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Nota do editor
Último poste da série de 5 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15579: Parabéns a você (1012): João Meneses, ex-2.º Tenente FZE do DFE 21 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex- Fur Mil Art do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489 (Guiné, 1963/65)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
terça-feira, 5 de janeiro de 2016
Guiné 63/74 - P15583: Excertos de "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (1): O meu irmão Álvaro
1. Excertos de "Memórias da Guiné" da autoria do nosso camarada Fernando
Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que
foram publicadas em livro com o mesmo título, Edições
Polvo, 2005:
EXCERTOS DE MEMÓRIAS DA GUINÉ
Fernando de Pinho Valente (Magro)
Ex-Cap Mil de Artilharia*
1 - O Meu Irmão Álvaro
O esforço humano (e material) dos portugueses para responder às guerras de África, nas três frentes (Angola, Guiné e Moçambique) era enorme no final da década de sessenta e nos primeiros anos da década de setenta.
No caso da minha família nós éramos (e somos) oito irmãos, seis dos quais homens.
Todos os seis foram chamados a prestar serviço militar obrigatório e todos foram mobilizados: um para Moçambique, como alferes miliciano, dois para Angola sendo um deles no posto de furriel e o outro como cabo especialista da Força Aérea e três para a Guiné, sendo eu o mais velho, como capitão, o mais novo como furriel e o imediatamente a seguir ao mais novo como primeiro-cabo auxiliar de enfermeiro.
A vida militar deste último cruzou-se mesmo com a minha, pois fazendo parte da Companhia de Artilharia 3493, foi mobilizado para a Guiné e colocado em Mansambo, na região de Bafatá, quando eu me encontrava ao serviço do Batalhão de Engenharia 447.
Fui esperá-lo, subindo ao barco que o trouxe e fundeou ao largo de Bissau, nos primeiros dias de Dezembro de 1971.
Pedi ao seu Comandante que, logo que possível, o deixasse passar comigo alguns dias em Bissau, o que aconteceu em princípios de Janeiro de 1972.
Ele, nessa altura, queixou-se muito da vida difícil e perigosa que levava no mato e eu, depois de ele regressar à sua Companhia, comecei a congeminar um processo de o trazer para o Hospital Militar de Bissau.
O que determinou a minha diligência nesse sentido foram as notícias que dele recebi em Fevereiro de 1972. Nelas me dizia que tinha entrado numa operação militar de um dia e duas noites e que, a certa altura, no meio do mato, foi dada ordem pelo Alferes, Comandante do seu pelotão, para que o pessoal descansasse por algum tempo.
Como havia perdido a noite anterior, acabou por adormecer, protegido pela vegetação.
Quando acordou foi grande o seu espanto ao se encontrar completamente só no meio do mato, numa região que sabia ser frequentada por “terroristas”.
No aerograma que me enviou relatava, desta maneira, o sucedido:
"Não imaginas o meu estado de espírito ao ver-me só e perdido dentro daquela mata densa. Andei cerca de uma hora perdido, cheio de medo. Cheguei a pensar que seria apanhado pelos terroristas e que nunca mais voltaria a ver a família.
Procurei encobrir-me com a vegetação, mas se porventura tinha de atravessar uma clareira, fazia-o rastejando.
Por fim encontrei um trilho por onde segui algum tempo, encharcado em suor.
Finalmente vi, ao longe, um pequeno grupo de militares.
Aproximei-me deles correndo o mais que pude e quando me pareceu que a minha voz poderia por eles ser ouvida, gritei com quanta força tinha.
Era tropa da minha Companhia, embora não fosse do meu pelotão.
Contei o que havia acontecido, quase sem poder falar, por estar muito cansado.
Não tive nenhuma culpa do sucedido."
Eu conhecia o Director do Hospital, embora não tivesse com ele grandes relações.
Conhecia-o dum jantar festivo a que ele compareceu, como convidado, no Batalhão de Engenharia.
Lembrei-me de o procurar.
Relatei-lhe que tinha um irmão como cabo enfermeiro no mato, irmão que tinha tido, quando adolescente, problemas de saúde e mesmo uma paralisia facial.
Contei-lhe o que havia sucedido por dele se terem esquecido, quando adormeceu de cansaço no meio da vegetação.
Perguntei-lhe, depois, quantos cabos enfermeiros faziam serviço no seu Hospital e se todos mereciam estar lá colocados.
Referiu-me que tinha algumas dezenas de cabos enfermeiros e que, pelo menos um deles, teria de o castigar severamente e de o mandar para o mato porque tinha roubado alguns militares feridos ou doentes.
Estes militares, como de resto acontecia com todos, quando chegaram ao Hospital Militar receberam um pijama próprio e as suas fardas e haveres foram guardados em armários metálicos individuais.
Esse cabo enfermeiro conseguiu ter acesso a alguns desses armários e havia roubado dinheiro e outros pertences dos doentes.
"- E, ainda por cima, ontem embriagou-se e fez por aí uma série de disparates.
Vai com certeza apanhar alguns dias de prisão e, por via disso, terá de ser colocado numa companhia destacada no mato", referiu o meu interlocutor.
Perante este relato do Director do hospital perguntei-lhe se não seria possível que o cabo enfermeiro, cujo comportamento merecia uma punição exemplar, fosse colocado por troca na companhia do meu irmão. Evitar-se-ia, continuei eu, que na caderneta militar do rapaz fosse averbado um castigo que, naturalmente, lhe poderia trazer prejuízo na sua vida futura. Com a sua ida para uma unidade de combate, sofreria de qualquer forma uma pesada punição e essa situação talvez o obrigasse a reflectir no sentido de melhorar o seu comportamento.
Assegurei ao Director, por outro lado, que a conduta do meu irmão Álvaro seria irrepreensível no caso de vir a ser colocado naquele Hospital Militar. Por isso responsabilizar-me-ia eu próprio. O Coronel-médico reflectiu e depois ditou-me os termos de uma declaração, em que o meu irmão teria de assinar em como concordava ser transferido para o Hospital Militar de Bissau em troca com o tal 1.º cabo auxiliar de enfermagem mal comportado.
Disse-me o Director que iria chamar o rapaz à sua presença e que o aconselharia a requerer a sua transferência para a Companhia de Artilharia 3493 de Mansambo por troca com o meu irmão Álvaro.
No caso de ele concordar, a minha pretensão seria bem sucedida e eu estava convicto que ele iria dar o seu acordo porque não poderia continuar mais tempo ali, tendo inevitavelmente de ser castigado e enviado para o mato.
Despedi-me do Coronel-médico com a continência regulamentar e aguardei os acontecimentos. A 20 de Fevereiro de 1972 foi publicada uma nota da 1.ª Repartição do Quartel-general do Comando Territorial Independente da Guiné que continha a oficialização da referida transferência.
Dois dias depois, quando entrei em casa vindo do quartel, tinha à minha espera o meu irmão Álvaro.
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Nota do editor
(*) Vd. poste de 12 de fevereiro de 2014 Guiné 63/74 - P12710: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (15): Fim da comissão - O regresso
EXCERTOS DE MEMÓRIAS DA GUINÉ
Fernando de Pinho Valente (Magro)
Ex-Cap Mil de Artilharia*
1 - O Meu Irmão Álvaro
O esforço humano (e material) dos portugueses para responder às guerras de África, nas três frentes (Angola, Guiné e Moçambique) era enorme no final da década de sessenta e nos primeiros anos da década de setenta.
No caso da minha família nós éramos (e somos) oito irmãos, seis dos quais homens.
Todos os seis foram chamados a prestar serviço militar obrigatório e todos foram mobilizados: um para Moçambique, como alferes miliciano, dois para Angola sendo um deles no posto de furriel e o outro como cabo especialista da Força Aérea e três para a Guiné, sendo eu o mais velho, como capitão, o mais novo como furriel e o imediatamente a seguir ao mais novo como primeiro-cabo auxiliar de enfermeiro.
A vida militar deste último cruzou-se mesmo com a minha, pois fazendo parte da Companhia de Artilharia 3493, foi mobilizado para a Guiné e colocado em Mansambo, na região de Bafatá, quando eu me encontrava ao serviço do Batalhão de Engenharia 447.
Fui esperá-lo, subindo ao barco que o trouxe e fundeou ao largo de Bissau, nos primeiros dias de Dezembro de 1971.
Pedi ao seu Comandante que, logo que possível, o deixasse passar comigo alguns dias em Bissau, o que aconteceu em princípios de Janeiro de 1972.
Ele, nessa altura, queixou-se muito da vida difícil e perigosa que levava no mato e eu, depois de ele regressar à sua Companhia, comecei a congeminar um processo de o trazer para o Hospital Militar de Bissau.
O que determinou a minha diligência nesse sentido foram as notícias que dele recebi em Fevereiro de 1972. Nelas me dizia que tinha entrado numa operação militar de um dia e duas noites e que, a certa altura, no meio do mato, foi dada ordem pelo Alferes, Comandante do seu pelotão, para que o pessoal descansasse por algum tempo.
Como havia perdido a noite anterior, acabou por adormecer, protegido pela vegetação.
Quando acordou foi grande o seu espanto ao se encontrar completamente só no meio do mato, numa região que sabia ser frequentada por “terroristas”.
No aerograma que me enviou relatava, desta maneira, o sucedido:
"Não imaginas o meu estado de espírito ao ver-me só e perdido dentro daquela mata densa. Andei cerca de uma hora perdido, cheio de medo. Cheguei a pensar que seria apanhado pelos terroristas e que nunca mais voltaria a ver a família.
Procurei encobrir-me com a vegetação, mas se porventura tinha de atravessar uma clareira, fazia-o rastejando.
Por fim encontrei um trilho por onde segui algum tempo, encharcado em suor.
Finalmente vi, ao longe, um pequeno grupo de militares.
Aproximei-me deles correndo o mais que pude e quando me pareceu que a minha voz poderia por eles ser ouvida, gritei com quanta força tinha.
Era tropa da minha Companhia, embora não fosse do meu pelotão.
Contei o que havia acontecido, quase sem poder falar, por estar muito cansado.
Não tive nenhuma culpa do sucedido."
Eu conhecia o Director do Hospital, embora não tivesse com ele grandes relações.
Conhecia-o dum jantar festivo a que ele compareceu, como convidado, no Batalhão de Engenharia.
Lembrei-me de o procurar.
Relatei-lhe que tinha um irmão como cabo enfermeiro no mato, irmão que tinha tido, quando adolescente, problemas de saúde e mesmo uma paralisia facial.
Contei-lhe o que havia sucedido por dele se terem esquecido, quando adormeceu de cansaço no meio da vegetação.
Perguntei-lhe, depois, quantos cabos enfermeiros faziam serviço no seu Hospital e se todos mereciam estar lá colocados.
Referiu-me que tinha algumas dezenas de cabos enfermeiros e que, pelo menos um deles, teria de o castigar severamente e de o mandar para o mato porque tinha roubado alguns militares feridos ou doentes.
Estes militares, como de resto acontecia com todos, quando chegaram ao Hospital Militar receberam um pijama próprio e as suas fardas e haveres foram guardados em armários metálicos individuais.
Esse cabo enfermeiro conseguiu ter acesso a alguns desses armários e havia roubado dinheiro e outros pertences dos doentes.
"- E, ainda por cima, ontem embriagou-se e fez por aí uma série de disparates.
Vai com certeza apanhar alguns dias de prisão e, por via disso, terá de ser colocado numa companhia destacada no mato", referiu o meu interlocutor.
Perante este relato do Director do hospital perguntei-lhe se não seria possível que o cabo enfermeiro, cujo comportamento merecia uma punição exemplar, fosse colocado por troca na companhia do meu irmão. Evitar-se-ia, continuei eu, que na caderneta militar do rapaz fosse averbado um castigo que, naturalmente, lhe poderia trazer prejuízo na sua vida futura. Com a sua ida para uma unidade de combate, sofreria de qualquer forma uma pesada punição e essa situação talvez o obrigasse a reflectir no sentido de melhorar o seu comportamento.
Assegurei ao Director, por outro lado, que a conduta do meu irmão Álvaro seria irrepreensível no caso de vir a ser colocado naquele Hospital Militar. Por isso responsabilizar-me-ia eu próprio. O Coronel-médico reflectiu e depois ditou-me os termos de uma declaração, em que o meu irmão teria de assinar em como concordava ser transferido para o Hospital Militar de Bissau em troca com o tal 1.º cabo auxiliar de enfermagem mal comportado.
Disse-me o Director que iria chamar o rapaz à sua presença e que o aconselharia a requerer a sua transferência para a Companhia de Artilharia 3493 de Mansambo por troca com o meu irmão Álvaro.
No caso de ele concordar, a minha pretensão seria bem sucedida e eu estava convicto que ele iria dar o seu acordo porque não poderia continuar mais tempo ali, tendo inevitavelmente de ser castigado e enviado para o mato.
Despedi-me do Coronel-médico com a continência regulamentar e aguardei os acontecimentos. A 20 de Fevereiro de 1972 foi publicada uma nota da 1.ª Repartição do Quartel-general do Comando Territorial Independente da Guiné que continha a oficialização da referida transferência.
Dois dias depois, quando entrei em casa vindo do quartel, tinha à minha espera o meu irmão Álvaro.
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Nota do editor
(*) Vd. poste de 12 de fevereiro de 2014 Guiné 63/74 - P12710: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (15): Fim da comissão - O regresso
Guiné 63/74 - P15582: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (33): De 14 a 31 de Maio de 1974
1. Em mensagem do dia 26 de Dezembro de 2015, o nosso camarada António
Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma Memória, a 33.ª.
Aos poucos, a euforia motivada pela revolução do 25 de Abril, vai dando lugar à expectativa e a muita incerteza. Era assim em Nhala e não devia ser diferente no resto do TO. E, se por um lado se sentisse que a actividade do inimigo era quase nula, com o correspondente abrandamento da nossa, por outro lado, continuava a fazer-se a protecção às obras da estrada na frente de Buba, protecção às colunas, patrulhamentos e contra penetrações. E seria assim quase até ao fim oficial das hostilidades. Com menos tensão, é certo, mas sem nunca esquecer que estávamos em território de guerra. Guerra em banho-maria, não ainda a paz declarada. Tanto assim era que, infelizmente, alguns não viriam a ter oportunidade de saborear a paz. Para aumentar a nossa incerteza, já muito depois de ambas as partes terem adoptado o cessar-fogo tácito, o PAIGC atacou a tabanca de Madina em 3 de Junho, como se verá mais adiante. Obviamente, tínhamos também sempre presente que o cessar-fogo tácito, só por si, não desactivaria os milhares de minas espalhados pelo território, que só mais tarde seriam alvo de uma acção concertada e generalizada de levantamento. Tarde de mais para o Comandante de uma secção do GEMIL 406 que, juntamente com o GEMIL 405, no dia 7 de Maio patrulhavam as regiões de Bolola e Nhacobá, tendo pisado uma mina antipessoal que obrigou à evacuação para o HM 241 de Bissau. Antes, tinham feito um patrulhamento semelhante no dia 3, nas regiões de Missirá e margem norte do Rio Cumbijã, sem problemas. No dia 8 de Maio forças da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 procederam ao levantamento de 10 minas na região da ponte do Rio Balana e implantaram 8, na sequência de uma permuta de responsabilidades de oficiais especialistas. Haveria mesmo necessidade de manter esse campo de minas? Certamente que sim. Tinham passado apenas quinze dias após a Revolução e tudo estava em aberto. Se revelo estes detalhes é tão só para se perceber o clima que se respirava. No meu Sector, só no dia 14 de Maio os homens do MFA deram sinal, como relata a História da Unidade e da qual transcreverei quase tudo por se tratar de um documento importante para memória.
Da História da Unidade do BCAÇ 4513:
MAI74/14 – Estiveram presentes em A. FORMOSA, Cap. CLEMENTE e Cap. PÁRA PINELA, Oficiais pertencentes ao Movimento das Forças Armadas, que numa reunião com os Oficiais e posteriormente com os Sargentos, esclareceram o programa do Movimento das Forças Armadas.
MAI74/16 – (...). Visitou A. FORMOSA o Encarregado do Governo Ten Cor FABIÃO, acompanhado do Cap. CLEMENTE do MFA.
MAI74/17 – (...). Verificou-se uma diminuição da actividade violenta do IN, correspondida por uma actividade menos intensa das NT, aguardando-se com expectativa as conversações em Londres em 25 de Maio de 1974.
[Da parte da guerrilha surge no Sector o primeiro sinal no dia 23. Percebe-se que é uma abordagem para avaliar o ponto da situação e a nossa disponibilidade para, na prática, terminar a guerra. A verdade é que também o inimigo, como nós, devia estar sujeito a grande ansiedade, devido a esta situação ambígua, de muitas expectativas, mas que não atava nem desatava].
MAI74/23 – (...). Apresentou-se em A. FORMOSA MANGA MANÉ, natural e residente na República da GUINÉ. Este elemento diz ter sido enviado pela Gendarmerie, com a missão de comunicar que:
- Tinham acabado os movimentos de tropa na Rep. GUINÉ.
- Que estavam a levantar todas as minas.
- Pretendiam abrir a fronteira e facilitar o movimento de gilas.
- Saber se do nosso lado também a guerra já acabou e se a população poderá transitar.
[Não sei que resposta foi dada mas, na mesma data, dia 23, o “RESUMO DOS FACTOS E FEITOS / BCAÇ 4513” destacava em maiúsculas:
“F – Em virtude do Movimento do 25 de Abril e após as conversações travadas com o PAIGC, começou em toda a Província a vigorar um cessar-fogo tácito. Neste período da comissão do Batalhão na Guiné, assiste-se a uma campanha interna de politização das populações pelo PAIGC e a perspectiva do regresso das NT à Metrópole. Para o fim do período, acelera-se o processo da descolonização, com regresso das NT e a entrega dos poderes ao PAIGC. É de salientar que todas estas operações se realizam na melhor harmonia e colaboração com o PAIGC”].
MAI74/25 – Apresentou-se em A. FORMOSA BRAIMA BALDÉ, Comissário Político do PAIGC. Nas suas declarações, disse que tinha por missão mostrar às populações que o PAIGC não tencionava exercer qualquer represália sobre as mesmas. [Sublinhado meu].
Neste mesmo dia chegou a A. FORMOSA, o Alf do PAIGC ABDU SAMBU. Declarou que se deslocou a A. FORMOSA por ordem do seu Comandante Major JULINHO BARROS, Capitães HUMBERTO GOMES e VARJOS PIRES, e tinha por incumbência comunicar que o PAIGC está absolutamente proibido de fazer fogo ou responder a tiros contra a tropa ou população Portuguesa. O seu Comandante teria mostrado interesse em qualquer dia visitar A. FORMOSA.
[Depois de um mês de ambiguidade e impasse – que, bem sei, é pouco tempo para quem a nível superior diligencia com os movimentos de libertação mas que, para nós no terreno, é uma eternidade -, depois de um mês de impasse, dizia, eis que começam os acontecimentos a precipitar-se em catadupa. Começa também a guerra das bandeiras e bandeirinhas... E estava dado o mote, ainda que ao princípio quase imperceptível: os militares africanos, as milícias, parte da população e os seus representantes, não viam com a mesma bonomia que nós, esta reviravolta na guerra. Nem podiam ver. Mais natural era que começassem a questionar-se sobre o futuro, adivinhando já o abandono após a debandada da tropa. E de pouco valeram as acções de tranquilização por parte do PAIGC e dos comandos militares portugueses. Como se sabe, o pior estava para vir, confirmando os anseios e receios principalmente dos militares africanos. É um assunto que merece ser tratado à parte. Segue-se a guerra das bandeirinhas...].
MAI74/26 – Foi do conhecimento deste Comando, que os elementos do PAIGC presentes em Aldeia Formosa tinham feito uma reunião com a população sem terem pedido a necessária autorização, e durante a qual distribuíram várias bandeiras do PAIGC.
Chegando também ao conhecimento deste Comando que o Alf ABDU SAMBU, tinha algumas cartas e algumas lembranças para entregar ao Comando Militar, foi feita uma reunião com os referidos elementos, em que foi criticado o procedimento por eles adoptado em relação à reunião com a população. Assim, ficou assente nova reunião com a população desta vez presidida por este Comando para esclarecimento das nossas intenções e nossas atitudes. No fim desta reunião, os “Homens Grandes” dirigiram-se ao Batalhão, manifestando a sua solidariedade para com os Portugueses.
[Julgo não serem necessários comentários para se perceber como, numa sucessão de episódios quase diários, se foi estabelecendo um clima propício a conflitos. A tensão ganhava espessura].
MAI74/28 – Pelas 16h00 forças da CCAÇ 18 dirigiram-se ao Administrador de Posto, exigindo-lhe a entrega da Bandeira do PAIGC que ele tinha aceitado dos elementos que estão presentes em A. FORMOSA, ao que o mesmo anuiu.
Satisfeitos dirigiram-se ao Comando do Batalhão para fazer a entrega da mesma, dizendo que enquanto houvesse Exército Português na Guiné, só haveria uma Bandeira que seria a Portuguesa. [Sublinhados meus].
Entretanto e enquanto se dirigem ao Quartel, encontraram o Régulo IAIA, a quem também exigiram a entrega no Comando do Batalhão de todas as bandeiras do PAIGC que possuía. Ele anuiu e fez a entrega das mesmas neste Comando. Sucedeu entretanto, que os referidos militares, sabendo que a Brigada da Engenharia também possuía uma Bandeira do PAIGC, quiseram forçar o substituto do encarregado do armazém que a possuía a fazer a entrega da mesma. Esta atitude, originou que o pessoal da Brigada resolvesse não trabalhar no dia 29MAI74.
MAI74/29 – Logo de manhã e com a presença do Comandante de Companhia de Engenharia, vindo de BISSAU, foi levada a efeito por este Comando uma reunião entre os representantes da CCAÇ 18 e da Brigada de Estradas. Após esta reunião a Brigada concordou em prosseguir os trabalhos no dia seguinte.
MAI74/30 – Foram retomados os trabalhos de Engenharia que prosseguem normalmente.
- Comandante e 2.º Comandante deslocaram-se a NHALA, BUBA e CUMBIJÃ.
- Of OP/INF deslocou-se a COLIBUIA e CUMBIJÃ.
[Ao longo de todo este mês, à semelhança do antecedente, são recorrentes na HU estes registos das deslocações do Comandante, 2.º Comandante e Oficial de Operações às Unidades e subunidades de todo o Sector. É justo que se refira esse contacto permanente, quase diário, em que nos eram transmitidas informações e directivas, amenizando, de algum modo, a sensação de impasse e incerteza em que se vivia. E faziam-no para além das deslocações a Bissau numa frequência inusitada].
Junto imagem da 1.ª entrada do PAIGC em Nhala, na pessoa de um Comissário Político, provavelmente Braima Baldé que há dias chegara a A. Formosa, mas não estou certo.
Foto 1: Nhala, fins de Maio ou Junho de 1974. Primeira visita de um Comissário Político do PAIGC, vendo-se da esquerda para a direita: elemento do PAIGC que não recordo; o Comissário Político; Alf Mil António Murta e Alf Mil Campos Pereira.
História marginal (7): A hiena perneta.
Nhala, de madrugada. Dormia profundamente quando senti que me batiam levemente no ombro. Ouvi um sussurro tímido a despertar-me: “meu alferes...” - Virei-me e, no escuro, vi uma silhueta curvada sobre mim ainda a sussurrar:
- Meu alferes... Está ali um animal a comer formigas junto ao arame farpado. Podíamos matá-lo e amanhã tínhamos rancho melhorado...
Era a sentinela do posto mesmo ali ao lado da messe. Ele sabia que eu não resistia a uma caçada, mesmo àquela hora da madrugada.
- Que animal? - Perguntei, a bocejar.
- É assim como um cão, mas maior, não dá para ver bem.
Sentei-me na cama ainda zonzo e só então me apercebi do som forte do peso da água a bater no solo lá fora. Parecia que estava sentado junto a uma catarata. Vesti-me e peguei na G-3, ainda a pensar que era preciso ser muito doido para sair numa noite daquelas. Chovia tão copiosamente que a água nos tapava as distâncias, caindo em cordões grossos e verticais, sem uma aragem. A noite estava amena de temperatura. No alpendre o soldado apontou-me a luz do projector junto ao arame farpado do lado da fonte. Metemo-nos à chuva em direcção à luz e, a cerca de vinte metros, acautelámos os passos na aproximação. Só então vi o costado do animal, meio oculto devido à altura do capim e por ter a cabeça mergulhada na base do poste. No ar, à volta da luz, centenas de formigas voadoras redopiavam freneticamente, num ritual nupcial que já não nos era estranho. Sob o peso da chuva, caíam na vertical, como riscos de luz direitos à cabeça do animal, muitas já sem asas e outras que as largariam no solo. E estavam constantemente a chegar mais, atraídas pela luz. E sempre a cair mais.
Aproximámo-nos mais um pouco já sem grandes cautelas, pois o barulho da chuva, tudo abafava, mesmo as nossas vozes. Levei a arma à cara e apontei àquele alvo fácil mas, quando já premia o gatilho, tive um rebate de consciência e suspendi o gesto. Perguntei ao soldado se gostaria de ser ele a dar o tiro.
- Eu gostava... - Retorquiu-me ele, no tom de quem, por instantes, perdera a esperança daquela oportunidade. Caramba! Como é que posso ser tão egoísta, pensei.
- Força! - Disse-lhe, entusiasmado com a minha atitude de última hora.
Soou o tiro e, no mesmíssimo instante, vimos, como uma mola, uma silhueta raiada de vermelho descrever um arco longo para a direita e enterrar-se no capim lá no escuro. Demos uma corrida para o cavalo de frisa ali perto e, já do outro lado do arame farpado, avançámos de arma em riste na direcção da luz, com muitas precauções para evitar surpresas. Batida a zona onde supúnhamos estar o animal, com o capim a dar-nos quase pela cintura e a dificultar-nos a tarefa, chegámos ao poste da luz sem nada ter encontrado. Na base do poste o solo estava tapado de formigas que fervilhavam na ânsia do provável acasalamento promíscuo. Mesmo ao lado, salpicos de sangue no capim. Disse ao soldado: “Rápido! Vamos seguir as marcas de sangue enquanto a chuva não apaga tudo”. Avançámos em zig-zag, quase já sem pistas, até que, por fim, lá vimos o animal denunciado pelo capim abatido. Olhei para a luz atrás de nós e percebi, com surpresa, que estávamos a cerca de seis metros. Como à volta o capim estava intacto, tivemos de concluir que toda aquela distância fora feita de um salto apenas.
Assim de relance, não percebemos que bicho era. Simplesmente, não o reconhecemos. Mas não podíamos perder muito tempo com alvitres porque não tardava era dia. E tínhamos que tirar aquelas desconfortáveis roupas molhadas. Antes de agarrarmos o animal pelas patas dianteiras, dei-lhe um pontapé para me certificar de que não oferecia perigo. Mas foi ao arrastá-lo pelo capim que reparámos que tinha uma das patas traseiras decepadas abaixo da coxa. Era perneta. Ou fora numa armadilha, ou fora vítima de outro predador. Porque há sempre um predador mais forte...
Na manhã seguinte o animal foi entregue aos cozinheiros para ser preparado para o jantar, sem que alguém conseguisse dizer de que se tratava. Não era parecido com nada do que já tínhamos visto. E comido. Hoje admiro-me com tanta ignorância. Como era possível?
À hora aprazada, já entardecia, e toda a rapaziada do grupo se dispunha na longa mesa que havia no alpendre por trás da caserna, assistindo à chegada do grande tabuleiro fumegante. O pão magnífico e ainda quente já estava na mesa, bem como as caixas de cerveja fresquinha que mandara comprar à cantina. Todos estavam muito alegres e ansiosos. E mais ainda a equipa de voluntários que se encarregou de toda a logística. Não era caso para menos, pois os momentos como este eram raríssimos e, embora não se passasse fome, já ninguém suportava as salsichas e o fiambre feito de todas as maneiras incluindo grelhado como bife, receita herdada da anterior Companhia de Nhala, que ao princípio se revelara um pitéu, mas que ao longo do tempo se tornou execrável. Também os caçadores nativos pareciam estar combinados com o nosso infortúnio, passando-se meses sem aparecerem com nada. Mas, por mais de uma vez, aconteceu aparecer um com uma vaca e logo outro com um búfalo e outro ainda com mais não sei o quê... Mas isto nunca resultava em grande fartura, porque assim que se esgotava a capacidade das arcas frigoríficas a petróleo, parte da caça tinha de ser recusada.
Foi um festim, o nosso jantar. E quando já nada restava do manjar delicioso, ainda continuámos a molhar pão no molho dourado e picante do tabuleiro, acompanhando com cerveja e muita animação. Os saberes dos cozinheiros surpreendiam-nos e deliciavam-nos. Se ao longo dos meses o rancho nos enfastiava diariamente, só podia ser porque os ingredientes eram dos piores, porque os cozinheiros eram dos melhores. Honra lhes seja feita, e não perco a oportunidade de lhes fazer este elogio: qualquer que fosse a peça de caça que se lhes apresentasse, mesmo tão só uma galinha-do-mato ou meia dúzia de rolas, o resultado era sempre um manjar dos deuses. Sendo certo que não se punha a hipótese absurda de fazerem rolas todos os dias, caso em que voltaríamos à situação enjoativa do fiambre grelhado. Também os padeiros coziam o melhor pão que já comi, estaladiço, bem temperado e a cheirar a pão... Por vezes interrogava-me: será que tivemos sorte com estes “profissionais”, ou serão todos assim? Ou também ajuda a fome que temos?
Uns dias depois, alguém se chega a mim com evidente gozo e diz:
- Aquilo que vocês comeram há dias era uma hiena.
- Como é que sabes? - Perguntei eu, esperançado de que ele não tivesse a certeza.
- Porque um cozinheiro mostrou-me a cabeça e eu reconheci-a.
- O quê?! Eu comi um necrófago?!... - Perguntei, sentindo uma náusea que não percebi se era simulada... - E por que não disseste logo?
- Porque se dissesse tu já não a comias e era uma pena. Não gostaste?
- Tens razão. Se soubesse, não comia. Ou talvez comesse na mesma, mas já não era a mesma coisa.
Fiquei na dúvida se ele não estaria agastado por não ter sido convidado para o banquete.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 8 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15458: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (32): De 25 de Abril a 5 de Maio de 1974
CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74
33 - De 14 a 31 de Maio de 1974
Aos poucos, a euforia motivada pela revolução do 25 de Abril, vai dando lugar à expectativa e a muita incerteza. Era assim em Nhala e não devia ser diferente no resto do TO. E, se por um lado se sentisse que a actividade do inimigo era quase nula, com o correspondente abrandamento da nossa, por outro lado, continuava a fazer-se a protecção às obras da estrada na frente de Buba, protecção às colunas, patrulhamentos e contra penetrações. E seria assim quase até ao fim oficial das hostilidades. Com menos tensão, é certo, mas sem nunca esquecer que estávamos em território de guerra. Guerra em banho-maria, não ainda a paz declarada. Tanto assim era que, infelizmente, alguns não viriam a ter oportunidade de saborear a paz. Para aumentar a nossa incerteza, já muito depois de ambas as partes terem adoptado o cessar-fogo tácito, o PAIGC atacou a tabanca de Madina em 3 de Junho, como se verá mais adiante. Obviamente, tínhamos também sempre presente que o cessar-fogo tácito, só por si, não desactivaria os milhares de minas espalhados pelo território, que só mais tarde seriam alvo de uma acção concertada e generalizada de levantamento. Tarde de mais para o Comandante de uma secção do GEMIL 406 que, juntamente com o GEMIL 405, no dia 7 de Maio patrulhavam as regiões de Bolola e Nhacobá, tendo pisado uma mina antipessoal que obrigou à evacuação para o HM 241 de Bissau. Antes, tinham feito um patrulhamento semelhante no dia 3, nas regiões de Missirá e margem norte do Rio Cumbijã, sem problemas. No dia 8 de Maio forças da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 procederam ao levantamento de 10 minas na região da ponte do Rio Balana e implantaram 8, na sequência de uma permuta de responsabilidades de oficiais especialistas. Haveria mesmo necessidade de manter esse campo de minas? Certamente que sim. Tinham passado apenas quinze dias após a Revolução e tudo estava em aberto. Se revelo estes detalhes é tão só para se perceber o clima que se respirava. No meu Sector, só no dia 14 de Maio os homens do MFA deram sinal, como relata a História da Unidade e da qual transcreverei quase tudo por se tratar de um documento importante para memória.
Da História da Unidade do BCAÇ 4513:
MAI74/14 – Estiveram presentes em A. FORMOSA, Cap. CLEMENTE e Cap. PÁRA PINELA, Oficiais pertencentes ao Movimento das Forças Armadas, que numa reunião com os Oficiais e posteriormente com os Sargentos, esclareceram o programa do Movimento das Forças Armadas.
MAI74/16 – (...). Visitou A. FORMOSA o Encarregado do Governo Ten Cor FABIÃO, acompanhado do Cap. CLEMENTE do MFA.
MAI74/17 – (...). Verificou-se uma diminuição da actividade violenta do IN, correspondida por uma actividade menos intensa das NT, aguardando-se com expectativa as conversações em Londres em 25 de Maio de 1974.
[Da parte da guerrilha surge no Sector o primeiro sinal no dia 23. Percebe-se que é uma abordagem para avaliar o ponto da situação e a nossa disponibilidade para, na prática, terminar a guerra. A verdade é que também o inimigo, como nós, devia estar sujeito a grande ansiedade, devido a esta situação ambígua, de muitas expectativas, mas que não atava nem desatava].
MAI74/23 – (...). Apresentou-se em A. FORMOSA MANGA MANÉ, natural e residente na República da GUINÉ. Este elemento diz ter sido enviado pela Gendarmerie, com a missão de comunicar que:
- Tinham acabado os movimentos de tropa na Rep. GUINÉ.
- Que estavam a levantar todas as minas.
- Pretendiam abrir a fronteira e facilitar o movimento de gilas.
- Saber se do nosso lado também a guerra já acabou e se a população poderá transitar.
[Não sei que resposta foi dada mas, na mesma data, dia 23, o “RESUMO DOS FACTOS E FEITOS / BCAÇ 4513” destacava em maiúsculas:
“F – Em virtude do Movimento do 25 de Abril e após as conversações travadas com o PAIGC, começou em toda a Província a vigorar um cessar-fogo tácito. Neste período da comissão do Batalhão na Guiné, assiste-se a uma campanha interna de politização das populações pelo PAIGC e a perspectiva do regresso das NT à Metrópole. Para o fim do período, acelera-se o processo da descolonização, com regresso das NT e a entrega dos poderes ao PAIGC. É de salientar que todas estas operações se realizam na melhor harmonia e colaboração com o PAIGC”].
MAI74/25 – Apresentou-se em A. FORMOSA BRAIMA BALDÉ, Comissário Político do PAIGC. Nas suas declarações, disse que tinha por missão mostrar às populações que o PAIGC não tencionava exercer qualquer represália sobre as mesmas. [Sublinhado meu].
Neste mesmo dia chegou a A. FORMOSA, o Alf do PAIGC ABDU SAMBU. Declarou que se deslocou a A. FORMOSA por ordem do seu Comandante Major JULINHO BARROS, Capitães HUMBERTO GOMES e VARJOS PIRES, e tinha por incumbência comunicar que o PAIGC está absolutamente proibido de fazer fogo ou responder a tiros contra a tropa ou população Portuguesa. O seu Comandante teria mostrado interesse em qualquer dia visitar A. FORMOSA.
[Depois de um mês de ambiguidade e impasse – que, bem sei, é pouco tempo para quem a nível superior diligencia com os movimentos de libertação mas que, para nós no terreno, é uma eternidade -, depois de um mês de impasse, dizia, eis que começam os acontecimentos a precipitar-se em catadupa. Começa também a guerra das bandeiras e bandeirinhas... E estava dado o mote, ainda que ao princípio quase imperceptível: os militares africanos, as milícias, parte da população e os seus representantes, não viam com a mesma bonomia que nós, esta reviravolta na guerra. Nem podiam ver. Mais natural era que começassem a questionar-se sobre o futuro, adivinhando já o abandono após a debandada da tropa. E de pouco valeram as acções de tranquilização por parte do PAIGC e dos comandos militares portugueses. Como se sabe, o pior estava para vir, confirmando os anseios e receios principalmente dos militares africanos. É um assunto que merece ser tratado à parte. Segue-se a guerra das bandeirinhas...].
MAI74/26 – Foi do conhecimento deste Comando, que os elementos do PAIGC presentes em Aldeia Formosa tinham feito uma reunião com a população sem terem pedido a necessária autorização, e durante a qual distribuíram várias bandeiras do PAIGC.
Chegando também ao conhecimento deste Comando que o Alf ABDU SAMBU, tinha algumas cartas e algumas lembranças para entregar ao Comando Militar, foi feita uma reunião com os referidos elementos, em que foi criticado o procedimento por eles adoptado em relação à reunião com a população. Assim, ficou assente nova reunião com a população desta vez presidida por este Comando para esclarecimento das nossas intenções e nossas atitudes. No fim desta reunião, os “Homens Grandes” dirigiram-se ao Batalhão, manifestando a sua solidariedade para com os Portugueses.
[Julgo não serem necessários comentários para se perceber como, numa sucessão de episódios quase diários, se foi estabelecendo um clima propício a conflitos. A tensão ganhava espessura].
MAI74/28 – Pelas 16h00 forças da CCAÇ 18 dirigiram-se ao Administrador de Posto, exigindo-lhe a entrega da Bandeira do PAIGC que ele tinha aceitado dos elementos que estão presentes em A. FORMOSA, ao que o mesmo anuiu.
Satisfeitos dirigiram-se ao Comando do Batalhão para fazer a entrega da mesma, dizendo que enquanto houvesse Exército Português na Guiné, só haveria uma Bandeira que seria a Portuguesa. [Sublinhados meus].
Entretanto e enquanto se dirigem ao Quartel, encontraram o Régulo IAIA, a quem também exigiram a entrega no Comando do Batalhão de todas as bandeiras do PAIGC que possuía. Ele anuiu e fez a entrega das mesmas neste Comando. Sucedeu entretanto, que os referidos militares, sabendo que a Brigada da Engenharia também possuía uma Bandeira do PAIGC, quiseram forçar o substituto do encarregado do armazém que a possuía a fazer a entrega da mesma. Esta atitude, originou que o pessoal da Brigada resolvesse não trabalhar no dia 29MAI74.
MAI74/29 – Logo de manhã e com a presença do Comandante de Companhia de Engenharia, vindo de BISSAU, foi levada a efeito por este Comando uma reunião entre os representantes da CCAÇ 18 e da Brigada de Estradas. Após esta reunião a Brigada concordou em prosseguir os trabalhos no dia seguinte.
MAI74/30 – Foram retomados os trabalhos de Engenharia que prosseguem normalmente.
- Comandante e 2.º Comandante deslocaram-se a NHALA, BUBA e CUMBIJÃ.
- Of OP/INF deslocou-se a COLIBUIA e CUMBIJÃ.
[Ao longo de todo este mês, à semelhança do antecedente, são recorrentes na HU estes registos das deslocações do Comandante, 2.º Comandante e Oficial de Operações às Unidades e subunidades de todo o Sector. É justo que se refira esse contacto permanente, quase diário, em que nos eram transmitidas informações e directivas, amenizando, de algum modo, a sensação de impasse e incerteza em que se vivia. E faziam-no para além das deslocações a Bissau numa frequência inusitada].
Junto imagem da 1.ª entrada do PAIGC em Nhala, na pessoa de um Comissário Político, provavelmente Braima Baldé que há dias chegara a A. Formosa, mas não estou certo.
Foto 1: Nhala, fins de Maio ou Junho de 1974. Primeira visita de um Comissário Político do PAIGC, vendo-se da esquerda para a direita: elemento do PAIGC que não recordo; o Comissário Político; Alf Mil António Murta e Alf Mil Campos Pereira.
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História marginal (7): A hiena perneta.
Nhala, de madrugada. Dormia profundamente quando senti que me batiam levemente no ombro. Ouvi um sussurro tímido a despertar-me: “meu alferes...” - Virei-me e, no escuro, vi uma silhueta curvada sobre mim ainda a sussurrar:
- Meu alferes... Está ali um animal a comer formigas junto ao arame farpado. Podíamos matá-lo e amanhã tínhamos rancho melhorado...
Era a sentinela do posto mesmo ali ao lado da messe. Ele sabia que eu não resistia a uma caçada, mesmo àquela hora da madrugada.
- Que animal? - Perguntei, a bocejar.
- É assim como um cão, mas maior, não dá para ver bem.
Sentei-me na cama ainda zonzo e só então me apercebi do som forte do peso da água a bater no solo lá fora. Parecia que estava sentado junto a uma catarata. Vesti-me e peguei na G-3, ainda a pensar que era preciso ser muito doido para sair numa noite daquelas. Chovia tão copiosamente que a água nos tapava as distâncias, caindo em cordões grossos e verticais, sem uma aragem. A noite estava amena de temperatura. No alpendre o soldado apontou-me a luz do projector junto ao arame farpado do lado da fonte. Metemo-nos à chuva em direcção à luz e, a cerca de vinte metros, acautelámos os passos na aproximação. Só então vi o costado do animal, meio oculto devido à altura do capim e por ter a cabeça mergulhada na base do poste. No ar, à volta da luz, centenas de formigas voadoras redopiavam freneticamente, num ritual nupcial que já não nos era estranho. Sob o peso da chuva, caíam na vertical, como riscos de luz direitos à cabeça do animal, muitas já sem asas e outras que as largariam no solo. E estavam constantemente a chegar mais, atraídas pela luz. E sempre a cair mais.
Aproximámo-nos mais um pouco já sem grandes cautelas, pois o barulho da chuva, tudo abafava, mesmo as nossas vozes. Levei a arma à cara e apontei àquele alvo fácil mas, quando já premia o gatilho, tive um rebate de consciência e suspendi o gesto. Perguntei ao soldado se gostaria de ser ele a dar o tiro.
- Eu gostava... - Retorquiu-me ele, no tom de quem, por instantes, perdera a esperança daquela oportunidade. Caramba! Como é que posso ser tão egoísta, pensei.
- Força! - Disse-lhe, entusiasmado com a minha atitude de última hora.
Soou o tiro e, no mesmíssimo instante, vimos, como uma mola, uma silhueta raiada de vermelho descrever um arco longo para a direita e enterrar-se no capim lá no escuro. Demos uma corrida para o cavalo de frisa ali perto e, já do outro lado do arame farpado, avançámos de arma em riste na direcção da luz, com muitas precauções para evitar surpresas. Batida a zona onde supúnhamos estar o animal, com o capim a dar-nos quase pela cintura e a dificultar-nos a tarefa, chegámos ao poste da luz sem nada ter encontrado. Na base do poste o solo estava tapado de formigas que fervilhavam na ânsia do provável acasalamento promíscuo. Mesmo ao lado, salpicos de sangue no capim. Disse ao soldado: “Rápido! Vamos seguir as marcas de sangue enquanto a chuva não apaga tudo”. Avançámos em zig-zag, quase já sem pistas, até que, por fim, lá vimos o animal denunciado pelo capim abatido. Olhei para a luz atrás de nós e percebi, com surpresa, que estávamos a cerca de seis metros. Como à volta o capim estava intacto, tivemos de concluir que toda aquela distância fora feita de um salto apenas.
Assim de relance, não percebemos que bicho era. Simplesmente, não o reconhecemos. Mas não podíamos perder muito tempo com alvitres porque não tardava era dia. E tínhamos que tirar aquelas desconfortáveis roupas molhadas. Antes de agarrarmos o animal pelas patas dianteiras, dei-lhe um pontapé para me certificar de que não oferecia perigo. Mas foi ao arrastá-lo pelo capim que reparámos que tinha uma das patas traseiras decepadas abaixo da coxa. Era perneta. Ou fora numa armadilha, ou fora vítima de outro predador. Porque há sempre um predador mais forte...
Na manhã seguinte o animal foi entregue aos cozinheiros para ser preparado para o jantar, sem que alguém conseguisse dizer de que se tratava. Não era parecido com nada do que já tínhamos visto. E comido. Hoje admiro-me com tanta ignorância. Como era possível?
À hora aprazada, já entardecia, e toda a rapaziada do grupo se dispunha na longa mesa que havia no alpendre por trás da caserna, assistindo à chegada do grande tabuleiro fumegante. O pão magnífico e ainda quente já estava na mesa, bem como as caixas de cerveja fresquinha que mandara comprar à cantina. Todos estavam muito alegres e ansiosos. E mais ainda a equipa de voluntários que se encarregou de toda a logística. Não era caso para menos, pois os momentos como este eram raríssimos e, embora não se passasse fome, já ninguém suportava as salsichas e o fiambre feito de todas as maneiras incluindo grelhado como bife, receita herdada da anterior Companhia de Nhala, que ao princípio se revelara um pitéu, mas que ao longo do tempo se tornou execrável. Também os caçadores nativos pareciam estar combinados com o nosso infortúnio, passando-se meses sem aparecerem com nada. Mas, por mais de uma vez, aconteceu aparecer um com uma vaca e logo outro com um búfalo e outro ainda com mais não sei o quê... Mas isto nunca resultava em grande fartura, porque assim que se esgotava a capacidade das arcas frigoríficas a petróleo, parte da caça tinha de ser recusada.
Foi um festim, o nosso jantar. E quando já nada restava do manjar delicioso, ainda continuámos a molhar pão no molho dourado e picante do tabuleiro, acompanhando com cerveja e muita animação. Os saberes dos cozinheiros surpreendiam-nos e deliciavam-nos. Se ao longo dos meses o rancho nos enfastiava diariamente, só podia ser porque os ingredientes eram dos piores, porque os cozinheiros eram dos melhores. Honra lhes seja feita, e não perco a oportunidade de lhes fazer este elogio: qualquer que fosse a peça de caça que se lhes apresentasse, mesmo tão só uma galinha-do-mato ou meia dúzia de rolas, o resultado era sempre um manjar dos deuses. Sendo certo que não se punha a hipótese absurda de fazerem rolas todos os dias, caso em que voltaríamos à situação enjoativa do fiambre grelhado. Também os padeiros coziam o melhor pão que já comi, estaladiço, bem temperado e a cheirar a pão... Por vezes interrogava-me: será que tivemos sorte com estes “profissionais”, ou serão todos assim? Ou também ajuda a fome que temos?
Uns dias depois, alguém se chega a mim com evidente gozo e diz:
- Aquilo que vocês comeram há dias era uma hiena.
- Como é que sabes? - Perguntei eu, esperançado de que ele não tivesse a certeza.
- Porque um cozinheiro mostrou-me a cabeça e eu reconheci-a.
- O quê?! Eu comi um necrófago?!... - Perguntei, sentindo uma náusea que não percebi se era simulada... - E por que não disseste logo?
- Porque se dissesse tu já não a comias e era uma pena. Não gostaste?
- Tens razão. Se soubesse, não comia. Ou talvez comesse na mesma, mas já não era a mesma coisa.
Fiquei na dúvida se ele não estaria agastado por não ter sido convidado para o banquete.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 8 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15458: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (32): De 25 de Abril a 5 de Maio de 1974
Guiné 63/74 - P15581: Agenda cultural (451): Junta de freguesia de Vila Franca de Xira, dias 13 e 20 deste mês, às 21h30, exibição dos filmes "O mal amado" e "Acto dos Feitos da Guiné", respetivamente, de Fernando Matos Silva (que foi fotocine na Guiné em 1969 e em Angola, 1970)
O Mal-Amado (1973) é um filme português, com realização de Fernando Matos Silva, e produção do Centro Português de Cinema, cooperativa que agrupava então uma boa parte dos jovens cineastas do "Novo Cinema". A obra foi proibido na época, e o seu negativo apreendido. O filme só foi estreado em 3 de maio de 1974. A preto e branco, em 35 mm, tem a duração de 97 minutos. Argumento e diálogos: Álvaro Guerra, J. Matos Silva e F. Matos Silva.
O filme é protagonizado por grandes senhores do teatro português, aliás um senhor, João Mota, ator e encenador (que esteve na guerra colonial três anos, em Angola, nos Dembos de 1966 a 1968, como fur mil) e uma senhora, Maria do Céu Guerra...
E o filme tem, como pano de fundo, justamente a guerra colonial e as dilacerações provocadas pela guerra na sociedade portuguesa: Com 25 anos, João, o "mal amado", decide abandonar os estudos, pouco antes de ir para a tropa. O pai, Soares, é um funcionário público zeloso, que sabe mexer os seus cordelinhos no Portugal de então, arranjando ao filho um emprego temporário. Vai trabalhar num escritório, rodeado de mulheres. A chefe Inês, percebendo que o João se move num círculo de poder, vais transferir para ele uma paixão frustrada pelo irmão, morto na guerra colonial. Apesar do estatuto social e da sofisticação de Inês, o João tem olhos é para Leonor, uma colega, uma mulher de perfil mais tradicionalista, com quem começa a namorar. Num acesso de ciúme, Inês acaba por matar João com um tiro de pistola. O filme está classificado como "drama social". Ver aqui o genérico.
O documentário "Acto dos Feitos da Guiné" É parte de material filmado na Guiné em 1969 e 1970 para um retrato da relação histórica da colonização portuguesa com a compreensão de África. O filme de Fernando Matos Silva tem marcas autobiográficas e conjuga imagens documentais – imagens de guerra, cruas e extremas, a preto e branco – e de ficção – sequências a cor que encenam um “Acto” onde os “feitos” são contados por personagens que representam diretamente voltadas para a câmara. (*)
1. A pedido da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo, com sede em Vila Franca de Xira, junto divulgamos este evento cultural à volta do cinema como arte, com a marca de dois homens que passaram pelo TO da Guiné, o realizador (e antigo "fotocine), alentejano, Fernando Matos Silva, e o escritor, vilafranquense, Álvaro Guerra (Vila Franca de Xira, 1936 - Vila Franca de Xira, 2002):
Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira, às 21h30:
(*) Vd. último poste da série > 4 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15574: Agenda cultural (450): "Acto dos Feitos da Guiné", filme de Fernando Matos Silva (Portugal, 1980, 85 min): exibição na Cinemateca, Lisboa, 3ª feira, dia 5, às 18h30. Sessão apresentada por Catarina Laranjeiro, seguida de debate com o autor (que foi realizador militar, Guiné, 1969, e Angola, 1970)
Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira, às 21h30:
13/1/2015 - Exibição do filme de ficção "O Mal Amado" (Portugal, 1973, 97 min) (argumento e diálogos: Álvaro Guerra, J, Matos Silva e F. Matos Silva)
20/1/2015 - Exibição do documentário "Acto dos Feitos da Guiné" (Portugal, 1988, 85 min) (argumento: Margarida Gouveia Fernandes e Fernando Matos Silva)
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Nota do editor:
Guiné 63/74 - P15580: Memórias de Gabú (José Saúde) (59): Memórias que o tempo jamais ousará apagar
1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Memórias que o tempo jamais ousará apagar
Recordando
Sou melancólico, confesso! Aliás, seremos eternos antigos combatentes cujas imagens jamais se diluirão num cosmos de todo extensíssimo e onde as memórias se cruzam com um tempo de guerra em território guineense.
Dessas imagens que teimam em trazermos à liça, surgem pequenos relatos que todos porventura conhecemos numa Guiné que marcou uma passagem da nossa juventude.
Enviados para as frentes de combate, o militar deparou-se com inevitáveis reproduções que ainda hoje teimam em fazer parte do seu puzzle onde a guerra se apresentou então como inevitável, não obstante o cunho da obrigatoriedade imposta a um jovem que sonhava com uma vida quiçá bélica.
Quem não se lembra daquelas crianças que transportavam os seus irmãos às costas e já com uma perfeita arte originária da sua tribo? Um pedaço de pano atado ao corpo e o pequenito, ou pequenita, lé seguia viagem num berço que ditava um inevitável conforto.
Ou dos célebres Unimog utilizados para diversas situações para que eram chamados? Recordando esses velhos tempos as lembranças teimam em permanecer intactas em egos que não se apagarão das nossas vidas como antigos combatentes de uma Guiné que marcará o nosso passado.
A foto que reproduzo é comum, julgo, a todos os camaradas que conheceram essa inquestionável verdade. Eu, antigo ranger, mas um tropa igual a tantos outros camaradas que ao meu lado palmilharam caminhos ínvios, alguns complicados, utilizo um momento de puro lazer para debitar uma pequena conversa com uma criança que na altura ter-me-á solicitado um pequeno pedido, admito.
Sendo eu uma pessoa onde o mundo das crianças sempre me cativou, aqueles ingénuos seres de uma Guiné em guerra transmitiam-me esperanças num futuro melhor para um território cujo cenário era de facto turbulento.
Aguardar por um amanhã substancialmente melhor onde o sublime horizonte parecia ditar cenários indubitavelmente aceitáveis, ou seja, o fim da guerra para que essas crianças vivessem num universo de liberdade e onde o barulho do clamor das armas se calasse de vez, era, creio, o objetivo imediato.
O Unimog, essa velha máquina utilizada amiúde para transportar tropas que viviam debaixo de um clima que não dava tréguas, era um veículo versátil nos seus diversos estilos num terreno porventura adverso.
O ronco da imagem é tão-só uma pequena lembrança que teima em fazer parte integrante do meu baú como antigo combatente de uma Guiné onde a foto nos encaminha para reviver camaradas que jamais tive a oportunidade em contactar.
Aquela manhã ter-se-á tratado de uma visita à tabanca para uma compra, admito, de uma possível galinha, ou galinhas, ou de leitões que mais tarde fariam parte de uma refeição na messe de sargentos.
O guineense, homem que fará também parte das minhas memórias de Gabu e que “confortavelmente” se sentava no banco em madeira da “velha máquina” de guerra, é perfeitamente lógico que a minha recordação registe, apenas, a sua imagem.
Recordando nacos de uma comissão militar que me enviou para a guerra colonial, sendo o meu destino, tal como o teu camarada, o solo da Guiné.
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
24 DE DEZEMBRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P15535: Memórias de Gabú (José Saúde) (58): Noite de consoada em Gabu
Guiné 63/74 - P15579: Parabéns a você (1012): João Meneses, ex-2.º Tenente FZE do DFE 21 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex- Fur Mil Art do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489 (Guiné, 1963/65)
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Nota do editor
Último poste da série de 2 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15565: Parabéns a você (1011): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)
segunda-feira, 4 de janeiro de 2016
Guiné 63/74 - P15578: Recortes de imprensa (78): Vicente Batalha, de alf mil cav, CCAV 1483 (CTIG, 1965/67) a cap mil, cmdt do Departamento de Fotografia e Cinema )DFC) nº 3011 (Angola, 1972/74)
Vicente Batalha, foto de "O Mirante" (2010) (com a devida vénia) |
Julgo, de resto, que não temos nenhum "foto-cine", ou "operador de fotocine", entre os membros da nossa Tabanca Grande. E são escassas, na Net, as referências a estes camaradas que também andaram nas guerras de África...
Depois da Guiné, o Vicente Batalha continuou na tropa e, como tenente a trabalhar nos serviços mecanográfticos do exército, é chamado a fazer o curso de capitães milicianos. A frequência do Curso de Foto-Cine, nos Serviços Cartográficos do Exército, dá-lhe a possibilidade de ir comandar o Destacamento de Fotografia e Cinema 3011, na Região Militar de Angola.
Destaca, entre os seus instrutores, os nomes de Jorge Botelho Moniz, Lauro António e Fernando Matos Silva (este último o realizador de "Acto dos Feitos da Guiné", 1980).
Em Angola, diz que comandou um "excelente grupo, com grandes profissionais de fotografia, cinema [e] rádio" que desenvolveu "um notável trabalho de reportagens". Além disso, "tinha furriéis colocados no mato, e todos os meses visitava unidades e levava cinema, percorrendo grande parte de Angola".
A minha dúvida é a de saber se os destacamentos de foto-cine se limitaram a levar cinema aos quartéis do mato e a produzir programas de rádio ou a gravar as famosas mensagens de Natal e Ano Novo... ou se também "fizeram cinema" (atualidades de guerra, documentários, etc.), para além da "cobertura" de acontecimentos protocolares e propagandísticos... E, se sim, por onde para hoje esse material... que ninguém lhe põe a vista em cima, à parte os (poucos) documentários produzidos pela RTP no longo período em que decorreu a guerra colonial (1961-75) ?
Em 2014, e a propósito dos 40 anos do 25 de Abril, o semanário regional "Correio do Ribatejo" (, fundado em 1891, e com sede em Santarém,) ouviu o "testemunho geracional" do ribatejano Vicente Batalha. Desses quatro artigos, retirámos alguns excertos, com a devida vénia. (LG).
(…) Arrancado aos bancos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a 11 de setembro de 1964, assentei praça, na Escola Prática de Cavalaria de Santarém (EPC), como cadete, para frequentar a instrução básica do Curso de Oficiais Milicianos (COM).
A 17 de dezembro, jurei bandeira, e continuei na EPC, para a instrução especial, de atirador de cavalaria. Em abril de 1965, fui promovido a aspirante-a-oficial miliciano, e mandado apresentar, no Centro de Instrução de Operações Especiais de Lamego (CIOE), onde fui selecionado, para a frequência Curso de Operações Especiais, vulgo, “Ranger”.
Findo o curso, fui mandado apresentar, no Regimento de Cavalaria nº 7, na Calçada da Ajuda, em Lisboa. Ia fazer parte da Companhia de Cavalaria 1483 (CCAV), mobilizada para o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG). Comandante, capitão José Olímpio Caiado da Costa Gomes, e os quatro alferes eram o retrato do país em guerra: 1º Pelotão, Azevedo, do Porto, 2º, Batalha, de Pernes-Santarém, 3º, Diogo, de Tavira, e 4º, Garcia, da Serra da Estrela; e, os, 1º Sargento, Dias Jorge, e 2ºs Sargentos, Tibério e Arvana. Com a CCAV 1483, iam para a Guiné mais três companhias: comandadas por, CCAV 1482, Capitão Alves Ribeiro, CCAV 1484, Capitão Pessoa de Amorim, e CCAV 1485, Capitão Lemos Alves.
Fizemos a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, no RI 13 de Vila Real, e, a 19 de outubro, desfilamos, até à estação da cidade, e partimos de comboio, via Porto, para Lisboa, tendo feito a viagem durante a noite. A 20 de outubro de 1965, perante uma multidão, choros e gritos, amigos que me chamavam, daqui e dali, que quiseram estar na despedida, ao som de marchas militares, com “Angola é nossa” a martelar os ouvidos, desfilamos. Aguentei, comovido, sem uma lágrima. Submersos num mar de lenços e adeuses, embarcamos, no “Niassa”, do Cais da Fundição, Santa Apolónia, rumo à Guiné. (…)
Findo o curso, fui mandado apresentar, no Regimento de Cavalaria nº 7, na Calçada da Ajuda, em Lisboa. Ia fazer parte da Companhia de Cavalaria 1483 (CCAV), mobilizada para o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG). Comandante, capitão José Olímpio Caiado da Costa Gomes, e os quatro alferes eram o retrato do país em guerra: 1º Pelotão, Azevedo, do Porto, 2º, Batalha, de Pernes-Santarém, 3º, Diogo, de Tavira, e 4º, Garcia, da Serra da Estrela; e, os, 1º Sargento, Dias Jorge, e 2ºs Sargentos, Tibério e Arvana. Com a CCAV 1483, iam para a Guiné mais três companhias: comandadas por, CCAV 1482, Capitão Alves Ribeiro, CCAV 1484, Capitão Pessoa de Amorim, e CCAV 1485, Capitão Lemos Alves.
Fizemos a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, no RI 13 de Vila Real, e, a 19 de outubro, desfilamos, até à estação da cidade, e partimos de comboio, via Porto, para Lisboa, tendo feito a viagem durante a noite. A 20 de outubro de 1965, perante uma multidão, choros e gritos, amigos que me chamavam, daqui e dali, que quiseram estar na despedida, ao som de marchas militares, com “Angola é nossa” a martelar os ouvidos, desfilamos. Aguentei, comovido, sem uma lágrima. Submersos num mar de lenços e adeuses, embarcamos, no “Niassa”, do Cais da Fundição, Santa Apolónia, rumo à Guiné. (…)
(…) Cinco dias depois, a 26 de outubro 1965, estávamos a atracar, no cais de Bissau, em ebulição. As viaturas militares esperavam no cais. Foi em breves minutos, que desembarcamos com as nossas bagagens, saltamos para as viaturas, e lá fomos, com rumo desconhecido… por entre a pequena cidade de Bissau, que olhamos de soslaio, chegamos à jangada (a jangada de João Landim, que está sempre avariada, como diz o “cancioneiro da malta”), que nos levou à outra margem, e continuamos até Bula, a sede do Batalhão de Cavalaria 790, sob o comando do tenente-coronel Henrique Calado, ilustre cavaleiro hípico, dono do célebre “Caramulo”, que nos representou nos Jogos Olímpicos de Tóquio, 1964. Entre escassas palavras, trocávamos olhares, tristes e surpreendidos, perdidos naquele mundo estranho…
Em fase de adaptação, ainda, a 9 de novembro [de 1965], o aquartelamento foi alvo de flagelação, e, na noite seguinte, véspera de S. Martinho, perante informações seguras de novo ataque, recebi a missão de ir montar uma emboscada, para impedir, que o inimigo voltasse a atacar… às tantas, montado o dispositivo, o tiroteio infernal iniciou-se, vindo de todos os lados… foi esse o nosso baptismo de fogo. Regressado ao quartel, recebi ordens, para voltar a sair, para ir buscar o 2º comandante, major Laranjeira, que estava na povoação, que distava algumas centenas de metros do quartel, por entre novo tiroteio, a fechar aquela noite de todos perigos, uma entre tantas, que se iam suceder…
O dispositivo tinha uma companhia, em Có, e Pelundo, outra, em Teixeira Pinto e Cacheu; e do outro lado, a terceira, em Ingoré e Ingorezinho. O meu irmão, tinha embarcado, em rendição individual, a 10 de Janeiro, para a Guiné, onde passamos juntos o Natal de 1965, o primeiro Natal, em pleno teatro de operações. É difícil explicar a saudade, que vivemos nesse Natal, a ler os inúmeros cartões, cartas, a desembrulhar as prendas, que nos chegaram, foi tocante… os meus pais, sobretudo, o meu pai, nunca recuperaram das aflições, desassossego e tristeza, por ter dois filhos num complexo cenário de guerra.
Regressamos, com vida e saúde, mas a amargura de meus pais é uma fatura, que nunca lhes foi paga. Dado o agravamento da situação de guerra, no setor Oeste, e após ter passado três meses, como companhia operacional do BCAV 790, a nossa unidade foi colocada em quadrícula, em São Domingos, terra de felupes e baiotes, mais a norte, a 3 quilómetros da fronteira com o Senegal, com o 3º pelotão, em Susana, e o 4º pelotão, em Varela.
O dispositivo tinha uma companhia, em Có, e Pelundo, outra, em Teixeira Pinto e Cacheu; e do outro lado, a terceira, em Ingoré e Ingorezinho. O meu irmão, tinha embarcado, em rendição individual, a 10 de Janeiro, para a Guiné, onde passamos juntos o Natal de 1965, o primeiro Natal, em pleno teatro de operações. É difícil explicar a saudade, que vivemos nesse Natal, a ler os inúmeros cartões, cartas, a desembrulhar as prendas, que nos chegaram, foi tocante… os meus pais, sobretudo, o meu pai, nunca recuperaram das aflições, desassossego e tristeza, por ter dois filhos num complexo cenário de guerra.
Regressamos, com vida e saúde, mas a amargura de meus pais é uma fatura, que nunca lhes foi paga. Dado o agravamento da situação de guerra, no setor Oeste, e após ter passado três meses, como companhia operacional do BCAV 790, a nossa unidade foi colocada em quadrícula, em São Domingos, terra de felupes e baiotes, mais a norte, a 3 quilómetros da fronteira com o Senegal, com o 3º pelotão, em Susana, e o 4º pelotão, em Varela.
O ano 1966, foi de guerra intensa: a 14 de fevereiro, sofremos o maior ataque ao aquartelamento, da uma às cinco da manhã, onde foram usados pela 1ª vez canhões sem recuo, gerou-se o pânico; a 4 de dezembro, sofremos a primeira mina, na estrada para Nhambalã. Isolados, com pontões queimados, de um lado, no acesso a Susana, e, do outro, no acesso a Poilão de Leão e Ingoré, o cerco fechava-se e remetia-nos cada vez para o interior do arame farpado. Os ataques sucediam-se, e o setor Oeste foi desdobrado em 1 e 2, pelo que, para São Domingos, foi deslocado o Batalhão de Caçadores 1894, comandado pelo tenente-coronel Fausto Laginha Ramos, e a CCAV 1483 voltou a ser companhia operacional. (…)
O meu irmão regressou, em abril, eu regressei, em agosto de 1967. (…)
O meu irmão regressou, em abril, eu regressei, em agosto de 1967. (…)
(…) Surgiu [, entretanto,] o convite, para continuar na tropa, num serviço, que permitia conciliar estudo e trabalho, e aceitei. Fui colocado nos Serviços Mecanográficos do Exército, onde, como tenente, num ambiente descontraído, com a presença de senhoras, os militares trajavam à civil, no horário, 13h30-19h00. Ao meu cargo, as especialidades, que vinham do Centro de Estudos Psicotécnicos do Exército, e as consequentes mobilizações do contingente geral. O Largo da Graça, de que gostava muito, passou a fazer parte da minha nova rotina.
Em 1971, fui chamado para o Curso de Capitães, na EPI, em Mafra, com um escol de gente das mais variadas profissões, chefes de família, regressados à tropa, a par dos chamados capitães-proveta… apesar da condenação da guerra, muitas críticas, e incomodidades, foi um curso diferente, familiar, com grande formação política, criei amigos para toda a vida.
Estágio no CIOE, o regresso a Lamego. Como 2º classificado do curso, podia escolher, e decidi frequentar o Curso de Foto-Cine, nos Serviços Cartográficos do Exército, para ir comandar o Destacamento de Fotografia e Cinema da Região Militar de Angola.
Tive instrutores essenciais, Jorge Botelho Moniz, Lauro António, Fernando Matos Silva.
No Regimento de Transmissões, formei o DFC 3011, excelente grupo, com grandes profissionais de fotografia, cinema, rádio (o meu abraço, Sansão Coelho), desenvolvemos um notável trabalho de reportagens.
Capitão mil, cmdt do Destacamento de Fotagrafia e Cinema 3011,
na Região Militar de Angola (1972-74)
na Região Militar de Angola (1972-74)
A 9 de janeiro de 1972, embarquei para Angola, no paquete, “Vera Cruz”, a sua última viagem como transporte de tropas. A, 16 de janeiro, desembarquei em Luanda (no cais, os meus compadres e família), e, no dia seguinte, assumi o comando do Destacamento [de Foto Cine 3011], instalado numa aprazível vivenda, entre o Comando da Região Militar, de que dependia administrativamente, e o Comando-Chefe das Forças Armadas, sediado na Fortaleza, de que dependia operacionalmente, a meio caminho, ficava o Palácio do Governo-Geral de Angola.
Capa da revista Fotocine [Angola, 1973-74]... Cortesia da Hemeroteca da Biblioteca do Exército |
Adorei a cidade, a vida agitada da cidade, com uma vida cultural em ascensão. Convivia com toda a estrutura militar, e seus comandos, espalhados pelo vasto território. O mal-estar era evidente, trocavam-se opiniões, discutia-se a situação política, e, aqui e ali, caíam notícias, sobre o alastrar dos protestos e movimentações. Tinha furriéis colocados no mato, e todos os meses visitava unidades e levava cinema, percorrendo grande parte de Angola.
As minhas funções giravam entre a área cultural e a comunicação social, pois no DFC dirigia um programa, “A Hora do Soldado”, emitido todos os dias, das 11 às 12 horas e das 24 às 01 horas, a partir da Emissora Oficial de Angola. O director da Emissora proibiu a Norberto de Castro um programa sobre o pacifista Bertrand Russel, pedi-lhe a bobina e transmitia-a em “A Hora do Soldado”, o que criou uma situação delicada…mas, já não havia força para me punir. (…)
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Fonte: Excertos, com a devida vénia ao autor, Vicente Batalha, e ao semanário "Correio do Ribatejo":
Vicente Batalha – Testemunho geracional (1962-1965), nos 40 anos do 25 de Abril. [Em linha] Correio do Ribatejo. 11 de abril de 2014. [Consult em 4/1/2016]. Disponível em
http://correiodoribatejo.com/opiniao-vicente-batalha-testemunho-geracional-1962-1965-nos-40-anos-
do-25-de-abril/
http://correiodoribatejo.com/opiniao-vicente-batalha-testemunho-geracional-1965-1974-nos-40-anos-do-25-de-abril/
Vicente Batalha – Testemunho Geracional (1974-1975), nos 40 Anos do 25 de Abril. [Em linha]. Correio do Ribatejo, 25 de abril de 2014. [Consult em 4/1/2016]. Disponível em
http://correiodoribatejo.com/opiniao-vicente-batalha-testemunho-geracional-1974-1975-nos-40-anos-do-25-de-abril/
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Nota do editor:
Último poste da série > 13 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15361: Recortes de imprensa (77): Recensão ao livro "Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores Durante a I República", da autoria do Professor Carlos Cordeiro, por Santos Narciso, incluída em Leituras do Atlântico, no Jornal Atlântico Expresso
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Nota do editor:
Último poste da série > 13 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15361: Recortes de imprensa (77): Recensão ao livro "Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores Durante a I República", da autoria do Professor Carlos Cordeiro, por Santos Narciso, incluída em Leituras do Atlântico, no Jornal Atlântico Expresso
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Guiné 63/74 - P15577: Blogpoesia (432): O Meu Agradecimento, poema de Francisco Santos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 557
1. Por intermédio do nosso camarada José Colaço (ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), chegou até nós, no dia 29 de Dezembro passado, um poema de agradecimento do outro nosso camarada Francisco Santos, ex-1.º Cabo TRMS, também da CCAÇ 557, a propósito do seu aniversário ocorrido no passado dia 15 de Dezembro.
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15571: Blogpoesia (431): Como se... (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15571: Blogpoesia (431): Como se... (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728)
Guiné 63/74 - P15576: Notas de leitura (793): "Testemunhos de Guerra, Angola, Guiné e Moçambique, 1961-1974", publicação que acompanhou uma exposição que se realizou no Museu Militar do Porto entre Abril de 2000 e Março de 2001 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2015:
Queridos amigos,
Temos os muitos livros, artigos em jornais e outras publicações, as conferências, as sessões solenes, os debates evocativos.
Com esta extensão e detalhe, não conhecia uma exposição tão abrangente das três frentes na nossa guerra. O Eduardo Magalhães Ribeiro forneceu material alusivo sobre a Guiné, entre outros. Já lá vão quase 15 anos, os estudos evoluíram muito e é questão para perguntar se essas exposições não deviam continuar, pensadas sobretudo na população geral que vive arredada de um conflito de que não se fala em casa e de que não se tem eco na comunicação social, com honrosas exceções.
Um abraço do
Mário
Testemunhos de Guerra, Angola, Guiné e Moçambique, 1961-1974
Beja Santos
“Testemunhos de Guerra” foi o título da publicação que acompanhou uma exposição que se realizou no Museu Militar do Porto entre Abril de 2000 e Março de 2001. A publicação continua à venda no Museu e custa 20 euros. Inclui: tábua cronológica com os momentos mais marcantes dos treze anos da guerra, questionamento do Colonial e do Ultramar e das atividades do respetivo ministério; apresenta diferentes protagonistas, como Kaúlza de Arriga, Marcello Caetano, Costa Gomes, Adriano Moreira, Bethencourt Rodrigues, Oliveira Salazar e António de Spínola; o Coronel David Martelo escreve sobre os antecedentes da guerra colonial, seguem-se imagens das três colónias onde houve conflito; destaca-se o massacre de 15 de Março, em Angola; o Coronel José Santa Clara Gomes apresenta as nossas tropas e os nossos meios, reproduzem-se os guiões das unidades; seguem-se testemunhos sobre a vida em aquartelamento, reproduzem-se imagens de Fulacunda; apresentam-se os movimentos de libertação e os líderes, temos um conjunto avultado de imagens com os seus equipamentos e dispositivos.
O Coronel Arnaldo Costeira escreve a anteceder o capítulo dedicado aos combates um texto sobre o exército português e o seu comportamento na guerra, reproduzem-se alguns parágrafos:
“Talvez se escamoteie sistematicamente a verdade sobre a responsabilidade dessa intervenção e se atribuam culpas a quem as não tem, de facto. E o que é ainda mais grave é que se esqueçam as centenas de milhares de homens que, no cumprimento constitucional do dever, marcharam para a frente onde viveram sacrifícios inauditos, privilegiando-se a heroicidade de escassas centenas de cidadãos que fugiram aos seus deveres, entre as quais se contavam sem dúvida alguns resistentes políticos, e que mais tarde se misturariam com os verdadeiros resistentes.
Nenhum país até então conseguira quaisquer resultados numa guerra subversiva. Nem franceses nem norte-americanos deixaram de ser derrotados na Indochina, com potencial de combate poderosíssimo, embora com forças apoiadas por países importantes como eram a União Soviética e a China. Portugal, num território vastíssimo, com meios limitados pelo bloqueio dos países amigos, superou as dificuldades pela grandeza dos seus homens, pela dedicação e espírito de sacrifício que o português sempre patenteou em toda a sua história.
Foram anos de sofrimento e luta sem quartel. Os militares do Exército estabeleceram uma quadrícula invejável, erguendo desde os alicerces as parcas estruturas onde viveriam durante meses que pareciam não ter mais fim. Viveram como toupeiras durante meses a fio, uns após outros, passando meses sem conta, nos primeiros aos de guerra, apenas com o petromax aguardando que o escuro das noites os não surpreendessem. Passaram sede e contactaram com esse tipo de alimentação desidratada que deveria fazer inveja aos milhões que nem sequer sabem que isso existe porque morrem de fome diariamente”.
Temos depois uma sucessão de imagens com viaturas em progressão em bolanhas, em picadas, colunas de jipes, reações em emboscadas, levantamento de minas, imagem de armas. As tropas especiais mereceram destaque nesta exposição: rangers, fuzileiros e paraquedistas.
Igualmente se destacam as condecorações, as cerimónias de homenagem aos mortos, telegramas a informar a família da morte de militares, a criação da ADFA e a lista daqueles que tombaram pela pátria.
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Nota do editor
Último poste da série de 30 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15554: Notas de leitura (792): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): reprodução do capítulo 7 com a descrição da viagem de seis meses, aos 17 anos, em 1955, aos bancos de pesca do bacalhau: III (e última) parte
Queridos amigos,
Temos os muitos livros, artigos em jornais e outras publicações, as conferências, as sessões solenes, os debates evocativos.
Com esta extensão e detalhe, não conhecia uma exposição tão abrangente das três frentes na nossa guerra. O Eduardo Magalhães Ribeiro forneceu material alusivo sobre a Guiné, entre outros. Já lá vão quase 15 anos, os estudos evoluíram muito e é questão para perguntar se essas exposições não deviam continuar, pensadas sobretudo na população geral que vive arredada de um conflito de que não se fala em casa e de que não se tem eco na comunicação social, com honrosas exceções.
Um abraço do
Mário
Testemunhos de Guerra, Angola, Guiné e Moçambique, 1961-1974
Beja Santos
“Testemunhos de Guerra” foi o título da publicação que acompanhou uma exposição que se realizou no Museu Militar do Porto entre Abril de 2000 e Março de 2001. A publicação continua à venda no Museu e custa 20 euros. Inclui: tábua cronológica com os momentos mais marcantes dos treze anos da guerra, questionamento do Colonial e do Ultramar e das atividades do respetivo ministério; apresenta diferentes protagonistas, como Kaúlza de Arriga, Marcello Caetano, Costa Gomes, Adriano Moreira, Bethencourt Rodrigues, Oliveira Salazar e António de Spínola; o Coronel David Martelo escreve sobre os antecedentes da guerra colonial, seguem-se imagens das três colónias onde houve conflito; destaca-se o massacre de 15 de Março, em Angola; o Coronel José Santa Clara Gomes apresenta as nossas tropas e os nossos meios, reproduzem-se os guiões das unidades; seguem-se testemunhos sobre a vida em aquartelamento, reproduzem-se imagens de Fulacunda; apresentam-se os movimentos de libertação e os líderes, temos um conjunto avultado de imagens com os seus equipamentos e dispositivos.
O Coronel Arnaldo Costeira escreve a anteceder o capítulo dedicado aos combates um texto sobre o exército português e o seu comportamento na guerra, reproduzem-se alguns parágrafos:
“Talvez se escamoteie sistematicamente a verdade sobre a responsabilidade dessa intervenção e se atribuam culpas a quem as não tem, de facto. E o que é ainda mais grave é que se esqueçam as centenas de milhares de homens que, no cumprimento constitucional do dever, marcharam para a frente onde viveram sacrifícios inauditos, privilegiando-se a heroicidade de escassas centenas de cidadãos que fugiram aos seus deveres, entre as quais se contavam sem dúvida alguns resistentes políticos, e que mais tarde se misturariam com os verdadeiros resistentes.
Nenhum país até então conseguira quaisquer resultados numa guerra subversiva. Nem franceses nem norte-americanos deixaram de ser derrotados na Indochina, com potencial de combate poderosíssimo, embora com forças apoiadas por países importantes como eram a União Soviética e a China. Portugal, num território vastíssimo, com meios limitados pelo bloqueio dos países amigos, superou as dificuldades pela grandeza dos seus homens, pela dedicação e espírito de sacrifício que o português sempre patenteou em toda a sua história.
Foram anos de sofrimento e luta sem quartel. Os militares do Exército estabeleceram uma quadrícula invejável, erguendo desde os alicerces as parcas estruturas onde viveriam durante meses que pareciam não ter mais fim. Viveram como toupeiras durante meses a fio, uns após outros, passando meses sem conta, nos primeiros aos de guerra, apenas com o petromax aguardando que o escuro das noites os não surpreendessem. Passaram sede e contactaram com esse tipo de alimentação desidratada que deveria fazer inveja aos milhões que nem sequer sabem que isso existe porque morrem de fome diariamente”.
Temos depois uma sucessão de imagens com viaturas em progressão em bolanhas, em picadas, colunas de jipes, reações em emboscadas, levantamento de minas, imagem de armas. As tropas especiais mereceram destaque nesta exposição: rangers, fuzileiros e paraquedistas.
Igualmente se destacam as condecorações, as cerimónias de homenagem aos mortos, telegramas a informar a família da morte de militares, a criação da ADFA e a lista daqueles que tombaram pela pátria.
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Nota do editor
Último poste da série de 30 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15554: Notas de leitura (792): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): reprodução do capítulo 7 com a descrição da viagem de seis meses, aos 17 anos, em 1955, aos bancos de pesca do bacalhau: III (e última) parte
Guiné 63/74 - P15575: O nosso blogue em números (37): No final de 2015, atingimos um total de 7,6 milhões de visualizações... Quem nos visita, vem sobretudo de Portugal (47,5%), EUA (17,1%), Brasil (8,2%), França (4,9%) e Alemanha (4,8%)
Gráfico nº 2 - País de origem das visualizaçãões de página (desde maio de 2010)
Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)
1. O nosso blogue atingiu, em finais do ano de 2015 a cifra de 7,6 milhões de visualizações de páginas (grosso modo, de visitas), segundo as estatísticas do nosso servidor, o Blogger: 5,9 milhões, desde maio de 2010, a que acrescem mais 1,7 milhões desde 23/4/2004, início da I Série, que esteve em vigor até 30/5/2006. (*)
No espaço de um ano tivemos um aumento de 800 mil visualizações de páginas (Gráfico nº 1). As "visitas" baixaram em relação ao ano anterior, 2014, em que batemos o recorde: 1,5 milhões. (Mas este número era enganador. parte destas "visitas" eram de blogues, portais e outros sítios com intenções comerciais, a avaliar pelas mensagens tipo SPAM que ficavam nas malhas dos nossos filtros; hoje o nosso servidor, o Blogger, tem um sistema de filtragem muito mais apertado, o que dificulta inclusive a entrada de comentários).
Gráfico nº 3 - Evolução, mensal, das visualizações de página no período de mai 2010 a dez 2015. Máximo: 217 mil (em abril de 2014); mínimo: 54 mil (em setembro de 2015), Fonte: Blogger (2016)
800 mil visualizações de página num ano significa uma média mensal de 66666, cerca de 2200 por dia... É uma cifra notável que nos encoraja a continuar, enquanto tivermos condições para manter aberta a nossa Tabanca Grande.
E tudo isto apesar de...
(i) a "crise" que também nos afeta;
(ii) a concorrência do Facebook e de muitas outras páginas sobre a guerra colonial que apareceram, nos últimos anos, na Net;
(iii) o nosso envelhecimento e, por vezes, cansaço, saturação, desânimo, descrença, falta de meios de meios e paciência; e ainda, e não menos importante,
(iv) o inevitável esgotamento das nossas "memórias" (guardadas no "baú"), que tem de ser compensado pela entrada de "gente nova" (leia-se: novos tabanqueiros), o que felizmente tem acontecido (, em 2015, entraram 34)
2. Quem nos visita ? Comparando com 2014 (valores colocados entre parênteses retos) continuam a ser gente oriunda de (ou residente em) os mesmos países ou regiões:
Portugal (47,6%) [48,2%]
EUA (17,1) [17,6%]
Brasil (8,2) [8,7%]
França (4,9) [4,8%]
Alemanha (4,8) [4,0%]...
... mas também de:
Rússia (1,4%) [0,9%]
Reino Unido (1,0) [0,8%]
China (0,7%) [ 0,7%]
Polónia (0,6%) [0,7%]
Canadá (0,6%) [0,7%]...
Do do resto do Mundo são 13,2% [12,9% em 2014].
________________
Nota do editor:
Último postes da série:
3 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15572: O nosso blogue em números (36): Em 12 anos publicámos um total de 15561 postes, uma média anual de 1516 por ano e de 4 por dia (de 2006 a 2015)
3 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14111: O nosso blogue em números (34): no final de 2014: (i) 6,8 milhões de visualizações de páginas; (ii) 676 membros registados; (iii) 14 mil postes publicados; (iv) 55600 comentários; (v) 1638 amigos no Facebook da Tabanca Grande...
(i) a "crise" que também nos afeta;
(ii) a concorrência do Facebook e de muitas outras páginas sobre a guerra colonial que apareceram, nos últimos anos, na Net;
(iii) o nosso envelhecimento e, por vezes, cansaço, saturação, desânimo, descrença, falta de meios de meios e paciência; e ainda, e não menos importante,
(iv) o inevitável esgotamento das nossas "memórias" (guardadas no "baú"), que tem de ser compensado pela entrada de "gente nova" (leia-se: novos tabanqueiros), o que felizmente tem acontecido (, em 2015, entraram 34)
2. Quem nos visita ? Comparando com 2014 (valores colocados entre parênteses retos) continuam a ser gente oriunda de (ou residente em) os mesmos países ou regiões:
Portugal (47,6%) [48,2%]
EUA (17,1) [17,6%]
Brasil (8,2) [8,7%]
França (4,9) [4,8%]
Alemanha (4,8) [4,0%]...
... mas também de:
Rússia (1,4%) [0,9%]
Reino Unido (1,0) [0,8%]
China (0,7%) [ 0,7%]
Polónia (0,6%) [0,7%]
Canadá (0,6%) [0,7%]...
Do do resto do Mundo são 13,2% [12,9% em 2014].
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Nota do editor:
Último postes da série:
3 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15572: O nosso blogue em números (36): Em 12 anos publicámos um total de 15561 postes, uma média anual de 1516 por ano e de 4 por dia (de 2006 a 2015)
2 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15567: O nosso blogue em números (35): no final de 2015, o número de grã-tabanqueiros era de 710, um aumento de 182% em relação ao final de 2009... Tivemos 34 novas entradas no último ano.
Guiné 63/74 - P15574: Agenda cultural (450): "Acto dos Feitos da Guiné", filme de Fernando Matos Silva (Portugal, 1980, 85 min): exibição na Cinemateca, Lisboa, 3ª feira, dia 5, às 18h30. Sessão apresentada por Catarina Laranjeiro, seguida de debate com o autor (que foi realizador militar, Guiné, 1969, e Angola, 1970)
1. Mensagem, de 17 de dezembro último, da cineasta e nossa leitora Catarina Laranjeiro,
Boa Tarde,
No próximo dia 5 de janeiro vou apresentar na Cinemateca o filme "Acto dos Feitos da Guiné" com a presença do realizador, Fernando Matos Silva. Gostava já de o convidar a estar presente. Caso possa estar diga-me que eu deixo-lhe um convite na entrada.
Um abraço
Catarina
2. CINEMATECA PORTUGUESA >
3ª feira, 5 de janeiro de 2016
ACTO DOS FEITOS DA GUINÉ
com José Gomes, Virgílio Massinge, Povos da Guiné-Bissau
Portugal, 1980 - 85 min | M/12
Coleção Colonial da Cinemateca: Campo, Contracampo, Fora de Campo
Sessão apresentada por Catarina Laranjeiro, seguida de debate com o realizador
Sinopse:
(...) "O Mal-Amado", é preciso dizê-lo, foi totalmente cortado pela Censura a a película apreendida, já muito perto do 25 de Abril (terá sido o último filme proibido). 1973/74. O que nos dá o filme é, sobretudo, o ambiente sufocante da sociedade portuguesa, com a densidade de quotidianos sofridos onde a felicidade era proibida. O fio condutor da história, com uma subtil relação com a guerra colonial, põe a nu como as relações sociais, mesmo as amorosas, eram dominadas pela posse e por isso, decerto, o romance vivido entre Maria do Céu Guerra (tão jovem!) e João Mota acabará em tragédia.
Já o "Acto dos Feitos da Guiné" é uma leitura da História que o autor contrapõe à "Crónica dos Feitos da Guiné", de Zurara, fazendo um registo da guerra na Guiné, contado na primeira pessoa, em que a guerra explode na violência brutal do conflito colonial. Memória dilacerada do realizador Fernando Matos Silva, que também por ali andou. O filme é de 1980. Proibido? - perguntará o leitor. Não, escondido, não exibido, que é outra espécie de censura, como aliás ficou provado com outros dois filmes, do realizador albicastrense Luís Alvarães ("O Oiro do Bandido" e "Malvadez"), que não puderam respirar com o público, bloqueados dos circuitos de exibição. (...)
Fonte: Notícias do Bloqueio, blogue de Fernando Palouro Neves > 5 de dezembro de 2015 > Fernando Matos Silva e os filmes proibidos (com a devida vénia)
_______________
Nota do editor:
Último filme da série > 22 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15525: Agenda cultural (449): Joana Graça, exposição de pintura, na livraria Ler Devagar, LXFactory, Alcântara, Lisboa, até 26 deste mês
Boa Tarde,
No próximo dia 5 de janeiro vou apresentar na Cinemateca o filme "Acto dos Feitos da Guiné" com a presença do realizador, Fernando Matos Silva. Gostava já de o convidar a estar presente. Caso possa estar diga-me que eu deixo-lhe um convite na entrada.
Um abraço
Catarina
Fernando Matos Silva (n. 1940, Vila Viçosa): Lisboa: estudos na Faculdade de Economia | Actor amador ! 1965-65: London School of Film Technique (bolsa do Fundo do Cinema Nacional) | Bacharel em Realização | Professor do Curso de Cinema do Exército | Realizador militar (Guiné - 1969, Angola - 1970) | Membro fundador da Média Filmes (1966), do Centro Português de Cinema/CPC (1970), fundador e director da Cinequipa (1974) e da Fábrica de Imagens (1988). | Realizador de televisão e publicidade | Professor de Iniciação ao Cinema do FAOJ (1986-87), e de Cinema da ADIIS (1997-98) | Colaborador sobre cinema de Dimensão – Arte, Decoração e Moda e Arte 7. (Fonte: Cortesia de Institito Camões > Cinema Português > Personalidades > SILVA, Fernando Matos]
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2. CINEMATECA PORTUGUESA >
3ª feira, 5 de janeiro de 2016
18H30 | SALA LUÍS DE PINA > FOCO NO ARQUIVO
ACTO DOS FEITOS DA GUINÉ
de Fernando Matos Silva
com José Gomes, Virgílio Massinge, Povos da Guiné-Bissau
Portugal, 1980 - 85 min | M/12
Coleção Colonial da Cinemateca: Campo, Contracampo, Fora de Campo
Sessão apresentada por Catarina Laranjeiro, seguida de debate com o realizador
Sinopse:
ACTO DOS FEITOS DA GUINÉ parte de material filmado na Guiné em 1969 e 1970 para um retrato da relação histórica da colonização portuguesa com a compreensão de África.
O filme de Fernando Matos Silva tem marcas autobiográficas e conjuga imagens documentais – imagens de guerra, cruas e extremas, a preto e branco – e de ficção – sequências a cor que encenam um “Acto” onde os “feitos” são contados por personagens que representam diretamente voltadas para a câmara.
O filme de Fernando Matos Silva tem marcas autobiográficas e conjuga imagens documentais – imagens de guerra, cruas e extremas, a preto e branco – e de ficção – sequências a cor que encenam um “Acto” onde os “feitos” são contados por personagens que representam diretamente voltadas para a câmara.
CICLO > FOCO NO ARQUIVO
As sessões “Foco no Arquivo” de janeiro seguem projetos ligados à investigação e à sua relação com a coleção da Cinemateca.
As sessões “Foco no Arquivo” de janeiro seguem projetos ligados à investigação e à sua relação com a coleção da Cinemateca.
A sessão “Coleção Colonial da Cinemateca: Campo, Contracampo, Fora de Campo” prolonga as anteriormente dedicadas a uma discussão continuada sobre esta importante parte do acervo fílmico da Cinemateca, organizadas em colaboração com a “Aleph – rede de ação e investigação crítica da imagem colonial”.
A Aleph promove a cooperação e partilha de conhecimento entre investigadores académicos, artistas e cidadãos interessados na imagem colonial, colabora com arquivos detentores de coleções coloniais na sensibilização para questões de acessibilidade e preservação dos acervos e promove a partilha de conhecimento.
Este mês, o filme ACTO DOS FEITOS DA GUINÉ (Fernando Matos Silva, 1980) é apresentado por Catarina Laranjeiro, doutoranda do CES - Centro de Estudos Sociais (Universidade de Coimbra). (...)
Fonte: Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema (Com a devida vénia)
PREÇO DOS BILHETES
Geral: 3,20 Euros
Amigos da Cinemateca, Estudantes de cinema, Desempregados: 1,35 Euros
Estudantes, Cartão Jovem, Maiores de 65 anos, Reformados: 2,15 Euros
PREÇO DOS BILHETES
Geral: 3,20 Euros
Amigos da Cinemateca, Estudantes de cinema, Desempregados: 1,35 Euros
Estudantes, Cartão Jovem, Maiores de 65 anos, Reformados: 2,15 Euros
3. Dois filmes do realizador passaram recentemente no ciclo "Filmes Proibidos", no Fundão, "O Mal Amado" e "Acto dos Feitos da Guiné":
Já o "Acto dos Feitos da Guiné" é uma leitura da História que o autor contrapõe à "Crónica dos Feitos da Guiné", de Zurara, fazendo um registo da guerra na Guiné, contado na primeira pessoa, em que a guerra explode na violência brutal do conflito colonial. Memória dilacerada do realizador Fernando Matos Silva, que também por ali andou. O filme é de 1980. Proibido? - perguntará o leitor. Não, escondido, não exibido, que é outra espécie de censura, como aliás ficou provado com outros dois filmes, do realizador albicastrense Luís Alvarães ("O Oiro do Bandido" e "Malvadez"), que não puderam respirar com o público, bloqueados dos circuitos de exibição. (...)
Fonte: Notícias do Bloqueio, blogue de Fernando Palouro Neves > 5 de dezembro de 2015 > Fernando Matos Silva e os filmes proibidos (com a devida vénia)
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Nota do editor:
Último filme da série > 22 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15525: Agenda cultural (449): Joana Graça, exposição de pintura, na livraria Ler Devagar, LXFactory, Alcântara, Lisboa, até 26 deste mês
domingo, 3 de janeiro de 2016
Guiné 63/74 - P15573: Convívios (722): Companheiros e Camaradas à Volta da Mesa (Francisco Baptista)
1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 19 de Dezembro de 2015:
Companheiros e Camaradas à Volta da Mesa
Numa Tabanca em Medas, Gondomar, com os irmãos Carvalhos, Manuel e António e outros camaradas, Joaquim Peixoto, o Fernando Súcio, o Jorge Peixoto, o Xico Allen o Cancela, outro camarada e mais dois bons amigos. Porque uma tabanca surge quando dois camaradas da Guiné se encontram e começam a falar e a imaginação se activa e começa a mostrar esse filme a preto e branco, antigo mas sempre presente. Para além dos barracões onde dormíamos, as arrecadações, as messes e refeitórios, os canhões, as valas e abrigos, perpassam também na memória essas habitações primitivas, cobertas de capim, os homens grandes com as suas túnicas talares, as mulheres com panos parecidos com saias e as bajudas de mama firme a mostrá-las naturalmente, sem pudor.
Os melhores companheiros de uma boa mesa são sem dúvida todos os convivas que se reúnem à sua volta, mas para criar um clima aprazível e descontraído contribuem muito os pratos com boas iguarias acompanhados de bons vinhos que relaxem a mente e alarguem o campo de visão do espírito.
A posta à mirandesa não é um bife mas sim dum naco de vitela espesso que pelo seu tamanho corresponde quase a três bifes. Deve ser posto a grelhar em lume forte, com boas brasas e nesse momento temperado com sal grosso, virado e salgado do outro lado e posto de novo a grelhar. No calor das brasas, deve estar apenas o tempo suficiente para queimar um pouco o seu exterior, aquecer toda a carne e conservar muito do sumo próprio da carne no seu interior. Para tempero algum azeite logo que sai do lume e alho para quem apreciar.
Os caixeiros-viajantes grandes faladores por índole ou dever de ofício encarregaram-se de fazer a propaganda da posta à mirandesa, quando a conheceram, na Gabriela, em Sendim. Conheci a casa de pasto da Gabriela ainda adolescente, levado pelo meu pai, já não me recordo a que propósito andava com ele por terras de Miranda, a passear não de certeza. Ficava no 1.º andar de uma casa, numa sala pequena, com duas ou três mesas, e não teria mais do que 12 lugares sentados. A velha Gabriela era uma mulher despachada e desassombrada, com língua afiada e vernácula tanto no falar mirandês como no "português fidalgo". Mulher de barba rija, mesmo no sentido literal da palavra. Quando os caixeiros-viajantes fizeram a divulgação da posta à mirandesa por todo o país nas décadas de cinquenta e sessenta, já os lavradores a comiam há muitas décadas, nas tascas de lona montadas, por taberneiros, nas feiras de Mogadouro, Vimioso e Miranda do Douro. Nesses tempos a posta à mirandesa era proveniente da melhor carne, das vitelas de raça mirandesa, aliás a única raça bovina existente nesses concelhos, alimentada em lameiros de bons pastos e com vegetais e cereais que os lavradores produziam nas hortas e campos. Essas vitelas para além do leite das mães, comiam da melhor alimentação vegetariana para animais dessa espécie.
Porque à boa maneira dos camponeses, (camponeses de Medas e de Brunhoso), a amizade se cimenta na partilha dos bens que a terra nos dá, no dia 26 de Novembro juntámo-nos nove camaradas mais dois amigos numa tabanca improvisada nuns anexos da casa do Carvalho de Mampatá com ele e com o irmão Manuel, em Medas, Gondomar, num grande almoço para saborear umas boas postas de vitela compradas em Mogadouro, com bom vinho do Douro e pão trigo de origem transmontana. As postas bem assadas pelo Xico Allen estavam tenras, saborosas, suculentas, o vinho maduro tinto da produção dum grande lavrador e amigo de Mesão Frio, terra transmontana, já perto do Porto, ajudava ainda a melhorar a qualidade e o sabor da carne. Num dia agradável de algum sol e temperatura amena, passamos uma tarde que não se esquece, como cada um não esquece as farras que fazíamos na Guiné, com os pobres produtos que conseguíamos da manutenção militar ou outros produtos locais que algum camarada mais inventivo conseguia arranjar.
Muito obrigado aos irmãos Manuel e António Carvalho pela simpatia que tiveram com todos e pelo trabalho sobretudo do Carvalho de Mampatá, sempre em acção na preparação de algumas entradas e a cozinhar as couves e batatas à lareira, em grandes panelas de ferro como se fazia antigamente. Até pelo sabor histórico e local da grande fogueira da lareira e das panelas, foi um dia memorável. Nestas trocas de bons sabores culinários já noutros anos tive também oportunidade de saborear juntamente com outros camaradas, lampreias muito bem confeccionadas pelo Manuel, outro grande cozinheiro, pescadas no rio Douro, não muito longe das casas deles.
Há longos anos, talvez séculos, as navalhas de bolso e as facas de cozinha eram fabricadas nas forjas dos ferreiros, em muitas aldeias, mas sobretudo na aldeia de Palaçoulo que hoje tem mais de uma dezena de fábricas artesanais e duas grandes fábricas industriais, Martins e MAM, que vendem para todo o país e para o estrangeiro.
Facas como esta ou semelhantes, acompanhavam sempre os lavradores e outros trabalhadores da terra, dessa região. Com elas comiam as postas nas tascas das feiras, muitas vezes à mão, sobre grandes fatias de trigo ou centeio. Os corticeiros no Verão ou os azeitoneiros no inverno, como outros trabalhadores sazonais, que muitas vezes acompanhei ao longo da vida, à hora da merenda sacavam da navalha, uma fiel companheira, para comerem as côdeas de centeio ou trigo, o presunto, a chouriça, o toucinho ou outras carnes. Quando jovem lembro-me bem dessas navalhas simples, geralmente com cabos de freixo, já escuros pela idade e com as lâminas muitas vezes já meio gastas pelo uso e pela necessidade de serem afiadas. Era um tempo de contar os tostões e de conservar todos os objectos até ao fim da sua vida útil.
Hoje já com outra folga financeira e outros hábitos, os lavradores e filhos de lavradores da minha idade, educados na tradição e fetichismo das navalhas têm cada um 10, 20, 30 ou mais navalhas com diferentes feitios e qualidades de lâminas e com cabos de diferentes madeiras ou outros materiais: freixo, carrasco, buxo, esteva, oliveira, chifre, marfim etc. Alguns coleccionam carros, armas, relógios, gravatas, óculos, etc., nós os do Nordeste Transmontano, criados sem outros brinquedos para lá do pião e da roda de ferro, coleccionamos navalhas, sem intenções de ataque ou defesa, simplesmente porque nos habituámos a ver essas ferramentas sempre úteis nas mãos dos nossos mais velhos, desejosos de possuí-las, mas que eles só permitiam que usássemos a partir na adolescência.
Já os naturais do Noroeste Transmontano, sobretudo os de Boticas e Montalegre, sem as mesmas coleccionam armas de fogo, sem querer, neste momento, especular sobre o assunto, pois confesso que desconheço a origem dessa tradição.
O Noroeste, e o Nordeste transmontano são o verso e reverso da página do mesmo livro com algumas diferenças que as montanhas por vezes não deixavam fazer uma boa leitura. Nos tempos da minha meninice e adolescência quando as tradições ainda se mantinham iguais desde há séculos, a convivência entre as aldeias não era superior a um raio de 100 quilómetros que era aquilo que as mulas dos tendeiros, dos peleiros, dos albardeiros, dos latoeiros, dos cesteiros e de outros negociantes e artistas podiam percorrer, para não ficarem demasiado tempo fora das suas terras.
Um abraço.
Francisco Baptista
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Nota do editor
Último poste da série de 5 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15447: Convívios (721): XXII Convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Oitavos, Cascais, 19 de novembro de 2015: Os "piras" (Manuel Resende)
Companheiros e Camaradas à Volta da Mesa
Numa Tabanca em Medas, Gondomar, com os irmãos Carvalhos, Manuel e António e outros camaradas, Joaquim Peixoto, o Fernando Súcio, o Jorge Peixoto, o Xico Allen o Cancela, outro camarada e mais dois bons amigos. Porque uma tabanca surge quando dois camaradas da Guiné se encontram e começam a falar e a imaginação se activa e começa a mostrar esse filme a preto e branco, antigo mas sempre presente. Para além dos barracões onde dormíamos, as arrecadações, as messes e refeitórios, os canhões, as valas e abrigos, perpassam também na memória essas habitações primitivas, cobertas de capim, os homens grandes com as suas túnicas talares, as mulheres com panos parecidos com saias e as bajudas de mama firme a mostrá-las naturalmente, sem pudor.
Os melhores companheiros de uma boa mesa são sem dúvida todos os convivas que se reúnem à sua volta, mas para criar um clima aprazível e descontraído contribuem muito os pratos com boas iguarias acompanhados de bons vinhos que relaxem a mente e alarguem o campo de visão do espírito.
A posta à mirandesa não é um bife mas sim dum naco de vitela espesso que pelo seu tamanho corresponde quase a três bifes. Deve ser posto a grelhar em lume forte, com boas brasas e nesse momento temperado com sal grosso, virado e salgado do outro lado e posto de novo a grelhar. No calor das brasas, deve estar apenas o tempo suficiente para queimar um pouco o seu exterior, aquecer toda a carne e conservar muito do sumo próprio da carne no seu interior. Para tempero algum azeite logo que sai do lume e alho para quem apreciar.
Os caixeiros-viajantes grandes faladores por índole ou dever de ofício encarregaram-se de fazer a propaganda da posta à mirandesa, quando a conheceram, na Gabriela, em Sendim. Conheci a casa de pasto da Gabriela ainda adolescente, levado pelo meu pai, já não me recordo a que propósito andava com ele por terras de Miranda, a passear não de certeza. Ficava no 1.º andar de uma casa, numa sala pequena, com duas ou três mesas, e não teria mais do que 12 lugares sentados. A velha Gabriela era uma mulher despachada e desassombrada, com língua afiada e vernácula tanto no falar mirandês como no "português fidalgo". Mulher de barba rija, mesmo no sentido literal da palavra. Quando os caixeiros-viajantes fizeram a divulgação da posta à mirandesa por todo o país nas décadas de cinquenta e sessenta, já os lavradores a comiam há muitas décadas, nas tascas de lona montadas, por taberneiros, nas feiras de Mogadouro, Vimioso e Miranda do Douro. Nesses tempos a posta à mirandesa era proveniente da melhor carne, das vitelas de raça mirandesa, aliás a única raça bovina existente nesses concelhos, alimentada em lameiros de bons pastos e com vegetais e cereais que os lavradores produziam nas hortas e campos. Essas vitelas para além do leite das mães, comiam da melhor alimentação vegetariana para animais dessa espécie.
Porque à boa maneira dos camponeses, (camponeses de Medas e de Brunhoso), a amizade se cimenta na partilha dos bens que a terra nos dá, no dia 26 de Novembro juntámo-nos nove camaradas mais dois amigos numa tabanca improvisada nuns anexos da casa do Carvalho de Mampatá com ele e com o irmão Manuel, em Medas, Gondomar, num grande almoço para saborear umas boas postas de vitela compradas em Mogadouro, com bom vinho do Douro e pão trigo de origem transmontana. As postas bem assadas pelo Xico Allen estavam tenras, saborosas, suculentas, o vinho maduro tinto da produção dum grande lavrador e amigo de Mesão Frio, terra transmontana, já perto do Porto, ajudava ainda a melhorar a qualidade e o sabor da carne. Num dia agradável de algum sol e temperatura amena, passamos uma tarde que não se esquece, como cada um não esquece as farras que fazíamos na Guiné, com os pobres produtos que conseguíamos da manutenção militar ou outros produtos locais que algum camarada mais inventivo conseguia arranjar.
Muito obrigado aos irmãos Manuel e António Carvalho pela simpatia que tiveram com todos e pelo trabalho sobretudo do Carvalho de Mampatá, sempre em acção na preparação de algumas entradas e a cozinhar as couves e batatas à lareira, em grandes panelas de ferro como se fazia antigamente. Até pelo sabor histórico e local da grande fogueira da lareira e das panelas, foi um dia memorável. Nestas trocas de bons sabores culinários já noutros anos tive também oportunidade de saborear juntamente com outros camaradas, lampreias muito bem confeccionadas pelo Manuel, outro grande cozinheiro, pescadas no rio Douro, não muito longe das casas deles.
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Uma navalha do nordeste transmontano, fabricada artesanalmente pelos irmãos Pires, ferreiros de Palaçoulo
Há longos anos, talvez séculos, as navalhas de bolso e as facas de cozinha eram fabricadas nas forjas dos ferreiros, em muitas aldeias, mas sobretudo na aldeia de Palaçoulo que hoje tem mais de uma dezena de fábricas artesanais e duas grandes fábricas industriais, Martins e MAM, que vendem para todo o país e para o estrangeiro.
Facas como esta ou semelhantes, acompanhavam sempre os lavradores e outros trabalhadores da terra, dessa região. Com elas comiam as postas nas tascas das feiras, muitas vezes à mão, sobre grandes fatias de trigo ou centeio. Os corticeiros no Verão ou os azeitoneiros no inverno, como outros trabalhadores sazonais, que muitas vezes acompanhei ao longo da vida, à hora da merenda sacavam da navalha, uma fiel companheira, para comerem as côdeas de centeio ou trigo, o presunto, a chouriça, o toucinho ou outras carnes. Quando jovem lembro-me bem dessas navalhas simples, geralmente com cabos de freixo, já escuros pela idade e com as lâminas muitas vezes já meio gastas pelo uso e pela necessidade de serem afiadas. Era um tempo de contar os tostões e de conservar todos os objectos até ao fim da sua vida útil.
Hoje já com outra folga financeira e outros hábitos, os lavradores e filhos de lavradores da minha idade, educados na tradição e fetichismo das navalhas têm cada um 10, 20, 30 ou mais navalhas com diferentes feitios e qualidades de lâminas e com cabos de diferentes madeiras ou outros materiais: freixo, carrasco, buxo, esteva, oliveira, chifre, marfim etc. Alguns coleccionam carros, armas, relógios, gravatas, óculos, etc., nós os do Nordeste Transmontano, criados sem outros brinquedos para lá do pião e da roda de ferro, coleccionamos navalhas, sem intenções de ataque ou defesa, simplesmente porque nos habituámos a ver essas ferramentas sempre úteis nas mãos dos nossos mais velhos, desejosos de possuí-las, mas que eles só permitiam que usássemos a partir na adolescência.
Já os naturais do Noroeste Transmontano, sobretudo os de Boticas e Montalegre, sem as mesmas coleccionam armas de fogo, sem querer, neste momento, especular sobre o assunto, pois confesso que desconheço a origem dessa tradição.
O Noroeste, e o Nordeste transmontano são o verso e reverso da página do mesmo livro com algumas diferenças que as montanhas por vezes não deixavam fazer uma boa leitura. Nos tempos da minha meninice e adolescência quando as tradições ainda se mantinham iguais desde há séculos, a convivência entre as aldeias não era superior a um raio de 100 quilómetros que era aquilo que as mulas dos tendeiros, dos peleiros, dos albardeiros, dos latoeiros, dos cesteiros e de outros negociantes e artistas podiam percorrer, para não ficarem demasiado tempo fora das suas terras.
Um abraço.
Francisco Baptista
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Nota do editor
Último poste da série de 5 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15447: Convívios (721): XXII Convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Oitavos, Cascais, 19 de novembro de 2015: Os "piras" (Manuel Resende)
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