar as três variações (B'ráassa, Brasa e Brassa) na literatura, incluindo a portuguesa:

  • Brassa é  a forma mais aceite e precisa (em portugão-padrão);

  • Balanta é o termo mais comum e oficialmente reconhecido em português para este  grupo étnico; trata-se de um "exónimo".

Portanto, em português, o termo comum para o grupo é Balanta, mas se a intenção for referir-se à autodenominação do povo, Brassa é a escolha mais correta. Mas nenhum dos termos está grafado nos nossos dicionários, seja em Portugal (Priberam, por exemplo) ou no Brasil (Houaiss).

O etnógrafo e missionário italiano  Salvatore Cammilleri usa o termo "brasa" no seu livro "A identidade cultural do povo balanta". 

M'bana Ntchigana, autor do blogue "Intelectuais Balantas da Diáspora",  utiliza de preferência o etnónimo "B'ráassa" ou até "Braza". Ele vise no Brasil



Cherno Baldé

2. Vale a pena, entretatanto, trancrever aqui um comentário do nosso amigo Cherno Baldé, colaborador permanente do nosso blogue para as questões etnolinguísticas:

 (... ) Como tenho dito em tempos e até provas em contrário, sou de opinião que a origem da expressão ou designação " B'raassa ou Brassa",  como os Balantas se autodenominam, segundo o autor do presente texto, aliás um conto mítico sobre o lendário combatente, Pansau Na Isna, muito interessante, deve-se procurar na designação histõrica da província ocidental do antigo reino mandinga de Kaabu (Gabu,  na grafia portuguesa).

Existiam duas províncias muito grandes e concorrentes, o Farin Kaabu (província de Gabu,  na grafia portuguesa) e o Farin B'raassu (província de Braço. na grafia portuguesa) e esta província extendia-se, de Sul ao Norte, desde o rio Geba até ao rio Gâmbia de modo que, praticamente, abrangia o chamado chão balanta na atual Guiné-Bissau e a região senegalesa da Casamansa. 

De notar que, inclusive, as populações da etnia fula que habitam a mesma região são conhecidas igualmente como B'raassus (b'raassunke ou b'raassunkas nas linguas mandinga e fula) com um sotaque e formas de falar um pouco diferentes dos seus parentes da antiga provincia de Gabu (Farin Kaabu).

Em complemento junto um pequeno extracto de uma passagem da monografia que estou a preparar há alguns anos, mas que ainda não conclui, citando o nosso amigo Armando Tavares, historiador portugues e colaborador do Blogue,  e um outro conhecido investigador africano e especialista do império de Gabu, natural da Guiné-Conacro, Djibril Tamsir Niane, falecido no ano passado.

"Segundo o historiador Armando Tavares, durante muito tempo, na cartografia portuguesa, não existia o topónimo (Fajonquito) e em seu lugar a zona era conhecida como sendo Gam-Sonco ou Cansonco. Na nossa opinião, a designação desta localidade por Gam-Sonco terá a haver com a predomínio dos povos de origem autóctone Banhum, Jola, Pajadinca e de diferentes outras etnias, muito poderosas que estariam instaladas nessa região (ver Djibril Tamsir Niane) na altura da invasão e da conquista mandinga desta zona e que estaria ligado a instalação da Província do Birassu/Brassu (Brassa, dos balantas) assim como outras províncias vizinhas, tendo como capital a localidade de Berécolom ou Bércolon ou então seriam duas entidades diferentes (Gam-sonco e Sancolla) representando o mesmo espaço territorial ou espaços diferentes."

Portanto, a ser verdade, B'raassa ou Brassa, antes de ser a designação de uma etnia, seria um espaço geográfico onde os balantas e outros grupos étnicos conviviam desde os tempos do império mandinga de Gabu aos tempos presentes,  com as naturais mudanças que a dinâmica da história dos povos se encarregou de fazer ao longo dos dois, três últimos séculos.

Gostaria de ouvir a opinião do meu compatriota M'bana N'tchigna sobre este assunto em especial e que, eventualmente, poderia desvendar outros mistérios menos conhecidos sobre os povos da Guiné no período anterior à colonização europeia em geral e portuguesa em particular. (**)



3. Já há tempos, em 2018, o Cherno Baldé, se tinha pronunciado sobre esta questão da origem dos Balantas / Brassa:

(...) Segundo as fontes orais a que tivemos acesso, o termo ou etnónimo Brassa vem do termo mandinga Birassu, Brassu, Buraçu ou Braçu, conforme as fontes em Mandinga ou Fula, Portugués ou Francês, que era a provincia ocidental do reino mandinga de Gabu (ou Kaabu) e que viria a tomar várias formas nas diferentes línguas dos povos que ai viviam antes e após o fim do imperio, na sua grande maioria mandingas, fulas, balantas, djolas, etc.

Assim, toda a zona norte da Guiné e parte da região de Casamança, no Senegal, se encontravam dentro desta antiga província, com epicentro no corredor de Farim/Mansoa que seria a capital provincial e donde os Brassas/Balantas sairam para depois se expandirem mais ao sul do pa~is, até às regiões de Quínara e Tombali.

Partindo deste ponto de vista analítico, na Guiné, os Balantas não seriam os únicos "Birassu" ou "Brassa", pois também entre os fulas existem grupos, pouco conhecidos ou estudados, mas que seriam desta origem histórica, os chamados fulas Birassunka Braçunka (em mandinga: Fulas de Biraçu), com especificidades próprias da língua e cultura ainda hoje existentes, aliás muito parecidas com as dos seus históricos vizinhos mandingas e balantas do norte.

Em resumo, quando um Balanta ou Djola ou Fula se identifica a si mesmo como "Brassa" ou "Birassu", isto queria dizer que se identificava com as suas raízes ou origens geográficas, em estreita ligação ao território/reino com o qual, para todos os efeitos, se identifica em relação aos outros.

Não esquecer que em África, os processos de formação das identidades com base em determinados territórios ou estados-nação, iniciados no periodo pré-colonial, foram interrompidos e violentamente substituídos por relações comerciais e outras, baseadas no tráfico de armas e de seres humanos impostas de fora para dentro ou vice-versa, e que nenhum povo africano, para poder sobreviver, podia ignorar ou dispensar em entre meados do séc. XV e fins do séc. XIX.

19 de outubro de 2018 às 11:55 (***)

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série  18 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26814: Em bom português nos entendemos (27): "Caputo" e "chicoronho", aplicados aos habitantes brancos do sul de Angola, antes da independência (António Rosinha / Luía Graça)

(**) Vd. poste de  9 de dezembro de 2025 > Guiné 761/74 - P27508: (D)o outro lado do combate (69): O "herói do Como", o Pansau Na Isna (1938-1970), em registo de "conto popular africano"“: tuga ka pudi anda na lama (M'bana N'tchigna)

(***) Vd. poste de 20 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19120: (De)Caras (121): O ex-padre italiano LIno Bicari foi meu professor em Bafatá, depois da independência, e casou com uma prima minha, Francisca Ulé Baldé, filha do antigo régulo de Sancorlã, Sambel Koio Baldé, fuzilado pelo PAIGC (Cherno Baldé, Bissau)

Guiné 61/74 - P27521: Documentos (43): Brochura "Missão na Guiné", da autoria do Estado Maior do Exército. 3ª ed., Lisboa, SPEME, 1971, 78 pp.) - Parte I: "Missão no Ultramar" (pp. 7-10)

 




Capa e contracapa da brochura, Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa SPEME, 1967, 68, [5] p., fotos.





 
Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa: SPEME, 1967, 68, [5] p., fotos.

Capa e contracapa da brochura, foto intercalar e índice.




Fonte: Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa: SPEME, 3ª ed., 1971, 77, [5] p., fotos.


1. Quem ainda se lembra desta brochura ?  Era uma edição do SPEME - Serviço de Publicações do Estado Maior do Exército. A mim foi-me distribuída já a bordo do T/T Niassa. Tenho um exemplar da edição de 1967,  assinada por mim, com a data de 26/5/1969. Fui descobri-lo no sótão, coberto de pó, entre outros papéis do tempo da guerra.  É ilustrado com 6 fotografias a preto e branco. 

É uma espécie de folheto "turístico-militar"... Vale a pena relê-lo. Com os olhos de hoje. E disponibilizar o documento para os  leitores do blogue. Tenho duas edições, a de 1967 (68 pp.) e a de  1971 (77 pp.) (esta última oferecida  pelo nosso camarada Mário Beja Santos, mas em fotocópias). 

Na capa, com uma barra verde, reproduz-se uma vista aérea de Bissau;: visível a "baixa de Bissau", o estuário do rio Geba, o edifício da Alfândega, a catedral, a fortaleza da Amura...  A capa e a  contracapa da edição de 1971  são as mesmas da edição de 1967 (que terá sido a 1ª; em 1969, houve uma 2ª). 

A 3º edição (1971) vem revista e aumentada, com mais páginas (77) e fotos (9). Desapareceu a foto do soldado de capacete e arma aperrada, algures  num trilho cerrado,  bem como a citação erudita e hermética  do Luís Vaz de Camões (Lusíadas, Canto VII, estrofe 3) ("Vós, Portugueses, poucos, quanto fortes,  / Que o fraco poder vosso não pesais;  Vós, que à custa de vossas várias mortes / A lei da vida eterna dilatais".)

Convenhamos que,  num livrinho destes,  de "acolhimento", replicar aqui o pobre do Camões épico e  a sua narrativa de um povo ("poucos quanto  fortes")  com um desígnio divino, o de dilatar  a fé e o império, à custa de inúmeros sacrifícios (incluindo a morte),  podia ter um efeito perverso e afetar o moral da tropa: um crescente número de milicianos mas também de praças do contingente geral (para além de jovens oficiais do quadro permanente) já não se revia no "uso e abuso" do grande poeta, apropriado e instrumentalizado, "ad nauseam",  pelo Estado Novo para justificar a ideologia e a política da defesa do Portugal do Minho a Timor. E para mais apologética e proselitista: "a lei da vida eterna" é, metaforicamente falando, o cristianismo...

 A 3ª edição está mais alinhada com o espírito e a letra da política spinolista "Por uma Guiné Melhor".  De resto, já não era "politicamente correto" juntar a cruz e a espada, como no tempo das cruzadas,  para mais num território onde cerca de 1/3 da população era muçulmana, nela se contando os nossos principais aliados, os fulas.

Vamos seguir esta edição de 1971. A legenda da foto que reproduzimos põe a ênfase mais na participação ativa dos militares no desenvolvimento socioeconómico do território (reordenamentos, saúde, educação, construção de estradas, etc.) do que na guerra propriamente dita, de que toda a gente, em 1971, já estava farta e cansada.

A legenda da primeira foto, em página não numerada, da 3ª edição é, de facto,  elucidativa : "Uma Guiné melhor sai também dos braços fortes do soldado português".

Para o militar que ia para a famigerada Guiné, era mais simpático e securizante pensar que, mais do que ter que andar com a G3 nas mãos, à caça do "turra" por matas e bolanhas, era mais útil e sobretudo menos penoso ajudar a construir escolas, casas, centros de saúde , estradas, etc., criando assim as condições para o povo da Guiné poder desenvolver-se e,  um dia, quiçá, poder escolher livremente o seu caminho... sem ser pela força das armas.


2. A brochura começa por definir a nossa "Missão no Ultramar" (sic), em 3 pontos  (pp. 7-10) (vd. páginas acima). 

No essencial, segue  o texto de 1967, com ligeiras mas subtis diferenças, que não são apenas semânticas mas também conceptuais,  eliminando-se algumas "tiradas", estafadas,  de patriotismo serôdio:

(i) em 1971 deixa-se cair... a "defesa da Pátria", no ponto 1, que estava assim redigido: "...uma primeira ideia da Província Ultramarina para onde te leva o cumprimento do teu DEVER de Soldado e de Português − a defesa da Pátria" (edição de 1967, pág. 1);

(ii) o ponto 3 foi encurtado, e logo no primeiro parágrafo há outra alteração; na edição de 1967, escrevia-se: "Das dificuldades da tua missão ninguém duvida, mas a NAÇÃO tem boas razões para confiar em ti!";

(iii) de facto, conceitos como Pátria e Nação eram, afinal,  demasiado abstratos para o comum dos soldados, em 1971, no pós-salazarismo; daí a utilização de uma linguagem menos esotérica,  mais assertiva ou mais próxima do léxico do destinatário ( como, por exemplo, camaradas);

(iv) mantiveram-se os últimos dois parágrafos ("Valentes e duros"... e " Basta seres como eles");

(v) eliminou-se todo um parágrafo abstruso,  gongórico, operativo, panfletário,  que, evocando a voz do sangue dos antepassados,  terminava assim: "A tua geração, Soldado de PORTUGAL, escreve em terras de África páginas das mais gloriosas da nossa gloriosa HISTÓRIA! (edição de 1967, pág. 4). (Portugal e História, em caixa alta.);

(vi) manteve-se a chamada de atenção para a importància das boas relações com as "populações nativas" (sic), respeitando e fazendo respeitar os seus "usos e costumes" como bem os "direitos de família" (sic);

(vii)  com vista claramente à prevenção do racismo (termo que nunca  é usado), lembra-se ao militar que vai para a Guiné, que por detrás de uma "pele negra" esconde-se uma "alma portuguesa", aliás tão portuguesa como a de qualquer militar metropolitano.


3. Segue-se depois ums pequena "monografia da Guiné", abarcando os aspectos físico, humano e económico do território (pp. 10-65).

Nas últimas páginas (68/77) dão-se informações úteis para o militar que ia fazer a sua comissão  de quase dois anos num território exótico, a 4 mil km de distância de casa ( e que não era propriamente uma estância de turismo):

  • legislação militar (vencimentos, gratificações);
  • pensão de família;
  • subvenção de família;
  • correspondência postal;
  • transferência de dinheiro para a metrópole;
  •  diferenças horárias;
  •  emissões radiofónicas;
  •  ligações aéreas com a metrópole. 

Não podemos garantir que  na 3ª edição (1971) houvesse um pequeno  mapa da província, em anexo (não constava em 1967, pelo menos no exemplar que eu possuo e que pode estar truncado; em boa verdade, tenho ideia que vinha com um pequeno mapa, desdobrável,  em anexo, no fim).

(Digitalização da brochura e nota introdutória: LG)

(Continua)










Fonte: excertos de: Portugal. Estado Maior do Exército - "Missão na Guiné". Lisboa,  SPEME, 1971, pp. 7-10


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Nota do editor LG:

Ú/ltimo poste da série > 1 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24525: Documentos (42): "Acordo Missionário", de 7 de maio de 1940, celebrado entre a Santa Sé e a República Portuguesa

Guiné 61/74 - P27520: Parabéns a você (2442): Francisco Palma, ex-Soldado CAR da CCAV 2748/BCAV 2922 (Canquelifá, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74)


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Nota do editor

Último post da série de 10 de Deembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27512: Parabéns a você (2441): Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700/BCAÇ 2912 (Dulombi, 1970/72) e Mário Santos, ex-1.º Cabo MMA da BA 12 (Bissalanca, 1967/69)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27519: Ser solidário (293): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (18): A bolanha (Renato Brito)


1. Mensagem do nosso amigo Renato Brito, voluntário, que na Guiné-Bissau integra um projecto de construção de uma escola na aldeia de Sincha Alfa, com data de 8 de Dezembro de 2025:

Bom dia Carlos Vinhal,
Partilho mais uma "cartolina" que vai dando notícias sobre a campanha de angariação de fundos para a construção de uma escola na aldeia de Sintcham Arafam – Guiné-Bissau.
Desta feita a participação em mais um mercado para vender objetos em segunda-mão previsto para o dia 13 de dezembro de 2025.


Para enriquecer a reflexão sobre as “bolanhas” uma interessante publicação intitulada Armazenamento tradicional na Guiné-Bissau
Disponível para consulta aqui:
https://www.ssoar.info/ssoar/bitstream/document/31865/1/ssoar-1996-oliveira_et_al-Armazenamento_Tradicional_na_Guine-Bissau.pdf

Cumprimentos,
Renato Brito

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Nota do editor

Último post da série de 27 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27470: Ser solidário (292): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (17): A cabana (Renato Brito)

Guiné 61/74 - P27518: Humor de caserna (227): Ainda o Pechincha, que o Hélder Sousa comnheceu em Bissaiu... "P*rra, que este gajo ainda está mais apanhado do que eu!"




Legenda: "Porra, que este gajo está mais apanhado do que eu!!!..."
 
Cartoon gerado  pela IA / Gemini / Google, sob instruções e supervisão de LG.
 


1. O criador, o narrador,  Hélder de Sousa, e a criatura, o protagonista, o Pechincha, têm hoje o seu dia de glória... Três postes seguidos no blogue sobre o Pechincha (que nem sequer se senta à sombra do poilão da Tabanca Grande) podem ser motivo de ciumeira para quem está na lista de espera... 

Mas há dias assim, em que o editor acorda mais bem disposto, generoso e menos zangado com o mundo... Por outro lado, soube tirar partido da colaboração da IA e dos seus "cartunistas": feliz ou infelizmente (conforme o ponto de vista), a IA não faz "greve", nem se solidariza com a "classe operária", muito menos a portuguesa... 

A IA trabalha 24 horas por dia, não sabe o que são feriados, fins-de-semana, férias... Também não faz descontos para a segurança social, o que vai afetar as nossas pensões no futuro; também não paga direitos de autor, e a gente nisso está fazer o seu jogo...  A IA precisa de matéria-prima (informação, dados, conhecimento, conteúdos...). A IA nunca saberá capaz de beber e apreciar água-pé e comer castanhas assadas no dia de São Martinho...

De qualquer modo, a rapariga trabalha que se farta, a prova disso  é a sua produção matinal de "cartuns", feitos a nosso pedido... E só aproveitámos alguns, menos foleiros... 

Admirável mundo novo!... (Mas nada disso seria possível sem a a crónica pícara do Hélder Sousa sobre o Pechincha; espero que ambos continuem a ter ou a cultivar o sentido de "humor de caserna", que é ainda o que nos vai salvando.)


Análise literária (escrita a "quatro mãos"): "O Pechincha que eu conheci, em Bissau"


O excerto "Humor de caserna: o  Pechincha que eu conheci, em Bissau", da autoria do Hélder Sousa, enquadra-se no género da crónica memorialísttca, tipicamente escrita na primeira pessoa. É uma peça de literatura da Guerra Colonial Portuguesa, mas que opta por um registo de humor, humor de caserna, e de vivência quotidiana, em vez de se focar diretamente no drama da atividade operacional, do combate, da guerra (operações no mato, emboscadas, ataques e flagelações ao quartel...).

1. Contexto histórico e espacial

Contexto: a ação decorre em Bissau, hoje  Guiné-Bissau, em novembro de 1970, durante a Guerra Colonial Portuguesa. Ou melhor: estamos na "Spinolândia".

Este período é marcado pela tensão do conflito, mas o cenário principal é a retaguarda, o ambiente de caserna, no quartel-general, em  Santa Luzia, que funciona como um microcosmos da vida militar fora da linha da frente.

Tempo: a narrativa é estruturada em torno da chegada do narrador (9 de novembro de 1979) e da festa de São Martinho (11 para 12 de novembro), conferindo-lhe uma progressão cronológica clara e um foco em eventos específicos que ilustram o comportamento da personagem central, o Pechincha. 

2. Temas centrais

Caracterização da guerra pela convivência
: o tema principal não é a guerra em si, mas as formas de adaptação e de escape à sua tensão. O ambiente é de descompressão forçada, onde o consumo de álcool e a "simulação de uma emissão de rádio" servem para aliviar o peso da situação ("reflexos condicionados").

Camaradagem e saudade:
há um forte sentido de camaradagem entre os furriéis (os "amigos vilafranquenses": o Hélder Sousa, o Vitor Ferreira, o José Augusto Gonçalves...). A celebração do S. Martinho, com castanhas assadas e água-pé, evoca o doce lar e o pacato Portugal metropolitano, que ficou para trás (a 4 mil km de distância!), funcionando como uma ponte entre a realidade da caserna e a saudade da terra natal.

Ordem vs. loucura: a narrativa (ou o conto) explora a linha ténue entre a sanidade mental e a excentricidade no contexto de guerra. O Pechincha representa uma "loucura" funcional, que paradoxalmente, é usada para impor a ordem (acalmando os "arruaceiros", "velhinhos", em fim de comissão,  que não deixam a malta descansar...) e desafiar a normalidade (o incidente no Taufik Saad). O Pechincha ainda por cima é... um "ranger", um gajo de "operações especiais", da "fábrica de Lamego"...

3. Personagem central: o Pechincha

O Pechincha é o arquétipo do excêntrico militar, miliciano, com formação em operaçóes especiais: a figura de culto no ambiente de caserna, respeitado ou temido.

Lenda: é construído como alguém com "fama de estar um bocado apanhado e com uma pancada enorme". O termo "apanhado", segundo o Priberam, é sinónimo de "pirado": é usado informalmente para designar alguém "que não é bom da cabeça ou age de modo insensato"... Mas a locução, coloquial e jocosa, "apanhado do clima" é mais rica: também já está grafada.

Anti-herói funcional: o narrador, no entanto, desmistifica em parte esta lenda, sugerindo que era uma performance encenada ou calculada ("mais para ganhar fama e benefício dela"). As suas conversas eram "muito interessantes e educativas", revelando-o como um observador perspicaz, nomeadamente sobre a situação (política) que se vivia no país, sob o marcelismo.

Provas da excentricidade:

O Incidente do Machado: o arremesso do machado nativo à panela na cabeça do intruso é a cena mais cómica e decisiva. É uma reação desproporcional, mas que restaura a ordem de forma imediata e eficaz, cimentando a sua reputação de "maluco". O resultado é a confissão do intruso: "porra, que este gajo está mais apanhado do que eu!".

O Incidente do Taufik Saad (loja libanesa):  a exigência de retirada do anúncio promocional ("autêntica pechincha") é um ato de absurdo burocrático, uma performance dramática que só um excêntrico poderia encenar com sucesso, expondo a sua marca pessoal (o apelido) de forma hilariante.

4. Estilo e linguagem

Ponto de vista: a narração na primeira pessoa é crucial, pois confere um tom de confidência e autenticidade. O narrador, o Hélder Sousa, é um testemunha privilegiada que valida a história do Pechincha, conferindo-lhe credibilidade e um toque de admiração ("Ah, ganda Pechincha!").

Registo de linguagem: o estilo é coloquial, direto e informal, repleto de calão militar e regionalismos (Bate-Orelhas, água-pé, peluda, graçola, apanhado do clima, ganda). Esta linguagem reforça a autenticidade do ambiente de caserna.

Estrutura anedótica: o texto é uma sucessão de anedotas vívidas que têm como objetivo único e primordial ilustrar a personalidade do Pechincha, tornando a sua caracterização mais forte do que a própria progressão da ação.

Conclusão:

"O Pechincha que eu conheci, em Bissau" é mais do que um relato; é a construção de um mito pessoal dentro da experiência traumática da guerra. O autor utiliza o humor de caserna como lente para processar a tensão. O Pechincha, sendo o catalisador de eventos absurdos, transforma a rotina militar em algo memorável e suportável, provando que, no meio do conflito, a excentricidade pode ser uma forma poderosa de resistência e de distinção.

O editor chamou-lhe "figuras impagáveis" do Museu da Spinolândia... Spínola, ele próprio, foi imensamenmte parodiado pelos seus subordinados na Guiné, deque foi governador e comandante.chefe de maeados de 1968 a meados de 1973. Há já, neste blogue, toda uma série notável de anedotas e cenas burlescas à volta deste personagem que honrou a história militar do seu país (embora na política, no pós 25 de Abril,  tenha sido mais desastrado...).

PS - Segundo o Priberam e o Houaiss, pechincha é um nome feminino que tem os seguintes significados na língua portuguesa: (i) [Popular] Grande conveniêncinteresse ou vantagem material considerável; (ii)  Recompensa imerecida; lucro que não se espera e/ou que não se merece (iii) Lucro inesperado; (iv) Compra vantajosa; qualquer coisa cujo preço é muito baixo; (v) Regateio (do verbo "regatear" = "pechincar")... Origem estimológica: obscura ou incerta.

Enquanto sobrenome ou apelido, Pechincha é muito raro. Seria uma alcunha, de origem alentejana, que com o tempo passou a ser um antropónimo  ? Não encontrámos na Net qualquer referência (a não ser no nosso blogue, em que conta já com 7 referèncias). 

Não me lembro dele no CIM de Contuboel: estivemos possivelmente  juntos em jun/jul de 1969. Lembro-me de alguns "lacraus", furriéis da CART 2479, futura CART 11, como o Abílio Duarte, o Valdemar Queiroz, Renato Monteiro (os dois últimos infelizmente já falecidos).

(Pesquisa: LG + Net (Gemini /Google)

(Condensação, revisão /fixação de texto, negritos, título, notas: LG)
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Nota do editor LG:

Vd. postes anteriores da série:


11 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27516: Humor de caserna (225): O ganda Pechincha (ex-fur mil op esp, CART 11, Nova Lamego, 1969/70), que eu conheci em Bissau quando cheguei, em novembro de 1970 (Hélder Sousa)