quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21364: Memórias cruzadas na região de Gabu: dia de luto para o EREC 8840/72, na visita de Cecíiia Supinco Pinto a Canquelifá em 6 de Março de 1974 (Jorge Araújo)

Infogravura do (eventual) itinerário utilizado em Março de 1974 por Cecília Supico Pinto (1921-2011), iniciado na Região de Gabú, Zona Leste, no dia 6 (4.ª feira). No decurso da coluna Piche – Canquelifá, a primeira etapa deste programa, na qual a presidente do MNF se incluía, o Esquadrão de Reconhecimento "FOX" 8840/72 (Bafatá, 1973-1974) registou a sua primeira baixa provocada pelo accionamento de mina anticarro.



Foto 1 – Canquelifá (Região de Gabú) – mais uma imagem da destruição da tabanca de Canquelifá, na sequência das diversas flagelações levadas a cabo pelo PAIGC, iniciadas em 17 de Março de 1974, com recurso a morteiros 120 e foguetões 122. [foto gentilmente cedida pelo Eugénio Pereira, ex-fur mil da CCAÇ 3545 (1973-1974)].


Foto 2 – Estado em que ficou a "White" na sequência da explosão da mina anticarro, durante a coluna Piche – Canquelifá, na qual estava incluída a "Cilinha". (Foto gentilmente cedida pelo Silvino Matos, ao fundo à direita; e à esquerda o João da Costa Araújo "Jonas".



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada: acaba de regressar de Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos, onde foi "apanhado" durante vários meses pela pandemia de Covid-19; tem mais de 260 registos no nosso blogue... e já está a preparar o próximo ano letivo, que não vai ser fácil paar ninguém: professores, e demais pessoal da conunidade escolar: pessoal não docente,alunos, pais e encarregados de educação, etc.


MEMÓRIAS CRUZADAS NA REGIÃO DE GABU: DIA DE LUTO PARA O EREC 8840 NA VISITA DE CECÍLIA SUPICO PINTO A CANQUELIFÁ EM  6 DE MARÇO DE 1974 



► ADENDA AO P21361 (15.09.20) (*)


A expressiva e bem conseguida reportagem sobre a visita a Nhacra da Presidente do Movimento Nacional Feminino, Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto (1921-2011), realizada pelo camarada António Murta, em 10 de Março de 1974, domingo, que agradecemos, hoje postada no P21361, levou-me a acrescentar mais alguns elementos históricos, já que não é todos os dias que surgem oportunidades para nos referirmos à líder daquele Movimento, por si criado em 28 de Abril de 1961.


Entretanto, na 4.ª feira anterior à sua chegada a Nhala, em 6 de Março de 1974, Cecília Supico Pinto saiu ilesa durante a coluna Piche – Canquelifá, onde ia visitar o contingente da CCAÇ 3545 [, vd. foto acima nº 1], após um carro de combate "White", do EREC 8840, unidade comandada pelo Cap Cav Xavier Silveira Montenegro Carvalhais, ter explodido ao accionar uma mina anticarro durante o referido itinerário.[Vd. foto acima, nº 2]



Do «Caderno de Memórias" [, Diário,]  de Silvino Neto Matos, edição de autor  do qual possuímos um exemplar, e por ter participado naquela missão, retirámos a seguinte passagem:


"Em 06 de Março de 1974 (4.ª feira), durante a coluna a Canquelifá, rebentámos uma mina anticarro reforçada, onde morreu o meu muito grande amigo "Cunha" [José Martins da Cunha, sold apont metralhadora, natural da Trofa, distrito do Porto].


Tinha a minha especialidade, e a sua morte passou a ser a primeira do Esquadrão de Reconhecimento "FOX" 8840.

 

Para além desta baixa registou-se ainda a evacuação de mais quatro elementos: o furriel Rodrigues, Afonso, António Nunes Figueiredo "Estarreja" e o Hélder de Jesus Costa.


Nessa coluna, na 3.ª viatura, seguia a D. Cecília Supico Pinto (1921-2011), Presidente do Movimento Nacional Feminino, sendo que a primeira era uma Chaimite, a segunda uma White, a que accionou a mina, depois mais uma Chaimite, mais uma White e, finalmente, a coluna constituída por uma companhia operacional [n/n]." 


Depois de ter apanhado um "valente" susto (digo eu!), a caminho de Canquelifá, Cecília Supico Pinto viria a viver mais "emoções", desta feita, em Gadamael, quando aí, pela manhã do dia seguinte à sua chegada [Março de 1974], "aguentou estoicamente a primeira flagelação do dia". (C. Martins - P21349). [Vd. infografia acima].

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada. (**)

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

15Set2020


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(**)  Último poste da série > 31 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21306: Memórias cruzadas na região do "Macaréu" (Bambadinca) em 1971: a realidade e a ficção (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P21363: Historiografia da presença portuguesa em África (231): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
Esta viagem de José Augusto Martins aporta dados de alguma utilidade, em primeiro lugar, o deslumbramento que ele revela pela Natureza e pela beldade feminina; mostra-se chocado pelas condições degradantes de quem habita em Bissau e tece considerações acerca da ocupação do território que mostram que este alto funcionário desconhecia aspetos fundamentais da presença portuguesa, à luz da Convenção Luso-Francesa de maio de 1886, a despeito da perda de uma parcela histórica, o Casamansa e a povoação de Ziguinchor, o tratado veio consagrar uma superfície que jamais tinha sido ocupada pela colonização portuguesa. José Augusto Martins é um narrador exímio, vale a pena acompanhá-lo na Guiné do princípio ao fim.

Um abraço do
Mário


Impressões de viagem quando a Guiné já era província, com fronteiras definidas (3)

Mário Beja Santos

O livro de viagens intitula-se "Madeira, Cabo Verde e Guiné", o seu autor é João Augusto Martins, veremos mais adiante que foi alguém influente na definição das fronteiras da colónia, a edição foi da Livraria de António Maria Pereira, 1891. É um testemunho único o que nos deixa alguém que andou a fixar fronteiras na Guiné, depois da Convenção Luso-Francesa. É extremamente crítico, se por um lado o vemos fascinado pelo feitiço africano, vai desvelando as mazelas do nosso comportamento colonial.
Veja-se o que ele nos diz sobre a superfície do território: “Segundo a Convenção estabelecida com a França, em 1886, os direitos da soberania portuguesa abrangeriam uma extensão de território, que, sobre o mapa, regula por 40 a 45 mil quilómetros quadrados, limitando-se porém a 70 ou 80 quilómetros quadrados os realmente dominados por nós até hoje. Os centros da nossa ocupação oficial resumem-se a Buba, Farim, Geba, Cacheu, Bolama e Bissau, sendo este último o de maior importância comercial”. Claro que os dados da superfície da Guiné estão errados, mas sabemos que a presença portuguesa estava mitigada, havia uma parte do território adquirida por Honório Pereira Barreto, a nossa presença em Bolama resultava da sentença arbitral do presidente norte-americano Ulysses Grant, e muitos dos testemunhos apresentados sobre a nossa presença em Buba, Geba e Fá advertiam para o estado arruinado das instalações e ao abandono progressivo dos colonos. João Augusto Martins vai falando de todas as regiões por onde passou, verificou a decadência da região de Bula, diz mesmo que cessou a exportação da mancarra, outrora tão abundante no rio Grande da Guinala, se bem que tenham aparecido outros mercados, como a borracha, a cera, o marfim, os couros e o arroz. Fala inclusivamente dos Bijagós que ele não visitou, enuncia o nome das ilhas e dos ilhéus principais, fala das riquezas em borracha, azeite de palma, arroz e madeiras e apela a que se institua no arquipélago um sistema administrativo, ao tempo muitíssimo ténue.

João Augusto Martins embarca na falácia de que a delimitação da Guiné se tinha traduzido numa perda enorme de território, isto quando se sabe que a nossa presença era marcadamente na orla costeira, o ponto mais longínquo era Geba, que entrara em declínio comercial e populacional. Como andara na fixação de fronteiras referiu-se aos limites atuais da nossa presença, manifesta-se inquieto com a decadência comercial a que chegara a colónia, tinham desaparecido grande número de casas estrangeiras estabelecidas em Bolama, decrescera o rendimento do imposto do tabaco e no meio daquela penúria continuava um estadão de secretarias e de funcionalismo ocioso, desorientado e sem vida própria.
É nesse contexto que emite uma exortação, sem esconder a crítica amarga:
“Quando um país sem condições de garantia nem de interesse pouco a pouco se desmembra em benefício de outras nações, dá lugar a que todos tenham o direito de supor que desmoralizado e enfraquecido, não pode mais utilizar com os seus esforços de colonização a parte territorial de que se sequestra. Dá lugar a que todo o português de hombridade e de carácter tenha o direito de pedir a venda das colónias improdutivas como todo o médico tem o dever de pedir a amputação de um membro esfacelado quando o organismo enfraquecido já não pode galvanizar de vida.
Os homens públicos do nosso país, apesar do que dizem todos os dias a imprensa e os adversários políticos, vivem medíocre e parcamente e morrem quase todos pobres. Mas o que é verdade é que, sendo pessoalmente honrados, poucos se preocupam em parecê-lo; é que, com relação às colónias, que só na vida contemporânea portuguesa o que resta de todo um ciclo de ininterruptos fastígios, que representam hoje o elemento mais positivo da nossa nacionalidade, com relação às colónias, não as conhecendo nem tratando de as conhecer devidamente, fazendo alarde de sentimentos patrióticos que se avolam com as palavras e se desvanecem com as letras, não tomando na verdade compreensão o século que atravessamos, faltando-lhes de todo o critério para julgarem devidamente dos problemas africanos, nada têm feito senão fantasmagorias ridículas, e infelizmente fatais à nossa integridade”.

E parece então que se dirige a todo o país, pede-lhe levantamento e regeneração:
“Ser pequeno e fraco não é um título de desprezo; mas ser ridículo e tíbio é motivo de vergonha.
A decadência política é a fonte perene de todos os nossos males; é a ela que se deve a imobilidade das nossas indústrias e da nossa instrução, a estagnação das nossas colónias e o adormecimento das nossas energias como povo”.

(continua)



Imagens retiradas do livro "Madeira, Cabo-Verde e Guiné", de João Augusto Martins.

Baobá-africano

Imagem tirada da Wikipedia, com a devida vénia. 
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21340: Historiografia da presença portuguesa em África (230): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21362: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLIII: José Fernando Almeida Brito, ten cor pilav (Lisboa, 1933 - Guiné, 1973)

 








Cor art ref Morais da Silva´


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21361: (De)Caras (160): Cecília Supico Pinto (1921-2011)... "Cilinha, uma mulher que aprendi a admirar e a respeitar, mesmo discordando dos seus objetivos políticos" (António Murta, autor de uma belíssima reportagem fotográfica da visita da histórica líder do MNF a Nhala, em 10/3/1974, e que ela nunca viu em vida)


Foto nº 2


Foto nº 1


Cópia nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6 


Foto nº 7


Foto nº 8


Foto nº 9


Foto nº 9A


Foto nº 11

Foto nº  12


Foto nº 13


Foto nº 14


Foto nº 15


Foto nº 17


Foto nº 16


Foto nº 18


Foto nº 19


Guiné > Região de Tombali > Nhala > 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) >  Domingo, 10 de março de 1974 > A visita da Cilinha

Fotos (e legendas): © António Murta  (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. A Cecília Supico Pinto tem quase 3 dezenas de referências no nosso blogue, muito mais do que a grande maioria dos comandantes de batalhão que operaram na Guiné. (*)

A visita da Cilinha  (seu nome de guerra...) era sempre motivo para grande alvoroço nos nossos aquartelamentos... Antes de mais, pela curiosidade de  ser uma das raríssimas  mulheres brancas que se podia ver no mato, em plena guerra, em carne e osso... E só depois por ser a histórica e carismática líder do MNF - Movimento Nacional Feminino que, para alguns  nossos soldados,  tinha sobretudo a função de "Pai Natal": com sorte, um pedido ao MNF, desde que não fosse exorbitante,  era atendido: livros, instrumentos musicais, equipamentos de futebol, etc..

A Cilinha tinha um carinho especial pela Guiné e pelos militares que aí "defendiam a Pátria", a avaliar pelas diversas vezes que visitou o território, a última das quais já em março de 1974, a um escasso mês e meio do golpe de Estado do MFA. (**)

A melhor reportagem, documentada. por texto e fotos, que já aqui foi feita, sobre uma visita da Cilinha ao mato, é a do nosso camarada António Murta. ex-alf mil inf,  MA,   2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).  Fomos repescá-la, reeditámos as fotos (, melhirando a sua qualidade) e selecionámos alguns excertos do poste P15320, bem como comentários dos nossos leitores. [. Destaque para a ternura do comentário de Joana, filha do António Murta.](***)


A visita da Cilinha a Nhala em 3 de março de 1974

Texto e fotos: António Murta (**)

(...) Este mês de Março ficou marcado por alguns acontecimentos empolgantes, para variar, como a ligação de Nhala à estrada nova Aldeia Formosa-Buba e a visita da Presidente do Movimento Nacional Feminino, Cecília Supico Pinto.

Sobretudo esta visita, trouxe uma animação inusitada às tropas de Nhala – e do Sector -, mas não se pode dizer que tivesse, também, quebrado a monotonia e a rotina, simplesmente porque naquela época, o que tínhamos menos era monotonia e rotina, tal era a actividade operacional. Esta actividade continuava virada para a protecção às obras da estrada como até aí, mas, a partir de agora, também para a protecção exclusiva das máquinas, paradas à noite, em zonas cada vez mais afastadas dos aquartelamentos, implicando dormidas no mato junto delas. Para além disto, todo o Sector era “vasculhado” (...)


10 de Março de 1974 – (domingo) – A visita da Cilinha

Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto [Lisboa. 1921 – Cascais, 2011],  Cilinha, como gostava de ser tratada, (diminutivo que lhe vinha da infância), era descendente de aristocratas e uma Senhora do Regime.

Não precisa de grandes apresentações porque sobre ela quase tudo já foi dito. Muito antes de a ter conhecido em Nhala, já tinha por ela uma elevada consideração e um grande respeito, pela sua coragem, tenacidade e coerência.

Durante treze anos, de 1961 a 1974, foi presidente do MNF que ela fundou, tendo em vista acções de sensibilização da sociedade portuguesa para a defesa das colónias ultramarinas, o seu Ultramar. Tudo fez nesse sentido, desdobrando-se em iniciativas na Metrópole e calcorreando as colónias, tentando dar alento a tropas desmotivadas e politicamente amorfas.

Era por ser assim, e não pelos seus objectivos, que a admirava e a minha consideração elevou-se depois de a ter conhecido. Porque, sendo coerente com as suas convicções, saiu do seu confortável cantinho e dos salões solenes e elegantes, e veio para o terreno com o seu camuflado pôr na prática aquilo em que acreditava, correndo riscos e sofrendo privações.

E via-se que gostava do que fazia, exibindo uma alegria contagiante e uma disponibilidade total, atributos que passavam para quem a via e ouvia, por a reconhecerem como “um deles”. Politicamente, eu estava nos antípodas. Para mim, a Cilinha, pelas suas ideias e acções e pela sua proximidade (intimidade) com o Regime, representava o Regime.

Politicamente, portanto, eu era contra a sua filosofia de manutenção das colónias, contra tudo o que dizia e fazia nesse sentido, que era, um pouco do que já fizera na sua juventude em prol da caridadezinha.

Paradoxo, incoerência da minha parte? Não. Repito que, como pessoa, tinha por ela o meu maior respeito e consideração. Aliás, soube já depois da sua morte que, nesse aspecto de respeitar o “outro” mesmo não concordando com “ele”, ela não era muito diferente de mim.

Dois exemplos: foi sempre amiga, desde a infância, da Sofia de Mello Breyner, mesmo estando em campos políticos opostos; uma vez disse, revelando nobreza de carácter: “Admiro Cunhal pela sua coerência”.

Para terminar, lamento que, após o 25 de Abril e até à sua morte, tenha sido desprezada pela esquerda e ostracizada pelos seus correligionários de direita. Tudo apanágios de gente de baixa índole. Sei que nunca foi hostilizada, ainda assim, merecera mais consideração.

À chegada a Nhala, a Cilinha foi alvo de calorosa recepção por parte da tropa e de alguma população, sobretudo crianças. Mais pelo inédito da situação e pela curiosidade por esta mulher branca que se aventurava no mato para chegar perto deles, com estímulos e uma palavra amiga.

Almoçou na messe de oficiais após uns descontraídos aperitivos, mais para pôr a conversa em dia. Vinha acompanhada pelo Comandante do Batalhão, Ten Cor Carlos Alberto Ramalheira e por um séquito de outros oficiais que foi arrastando por onde passou.

Após o almoço (ou antes?) houve tempo para falar aos soldados, cantar o fado e, até, dançar com alguns. Depois partiu rumo a Mampatá, após demoradas e sentidas despedidas. Admito que foi o acontecimento do mês, mas não poderia adivinhar que o mês seguinte traria acontecimentos muito mais importantes e marcantes do que este, efémero e superficial.

Seguem-se algumas fotografias que seleccionei dessa visita.

Legendas:

Fotos nºs 1, 2, 3, 4 -  A Cilinha rodeada por alguns oficiais num momento de descontracção durante os aperitivos. 

Foto nº 3 A Cilinha a dialogar com o Comandante do Batalhão, BCAÇ 4513 (Buba), tem cor Carlos Ramalheira; em primeiro plano o cap João Brás Dias, comandante da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513,  de Buba.

Foto nº 4 - Messe de oficiais de Nhala. O Comandante do Batalhão diz umas palavras de circunstância.

Foto nº 5 - Ajuntamento de alguns militares e nativos para ouvir a Presidente do MNF.

Foto nº 6 - A assistência vai-se chegando, mas alguns parecem hesitantes...

Fptos nº de 7 a 17 -  Após a visita, a Cilinha é acompanhada até às viaturas para o regresso.

Foto nº 7 - À sua esquerda o Comandante da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Nhala, Cap Braga da Cruz. À frente, o Comandante do Batalhão em diálogo com um homem grande da tabanca.

Foto nº 8 - A Cilinha troca umas palavras com o Cap Braga da Cruz.

Foto nº 9 - Cilinha sorridente, num meio que lhe é familiar: a tropa.

Foto nº 9A - A Cilinha olha directamente para a objectiva (detalhe  da fotografia anterior)

Foto nº 11 - Finalmente o embarque: a difícil subida para a Berliet

Foto nº 12 - Cilinha e o Comandante do Batalhão acomodam-se por cima de sacos de areia.

Foto nº 13 - Beijo de despedida do cap Braga da Cruz.

Foto  nº 14 - Cilinha despede-se de um Alferes que não consigo identificar.

Foto nº 15 - Últimas recomendações? A mim pareceu-me mal que a Cilinha e o Comandante tivessem seguido à cabeça da coluna numa Berliet rebenta-minas; ao lado direito, os fuzileiros do destacamento de Cacine.

Foto nº 16 - Vista geral do aparato que envolveu a visita da Cilinha.

Foto nº 17 - Último adeus da Cilinha ao pessoal de Nhala. Em segundo plano, de frente com a mão na cintura, vê-se o fur mil Manuel Casaca.

Foto nº  18 e 19 - Partida

Foto nº 18 - A coluna embica pela velha picada rumo a Mampatá. Mas em frente já é possível ver-se o troço que, ao cimo, entronca na estrada nova: à direita para Buba, e à esquerda pata Mampatá e Aldeia Formosa.

Foto nº 19 - O pó foi sempre uma constante, mas agora agravado pelo revolver dos terrenos pelas máquinas da Engenharia. Não o apanhar de frente, é uma vantagem de quem segue na viatura rebenta-minas. Ou talvez por isso...

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]

2. Comentários (*):

(i)  Luís Graça

São palavras de grande autenticidade, hombridade e nobreza, as que escreves sobre esta mulher, a Cilinha, que podíamos descrever como a Pasionaria do regime... Podemos discordar, política e ideologicamente, das pessoas com quem fizemos a guerra, ou contra quem fizemos a guerra, mas o respeito pelo "adversário" é das coisas que eu mais admiro... 

Alpoim Calvão manifestou, publicamente, antes de morrer, numa entrevistas que deu, a sua admiração pelos guerrilheiros do PAIGC que tão duramente combateu...

Valiosíssimo, o teu álbum fotográfico!... Continua a ser uma caixinha de surpresas!... E fazes bem em editar as fotos, desde que tenham boa resolução... Podes fazer "grandes planos", valorizando certos detalhes... Foi o que fizeste (ou foi o Carlos Vinhal por ti?) com o "grande plano da Cilinha" mais o comandante de batalhão [e o cap Braga da Cruz, foto nº 9A]... Parabéns!

3 de novembro de 2015 às 12:34 e 12.51

(ii) Virginio Briote

Documento de grande valor, caro Murta.

3 de novembro de 2015 às 13:39

(iii) César Dias

Que grande reportagem,finalmente vejo uma senhora que nos acompanhou, não me recordo que tenha passado por Mansoa (69/71), ouvi falar dela , bem e mal como era normal.

Caro Murta, obrigado por partilhares estas imagens connosco, dá-nos a ideia que estamos no terreno.

(iv) JD [José Manuel Dinis]

Caro Murta: não posso deixar de me associar à tua homenagem a essa figura mítica, que foi a Cilinha. Nunca a vi, mas foi uma patriota consequente, que fez o que muitos militares e políticos não fizeram, talvez porque ela acreditasse, e eles, incompetentes, só tivessem em consideração o "prestígio" das funções que exerciam.

Mais ou menos como acontece persistentemente, pois os responsáveis desta "segunda república" não têm mostrado sentido cívico nem orgulho em servir Portugal, e têm sido responsáveis por inúmeras traições que nos conduziram à perda da soberania, e à corruptela dos valores de solidariedade e de orgulho nacional, que precipitou o país numa profundíssima crise económica, financeira, e de identidade.

(v) Carvalho de Mampatá [António Carvalho]

Na senda que nos tem habituado,  o Murta continua a revelar-nos cenas e ângulos de visão singulares da nossa guerra. O MNF liderado por Cecília Supico Pinto teve um papel nesta guerra, como nós todos, antigos combatentes. Pelo seu esforço, em proveito nosso, a minha gratidão.

(vi) Valdemar Queiroz

Parabéns, caro Murta.

Extraordinária reportagem fotográfica.

Contado, se calhar, ninguém acredita ou, só acreditam os que lá estiveram.

Eu, também, conheci a Cilinha. 'Quem é que do Benfica'? perguntou ela e, depois, ofereceu uma bola de futebol.

Cilinha, 1921-2011, como é que viveu 90 anos a mandar a baixo uns bioxenes e umas grandes cigarradas?

Mais uma vez, grande reportagem fotográfica. A foto final com a poeirada até
parece ensaiada.

(vii) Carlos Milheirão

É, sem sombra de dúvidas, um excelente documentário e, por isso mesmo, agradeço ao Grã-tabanqueiro Murta, a sua partilha. 

No mesmo mês de Março de 1974 (não sei em que dia), a Cilinha, juntamente com outra senhora, visitaram Gadamael Porto, tendo aí pernoitado. Era, sim senhora, uma mulher de coragem. 

No dia em que lá chegou, estávamos no bar de oficiais e já noite fechada, entrou um soldado com uma granada descavilhada na mão e a gritar "f...-vos todos". Escusado será dizer que esse soldado já estava "apanhado" (já tinha lá ultrapassado o tempo normal da comissão devido a sanções disciplinares. 

O certo é que a Cilinha não arredou pé do sítio onde se encontrava. O soldado foi mais ou menos facilmente manietado e foi-lhe retirada a granada em segurança. No dia seguinte, por volta das 5:30 da manhã, uma flagelação e, a Cilinha, uma vez mais, deu provas da sua coragem. 

De facto, enquanto nós recorremos às valas e abrigos, a Cilinha já se encontrava no bar e dali não arredou. Questionada pelo Capitão Patrocínio sobre o facto de não se ter abrigado, ela respondeu: 'Só se morre uma vez'. Grande lição.

4de novembro de 2015 às 17:59

(viii) Joana [, filha do António Murta]

Papá: Mais uma vez me comovo por saber que guardas tantas histórias impressionantes, cheias de emoção! Garanto-te que muito poucos foram os livros que li, que me fizessem sentir entrar tão profundamente na acção da história, e arrepiar, e ficar com um nó no estômago ao passar naqueles momentos de ansiedade e perigo!... Gosto muito de te ler!... Gosto muito da forma como escreves!

Mais uma vez te peço que continues! Posso não ter tempo agora para ler todas as tuas publicações, mas garanto-te que um dia, talvez naquela ainda longínqua fase da vida em que as minhas filhas vão querer dar mais que fazer a outros do que a mim, eu então vou querer ler tudinho, sem falhar nenhum capítulo!
Beijinho bom!

6 de novembro de 2015 às 11:55

(ix) C. Martins (*)

A Srª Supico Pinto... 

Visitou Gadamael em março de 1974. Fez-se acompanhar por um pelotão do destacamento de Fuzileiros de Cacine.

Ao desembarcar imitou uma "rajada" ...perante o espanto do Zé Pagode,pediu um copo de tinto do bidão, que apenas provou, bebendo isso sim um "Old Parr".

Ofereceu-me um disco e um maço de tabaco, mas recusei a oferta, porque não estava interessado no conteúdo do disco e não fumava. A bem da verdade detestava a Senhora, não por ela, mas pelo que representava.

Pernoitou no abrigo de transmissões, e na manhã do dia seguinte aguentou estoicamente a primeira flagelação do dia.

Começou a correr o boato que iria regressar a Bissau de "hélio" e, perante a revolta geral, visto que as evacuações só se faziam de "hélio"a partir de Cacine, regressou da mesma forma como veio.
Foi assim que a conheci pessoalmente.

13 de setembro de 2020 às 01:10
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de12 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21349: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (5): A visita da Cilinha ao destacamento de Nova Sintra, em 1973...

Guiné 61/74 - P21360: Parabéns a você (1868): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Soldado Radiotelegrafista da CCS/QG/CTIG (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21345: Parabéns a você (1867): Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Guiné, 1970/72) e José Parente Dacosta, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 1477 (Guiné, 1965/67)

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Guiné 671/74 - P21359: Notas de leitura (1307): "Admirável Diamante Bruto e outros contos", por Waldir Araújo; Livro do Dia Editores, 2008 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
Mais uma agradável surpresa, descobrir outro protagonista da literatura luso-guineense, Waldir Araújo veio na adolescência para Portugal e é profissional na RDP África. Este "Admirável Diamante Bruto e outros contos" transporta-nos em permanência para a Guiné, tudo mesclado de saudades, amores fracassados, silêncios africanos, misticismo e feitiçaria, a metáfora da espera, a resignação perante as engrenagens de quem triunfa no poder e dita ordens.
Como escreve o escritor angolano Ondjaki: "Requintada Domingas Odianga, o temível Carlos Nhambréne, o amoroso Mimito Adão ou até o galego Maurizio Santiago, todas estas pessoas recheadas de invulgares aspetos humanos querem estar na Guiné e falar sobre ela, dos seus tempos, dos seus quotidianos, dos seus sensíveis afazeres".

Um abraço do
Mário


"Admirável Diamante Bruto", por Waldir Araújo

Beja Santos

Waldir Araújo
Na introdução este livro de contos de estreia literária, o escritor angolano Ondjaki saúda o colega guineense com inegável ternura, dá-lhe um belo estímulo para continuar, tão promissor parece ser o início da carreira literária: “parece-me, pois, que nasceu aqui um importante, simpático e arejado livro de contos. que estas histórias semeia no autor o desejo de continuar escrevendo, brincando com seriedade entre a tradição coletiva guineense e a tradição interna dos seus segredos, aí onde residem os sonhos inquietos, as árvores que contam segredos, os rios que se revoltam em mágoa, as imperfeições da vida, os amores não impossíveis, as dramáticas fragâncias, as guerras desumanas e as gentes humanas”. O estreante é Waldir Araújo, um guineense que confessa a paixão pelas palavras e é jornalista desde 1996, é profissional da RDP África. "Admirável Diamante Bruto e outros contos", Livro do Dia Editores, 2008, é a primeira aventura do autor, um bom punhado de histórias onde a Guiné está sempre presente ou quase.

Para quem continue cético quanto as primícias da literatura luso-guineense, estes contos de Waldir Araújo trazem matéria clarificadora. O autor recorda que cresceu rodeado de figuras, situações de vida e por uma realidade guineense rica em fantasia, vivendo em permanência em Portugal, considera que a escrita é uma forma de exorcizar as saudades, daí a interseção entre o que observou e os cadinhos da memória conserva. Logo o conto de abertura, “Admirável Diamante Bruto”. Temos Ansumane Sidibé, trabalhador incansável que conseguiu o estatuto de subempreiteiro, comprou um terreno na zona da Amadora onde construiu a sua moradia. É nisto que surge alguém que se apresenta como seu primo, trata-se deste admirável diamante bruto a quem ele confia uma função na empresa. Revela-se abusador, ingrato, ao fim do dia de trabalho passava a percorrer os hotéis de luxo, sentava-se no hall de entrada a ler jornais e revistas. Acaba por agradar a uma rica empresária francesa, a sua vida mudou radicalmente, sempre que passava por Lisboa dirigia-se para o hall de entrada do hotel e pensava alto: “Que saudades, meu Deus!”.

Passamos para um conto tipicamente guineense, passado numa ilha do arquipélago dos Bijagós, Ernesto já não é amado por Domingas Odianga, tornou-se um pescador desconsiderado. Procura a automutilação do seu órgão sexual, é tratado por uma curandeira, Domingas desperta para este ressentimento de homem despeitado, procura recuperá-lo. O trabalho da curandeira levou à recuperação de Ernesto, Domingas vai buscar quem abandonou, a paixão reacendeu-se. A curandeira explicou a Ernesto o que verdadeiramente aconteceu, não foi uma planta vulgar que mudou as coisas, o que mudara foi a confiança e autoestima que Ernesto reconquistara, o amor-próprio. Segue-se a conclusão: “Foi assim que nasceu esta celebração que ainda hoje se realiza na mística ilha de Etionkó. No Dia do Amor-Próprio, celebrado todos os anos no início da época das chuvas, não há disputas, todos os homens como as mulheres celebram em pé de igualdade a confiança na sua força interior”.

Há contos que se rendem ao mundo dos mortos, às notícias que se publicam sobre falecimentos de vivos, é esta a trama de Salvo pela Morte, uma brincadeira de um falso anúncio muda a vida de um homem, torna-o melhor, não tinha amor ao próximo, passou a ser um sensível e compreensível cidadão. Há também as cartas de amor, que transportam por vezes tantos equívocos. Mina Sandi socorria-se de um escritor ambulante para enviar os seus estados de alma ao seu amigo Malaquias. Sucedem-se as cartas de Nina graças à prosa de Mimito Adão, carteiro nos CTT de Bissau. Mimito ouve os lamentos de Mina, interioriza-os, e espelha-os nas cartas que envia para Malaquias: “No profundo oceano das minhas dúvidas, és a única certeza que conta. O carteiro consola-a, as respostas não chegam. Por compaixão, o carteiro inventa cartas de resposta de Malaquias para Mina". Dera-se uma alteração afetiva de Mina, o longo silêncio e a demora de Malaquias contribuíra para a sua transferência amorosa para Mimito, Waldir Araújom encontra um remate espantoso para esta história, dita a Mimito a última carta para aquele por quem ela nutrira flamejante paixão: “Querido Malaquias, escrevo-te hoje para te dizer que sempre soube que partiste com outra mulher. Não quisera aceitar, mas sempre soube. Insisti em escrever na tentativa de descobrir que estava enganada. Recebi as respostas que também sei que não saíram do teu punho. Mas resolvi responder, é uma forma de recusar a realidade, de continuar a sonhar. Hoje escrevo-te para te dizer que estou finalmente livre e quero levar a minha vida a adiante. Conheci um homem bom por quem me apaixonei e, se esse amor tiver correspondência como as nossas cartas, é com ele que eu quero viver. Quanto mais o conheço mais me admiro com o tempo e amor que te dediquei. Não tive ainda coragem de lhe dizer o que estou a sentir mas, inteligente como é, sei que já se apercebeu. Sinto que ele também me quer. Espero que sejas feliz”. As mãos de Malaquias não paravam de tremer, Mina intimava-o a dar uma resposta. E o final é equívoco e ambíguo, provavelmente Mimito não aguentou passar do sonho à realidade: “Naquele dia foram muitos os moradores que reclamaram pela ausência do carteiro que escrevia as cartas de amor”.

Há nestes contos gente que rouba para comer e que se disfarça de Pai Natal; há relatos sobre a decadência de Bolama, há um vendedor de rosas que tem a face desfeita por razão de uma rixa, uma antiga amante marcou-lhe o rosto com ácido sulfúrico, a sua vingança era por veneno fatal aos que a cheiravam, virou-se o feitiço contra o feiticeiro. Estes pequenos contos sucedem-se com a Guiné sempre presente e assim chegamos à última peça, “Sem Motivos para Rancor”, é o conto mais marcadamente político de Waldir Araújo, num restaurante de Bissau fala-se sobre os primeiros números da Comissão Nacional de Eleições, sobre os resultados da segunda volta de um polémico escrutínio presidencial. Os números que inicialmente pareciam dar vitória ao candidato apoiado pelo Governo começavam então a ser contrariados com informações e números que circulavam em panfletos vendidos a mil francos a folha. É nesta atmosfera que Gabriel encontra Dino Isaac, o judeu mais guineense que conhecera. Dino comenta: “Essa malta não percebe que nos cega a todos com o vaivém da luz. Eu já me desenrasco bem nesta eterna escuridão. Sabes o que eu acho? No dia em que acabar essa história de corte geral, luz bai, luz bim, e passarmos a termos luz elétrica a todo o tempo, os guineenses vão todos sair à rua a pedir à comunidade internacional que lhes devolva a escuridão amiga de longos anos”. Gabriel é abordado para participar num documentário positivo sobre o país, com coordenação francesa. Jean Marie Guinnot é um francês de coração guineense. Propõe Gabriel que prepare a trama da história para o filme. Este pensa ter encontrado o fio condutor, sugere ao realizador Dino Isaac. Mas os produtores consideraram que o projeto fugira à ideia inicial. Dino sentencia: “Gabriel, aqui as coisas são outras. Tens que voltar e entrar no sistema e só depois é que entenderás tudo". Gabriel regressou a Portugal. Continua à espera.

O leitor tem assim oportunidade de ser confrontado com um conjunto de histórias onde se cruzam a magia e a fantasia da alma africana, tudo saiu da pena de um jovem guineense que veio para Portugal mas sabe muito bem onde estão as suas raízes.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21346: Notas de leitura (1306): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", livro de Adriano Miranda Lima (edição de autor, Mindelo, 2020, 241 pp.): a história escrita com paixão, memória e coração (José Martins)

Guiné 61/74 - P21358: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (6): a evaporação das cervejas


Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > s/d > Largada de frescos e correio, de paraquedas... Foto do álbum de Herlânder Simões, ex-fur mil da companhia de "Os Duros de Nova Sintra", de rendição individual, tendo estado no TO da Guiné, em Nova Sintra e depois Guileje, entre maio de 1972 e janeiro e 1974.

Foto ( e legenda): © Herlânder Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Quínara > Mapa de São João (1955) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bolama, São João, Nova Sintra, Serra Leoa, Lala, Rio de Lala (afluemte do Rio Grande de Buba)


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros, um de "Os Mais de Nova Sintra", 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974:


Cervejas evaporadas… 

por Carlos Barros


É o mês de reabastecimento em Nova Sintra e a coluna auto e os militares que prestavam segurança, iam a caminho de Lala, local de atracagem das LDG e LDM no rio de Lala, afluente do rio Grande Buba. 

Chegado ao local, esperavamos pela chegada das lanchas e, enquanto aguardavamos, uma criança africana que tinha sido transportada numa Berliet de Nova Sintra, pega num fio de electricidade, com um chumbo improvisado, um “joelho” de canalização enferrujado, um anzol com isco e lançou ao rio. 

Passados cinco minutos sente-se um grande puxão e o miúdo alou a “pesqueira” e pescou um grande peixe-serra que foi puxado para a margem e, com uma afiada faca do mato, foi morto e esquartejado , servindo mais tarde, de alimento para a tabanca. 

Um dos graduados do 3º grupo de combate levou uma granada ofensiva e lançou-a para um cardume de peixes que nadavam à superfície e, após da explosão, só se viam peixes “à tona” e só foi recolhê-los para uma caixa que serviram de jantar, na Messe para os graduados, e quase todos comeram, menos o sargento Rasteiro, para nós, “persona non grata”… 

Foi o regresso das viaturas e militares ao destacamento , sendo conferido todas as bebidas e materiais transportados e, como  era habitual, faltavam cervejas … 

Como desapareciam, todos nós sabíamos e o Rasteiro ficava “fulo” pela “evaporação” das cervejas que eram transportadas em caixas de cartão e em contacto com a água, no transporta para as viaturas, o cartão desfazia-se e as cervejas caiam para o rio mas podem acreditar que não ficavam lá… 

As viaturas “ marchavam” de regresso a passo de caracol para dar tempo aos soldados beberem as suas cervejas para arrelia do Rasteiro… 

Naturalmente que nós, graduados, sabíamos da marosca e eramos cúmplices.  A tropa manda(va) desenrascar… 


Carlos Barros, Nova Sintra 1974 (**)


[Carlos Barros, ex-fur mil. 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), membro da Tabanca Grande  nº 815; vive em Esposende; é professor reformado]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de maio de  2007 > Guiné 63/74 - P1747: Tabanca Grande (8): Herlânder Simões, ex-Fur Mil, um dos Duros de Nova Sintra (1972/74)

domingo, 13 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21357: Agenda cultural (757): Contos eróticos, "Os Velhotes", de António José Pereira da Costa... na Feira do Livro do Porto, 12 de Setembro de 2020 (Carlos Vinhal)



Na tarde de sábado, 12 de Setembro, devidamente acompanhado pela Dina, minha fotógrafa oficial, rumei à Feira do Livro do Porto, relativamente pouco concorrida, a praia era mais convidativa e o COVID desmotiva, para estar com o nosso camarada António José Pereira da Costa, que ali estaria cerca das 15 horas a autografar o seu livro de contos eróticos "Velhotes".

Por sorte, pouco depois de entrarmos no espaço destinado à Feira, encontrámos o nosso autor num stand onde adquiria alguns livros. Não me reconheceu logo com chapéu e máscara, pelo que tive de me desfazer destes acessórios por momentos. "Olha a tua pequenina". Não houve o habitual abraço nem sequer um aperto de mão, dadas as circunstâncias, mas a partir dali percorremos juntos a Feira até ao stand do distribuidor do seu livro, em frente do qual se situava o local destinado à sessão de autógrafos.

Adquirido o livro, ficámos todos à espera da hora para se dar início à sessão e o autor, Pereira da Costa, fazer a respectiva dedicatória no meu exemplar, que diz isto: "Para os velhotes Vinhal, para que entendam e aprendam as novas/velhas técnicas".

Aqui a ficam as fotos da tarde:






Fotos: Dina Vinhal

OBS: - A ausência de máscaras foi só para as fotografias. Nas quase 2 horas em que estivemos junto do Pereira da Costa mantivemos as máscaras e a distância social, tanto quanto possível.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21336: Agenda cultural (756): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", de Adriano Miranda Lima: o livro pode ser adquirido a 12 € por exemplar, incluindo portes de correio

Guiné 61/74 - P21356: Blogues da nossa blogosfera (139): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (50): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


A DÍVIDA

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Adoro ir a restaurantes antigos, clássicos, velhos, modestos mas excelentes, que não troco, de forma alguma, pelo mais requintado gourmet. Há sempre uma cena, uma história que o acaso nos oferece como deliciosa sobremesa. Neste restaurante a que fui com um grupo de amigos, onde a vitela assada no forno não tem comparação com outra qualquer, aconteceu o seguinte: no fim da refeição, pedi a conta, e um dos donos do restaurante disse-me que estava tudo pago. Tanto eu como os meus amigos ficámos de boca aberta. Perguntei o que se passava, quando ele me respondeu:  
Senhor Doutor, isto não é para pagar nada, mas eu tenho uma dívida para com o Senhor Doutor há mais de vinte anos. O Senhor não se recorda, mas vai lembrar-se depois de eu contar. Há vinte e tal anos diagnosticaram-me, em Lisboa, uma leucemia e deram-me seis meses de vida. Indicaram-me todos os tratamentos e cuidados a ter e mandaram-me para a minha terra, dizendo que gozasse o melhor possível o tempo que tinha de vida. Quando cheguei à minha aldeia alguém me disse para consultar o Dr. Adão, e eu assim fiz. O Senhor Doutor ficou meio triste e disse-me compreender a minha angústia, mas que não eram coisas das suas mãos de cardiologista. No entanto, iria recomendar-me um grande amigo, hematologista, o Prof. Arnaldo Mendonça, pois não via melhor pessoa a quem me entregar.

Abro aqui um parêntesis para dizer que o Arnaldo Mendonça, ainda hoje meu grande amigo, foi meu colega no Internato Geral do Hospital de Santo António, seguindo depois para o Hospital de S. João, onde fez a especialidade de hematologia e se doutorou.

Andei no Prof. Arnaldo Mendonça durante doze anos, continuou o dono do restaurante. Ao fim deste tempo, ele mandou-me para casa e recomendou-me que fizesse a vida normal e tentasse viver o mais possível, nada impedindo, dentro do que lhe dizia respeito, de durar até aos cem anos de idade. Como vê, Senhor Doutor, um almoço não é nada comparado com a minha vida.

A mim, confesso, soube-me muito melhor esta sobremesa do que a oferta de mil almoços.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21330: Blogues da nossa blogosfera (133): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (49): Palavras e poesia