1. Sétimo episódio da série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.
CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU
A PRIMEIRA VIAGEM - 1998
7 - O SEGUNDO DIA EM BUBAQUE, NA DESCOBERTA DO POVO BIJAGÓ
Após uma noite bem dormida e um pequeno-almoço frugal (os franceses são uns unhas de fome) a pressa era dar uma saltada até à praia, não longe dali. Toalhas ao ombro e chinelos nos pés, fizemo-nos ao caminho aproveitando para apreciarmos a especial beleza de algumas espécies de flores que fomos encontrando.
Continuando, deparamo-nos com uma construção de aspecto bizarro e de gosto duvidoso, ali virada ao canal que nos separa da Ilha de Rubane. Imagine-se uma casa a quem os alicerces cederam e toda a estrutura ficou tombada, como se as janelas ficassem viradas para o “céu”. Estranhamos o aspecto da vivenda, mas logo percebemos que havia sido construída assim mesmo. Quer a casa, quer os jardins estavam no mais completo abandono. Ao que nos disseram depois, teria sido a casa de férias do primeiro Presidente da Guiné, Luís Cabral. O poder e as suas excentricidades, neste pobre país.
Terá sido casa de férias de Luís Cabral
Continuamos o nosso percurso e chegamos a um conjunto de construções com todo o aspecto de ser uma unidade hoteleira. Tratava-se do Hotel Bijagós, com um grande bungalow central que seria a sala das refeições com cozinha anexa e ainda vários pavilhões de construção térrea, implantados nas proximidades. Esta unidade já existiria na era colonial com a finalidade de ser uma “colónia de férias” para Sargentos e Oficiais das nossas Forças Armadas. À época, devia ser um paraíso, hoje um lugar muito tranquilo e quase deserto.
Um pouco mais à frente, acedemos à praia através de um “trilho” em declive e logo deparamos com um grupo de jovens frequentadores locais. O nosso olhar deliciou-se com a imagem de uma praia magnífica. Estendidas as toalhas na areia finíssima e depois de uns mergulhos nas águas cálidas e com ondulação praticamente inexistente, logo percebemos que éramos os únicos brancos por aquelas bandas.
Alguns coqueiros e outras árvores eram o nosso guarda-sol. A pouca profundidade das águas permitiu-nos um passeio ao longo da praia para apreciarmos a paisagem que nos envolvia. Alguns jovens Bijagós acercaram-se de nós, talvez na expectativa de uma qualquer oferta. Uma grande canoa a motor, de pesca, aportou à praia e era esperada por um adulto que entretanto chegara.
Da canoa, foram arremessados vários peixes para o areal que prontamente foram recolhidos. Das palavras trocadas entre um dos tripulantes da canoa com o adulto que recolhera os peixes, pareceu-nos ter ouvido a expressão “brancos na praia”.
Uma saudação, um comentário ou uma exclamação de espanto pela raridade da presença de europeus por aquelas bandas?
Enquanto a canoa de pesca se ia afastando da praia, os nossos olhares distinguiam no horizonte os contornos de outras ilhas.
Regressamos ao hotel para o almoço e percebemos que um jovem casal nos fazia agora companhia. À conversa com esse casal, durante o almoço, a jovem informou-nos ser filha do proprietário do Anura Clube, um outro empreendimento turístico na região de Bula, e que ali estariam em lua de mel. Após o almoço era tempo do planeado passeio, a pé, pela povoação e tabancas próximas, na procura dos sinais da cultura e das tradições daquele povo.
A caminho da povoação e acompanhados de alguns jovens, fomos visitar um local em que estavam “expostas” uma quantidade apreciável de máscaras, estatuetas e outras obras de arte, executadas em diferentes materiais, e que eram certamente muito antigas. Estávamos perante uma das mais conhecidas expressões de arte deste povo animista e, como em anteriores crónicas já citei, com referências em muitos trabalhos de estudiosos sobre as diversas expressões de arte Africanas.
Quase como quem receia tocar em algo sagrado, perguntamos ao respeitável ancião, guardião daquele espólio, quanto poderia custar uma pequena máscara que nos captou a atenção. Delicioso no trato e com um português perceptível, disparou um valor incomportável para nossas exauridas carteiras em fim de “férias”.
Na impossibilidade do negócio, continuamos até à principal “avenida” da povoação, sulcada de canais em resultado de muitas chuvadas e ausência de reparações, que nos conduziria até ao cais de Bubaque. Este era o principal ponto de ligação do arquipélago dos Bijagós com a parte continental da Guiné. As construções próximas do cais eram precárias, pequenos estabelecimentos comerciais e muito pouco movimento naquela hora.
Inflectimos para outra zona da ilha e fomos ao encontro de uma missão católica dedicada ao apoio a crianças, e não só, dirigida por um religioso italiano. Pelo caminho, conhecemos uma jovem, filha de Portugueses emigrados na Bélgica e que, estando na missão em serviço de voluntariado e a preparar uma tese, nos acompanhou até lá.
A missão estava integrada num conjunto urbano com traço colonial e militar e várias das construções estavam a ser utilizadas, nomeadamente pelos serviços telefónicos. Prosseguimos mais para o interior da ilha ao encontro de uma tabanca. Caminhando, fomos abordados por dois jovens, membros de uma cooperativa de artesanato local e que nos propuseram a compra de algumas das esculturas que exibiam. Deixamo-nos seduzir quer pela beleza, quer pelo preço, regateado, e trouxemos para casa algumas peças, de que destaco a escultura de um Irã que representa o espírito dos animistas nas cerimónias e rituais de ligação à natureza.
Levamos depois as peças à presença de uma autoridade tradicional, que através de um carimbo, certificou cada uma delas como sendo autêntico artesanato dos Bijagós. Satisfeitos com as peças e com o preço pago por elas, continuamos o nosso caminho até uma tabanca próxima. Era ainda a época seca e as hortas estavam por cultivar.
O tempo era já escasso e só permitiu observar visualmente alguns pormenores da vida dos Bijagós. Gente hospitaleira, amiga de conversar e que se desloca para a região de Bissau na procura do trabalho que garanta o sustento da família. Imigrantes na sua própria terra, como em tantos outros lugares do Mundo.
Já na saída da tabanca deparamo-nos com um peixe de grande tamanho secando ao sol, espetado numa esteira que servia de vedação a um terreno de cultivo. Até aqui nada de anormal, não fora o cheiro nauseabundo e a quantidade de moscas que o peixe nos “oferecia”.
Cansados, decidimos regressar ao hotel e, aqui chegados, saímos disparados para um refrescante banho. Reunidos depois na esplanada para uma “loira” fresquinha, a tempo de assistirmos à chegada de mais hóspedes. Eram dois cavalheiros de meia-idade. Um deles, exprimindo-se em francês e substancialmente mais alto que o outro, exibia uns trejeitos efeminados. Não tardamos a concluir que se tratava de um casal de homossexuais.
Este pedaço de terra, perdido na costa ocidental africana, era o local ideal para se fugir a olhares indiscretos.
A hora do jantar confirmou, mais uma vez, que o peixe era a base de quase todas as refeições que degustamos, sendo a barracuda o principal sacrificado.
O sol escondia-se já no horizonte por detrás de uma qualquer daquelas ilhas, anunciando a hora do recolher.
Foi um dia cansativo mas enriquecedor, no contacto com o povo Bijagó.
( Continua)
Na esplanada do hotel em Bubaque
Praia em Bubaque
À descoberta de Bubaque
A minha primeira viagem à Guiné-Bissau - 1998 (5) - Estadia em Bubaque, na descoberta do povo Bijagó
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Nota do editor
Último poste da série de 21 DE NOVEMBRO DE 2013 >
Guiné 63/74 - P12322: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (6): Bubaque, a outra Guiné com sabor a férias