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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7820: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (23): O "fefé" é um instrumento utilizado só pelos povos originariamente islamizados (Cherno Baldé)

1. Comentário do nosso tertuliano Cherno Baldé*, a quem aproveitamos para saudar, pelo seu regresso, deixada no Poste Guiné 63/74 - P7801: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (65): Na Kontra Ka Kontra: 29.º episódio:

Caros amigos,
Quero felicitar o Fernando Gouveia por esta interessante novela em terras Guineenses que, quanto a mim, dava para um belo filme.

Senti muita inveja do Alfero Magalhães pela bonita residência que lhe coube em Madina Xaquili. Na nossa língua (fula) chamam estas casas de "Náatu ka sudu" ou seja "faça o favor de entrar", s´il vous plait.

Sobre o "fefé" quero acrescentar que é um instrumento utilizado só pelos povos originariamente islamizados (Fula e mandinga).

E, ao falar do seu ar primitivo, opinião que eu também partilho, convém salientar outros aspectos não menos importantes:

Em primeiro lugar, trata-se de um instrumento resistente e leve, sendo fácil de manobrar para toda a gente e nas diferentes faixas etárias e, em segundo lugar, é facilmente adaptável aos diferentes tipos de solos. Os solos da região tropical são diferentes dos solos das regiões temperadas pois aqui a camada nutriente que alimenta as plantas não é muita profunda. Mas, sobretudo é um instrumento altamente social, pois ninguém o utilizava de forma isolada e já se falou aqui dos "Wampanhs" daquela época. Hoje em dia, praticamente não se usa, e também porque nessa era de telefones móveis acompanhada de crises móveis, já ninguém trabalha como outrora. E por falar de trabalho, entramos na análise de uma outra vertente mais cultural ou socio-antropológica aflorada por A. Branquinho e que diz respeito a gestão da vida familiar e/ou patrimonial em que os mais velhos controlam tudo e mais alguma coisa.

Nas nossas sociedades tradicionais, providas de meios de produção bastante precários, a gestão da força do trabalho era fundamental para garantir alguma sustentabilidade (dentro de um círculo de aparente miséria). A base fundamental para o equilíbrio de todo o sistema era o controlo do sexo e da sexualidade, isto é a gestão rigorosa e racional do mesmo de forma a garantir que só têm acesso a casa das mulheres (ao sexo) aqueles que já tinham cumprido as condições e regras tacitamente estabelecidas pela sociedade para esse efeito. Este esquema permitia a (re)produção social e económica das comunidades numa perfeita harmonia com o meio envolvente.

Este modelo sofreu uma gradual mas durável destruição, primeiro com as imposições da colonização e o advento do mundo novo (a globalização) mas acabou mesmo por sucumbir sobretudo com as nossas independências. Hoje, qualquer sapateiro da esquina tem direito... tudo está politizado, o sexo se liberalizou, tornando-se baratinho e fácil de obter, os mais novos já não querem vergar a espinha para nada deste mundo.

O nosso modelo social antigo perdeu-se antes de termos tempo de construir um outro que seja funcional e adaptado a nossa realidade e as nossas condições. As nossas cidades estão cheias de gente que ao acordar de manhã não sabe o que há-de fazer com a sua vida mas também não quer ser camponês, trabalhador do campo, está civilizado antes de garantir o seu sustento.

Um velho ditado fula diz: O lado para onde olha aquele que está perdido no mato, não há tabanca nenhuma.

Um grande abraço
Cherno Baldé
____________

Nota de CV:

(*) Vd. esta série de postes com as memórias de Cherno Baldé

18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7810: Memórias do Chico, menino e moço (22): Quando choviam... frangos em Fajonquito!

27 de Novembro de 2010 >Guiné 63/74 - P7350: Memórias do Chico, menino e moço (21): Cap Teixeira Pinto e as guerras de pacificação

18 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7003: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (20 ): Fugindo da guerra civil, de Bissau a Fajonquito, Junho de 1998 (II Parte)

17 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7002: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (19): Fugindo da guerra civil, de Bissau a Fajonquito, Junho de 1998 (I Parte)

17 de Agosto de 2010 >  Guiné 63/74 - P6864: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (18): A (mu)dança das bandeiras em Fajonquito, em 1974

14 de Julho de 2010 >Guiné 63/74 - P6735: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (17): A desertificação da nossa terra: até os macacos pára-quedistas nos estão a deixar

30 de Junho de 2010 >Guiné 63/74 - P6661: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (16): Canhámina, 1974: o fim do triângulo da vida e do poder do regulado de Sancorlã

18 de Maio de 2010 >Guiné 63/74 - P6417: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (15): Obrigado, Mortágua, salvaste-me a vida!

24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6244: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (14): Cap Figueiredo: Capiton Lelö dahdè ou capitão cabeça inclinada

12 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6146: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (13): Fajonquito, o blogue, o meu silêncio... e as fotos do José Cortes

12 de Agosto de 2009 >Guiné 63/74 - P4816: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (12): E se o Algássimo tivesse razão ?

10 de Agosto de 2009 >Guiné 63/74 - P4806: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (11): Filho da p... de barrote queimado...... Ou as sobras do rancho

8 de Agosto de 2009 >Guiné 63/74 - P4802: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (10): Futebol: ser do Benfica ou do Sporting, eis a questão

5 de Agosto de 2009 >Guiné 63/74 - P4782: Memórias do Chico,menino e moço (Cherno Baldé) (9): Futebol, rivalidades, bajudas... e nacionalismos(s)

27 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4746: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (8): Misérias e grandezas de Fajonquito, 1970/75

21 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4714: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (7): As profecias do velho Marabu de Sumbundo

13 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda

6 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4646: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (5): A família extensa, reunida em Fajonquito, em 1968

30 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4611: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (4): O ataque dos meus primos a Cambajú e o meu pai que foi um herói

25 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4580: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (3): A chegada dos primeiros homens brancos a Cambajú em 1965: terror e fascínio

24 de Junho de 2009 >Guine 63/74 - P4567: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (2): Cambajú, uma janela para o mundo

19 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhão

sábado, 27 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20014: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (55): O meu pai, El-Hadj Aliu Baldé (Tamba), falecido em 1999, com cerca de 80 anos: como bom fula e muçulmano, aceitava e suportava com dignidade o domínio dos brancos (portugueses e franceses), mas sempre desconfiado da sua comida, da sua ciência e das suas reais intenções a longo prazo.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > 1991 > Festa de Ramadão > El-Hadj Aliu Baldé (Tamba), o pai do Cherno > Em 1937 fez parte do grupo de jovens que saiu de Canhamina para Contuboel para receber e homenagear os combatentes de Sancorlã que participaram na última guerra de Canhabaque (Ilhas Bijagós)...

[Recorde-se: em rigor, foi uma expedição punitiva, contra os bijagós que se recusavam a pagar o "imposto de palhota", também conhecida por "quarta e última campanha de Canhabaque", decorrendo de 10 de novembro de 1935 a 20 de fevereiro de 1936... O pai do Cherno faleceu em Bissau em setembro de 1999, provavelmente com 80 anos. Recorde-se aqui que El Hadj é um título honorífico reservado ao crente muçulmano que, em vida, consegue ter a felicidade de fazer, com sucesso, pelo menos uma peregrinação anual, Hajj, a Meca]

Foto (e legenda): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Cherno Baldé, Quichinau, Moldávia,
dezembro de 1985, aos 25 anos.   Formou-se
 em economia,  em Kiev, Ucrânia.
Fez uma pós-graduação  no ISCTE, Lisboa, 
em 1992/94, já casado com
Geralda Santos Rocha,
natural de Bissau, de origem nalu.
O casal tem 4 filhos.
1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P20005 (*):

Caros amigos,

Como já tive ocasião de dizer nas minhas memórias de infância, o meu pai era um homem muito decidido e sensato para a sua época e, ao mesmo tempo, era um homem de convicções muito fortes, sobretudo religiosas. (**)

Da mesma forma que nunca aceitou a ideia da chegada do homem a lua, também não aceitava a teoria da terra redonda. Não discutia isso com as outras pessoas fora do circuito restrito da família, mas não admitia que os seus filhos metessem na cabeça muitas fantasias. Uma vez, ameaçou mesmo retirar-me da escola se continuasse a falar dessas coisas anti-religiosas que nos ensinavam na escola. Isso aconteceu quando ainda estudava no ciclo preparatório e depois no Liceu de Bafatá (1975/79).

Um dia, depois do meu regresso da URSS em 1990, numa conversa em família, inadvertidamente falei de uma viagem que tinha feito às cidades históricas de Samarcanda e Bucara (Uzbequistão), no âmbito de uma excursão escolar, pensando que ele ficaria satisfeito por ter perdido o meu tempo a visitar localidades islâmicas históricas. No fim, o meu pai perguntou-me onde estavam situadas. Respondi que estas cidades eram da Ásia Central, para lá da cidade santa de Meca.

Não devia ter falado. O velho levantou-se visivelmente irritado e foi para a sua casa, sem dizer mais nada. No dia seguinte atirou-me à socapa : "Tu,  Cherno, não sei o que a tua escola te serviu, pois ainda continuas a mesma criança idiota que saiu daqui há mais de 15 anos e nem consegues entender que Meca é o fim do mundo?!... Como podes afirmar que há outro mundo para lá de Meca e que tu estiveste lá?!"

Era assim o meu pai, muito corajoso e sensato, mas completamente irascível nas suas crenças, de tal modo que não valorizava muito os nossos estudos na escola dos brancos, exceptuando, claro, a contrapartida monetária que podíamos fornecer.

Ao que parece e por aquilo que aprendi das suas relações, os brancos (portugueses e franceses) desconfiavam sempre dos fulas e da sua religião islâmica, da mesma forma que os homens grandes fulas (como bem disse o Mário Migueis) aceitavam e suportavam com dignidade o domínio dos brancos, mas sempre desconfiados da sua comida, da sua ciência e das suas reais intenções a longo prazo.

Um abraço amigo,
Cherno Baldé (***)

2. Comentário do editor, aquando da apresentação do Cherno Baldé, à Tabanca Grande, em 19 de junho de 2009:

(...) Não te vou tratar por senhor dr. Cherno Baldé, porque a tua vontade é ingressares nesta Tabanca Grande, onde não há ou não deve haver barreiras (físicas, simbólicas, sociais, protocolares, étnicas ou culturais)... Tratemo-nos, pois, por tu, e vamos retomar as conversas e as brinqueiras com os tugas do teu tempo de Fajonquito (1968/74)...

Também não te vou tratar por camarada porque não foste combatente, nem militar, tecnicamente falando... Em contrapartida, passaste pela mesma Escola que eu, o ISCTE, e isso reforça as nossas afinidades e cumplicidades... Estive além disso na CCAÇ 12 onde havia vários Chernos Baldé, gente do Cossé, de Badora, do Corubal, militares do recrutamento local, fulas, que foram de um inexcedível lealdade e camaradagem.

Estás em casa, espero que sintas hoje muito mais confortável do que nesse tempo, em que matavas a fome com as sobras do quartel de Fajonquito a troco de pequenos serviços... Como tu, houve milhares de djubis (como a gente dizia, referindo-se aos putos) que viviam literalmente nos nossos quartéis, estudaram e fizeram-se homens nos nossos quartéis...

Essa tua história, fabulosa,  de infância e adolescência merece ser contada...Uma história de vida, de luta, através do trabalho e do estudo, que é um exemplo,  que nos comove a todos nós e que te deve orgulhar, a ti e à tua família...

Recebo-te, pois, de abraços abertos, meu amigo e meu irmãozinho, guineense, mesmo não tendo conhecido Fajonquito (do leste só conheci a região de Contuboel, Geba, Bafatá, Galomaro e Bambadinca, até ao Saltinho, passandor Xime, Mansambo e Xitole...) (...)

__________


(**) Cherno Abdulai Baldé, guineense, de etnia fula, natural de Fajonquito, sector de Contuboel, região de Bafatá, nascido por volta de 1960. Entrou para a nossa Tabanca Grande em 2009; tem 193 referências no blogue; é nosso colaborador permanente para as questões etnolinguísticas: vd. poste de  18 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje quadro superior em Bissau...


Vd. últimos dez postes anteriores da série, começada em 19 de junho de 2009:

3 de janeiro 2018 > Guiné 61/74 - P18170: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (53): três balas de kalash para uma missão suicida: o trágico fim do ex-soldado 'comando', Cissé Candé, em abril de 1978

3 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16913: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (52): à semelhança da França (em relação aos seus "tirailleurs sénégalais"), quando é que Portugal reconhece aos seus antigos soldados guineenses a nacionalidade portuguesa?

20 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16321: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (51): Os portugueses tiveram tendência para menosprezar o PAIGC, antes e depois da guerra... Recordando uma cilada dos "homens do mato" aos homens grandes de Sancorlã/Cambaju, ao tempo da CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65

31 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15556: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (50): Na minha língua materna, o fula, não existe a expressão "Feliz Natal"... Mas felizmente que a Guiné-Bissau é um país de tolerância religiosa, em que as duas religiões monoteístas, Islamismo e Cristianismo, coexistem bem com o animismo

1 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14956: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (49): Relativamente ao desaparecimento do Alferes Leite, trata-se de um caso do qual ouvi falar desde a minha infância (Cherno Baldé)

25 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14660: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (48): Avião amigo ou inimigo!?

15 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13500: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (47): Retrato de uma família - A guerra, a pobreza e a presença dos soldados portugueses

3 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12929: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (46): Depois do ataque

25 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11762: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (45): Horror e terror em Cuntima, em novembro de 1976: a revolta de um grupo de antigos milícias, a execução pública de Soarê Seidi e de Abbaro Candé, por ordem do histórico comandante do PAIGC, Quemo Mané (Recordações de Demburri Seidi, tradução e texto de Cherno Baldé)

19 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11730: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (44): A mulher mandinga e o soldado português

sábado, 8 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10349: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (38): Poemas da juventude (I): Nasci aqui...





Cherno Baldé (n. 1960), em Kiev, Ucrânia, quando estudante (1989)


Nasci aqui
por Cherno Baldé

Nasci aqui
Em Lamkebembe.
É pasto e campo,
Foi casa,
Em tempos nómadas.

Aqui me abriguei,
Em tempos de guerra-pátria.
Espaço enigma.
É a chuva.
Enredos, entre Sintchã e Santa.
Aqui plantei a última árvore
E minha única esperança.

Nasci aqui.
É Sunkudjumá.
É rio dormindo.
É bolanha.
Fossas e lianas.
São leitos secando.
É peixe escuro e lama.
Aqui lavramos arroz,
E a tristeza dos olhos.

Eu nasci aqui.
É Fajonquito.
Ponto incógnito.
São ruas, caminhos,
É deserto querido.
Labirintos, entre casas e corações,
Aqui começa o cemitério
Dos famintos da terra.

Fajonquito, 20/06/1985

_______________

Nota do editor:

Últimpo poste da série > 4 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10325: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (37): Guerra de titãs, o Almeida Comando contra o Vilar Pára


Vd. alguns dos primeiros postes da série:

18 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje engenheiro em Bissau...

19 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhão

24 de Junho de 2009 > Guine 63/74 - P4567: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (2): Cambajú, uma janela para o mundo

25 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4580: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (3): A chegada dos primeiros homens brancos a Cambajú em 1965: terror e fascínio

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4611: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (4): O ataque dos meus primos a Cambajú e o meu pai que foi um herói

6 de julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4646: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (5): A família extensa, reunida em Fajonquito, em 1968

13 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda

21 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4714: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (7): As profecias do velho Marabu de Sumbundo

27 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4746: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (8): Misérias e grandezas de Fajonquito, 1970/75

5 de Agosto de 2009 >Guiné 63/74 - P4782: Memórias do Chico,menino e moço (Cherno Baldé) (9): Futebol, rivalidades, bajudas... e nacionalismos(s)


Ou ainda:

30 de Junho de 2010 >Guiné 63/74 - P6661: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (16): Canhámina, 1974: o fim do triângulo da vida e do poder do regulado de Sancorlã



segunda-feira, 12 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6146: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (13): Fajonquito, o blogue, o meu silêncio... e as fotos do José Cortes

1. Mensagem, de 10 do corrente, enviada pelo Cherno Baldé (*), formado em gestão, quadro superior da administração pública da República da Guiné-Bissau, membro da nossa Tabanca Grande, que nos tem honrado com textos de grande pertinência e qualidade:

 Assunto: Fajonquito III (**)

Caro amigo Luis Graça,

Antes de mais quero pedir desculpas por ter desaparecido durante os últimos meses. Na verdade, depois da minha última carta respondendo algumas perguntas colocadas por si, pareceu-me ter criado algum mal estar no meio da malta, o que estava longe das minhas intenções. E também não recebi a reacção habitual e esperada da sua parte que sempre conseguiu fazer a melhor interpretação das minhas narrativas. Tendo em conta as varias reacções suscitadas, tenho, naturalmente, muita coisa a dizer, mas como tenho pouco tempo disponivel no meio do trabalho, prefiro deixar para mais tarde as possiveis réplicas.

O nosso amigo José [Cortes]  demorou a reagir mas gostei das imagens da nossa Fajonquito (**). É mais que óbvio que conheci e convivi com ele no quartel e ainda mais sendo responsável do parque automóvel, a minha zona predilecta de actuação. O José, certamente, se lembrara do Sérgio,  o responsavel pelo abastecimento do combustível, de resto, como ele diz, faziam parte da mesma companhia, para além dos meus controversos patrões, o Dias e o Magalhães, também me lembro do Mandinga. Gente porreira.

Nas imagens creio ter reconhecido a menina Cesina, filha da Cristina, actualmente a viver nos EUA. O Aladje é meu primo e actualmente trabalha na Embaixada de Angola em Bissau.

Abraços do menino Chico,

Cherno AB.

2. Comentário de L.G.:

Caríssimo Cherno, irmãozinho de Fajionquito:

Que sejas bem aparecido! A tua última mensagem era de 31 de Julho de 2009, e termianava assim:

"O balanco é mais negativo ou mais positivo? O PAIGC devia e podia fazer melhor?... Sem dúvida que sim. E os portugueses dentro de tudo isso?... A história se encarregará de responder, um dia. Eu não quero incriminar ninguém mas darei o meu testemunho, sem partidos. As palmas que ja bati no passado para os soldados portugueses nas suas paradas de ronco e para o PAIGC durante os seus infindáveis discursos e meetings já chegam, agora quero pensar com a minha cabeçaa. Tenho mais ou menos 50 anos e nessa idade devo ter medo de quem?...

"Juntamente envio mais uma parte das minhas habituais crénicas. Um forte abraço deste irmãozinho de Fajonquito" (...)

E a última crónica era sobre "ambientes e ambiguidades", que eu decidi desdobrar em quatro partes, autónomas, publicadas sucessivamente em 5, 8 , 10 e 12 de Agosto de 2009, respectivamente. O facto de não ter feito nenhum comentário final não quer dizer absolutamente nada... Aliás, o editor não deve fazerm por sistema, comentários aos textos que são publicados. Essa tarefa compete aos nossos leitores. Acontece, pro outro lado, que em Agosto todo o mundo está de férias. Eu, que sou professor, já estava de férias, nessa altura,  e portanto com menos disponibilidade, de tempo, para editar o blogue... Infelizmente, tu interpretaste isso como um sinal de menos apreço da minha parte... Nada disso, meu irmãozinho. E também não é verdade que os nossos camaradas que te leram, não gostaram dos teus últimos escritos... Revê, por favor, os comentários aos teus últimos postes.

Vamos a números: por exemplo, tiveste cinco comentários ao poste P4816, de 12 de Agosto e num deles, o do Hélder Sousa, podes ler o seguinte:

"Ah, ganda Chico! Chega a ser comovente ler-te e ficar a saber como nos viam e entendiam.

"Será que éramos mesmo assim? Pois também acredito que sim, mas acho que algumas dessas características se perderam ou perderam algum fulgor.

"Mas, olha, não foi só na tua e 'nossa Guiné' que os incompetentes, pelo menos para as funções desejadas, tomaram conta dos destinos. Por cá também aconteceu disso, razão fundamental para que as pessoas se afastassem progressivamente das obrigações que têm de vigiar os governantes eleitos e trabalhar empenhadamente para o desenvolvimento da sociedade. No fundo, voltarem a ser aquilo que os caracterizava, como tu tão bem relatas.

"No entanto fico feliz por ti, pelo teu povo, por nós, pela tua persistência em te empenhares na 'luta pela afirmação do homem africano, do terceiro mundo, de um mundo mais justo, de progresso, paz e fraternidade', que voltaste 'alegremente aos estudos' e que ainda estás 'na esperança de ver se aparece a luz ao fundo do túnel'.

"Continua, dá-nos esse belo exemplo de que é assim que se pode avançar, que não se pode desistir, não se pode perder a confiança num futuro melhor. E continua a brindar-nos com as tuas memórias.

"Sobre o 'cansaço'. há um poema, salvo erro de Berthold Brecht, que começa assim: 'Ouvimos dizer que estás cansado...0, conheces? é bom para 'recarregar baterias', como por exemplo também uma canção de Paul Simon & Art Garfunkel intitulada, 'The Boxer'. De vez em quando devemos ir aos 'clássicos'. Um abraço. Hélder S."


Chico, isto é uma grande homenagem à tua estatura moral e intelectual.  És um grande ser humano, um patriota guinense e um amigo verdadeiro de Portugal e dos portugueses. Por outro lado, podes estar ciente de que já tens, no nosso blogue, uma lista grande, não só de amigos como de admiradores.


Respeito, naturalmente, o(s) teu(s) silêncio(s). Mas a verdade é que estávamos com saudades tuas. Aparece sempre que puderes e quiseres. Um grande AB, Alfa Bravo (abraço, em linguagem de caserna).

__________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 12 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4816: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (12): E se o Algássimo tivesse razão ?


(...) Na sua opinião, a Guiné-Bissau tinha poucas probabilidades de sucesso porque em vez do bom pastor o gado tinha sido entreque aos lobos, vestidos com pele de ovelhas. Em vez de pessoas instruídas e com experiência na administração do Estado eram pessoas iletradas, quase analfabetas, que dirigiam e controlavam a vida económica e política do pais.
- Assim não vamos a sítio nenhum - arrematava.

Verdade ou mentira a opinião é dele e no que me concerne, sem capacidade de visionar o futuro, e tendo acreditado e abraçado firmemente a visão e os ideais de Amilcar Cabral sobre a necessidade da luta pela afirmação do homem africano, do terceiro mundo, de um mundo mais justo, de progresso, paz e fraternidade, voltei alegremente dos estudos e estou ainda aqui na esperança de ver se aparece a luz ao fundo do túnel.

Mas a questão é, de algum tempo para cá, recorrente e.... inevitável:
- E se o Algássimo tinha razão?... (...)


 Vd. postes anteriores:


10 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4806: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (11): Filho da p... de barrote queimado...... Ou as sobras do rancho

8 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4802: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (10): Futebol: ser do Benfica ou do Sporting, eis a questão

5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4782: Memórias do Chico,menino e moço (Cherno Baldé) (9): Futebol, rivalidades, bajudas... e nacionalismos(s)

 27 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4746: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (8): Misérias e grandezas de Fajonquito, 1970/75

21 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4714: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (7): As profecias do velho Marabu de Sumbundo

13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda

6 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4646: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (5): A família extensa, reunida em Fajonquito, em 1968

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4611: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (4): O ataque dos meus primos a Cambajú e o meu pai que foi um herói

25 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4580: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (3): A chegada dos primeiros homens brancos a Cambajú em 1965: terror e fascínio

24 de Junho de 2009 > Guine 63/74 - P4567: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (2): Cambajú, uma janela para o mundo

19 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhã

Vd. também:

18 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje engenheiro em Bissau...

7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4650: (Ex)citações (32): A Tabanca Grande ou... Global: de Contuboel, Fajonquito e Bissau com amizade (Cherno Baldé)

20 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4710: Blogoterapia (119): As Fantas, as Marias, as Natachas, ou o amor em tempo de guerra e de diáspora (Cherno Baldé)


2 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4767: Blogoterapia (118): Os Fulas, o PAIGC e... os tugas (Cherno Baldé / Luís Graça)

sábado, 20 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19120: (De)Caras (121): O ex-padre italiano LIno Bicari foi meu professor em Bafatá, depois da independência, e casou com uma prima minha, Francisca Ulé Baldé, filha do antigo régulo de Sancorlã, Sambel Koio Baldé, fuzilado pelo PAIGC (Cherno Baldé, Bissau)


Guiné-Bissau > s/l >  s/d (c. 1983) > À esquerda, Lino Bicari; à direita, Amilcare Giudici (1941-2008). Foto reproduzida com a devida vénia... Fonte: blogue dos amigos do ex-padre, do PIME,  Amilcare Giudici (1941-2008), teólogo e escritor, defensor das comunidades de base e de uma igreja sem padres para o 3º milénio.


1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P19116 (*)

[Foto à esquerda: o nosso colaborador permanente, Cherno Baldé, especialista em questões etnolinguísticas da Guiné-Bissau; tem mais de 170 referências no nosso blogue]


Caros amigos,
Cherno Baldé (n. circa 1960)
estudante universitário em Kiev,
em 1989.   É membro
da nossa Tabanca Grande
desde junho de 2009 (**)

Fui estudante do Ciclo Preparatorio e do Liceu Hoji-Ya-Henda em Bafatá, de 1975 a 1979, onde Lino Bicari, um ex-padre Italiano filiado no partido "libertador", era muito conhecido e estimado. 

Mais tarde, viria a conhecer e casar-se com uma das filhas do antigo régulo de Sancorlã (Sambel Koio Baldé) e minha prima, de nome Francisca Ulé Baldé. 

O Sambel Coio Baldé foi fuzilado pelos esbirros do PAIGC em Bambadinca,  após a independência, destino que teriam mais 4 ou 5 dos seus irmãos, todos eles príncipes de Sancorlã e ex-chefes de milicias do lado português e em defesa do seu chão sagrado. 

O ex-padre Lino é que foi o defensor da tese segundo a qual  a mãe verdadeira de Amílcar Cabral era uma mulher fula do Geba com laços de parentesco com a familia régia de Ganadu (a familia do famoso rei M'bucu ou Umbucu do tempo do tenente Marques Geraldes de Geba). 

Actualmente, vivem em Portugal, mas desconheço se continuam ou não juntos.

Sobre a questão dos Balantas / Brassa:

Segundo as fontes orais a que tivemos acesso, o termo ou etnónimo Brassa vem do termo mandinga Birassu, Brassu, Buraçu ou Braçu,  conforme as fontes em Mandinga ou Fula, Portugués ou Francés, que era a provincia ocidental do reino mandinga de Gabu (ou Kaabu) e que viria a tomar várias formas nas diferentes línguas dos povos que ai viviam antes e após o fim do imperio, na sua grande maioria mandingas, fulas, balantas, djolas, etc.

Assim, toda a zona norte da Guiné e parte da regiao de Casamança, no Senegal, se encontravam dentro desta antiga provincia, com epicentro no corredor de Farim/Mansoa que seria a capital provincial e, donde os Brassas/Balantas sairam para depois se expandirem mais ao sul do pais, até as regioes de Quinara e Tombali.

Partindo deste ponto de vista analitico, na Guiné, os Balantas não seriam os unicos "Birassu" ou "Brassa", pois também entre os fulas existem grupos, pouco conhecidos ou estudados, mas que seriam desta origem histórica, os chamados fulas Birassunka Braçunka (em mandinga: Fulas de Biraçu), com especificidades próprias da língua e cultura ainda hoje existentes, alias muito parecidas com as dos seus históricos vizinhos mandingas e balantas do norte.

Em resumo, quando um Balanta ou Djola ou Fula se identifica a si mesmo como "Brassa" ou "Birassu", isto queria dizer que se identificava com as suas raízes ou origens geográficas, em estreita ligação ao território/reino com o qual, para todos os efeitos, se identifica em relação aos outros. 

Não esquecer que em Africa, os processos de formação das identidades com base em determinados territórios ou estados nação,  iniciados no periodo pré-colonial, foram interrompidos e violentamente substituidos por relações comerciais e outras,  baseadas no tráfico de armas e de seres humanos impostas de fora para dentro ou vice-versa, e que nenhum povo africano, para poder sobreviver, podia ignorar ou dispensar em entre meados do séc. XV e fins do séc. XIX.

Cherno Baldé

19 de outubro de 2018 às 11:55
 
2. Comentários dos leitores:

(i) Antº Rosinha:

O professor Cherno Baldé já nos ensinou mais coisas,  em meia dúzia de comentários, do que aprendemos em 24 meses de comissão na "guerra do Ultramar".

(ii) Tabanca Grande Luís Graça:

É verdade, Rosinha, é sempre com grande prazer, curiosidade, apreço e respeito que lemos os postes e os comentários do nosso professor Cherno Baldé.

Chermo, o Mundo de facto é Pequeno e a nossa Tabanca é... Grande! Não conheço o Lino Bicari mas gostaria ainda de o encontrar em Lisboa... Espero que esteja bem de saúde, com os seus 80 e picos anos. Nos anos 90, em Portugal, esteve ligado à ONGD Oikos. Vejo-o citado como profundo conhecedor da realidade educativa da Guiné-Bissau. 

Gostaria que ele nos pudesse ler, ficando a saber que tem aqui, entre os colaboradores permanentes do nosso blogue, um seu aluno, do tempo do liceu de Bafatá. da segunda metade da década de 1970, e primo da Francisca Ulé Baldé, o hoje dr. Cherno Baldé, um filho da Guiné, quadro superior, que optou, corajosamente, por viver e trabalhar na sua terra.

Prometo ao Cherno que vou tentar descobrir o seu paradeiro (***). 

Mantenhas para o meu irmãozinho Cherno Baldé.

Luís Graça

_____________


(**) Vd. poste de 18 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje engenheiro em Bissau...

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11459: Questões politicamente (in)correctas (43): Meu caro Cherno Baldé, a maioria dos militares da minha companhia não era racista nem se comportava como tropa ocupante (Paulo Salgado,ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)



Guiné > Região do Oio > Olossato > CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) > O alf mil cav, op espe,  Paulo Salgado, no Olossato, prestando ajuda como voluntário ao fur mil enf Carvalho. Professor primário, ele já tinha vocação, na época, para a administração de serviços de saúde. E particular motivação e sensibilidade para as questões da cooperação e da solidariedade. Irei encontrá-lo, mais tarde, no início dos anos 80, em Lisboa, como aluno do Curso de Especialização em Administração Hospitalar, da Escola Nacional de Saúde Pública. Mas só depois da criação do blogue, é que demos conta que éramos também "camaradas da Guiné" e tínhamos uma "paixão comum por África"... Faz parte da Tabanca Grande desde fevereiro de 2006, se não erro (LG).

Foto: © Paulo Salgado (2005). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Paul Salgado [, transmontano de Moncorvo; administrador hospitalar reformado; consultor, especialista em gestão de serviços de saúde, cooperante na Guiné-Bissau e em Angola; ex-Alf Mil, CCAV 2721,Olossato e Nhacra, 1970/72]:


Enviado: quarta-feira, 24 de Abril de 2013 10:50
Para: Luís Graça; luigracaecamaradadaguine@gmail.com
Assunto: Racismo

Caro Luís,
Esta minha maneira de ver sobre o que o Cherno Baldé pensa peca por tardia. mas vai a tempo. Seria de analisar este assunto com mais profundidade. Ou não?

Paulo Salgado,  com uma saudação.


Caros Tertulianos,

«Aos soldados apeteciam-lhes fazer sexo e descarregar suas baterias com as nativas e mais nada, pois a mentalidade colonial de superioridade racial debaixo dos seus camuflados não lhes permitia ter outra forma de ver as coisas e de se relacionar com o nativo, "indígena" logo inferior" (Cherno Baldé dixit).

É o Cherno Baldé, "menino e moço de Fajonquito", que escreve esta frase, ou é o Dr. Cherno Baldé, homem grande e pai de família? Obrigado, amigo e irmão, pelo teu depoimento sobre a situação em Fajonquito nos últimos anos da guerra, no que diz respeito às relações entre a tropa e a população local.»  [vd.comentário ao  poste P11360]


Estão acima uma afirmação do Cherno Baldé e uma pergunta e comentário àquela, do Luís Graça.

Em primeiro lugar, devo afirmar aqui categoricamente que as palavras do Cherno Baldé encerram alguma coisa de verdade: pois não é certo que, cercados por arame farpado, muitas vezes (ou quase sempre), com população do lado dos tugas, ou não, muitos soldados e muitos graduados tinham necessidades fisiológicas que, certamente aproveitando-se da situação de "superioridade" material (que não psicológica, friso bem isto: que não psicológica), mantinham relações sexuais com algumas bajudas? E também não é verdade que a masturbação era prática corrente? Quem pode escamotear esta verdade?

Mas já discordo abertamente do Cherno Baldé quando faz a afirmação, diria gratuita, da tal "superioridade racial", de atitudes com "mentalidade colonial".

É verdade, caros tertulianos, que havia comportamentos aparentemente racistas, todavia não dos soldados em geral, repito: não dos soldados em geral. Claro que  praticavam actos que não abonavam nada; claro que quem tinha algum dinheiro no bolso, apesar da miséria do pré recebido mensalmente, abusava dessa materialidade. O que é manifestamente um ultraje à relação entre homem e mulher, se forçada – como creio que era, em muitas situações, exactamente por causa dessa materialidade.

Mas confundir estas situações vivenciadas pelos militares – que queriam ardentemente que o tempo passasse – com racismo, com atitudes colonialistas, é uma ofensa. Eu tomo-a como ofensa. Eu sei que a maioria dos militares da minha companhia não era racista (não digo todos, porque seria colocar as mãos no lume). Sinto-me ofendido pela generalização que o caro Cherno Baldé faz.

Se formos verificar a História, se a analisarmos bem, o Cherno Baldé encontrará sempre atitudes de indignidade e de ultraje em momentos de guerra. Para não ir mais longe e mais lá atrás: nas invasões francesas a Portugal, os militares franceses, roubaram e saquearam, violaram, maltrataram, mataram; e nos últimos anos, o que tem acontecido em vários países de África?

Não defendo os militares que se comportaram mal. O que não posso crer é que se diga que, enquanto militares na guerra colonial, que mataram e foram mortos, fossem racistas. Não eram. Na sua grande maioria.

Uma saudação tertuliana, caros Cherno e Luís.

Paulo Salgado
(ex-alferes, hoje com 66 anos)
_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 7 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10632: Questões politicamente (in)correctas (42): As trocas de comissões, por dinheiro, durante as guerras coloniais (Zeca Macedo, EUA, ex-2º ten, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74)

terça-feira, 18 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6417: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (15): Obrigado, Mortágua, salvaste-me a vida!


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sector de Contuboel > Contuboel > Ponte sobre o Rio Geba > 16 de Dezembro de 2009 > Foto de João Graça, médico e músico, membro da nossa Tabanca Grande. O Cherno Abdulai Baldé, o Chico de Fajonquito,  é natural de Fajonquito, que pertence ao Sector de Contuboel, Região de Bafatá. Entre os de Fajonquito (na fronteira com o Senegal) e os de Contuboel (que,  no meu tempo,  Junho/Julho de 1969, era centro de instrução militar, foi lá que foi formada a futura CCAÇ 12...) havia (ou ainda há) uma certa rivalidade... nomeadamente em termos futebolísticos (diz-nos o Cherno).


Foto: © João Graça (2010). Direitos reservados

1. Mensagem do guineense Cherno Baldé, amigo e membro do nosso blogue, com data de 17 do corrente

Caro Luis Graça,

Na continuação das crónicas de Chico (Cherno Baldé,  de Fajonquito), envio mais esta, esperando que suscite reacções mais positivas do que as anteriores.

De notar, entretanto, que não existe nenhuma motivação, pró ou contra relativamente ao nome de Mortágua ou de outras possiveis conotações.Tudo foi fruto do simples gosto de escrever recordações e de partilhar pontos de vista. Como poderão notar, não conheço esta localidade ou freguesia e nunca convivi com outra pessoa que tivesse estas origens salvo o soldado a que me refiro e do qual me lembro vagamente.

Cherno Abdulai Baldé - A partir de Bissau.


2. Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (15):  O Mortágua (*)


Para todos aqueles que conhecem minimamente terras Lusas, Mortágua deve significar uma aldeia, vila, freguesia ou cidade,  situadas algures no centro norte de Portugal. Para as crianças "rafeiras" do quartel de Fajonquito por volta de 1970/72 (**), Mortágua era o nome dado a um dos soldados cozinheiros da messe dos oficiais,  situada nas traseiras da casa comercial Ultramarina, onde trabalhava o meu pai. 

Por detrás desta cozinha, encontrava-se o salão de futebol de cinco, onde passávamos a maior parte do tempo a brincar ou a observar aquelas crianças adultas, como lhes chamava a minha avó, que eram, nesse caso, os soldados portugueses, a jogar a bola no meio de gritos e, quase sempre, como que para impor a ordem, um ou outro oficial espectador junto ao murro que circundava o salão.

Indiferente, sorumbático e a destoar de tudo e de todos,  estava o Mortágua ocupado nos seus afazeres de todos os dias. O homem não era muito vulgar, a começar por seu tamanho que saltava fora do comum dos portugueses. Era alto e possuía enormes pés,  sempre descalços,  ou em chinelas que mais pareciam trompas de elefante, pintados de nódoas pretas da caldeira da cozinha e o corpo invariavelmente habitado por cascas de batata, penas de galinha e restos de comida. 

Tanto o víamos ocupado à volta da sua cozinha que pensávamos que ele passava lá as noites. Quando matava as galinhas, não se dava ao trabalho de cortar a garganta e segurá-las até esfriar para não saltitarem enquanto lutavam entre a vida e a morte, momentos que todos os seres humanos devem respeitar, como mandam as regras. Ele, ao contrário, segurava nelas e batia a cabeça das pobres criaturas contra as bordas salientes de um tanque e, de seguida deixava-as rolar no chão até perderem a vida. 

Esta crueldade da parte de um homem, certamente, criava um misto de medo e de ódio contra ele da parte das crianças e por extensão da aldeia, também. Não era dado a passear ou a brincar, nem tão pouco frequentava a aldeia, plantada mesmo ao pé do quartel,  doutro lado da estrada para além da vedação de arame farpado. A sua postura de homem solitário, triste e cruel,  fazia pensar numa alma infeliz.

Ora, ai é que estava o cerne da questão, e que me intrigava sobremaneira. Na minha opinião, era difícil imaginar que pudesse haver pessoas infelizes num sítio com tanta abundância de alimentos e de vida, jovem e saudável. Certamente, estes brancos não sabiam a felicidade que Deus lhes tinha concedido ao enviar-lhes neste mundo sem as mazelas que atormentavam a população nativa, pensava eu. 

Se não vejamos: Não tinham bebés para amamentar e levar as costas, aliás não eram obrigados a aturar as birras das mulheres que diariamente engendravam mil e um conflitos nas nossas moranças criando fissuras na coesão social e familiar com as suas histórias trelelé, sem pés nem cabeça, nascidas da sua eterna insatisfação sexual; não tinham velhotas intrometidas como a minha avó que queria saber e controlar tudo e todos ao pormenor só para se manter ocupada e não definhar; não tinham doenças, pelo menos, nunca tinha visto sequer um soldado que o estivesse, salvo algumas diarreias que entupiam as casas de banho em certas ocasiões.

Desde o primeiro contacto, para mim, o quartel transformou-se irremediavelmente num local atractivo porque era o lugar ideal, quase perfeito, para viver, longe das misérias do mundo. Os homens em geral têm tendência natural para justificar as suas fraquezas. Foi assim que, confrontados com a força conquistadora e dominante dos Portugueses, os nossos velhos encontraram uma forma subtil e engenhosa de explicar a supremacia e também, a sorte dos brancos. Diziam: "A eles, Alá (Deus) deu tudo o que desejavam neste mundo e a nós, pretos, Deus nos reservou o paraíso na eternidade, na condição de sermos pacientes e cumpridores das obrigações contidas nos cinco pilares da religião". 

Todavia, não era assim tão simples no espírito de uma criança que tinha fome e muita curiosidade. E mais, a fome podia ser enganada ou controlada mas era mais difícil ocultar a evidência, para lá das barreiras e dos dogmas.

Desculpem pois, estava a falar do Mortágua. Pensava eu ser esse o seu nome, todos o chamavam assim. Não raras vezes, gritávamos, escondidos noutro lado do murro do pequeno salão: 
– Mortábua !!! Mortábua !!!

Era uma festa de risos e assobios, após uma breve escapada, seguros da nossa impunidade. Mais que a zombaria, era a sonoridade do nome que nos divertia. Mas ele nunca reagia as nossas provocações, continuando impávido a descascar batatas ou a depenar as suas galinhas dessacralizadas.

Num dia em que me tinha levantado mais cedo que o habitual como que empurrado pelo Satanás, fui ao centro da aldeia, onde se situava a única escola e, como não estava ninguém naquela hora do dia, desci para os lados do quartel. No refeitório cruzei-me com o sempiterno Zeca Mané, auxiliar da cozinha, ainda com os vestígios da bebedeira de ontem, a lavar as panelas e a pôr lenha no fogão para o café da manhã, acompanhado de algumas crianças que o ajudavam a troco dos restos de comida da véspera. Do forno da padaria, situado entre a cozinha e a caserna dos condutores, saia o cheiro agradável do pão a cozer mas, ainda a maior parte da malta estava dentro das casernas a preparar-se para o novo dia que começava.

Encostado ao murro do refeitório, para não ser visto por Matos,  o Chefe da cozinha, que por razões que não sei explicar, não simpatizava comigo, dirigi-me aos colegas suplicando-lhes que me dessem um pouco dos restos de comida, para segurar a barriga . Talvez devido à vida de rafeiros que levavam no quartel, normalmente nenhuma das crianças cedia em tais condições em oferecer comida aos outros. Nenhum deles sequer olhou para mim. Como não respondiam, dirigi-me para o local onde sabia estar escondida a comida e então chamaram o patrão:
- Xô Matos, olha o desenfiado!

O Matos era um brutamontes e, sabendo do perigo que corria, deixei o refeitório e afastei-me para os lados do salão. Estas circunstâncias salvaram-me de uma morte certa mas, vamos por partes.

Sem saber ao certo o que fazer perante a recusa dos colegas que sabia ser irreversível mas ainda com a barriga vazia, dirigi-me para os lados do salão de futebol e, aí, avistei uma figura conhecida, era o Mortágua nas suas lides diárias. Inclinado sobre um caixote de madeira semi-aberto, ele apanhava com uma das mãos as batatas inglesas munido de uma faca de cozinha. Talvez devido a monotonia da hora e, sem pensar nas consequências, chamei:
- Mortábua!

Como que picado por uma vespa, o homem levantou-se com uma facilidade que não suspeitava nele e lançou-se na minha direcção com a faca em punho. Com a surpresa do momento, ainda perdi alguns segundos sem reagir. Pensei em fazer marcha atrás mas, na cozinha estava o Matos mais um grupo de soldados da companhia de operacionais, que não hesitaria em caçar-me. Pensei em fugir e entrar na caserna dos condutores mas ainda alguns estavam na cama e arriscava-se a levar dupla porrada. A única saída eram os arames farpados.

Com o medo à flor da pele, dei meia volta, como que a querer dirigir-me a cozinha, de seguida virei na primeira porta do refeitório e que dava para a padaria, tendo voltado de novo ao salão do qual saltei o primeiro e o segundo murro sem dificuldades, tendo-me, depois, lançado em grande velocidade, em direcção ao cercado mais distante, situado ao sul e que dava acesso ao morcunda, bairro Mandinga. A distância a correr era razoável e convinha fazê-lo rapidamente e em ziguezague senão arriscava-me a ser atropelado pelo monstro.

O Mortágua não cedia um passo. Não podia supor, nem por um triz que aquele calmeirão fosse tão ágil e resistente na corrida. Sentia o bafo de ar quente por cima da minha cabeça e eu corria e corria. No quartel, já se tinha perfilado um certo número de curiosos a observar a corrida. Só pedia a Deus que a sentinela estivesse a dormir, senão... Sentia que as pernas estavam cada vez mais pesadas e as mãos do gigante me arranhando as costas no desespero de me agarrar. Socorro!

O que o Mortágua não sabia era que tudo estava calculado, de antemão, assim como fazem os animais que vivem sob ameaça permanente. Havia sítios onde tínhamos feito aberturas com as pontas redondas do arame viradas para cima, de modo a permitir a passagem de um corpo minúsculo e, foi por ai que me escapuli, deixando cair o corpo a terra e rolando por baixo, da mesma forma que nos tinha ensinado o nosso "instrutor militar". 

O Mortágua, incrédulo e impotente,  começou a mandar vir com imprecações acompanhadas de mil ameaças caso voltasse a pisar o quartel. Atirou-me ainda algumas pedras mas a partida já estava perdida para ele, pelo menos, desta vez. Pelos vistos, era preciso mais que a fúria de um gigante para encurralar um rafeiro.

Como se nada tivesse acontecido, com o corpo riscado de arranhões e a camisa em tiras, juntei-me ao grupo de rapazes que seguia para Morcunda. Agora era preciso encontrar os mantimentos necessários e juntos partir para a bidal, ponto de encontro da malta jovem nos períodos matinais. Devíamos preparar alguma provisão em mangas que íamos roubar no bairro mandinga. E foi ai que começou o desenrolar do drama que dava sequência ao episódio do refeitório e que viria a ceifar a vida de alguns dos nossos colegas.

Os primeiros sinais foram de náuseas e vómitos mas não tardou a que todos aqueles que tinham passado pelo refeitório e que se tinham servido da comida da véspera no quartel, estivessem estatelados no chão sem forças. Pusemo-los dentro dos caixotes que nos serviam de carros para os arrastar mas as cordas cediam e, então,  fomos obrigados a carregá-los nas costas até à casa Gouveia, no centro da aldeia, onde funcionava o hospital ou o que fazia passar por tal. Antes de chegarmos ao local já uma das crianças estava morta. As outras, ainda receberam alguma assistência e medicamentos mas muitas vieram, mais tarde, a sucumbir. Os mortos foram enterrados e a vida continuou, era o destino.

O que tinha acontecido? Segundo as informações que depois circularam, eles tinham comido carne de atum em mau estado de conservação que as tinha intoxicado. Esta carne vinha em latas largas e redondas. Verdade ou não e, como não podia avaliar do seu estado, nunca mais voltei a comer atum, pelo menos, enquanto durou a presença das tropas em Fajonquito.

Durante algum tempo, impediram a entrada dos civis no quartel, mas a medida durou pouco e não teve o efeito desejado pois, apesar disso,  nós entrávamos no quartel violando as ordens com conivência dos nossos amigos e os soldados que, também, continuavam a fugir a coberto da noite para visitar as suas bajudas nas nossas moranças. Era inútil.

Este acontecimento ilustra, se necessário fosse demonstrá-lo, a grande capacidade de sofrimento humano e de perdão de que são imbuídas as populações Africanas e, também da sua força espiritual na crença em Deus ou algo de transcendência superior. Quantas vezes, estes comportamentos passivos, lentos e conformistas,  não foram entendidos como sinais de fraqueza e de incapacidade. Uma vez, o meu pai, que raramente entrava em conversas inúteis, quando ouviu falar da chegada dos brancos à Lua, falou naqueles seus monólogos que nos tinha habituado, dirigindo-se a nós: 
- Estes brancos, sempre apressados, para onde nos hão-de levar?

Ainda hoje pergunto-me a mim mesmo, o que teria feito ao Mortágua para suscitar tanta raiva nele? Seriam as nossas provocações infantis ou o facto de o chamar pelo nome que, suponho, não seria o dele mas da sua terra de origem? Ou então, foi Deus que quis salvar-me por seu intermédio?

Ainda, passados muitos anos, estas questões me habitam e, esteja onde estiver, quero que saiba que ele salvou-me de uma morte quase certa, mesmo que o tenha feito de uma forma muito estranha. Espero, também, que,  com idade madura, ele tenha percebido da importância de lidar com a vida com a simplicidade e o sacramento que a nossa existência como humanos nos impõe. Obrigado,  Mortágua.

Bissau, Abril de 2010.

Guiné-Bissau > região de Gabu > Fajonquito > c. 1975 > "A nossa equipa de futebol de salão no quartel de Fajonquito entre 1974-1975, podendo-se ver em pé: Mamudo, Algássimo e o professor António Tavares; sentados: Eu (Cherno) e Aruna (filho do antigo padeiro) à minha esquerda" (CB)

Fotos: © Cherno Baldé (2009). Direitos reservados

3. Comentário de L.G.:

Obrigado, Chico,  grande rafeiro de Fajonquito, e sobretudo obrigado  meu amigo e irmãozinho Cherno. Já conquistaste o coração destes tugas que nos idos tempos de 1963/74 tu conheceste e admiravas, com um misto de reverência, terror, curiosidade, simpatia e compaixão... Já aqui escreveste páginas admiráveis, e únicas (que nenhum de nós poderia escrever), sobre a inocência em tempo de guerra, sobre a condição dos meninos guineenses dentro e fora do arame farpado, sobre o quotidiano dos soldados portugueses visto pelo desarmante e fascinante olhar infantil, sobre a vida e a morte das crianças numa tabanca fronteiriça  militarizada, sobre a atracção e a repulsa da cultura europeia... 

Cherno, as tuas crónicas, pela emoção que nos provocaram, pela autenticidade do teu testemunho, pelo fascínio das tuas memórias de infância e pela beleza literária da tua narrativa,  já bem merecem um editor português. Não tenho dúvida, não temos dúvidas: és um talentoso escritor de língua portuguesa. E o nosso blogue orgulha-se de estares entre nós, como guineense, como homem, como amigo, como lusófono. Espero que esta crónica chegue ao conhecimento do Mortágua, onde quer que ele esteja, dos Mortáguas que tu conheceste e que, como dizia a tua avó, não eram mais do que crianças crescidas que a guerra veio roubar às suas famílias e às suas tabancas...  
________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6244: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (14): Cap Figueiredo: Capiton Lelö dahdè ou capitão cabeça inclinada



10 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4806: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (11): Filho da p... de barrote queimado...... Ou as sobras do rancho

8 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4802: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (10): Futebol: ser do Benfica ou do Sporting, eis a questão

5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4782: Memórias do Chico,menino e moço (Cherno Baldé) (9): Futebol, rivalidades, bajudas... e nacionalismos(s)

 27 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4746: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (8): Misérias e grandezas de Fajonquito, 1970/75

21 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4714: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (7): As profecias do velho Marabu de Sumbundo

13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda

6 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4646: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (5): A família extensa, reunida em Fajonquito, em 1968

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4611: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (4): O ataque dos meus primos a Cambajú e o meu pai que foi um herói

25 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4580: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (3): A chegada dos primeiros homens brancos a Cambajú em 1965: terror e fascínio

24 de Junho de 2009 > Guine 63/74 - P4567: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (2): Cambajú, uma janela para o mundo

19 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhão

Vd. também:

18 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje engenheiro em Bissau...

7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4650: (Ex)citações (32): A Tabanca Grande ou... Global: de Contuboel, Fajonquito e Bissau com amizade (Cherno Baldé)

20 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4710: Blogoterapia (119): As Fantas, as Marias, as Natachas, ou o amor em tempo de guerra e de diáspora (Cherno Baldé)

(**) Vd. poste de 3 de Abril de 2009 >Guiné 63/74 - P4136: As Unidades que passaram por Fajonquito (José Martins)

(...) Companhia de Caçadores n.º 1501, comandada pelo Capitão de Infantaria Rui Antunes Tomaz, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 1877, mobilizada em Tomar no Regimento de Infantaria n.º 15, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 1497, em 26 de Janeiro de 1967, vindo a ser substituída pela CCaç 1685 em 19 de Setembro de 1967.

Companhia de Caçadores n.º 1685, comandada pelo Capitão de Infantaria Alcino de Jesus Raiano, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 1912, mobilizada em Évora no Regimento de Infantaria n.º 16, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 1501, em 19 de Setembro de 1967, vindo a ser substituída pela CCaç 2435 em 14 de Dezembro de 1968.

Companhia de Caçadores n.º 2435, comandada pelo Capitão de Infantaria José António Rodrigues de Carvalho e, posteriormente, pelo Capitão de Infantaria Raul Afonso Reis, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 2856, mobilizada em Abrantes no Regimento de Infantaria n.º 2, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 1685, em 07 de Dezembro de 1968, vindo a ser substituída pela CCaç 2436 em 20 de Abril de 1970.

Companhia de Caçadores n.º 2436, comandada pelo Capitão de Infantaria José Rui Borges da Costa, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 2856, mobilizada em Abrantes no Regimento de Infantaria n.º 2, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 2435, em 20 de Abril de 1970, vindo a ser substituída pela CArt 2742 em 13 de Agosto de 1970.

Companhia de Artilharia n.º 2742, comandada pelo Capitão de Artilharia Carlos Borges de Figueiredo e, posteriormente, pelo Alferes Miliciano de Artilharia Baltazar Gomes da Silva, unidade orgânica do Batalhão de Artilharia n.º 2920, mobilizada em Penafiel no Regimento de Artilharia Ligeira n.º 5, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 2436, em 13 de Agosto de 1970, vindo a ser substituída pela CCaç 3549 em 21 de Maio de 1972.

Companhia de Caçadores n.º 3549, comandada pelo Capitão Quadro especial de Oficiais José Eduardo Marques Patrocínio e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Manuel Mendes São Pedro, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 3884, mobilizada em Chaves no Batalhão de Caçadores n.º 10, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CArt 2742, em 27 de Maio de 1972, vindo a ser substituída pela 2.ª Companhia do BCaç 4514/72 em 15 de Junho de 1974.

2.ª Companhia do BCaç 4514/72, comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 4514/72, mobilizada em Tomar no Regimento de Infantaria n.º 15, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 3549, em 15 de Junho de 1974, vindo a iniciar o deslocamento para Bissau a partir de 30 de Agosto de 1974, tendo um pelotão efectuado a desactivação e entrega, ao PAIGC, do aquartelamento em 01 de Setembro de 1974. (...)

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10784: (Ex)citações (204): Razões portuguesas e razões guineenses (João Meneses / Cherno Baldé)

1. Resposta do João Meneses [, fo to ao lado, ] ao comentário do Cherno Baldé ao poste P10769 (*)


Data: 7 de Dezembro de 2012 23:54

Assunto: Resposa a comentário de Cherno Baldé


Caro Luís e Carlos

Deixo exclusivamente ao vosso critério, em vez de o fazer directamente, a publicação da resposta (a seguir) que gostaria de dar a Cherno Baldé, critério que são vocês os únicos indicados para decidir.

Na actualidade:

1 - Sempre fui e serei Português (com muito orgulho)

2 - Cherno Baldé é Guineense (certamente com muito orgulho)
No tempo da guerra éramos todos Portugueses, independentemente de conceitos diversos sobre o tema.

Segue a minha resposta.

Um grande abraço, Luís e Carlos

2º TEN FZE João Carvalho Meneses
_________________________
Em resposta a Cherno Baldé [, foto à direita] (**):

Desejo-lhe a melhor sorte da vida. Não o conheço a si, nem me conhece igualmente a mim, como prova o seu comentário. Logicamente que o Zé Macedo nada tem a haver com isto, conforme esclarece, e oportunamente, o Luís Graça, estando ele totalmente isento, por direito, e como tal sugiro que lhe apresente desculpas, ou admita que se enganou. Bastava que antes de escrever, tivesse lido com mínima atenção. Levou-o simplesmente o ataque. Do que escrevo, sou eu o único responsável, conhecendo que por vezes, para que todas as sensibilidades fiquem esclarecidas, para dizer uma única palavra, deva fazer uma explicação do sentido que essa mesma palavra pretende.

Se esse comentário se dirigiu ao meu artigo, certamente que sim, caro Baldé. Mas ataque, o conceito e não a pessoa. Não distingo, nem sequer admito que eu o pudesse fazer, entre o PAIGC e o POVO da Guiné Bissau, dado que num estado democrático, é o Povo que elege (ou deve eleger) qual o partido ou os partidos que o devem governar. As lutas internas dos partidos deveriam só a eles dizer respeito, não tendo o direito de fazer sofrer um Povo inteiro, ao tentarem impor-se. Posso extrapolar para qualquer povo. Acrescento qu, e para além da linha PAICG, existem outras, e que é o povo que as escolhe. Não entro, aqui, em análises políticas, por saírem fora do interesse deste espaço e do meu próprio.

Assim, com esta introdução, afirmo-lhe que o PAIGC não tem a importância que o povo tem. Só o tem, se for eleito e o servir na realidade. Vê qual a ordem de prioridades?

Sobre a existência de lutas tribais, já Amílcar Cabral, inconfesso defensor da Guiné e seu Povo, reconhecia essa evidência, derivada de variadíssimos factores, entre eles as diferentes crenças religiosas e comunicação. Verifique-se primeiro: O território da Guiné Bissau diminui 1/3 entre a maré vazia e a cheia. As vias de comunicação são dificílimas de implantar dado que, de um ponto a outro, se tem que contornar bolanhas extensas, aumentando exponencialmente as distâncias. A comunicação entre as diversas ilhas, necessitariam de um serviço minimamente eficiente de meios de transporte, marítimos e fluviais. Os recursos naturais têm limitados meios de produção, etc, etc, que saberá mais aprofundadamente do que eu.

Quanto à droga, está à vista. É organizada por estrangeiros que se servem da Guiné, mas que acabam por os envolver. Não são os Guineenses que plantam, fornecem e distribuem a droga. O dinheiro fácil, corrompeu alguns que, por razão da movimentação dos capitais envolvidos, tentam impor à política a facilitação do pretendido. Estudos internacionais sobre este problema já reconheceram a sua existência, a razão da mesma e o descontrolo.

Quanto ao "está-lhes no sangue", referi-me às evidências do que tem acontecido nas classes dirigentes, até à data, não desde a autoproclamação da Independência, mas a partir da saída dos Portugueses.

Repare, tudo isto, à revelia do Povo.

Dou por finda a minha explicação sobre o que penso da Guiné, desejando a todos os Guineenses que consigam entender-se e estabilizar, para que o Povo tenha a legítima dignidade que ele merece.

Não me leve a mal que escreva o que penso. Não pretendo ofender nenhuma sensibilidade. No tempo em que estive na Guiné morreram Portugueses de várias cores incluindo camponeses.

Com respeito

João Carvalho Meneses

______________

Nota do editor:


(*) Vd. poste de 7 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10769: Tabanca Grande (371): João Carvalho Meneses, ex-2º TEN FZE RN, DFE 21, 1972, grã-tabanqueiro nº 591

(...) (i) Comentário de Cherno Baldé,com data de 7/12/2012:

Caro João Meneses,

"(...)aquela terra está ainda muito longe da calma e estabilidade, com sucessivos golpes. Infelizmente está-lhes na massa do sangue, tanto pelas guerras étnicas, como pelo dinheiro fácil - a droga, como também por ganâncias pessoais".

Esta frase cega, que não faz nenhuma diferença entre o PAIGC e os cidadãos da Guiné-Bissau, vinda de um português de origens caboverdianas e que fez a guerra no território que hoje considera violenta e cujos habitantes têm a violência no sangue, é no mínimo infeliz e lamentável.

O FZE do DFE, Tenente Meneses, hoje advogado, tinha a obrigação de conhecer bem a história da Guiné, ou melhor, da Guiné de Cabo-Verde e saber quem, na verdade, semeou, ao longo dos séculos nos rios da Guiné, ou ainda trás no sangue os germes da intriga étnica e da violência.

Tanto assim que o próprio nos esclarece melhor quais as suas origens e a vocação da sua familia:

"(...) Meu Bisavô, meu Avô também morreu em Angola, etc. Família, sabes. (...)".

Afinal, quem trás a guerra e a violência na massa do sangue?

São os Guinenses, concerteza. Quem havia de ser?

Cherno Baldé. (...)

(...) (ii) Novo comentário do Cherno Baldé, com data de 10/12/2012

Caro Luis e amigos da TG,

Desculpem esta recepção um tanto crispada ao João Meneses que confundi com o José Macedo, mas a intenção foi chamar a atenção sobre a ambiguidade de certas frases e discursos que, não sendo intencionais, acabam em generalizações abusivas.

Na Guiné nunca houve guerras étnicas, pois aquilo que se considera como tal, por exemplo entre fulas e mandingas, na minha opinião, era muito mais que isso, porque dificilmente se poderá tomar cada um destes grupos simplesmente como uma etnia. Mas isto é outra história.

Desejo boas vindas ao amigo João Meneses a nossa Tabanca Grande porque eu sei que ele gosta da Guiné e dos Guineenses e aproveito dizer-lhe que tivemos familiares integrados nos FZE (não sei se no 21 ou 22) dos quais me lembro do Sedjali Embaló, preso e morto nos primeiros anos após a independencia.

Cherno Baldé

(**) Último poste da série > 3 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10757: (Ex)citações (203): O "fado das comparações"... ou o humor sarcástico do Cancioneiro do Niassa(Luís Graça)