sábado, 18 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7003: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (20 ): Fugindo da guerra civil, de Bissau a Fajonquito, Junho de 1998 (II Parte)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de Dezembro de 2009 > Rua principal, com o Rio Geba ao fundo... Do lado direito, a casa das libanesas... A família ainda lá está 40 anos depois... Por aqui, por Bafatá viveu o Cherno Baldé, como estudante, após a independência; e por aqui, a caminho de Fajonquito, fugindo do conflito político-militar que deu origem à guerra civil de 1998/99. Foto do médico e músico João Graça.




Guiné Bissau > Região de Bolama / Bijagós > Ilha de Bubaque > 12 de Dezembro de 2009 > Um bom conselho ou um bom voto ? "Deus dê à Guiné-Bissau uma boa governação"...


Fotos: © João Graça (2009) / Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Bissau > Safim > 1973 > Cruzamento: Bula e João Landim, à esquerda; Ensalme, a 5 km, à direita... Foto de um militar português, António Rogério Rodrigues Moura, que lá estava aquartelado em 1973...

Cortesia do portal Prof2000 > Aveiro e Cultura Safim




Guiné-Bissau > Bissau > c. 2010 > Cherno Baldé e família (o filho mais velho, à esquerda), no Tabaski ou festa do carneiro. 


Foto: ©  Cherno Baldé (2010) / Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Publicação da 2ª e última parte du texto do Cherno Baldé (*)


A CAMINHO DO REFÚGIO

Safim, Dia 11 de Junho, (Quinta-Feira). (*)


Na manhã do quinto dia (11 de Junho), decidi que desta vez se a Djenaba não quisesse sair, então eu sairia com a minha família, mulher e filho. No entanto, quando lá cheguei, já estavam prontos, na verdade todos os vizinhos já se tinham ido embora. Pegámos nas coisas, metemos algumas provisões num carrinho de mão e rapidamente, atravessámos a bolanha de Bairro Militar. Ainda o fluxo da população era enorme. Seguimos ao longo da estrada que leva a estrada da volta Bissau. A nossa caravana estava constituída de 10 pessoas: Eu, a minha esposa, o filho de três anos de idade[, ,Abduramane Santos Baldé], a minha sobrinha de cinco anos, por um lado, e por outro Djenaba, seus quatro filhos e uma sobrinha, com 13 anos. Portanto, três adultos e sete crianças dos 3 aos 13 anos.

No caminho, pelas informações que circulavam, soubemos que em Safim a multidão era tanta que já era muito difícil encontrar água. Munido desta informação, decidi seguir a via alternativa. Consultámo-nos rapidamente e decidimos tentar chegar até Nhacra. O percurso seria difícil mas aumentava nossas hipóteses de sobrevivência se conseguíssemos lá chegar. Caminhámos para o cemitério de Antula. A minha intenção era atravessar a bolanha, passar para os lados de Cumeré e seguir até Nhacra a uma distância de, talvez, 20 Km.

Era puro palpite, nunca tinha feito esse percurso antes. O raciocínio parecia correcto mas, todavia, ao chegarmos às portas do cemitério,  cruzámo-nos com uma multidão de pessoas que estavam cobertas de lodo dos pés a cabeça, irreconhecíveis, pareciam Nhayés Balantas, informaram-nos que era impossível passar por ali pois o curso d´água estava muito baixo, só pessoas jovens e fortes podiam fazer a travessia, e isto quando havia canoa.

Ao ver o estado deplorável dos nossos interlocutores, não tive qualquer dúvida e tivemos que voltar atrás a fim de procurar o caminho de Safim. Já tínhamos perdido três horas de tempo e as crianças já davam sinais de fadiga. A quantidade de água era insuficiente pelo que comecei a racionar o seu consumo. A alegria das crianças abrandou, no caminho, juntámo-nos à multidão que de todos os lados afluía, seguindo depois pela bolanha que separa o Bairro de Afiá ao Aeroporto de Bissalanca, para tentar chegar a estrada que leva a Safim, para os lados de Djáhal.

Ninguém soube porque tinham fechado as vias de saída para fora, por onde todos podiam sair, transportados em veículos, sem grandes dificuldades. Mas eu sei e a resposta, na minha opinião, é muito simples: Ódios e medos que ganharam as hostes dos militares e antigos combatentes desde 1980. Ódios, medos e velhos demónios trazidos das matas de Oio, Cubucaré e Quitáfine que ainda não tinham sido exorcizados de todo.  

Durante o trajecto ouvíamos o som das explosões das BM [, órgãos de Estaline,] e uma vez pareceu-nos que éramos nós os visados ao ouvirmos o assobio seguido do impacto de uma bomba à nossa frente e nessa altura tivemos que nos deitar ao chão. Foi durante este exercício que o meu filho que viajava em cima dos meus ombros,  caiu estatelando-se no chão. Para além dos bombardeamentos contínuos que pareciam nos perseguir, foi, talvez, o único momento em que ele sentiu, de facto, o perigo em que nos encontrávamos e já não lhe parecia tão divertido andar viajando nos ombros do papai.

Chegámos à vila de Safim quando o sol já começava a descair para oeste pintando o horizonte de vermelho. O maior problema que tivemos foram os bombardeamentos que nos acompanharam ao longo do trajecto, de resto, chegámos em bom estado e, no fundo,  a travessia acabou sendo divertida com as crianças a correr de um lado para o outro numa planície largamente aberta e pitoresca. As paisagens da nossa terra são lindas. Era uma maravilhosa descoberta para eles, crianças de uma cidade caótica, fechadas entre muros e estradas estreitas. Sentia-se o cheiro acre da terra esbranquiçada da bolanha que os pés libertavam na caminhada qual manada de búfalos em corrida tresloucada.

A confusão em Safim, afinal, não era assim tão grande como se dizia, e não tivemos problemas de maior para nos instalarmos. Era preciso preparar rapidamente qualquer coisa para comer e preparar-se para o que desse e viesse. Graças à ajuda de um colega, consegui uma cama para três pessoas. O espectáculo na estrada era impressionante, uma corrente humana afluía de Bissau para o interior, cada um carregando o que podia, acompanhado de suas crianças e até de alguns animais. Esta caminhada era sobretudo difícil, ver impossível para os idosos. Alguns caiam no caminho completamente esgotados, e muitos acabaram por morrer.

Passámos dois dias em Safim, na vã esperança de que tudo ficava resolvido e que tão cedo como isso voltávamos para casa. Tudo se assemelhava a um pesadelo, que insistia teimosamente em transformar-se na mais dura das realidades, daquelas que não queremos reconhecer como tal mas que parecem gozar com a nossa capacidade de entendimento. Todos os dias víamos pessoas a correr para embarcar em camiões que as levavam para longe dali.

Como da primeira vez, a minha decisão de partir chegou tardiamente, pois a Djenaba estava à espera que o seu marido viesse à sua procura. Também eu desejava que assim acontecesse pois senão teríamos grandes problemas com ela e seus filhos pois o seu destino era para o sul e nós devíamos seguir para leste. Todavia, o marido não aparecia. No dia seguinte, decidimos avançar para o centro da vila na esperança de conseguir transporte.     




Guiné > Mansoa > 1968 > CCAÇ 2405 (1968/70) > O Alf Mil Inf Paulo Raposo, membro da nossa Tabanca Grande, junto à placa toponímica que indivaca as localidades mais próximas: para oeste, Nhacra (a 28 km), Bissau (a 49 km)...; para leste, Enxalé (a 50 km), Bambadinca (a 65 km), Bafatá (a 93 km)...

Foto: Paulo Raposo (2006)
                
MANSOA, 13 de Junho (Sábado) - O perigo ainda a espreita



No centro da vila de Safim, apesar do trabalho contínuo dos camiões que transportavam as pessoas para o norte leste e sul, ainda a multidão apinhada junto a estrada era enorme e para conseguir um lugar num desses camiões era uma autêntica guerra e para quem tinha crianças e cargas ainda pior. Como a desgraça nunca vem só, o transporte não era gratuito aliás, os preços tinham subido cinco vezes mais. Fomos parar junto a uma escola, onde pernoitámos. A maioria estendeu-se assim directamente no chão. Consegui arranjar um lugar sentado numa carteira da escola local, apinhada de gente, onde passei a noite com o meu filho ao colo. Na manhã do dia seguinte esperava-nos uma boa surpresa.

O meu colega tinha conseguido, para nós, uma boleia até à cidade de Mansoa. Bem, não era exactamente o que precisávamos mas, nessa altura, com os ruídos e sinais da guerra cada vez mais perto, o que importava era afastar-se o mais longe possível. Quando me informaram, nem sequer nos preocupámos com o pequeno-almoço. Preparámos rapidamente e fomos pegar o camião.

Depois de muitos anos trabalhando como quadro superior da administração com carro de função e regalias, a sensação que senti,  ao embarcar nas traseiras de um camião, foi indescritível. Mais uma vez, isto não era o mais importante, aliás, sem o saber, tínhamos entrado no labirinto onde, cada vez, as coisas tomavam um carácter estranhamente diferente, onde tudo perdia o seu verdadeiro sentido e valor. Ali, pela primeira vez, percebi que o mal era irreversível e com ele a desgraça humana que o acompanha sempre que a ordem é abalada. A pensar que, no meu íntimo, tinha desejado esta sublevação armada, logo a desordem. Não, de facto, não era a desordem que desejara mas sim uma mudança. Mas, é possível fazer a mudança sem criar desordem? Era possível criar, algo de novo, sem destruir? Eis uma questão melindrosa para a qual não tinha resposta.

No geral não nos surpreendeu muito esta inversão de situação, e como eu, as pessoas viviam esta situação de forma absolutamente normal, afinal tinham também vivido a independência, acontecimento que tinha virado o país de pernas ao ar há cerca de 24 anos atrás. O desespero é apanágio das pessoas de pouca fé. Isto não durará para sempre, dizia-me a mim mesmo para me confortar. Na verdade, o medo do desconhecido roía o meu coração de chefe de família e,  chegado a este ponto, lembrei-me do meu pai e da sua coragem nas situações mais difíceis por que tínhamos passado, na infância. Tinha conseguido, finalmente, encontrar a âncora que me faltava neste mar de angústias, o exemplo e a bravura do meu pai.

O camião rolava velozmente para fora de Safim, finalmente tínhamos conseguido sair do inferno situado nos arredores de Bissau. Tentando verificar se estávamos ao completo, acabei reparando em Djenaba, acocorada não muito longe, à minha esquerda. O seu rosto estava banhado em lágrimas. Porque chorava ela? É possível compreender as mulheres? Virou-se para o outro lado como quem queria admirar o andamento das árvores, na verdade, não queria enfrentar o meu olhar recriminatório. Ah, Chita, a nossa cadela, deixámo-la ficar em casa. Era tarde demais.

A nossa partida para Mansoa tinha sido fruto de um puro azar, o que não era de admirar naquelas circunstâncias e, por isso mesmo, não tínhamos ninguém à nossa espera. Descemos do camião e acomodámo-nos na sombra de uma mangueira perto da missão católica enquanto ia pensando sobre a decisão a tomar de seguida. Sabia do enorme esforço que a igreja estava a fazer para ajudar as multidões abandonadas a si, particularmente naquela cidade. Mas, na verdade, imaginando o trabalho que já teriam tido com toda aquela gente, eu não tinha qualquer intenção de sobrecarregá-la com mais pessoas, por enquanto. Fomos,  sim, lá dentro reabastecermo-nos de água.

Mais uma vez, foi um colega que nos encontrou ali casualmente e que nos socorreu, levando-nos para a sua casa. No dia seguinte já estávamos bastante melhor. Estávamos longe do teatro da guerra, tínhamos tomado banho e recuperado um pouco do nosso juízo e amor-próprio.

Todavia, sabia que ainda estávamos numa área potencialmente perigosa, pois a cidade de Mansoa, situada na confluência das principais vias que atravessam o pais, é um corredor natural de acesso às três zonas em que este se divide, Bissau/Centro, Leste/Sul e Norte/Oeste e funcionou sempre como um ponto estrategicamente importante em termos militares e por enquanto estava sob o controlo da Junta Militar [ , de Ansumane Mané,] aliás toda a zona norte estava nas mãos desta, enquanto a zona leste e parte do sul se mantinham fiéis ao governo. Para qualquer das duas partes, pensei, o controlo de Mansoa será indispensável para a conquista do resto do país. Por isso convinha sair dali sem perda de tempo. 

A casa do meu colega estava situado na estrada que liga Mansoa à Mansabá e não muito distante do centro da cidade, por isso, deixámo-nos ficar ali à espera mesmo depois de ter despedido dos nossos benfeitores. Comecei então, a fazer vaivém entre a casa e o centro da cidade à procura de uma solução. Foi com grande alívio  que vi aparecer um camião que já conhecia, e o motorista, um jovem da minha aldeia, quando me viu parou para os habituais cumprimentos. Não foi preciso dizer nada pois era evidente que estava ali à espera de poder viajar até Bafatá a partir donde poderia seguir para a aldeia natal. Explicou-me que tinha que ir até Farim mas que, de seguida, voltaria no mesmo dia à Bafatá.

Ficámos à espera, já, mais confiantes e descontraídos. Consegui finalmente comer alguma coisa para enganar a fome pois a preocupação e a responsabilidade que pesavam sobre mim não me tinham permitido fazê-lo havia muito tempo. A espera não foi demorada. Pode ser que tenha sido, mas não deu para perceber, estava contente de mais pela dádiva que Deus nos concedera.


BAFATÁ, 14 de Junho - Recordações dos tempos de estudante


Na tarde do dia 14 de Junho, uma semana depois do inicio da guerra, chegámos à cidade de Bafatá. E durante a viagem, para já, o único acontecimento de relevo tinha sido o facto do jovem condutor decidir voltar, ainda, até Nhacra antes de virar o rosto do camião para leste. Tive medo sim, por algum momento, por causa dos imprevistos e imponderáveis a que estava sujeito qualquer veículo equipado de motor e assente sobre um monte de ferralha e rodas de borracha. Se acontecesse alguma avaria ao camião seria uma grande desgraça para nós que voltávamos para trás depois de termos alcançado lugares seguros. Era uma aventura perigosa. Para me acalmar, dizia a mim mesmo que não havia razão para entrar em pânico e repetia isso várias vezes à minha consciência, mas sempre que olhava para as crianças o medo voltava a me invadir de novo.

Ao atravessarmos a ponte de Finete, perto de Bambadinca, entrámos na zona controlada pelos governamentais que, a acreditar naquilo que tínhamos visto no caminho, oferecia maior segurança as populações civis. Junto à ponte estava um destacamento de tropas da Guiné-Conacri e alguns tanques de guerra dissimulados no meio do arvoredo. Tudo novinho em folha. Depois de Bantandjan, finalmente, chegámos à cidade de Bafatá.

Mas antes, o camião atravessou a ponte sobre um braço do rio Geba, por onde corria a água turva carregada de material orgânico com que fertiliza as bolanhas nas suas margens, passou pela antiga fábrica de cerâmica, atravessou a rua Porto, passando pelo Liceu, o nosso velho Liceu onde está situado o memorial de Amílcar Cabral e foi parar no Bairro de Sintchã Bonódji,  na saída para Gabú.

Sem contar com o número de pessoas que tinha afluído a esta cidade leste do país, fugindo da guerra de Bissau, não se notava qualquer diferença. Sim, Bafatá era ainda a mesma cidade de sempre, preguiçosamente estendida no dorso de um planalto meio adormecido que tínhamos deixado 27 anos atrás, quando partimos para continuar os estudos em Bissau.

Esta cidade não será, certamente, a pior localidade da Guiné, mas para mim foi um inferno durante uns longos anos dos quais conservo uma péssima recordação dos tempos de estudante. Aqui, de rafeiro saído de um antigo quartel de brancos e filho querido de um lojeiro de uma pacata aldeia que, no fulgor da sua inocência, pontapeava o prato de farinha de milho que a avó lhe trazia a noite, tinha-se transformado num verdadeiro cão vadio. Nunca e em lugar algum tinha merecido tanto este animalesco cognome.

Lembrei-me de Boma (situada à frente do quartel), suas árvores frondosas e a água fresca das suas nascentes onde íamos esconder-se das brasas do calor que arrasavam os Bairros situados na parte mais elevada do planalto e a Ponte Nova e onde, também, íamos enganar a fúria das nossas fomes insaciáveis de estudantes sem tecto, fingindo estudar. O guarda da plantação de mangueiras e cajueiros nas profundezas de Boma cujo nome era Sekuel (1), nos conhecia de cor e deixava-nos assaltar a sua horta, na certeza de que não adiantava muito tentar impedir-nos. Era uma pessoa dotada de grande humanismo e de bom senso, vacilando entre as suas obrigações de guarda e os sentimentos de piedade para com crianças deserdadas. No princípio ainda tentou, mas rapidamente teria notado que, empurrados pela fome, a nossa insistência e capacidade de resistência eram fora do comum. Não tínhamos alternativa. Acabou por nos aceitar como se aceita a presença de animais roedores dentro da própria casa. De facto, durante mais de cinco  anos, conseguimos sobreviver graças a nossa perícia em roubar e mendigar peixe e frutas, ora nos mercados ora nas hortas a volta da Cidade.

Ali estava Bafatá com os seus habitantes avaros e a sua juventude implacável que aceitava mal a invasão da mocidade mal fardada vinda das tabancas ao seu redor a quem apelidavam de mocidade treco (2). O certo é que, por qualquer razão, as nossas fardas destoavam sempre dos da cidade. Foi assim no tempo da mocidade portuguesa e foi assim com os pioneiros Abel Djassi. A farda era a mesma, mas a tonalidade das cores era sempre diferente. As meias, calções e sapatilhas não eram tão castanhos como se devia, a camisa era verde ou azul mas não tão verde ou azul como se devia e isto era motivo de chacota e de corre-corre entre os jovens incautos que tinham aceitado a aventura das paradas e acampamentos na cidade. Faziam-no de propósito, para se divertir.

 Vindos de Contuboel, Gabú, Sonaco, Cossé, Pirada, Bajocunda, Paunca, Pitche, Bambadinca, Quebo, entre outras localidades, e abandonados numa cidade inospitaleira, o nosso bando era formado por jovens de todas as regiões, de todas as cores, com uma particularidade bem marcante. Todos tinham nascido e crescido com a guerra colonial e todos eram originários de antigos centros de aquartelamento de tropas portuguesas e muitos tinham aprendido as primeiras letras com soldados e oficiais portugueses.

Esta era, para todos os efeitos, a primeira geração formada nas escolas portuguesas dentro da comunidade Fula e talvez de todos os grupos étnicos (chamados gentílicos) na zona leste da Guiné-Bissau. A administração portuguesa só tardiamente (com o General Spínola), se tinha resolvido a seguir os conselhos de Teixeira Pinto, ainda no princípio do século XX, de criar escolas para os nativos em todos os postos militares, convencido que, a coragem e irredutibilidade do Guinéu estaria ao mesmo nível do seu obscurantismo (R. Pélissiér – História da Guiné).Mas, no fim, foram o PAIGC e a independência que colheram os louros da formação de quadros iniciada na década de 60 e acelerada a partir de 70.

Quando apanhavam um dos nossos durante os saques, os outros vinham em grupo ajudar o companheiro infeliz. Tínhamos regras a que éramos muito fieis, ajudar um ao outro e nunca faltar às aulas, com ou sem fome. Era a mesma lógica no enfrentar das situações de perigo e de necessidade. Roubar ou morrer de fome.

A nossa estadia em Bafatá, não demorou muito, estávamos apressados. Dormimos uma noite e na manhã seguinte partimos para Fajonquito. Antes de partir, acompanhámos a Djenaba e as suas crianças a fim de apanharem o transporte que os conduziria até Bambadinca donde partiriam para a aldeia dos pais em Cacine, no sul do país. Despendi parte do meu dinheiro para os ajudar a alimentar-se durante o trajecto que seria, longo e, certamente, difícil nessa altura.

Podia estar orgulhoso do meu trabalho, pois apesar das dificuldades, tinha conseguido tirar de Bissau duas famílias,  ou seja 10 pessoas. Também, já não restavam dúvidas que esta guerra iria durar. Foi com este pensamento que me despedi deles e da cidade de Bafatá,  rumo à minha terra natal.

Engraçado, agora que estava a alguns quilómetros da minha tabanca, lembrei-me que o meu filho, nascido e criado na cidade, não sabia falar a nossa língua, como dizem os Fulas, era macaco que não sabia trepar. Também eu, alguns anos antes, não sendo filho de gente da cidade, quando me mudei para Bafatá, ainda não falava o crioulo. O meu filho fazia o percurso inverso num contexto e condições diferentes, porém, havia uma constante, era o mesmo país de sempre, a Guiné-Bissau como a Guiné de Cabo-Verde, no desequilíbrio da balança, oscilando entre a guerra e a paz.

                                                                   
Bissau, de Junho a Dezembro de 2000
                                                                          
Cherno Abdulai Baldé
                                                                                                                                                                                (...) 
 Notas do autor:

1- O sufixo el colocado no fim dos substantivos, na língua fula (Sekuel, Gadamael, Contuboel), empresta-lhes o significado de pequenino(a) e, logo, lindo(a). A beleza, entre os fulas, é algo intimamente associado aquilo que é pequeno, que não é grande.

2- Treco: Personagem caricatural da banda desenhada.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

 17 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7002: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (19): Fugindo da guerra civil, de Bissau a Fajonquito, Junho de 1998 (I Parte)

(...) Na madrugada do dia 7 de Junho de 1998, ainda na cama ouvimos, de longe, tiros de armas de guerra. Na manhã do mesmo dia, ouviram-se tiros de armas pesadas acompanhadas de rajadas de metralhadoras. Em casa, apercebemo-nos que se passava coisa séria para justificar tamanho tiroteio. Sentámo-nos a mesa para o pequeno-almoço. Aqueles tiros não nos incomodaram em nada, afinal já tínhamos vivido outros golpes, coisa banal, seriam escaramuças localizadas e algumas mortes mas depois tudo voltava a normalidade. (...).

17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6864: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (18): A (mu)dança das bandeiras em Fajonquito, em 1974
 (...) Em Fajonquito, o período entre o mês de Junho a Agosto de 1974, tinha sido marcado pela chegada de uma nova companhia (BCaç 4514/72), conhecida entre nós como a companhia de Gadamael; a visita dos primeiros elementos da guerrilha e a saída definitiva das tropas portuguesas de Fajonquito. Período rico em acontecimentos, manifestações de apoio e festas, que algumas vezes assumiam formas dramáticas e outras simplesmente cómicas, mas foi sobretudo um período de indefinição, de ansiedades e de questões sem resposta, relativamente ao futuro. (...)

14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6735: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (17): A desertificação da nossa terra: até os macacos pára-quedistas nos estão a deixar
(...) O nosso amigo José [Cortes] demorou a reagir mas gostei das imagens da nossa Fajonquito (**). É mais que óbvio que conheci e convivi com ele no quartel e ainda mais sendo responsável do parque automóvel, a minha zona predilecta de actuação. O José, certamente, se lembrara do Sérgio, o responsavel pelo abastecimento do combustível, de resto, como ele diz, faziam parte da mesma companhia, para além dos meus controversos patrões, o Dias e o Magalhães, também me lembro do Mandinga. Gente porreira. (...)

12 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4816: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (12): E se o Algássimo tivesse razão ?

(...) Quando finalmente saía do quartel, a noite, encontrava o Algássimo Djaló à minha espera, ele gostava da sopa (entenda-se comida do quartel) que trazia metida em latas de conservas de tomate. Não podia entrar dentro do quartel, por ordens do seu pai, de princípios rígidos e ortodoxos como todos os seus conterraneos de Futa-Djalon que em tudo se comportavam como perpétuos emigrantes e nunca se integravam nas comunidades locais consideradas de nível inferior, religiosamente falando. (...).

 10 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4806: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (11): Filho da p... de barrote queimado...... Ou as sobras do rancho

(...) Após a última partida [de futebol] da tarde e depois do toque da corneta das 19H30, voltava para o meu cantinho no quartel[,em Fajonquito,] a fim de recolher as sobras do jantar. O meu barulhento patrão, o Dias, raramente trazia alguma coisa do refeitório, ele comia tudo e nem sequer se lembrava de pedir uma segunda dose, ocupado em pôr pitadas nos mexericos e conversas alheias, brigando as vezes quando tomava alguns copos de tinto a mais. Mas, mesmo assim, era ele que ordenava aos outros para me trazerem a comida, assegurava-me prontamente, atirando o seu prato no chão ainda por lavar. (...)

8 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4802: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (10): Futebol: ser do Benfica ou do Sporting, eis a questão

(...) No início eu não sabia que partido tomar entre as duas claques predominantes, Sporting ou Benfica?... Foi o Dias que decidiu. Um dia entrou na conversa dos putos e disse prontamente:
- O Chico é do Sporting, pronto, nós em casa somos todos do Sporting, eu, minha mãe...

O Dias metia a mãe em todas as suas conversas e quando isso acontecia instintivamente eu sentia vergonha, ficava vermelho em seu lugar, entre nós a evocaçao da mãe, logo do sexo feminino, por um homem era sinal de fraqueza e não era bem acolhido entre adultos, iniciados. (...).


5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4782: Memórias do Chico,menino e moço (Cherno Baldé) (9): Futebol, rivalidades, bajudas... e nacionalismos(s)

(...) O Júllio era um garoto muito estimado entre os colegas do grupo de Sambaro Djau, bem constituído, duro que nem um pau esculpido e ágil como um animal selvagem. No futebol de salão era o mestre no drible de frente a frente. O seu nome verdadeiro era Abibo. Ficámos amigos logo a seguir ao nosso primeiro duelo. Os bons adversários respeitam-se mutuamente, não é?... (...).

27 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4746: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (8): Misérias e grandezas de Fajonquito, 1970/75

(...) No início dos anos 70, Fajonquito é quase um burgo com muitos milhares de almas. Aqui estavam misturadas várias comunidades. Diferentes subgrupos da comunidade fula (Fulas-pretos, Fulas-forros, Futa-fulas), Mandingas (ou do que restava desta comunidade em consequência da guerra), algumas famílias Balantas, Saracolés, Manjacas e mesmo Bijagós que o comércio do amendoím e a guerra tinham trazido consigo. (...).

21 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4714: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (7): As profecias do velho Marabu de Sumbundo

(...) No período decorrido entre os anos de 1972/75, vivendo em Fajonquito para onde mudámos no ano de 1968 na sequência da transferência do meu pai, acompanhava este com frequência, em deslocações às aldeias vizinhas, durante os fins-de-semana. Nessa altura, o meu pai tinha sempre consigo uma bicicleta como meio de transporte para esses casos. Eram, na maioria dos casos, bicicletas usadas que ele raramente montava, não só pela idade que não permitia muito esforço físico, mas também a necessidade ou a obrigatoriedade de falar e cumprimentar cada pessoa com que nos cruzávamos. Eram mantenhas prolongadas que nunca mais acabavam, durante as quais cada um tentava sondar o outro sobre assuntos dos mais variados de seu interesse, coisas de adultos no mundo rural de Fuladu de então. Eu, ao lado, ouvia e ouvia, era quase sempre o mesmo discurso que, na minha opinião de criança apressada, não servia para nada. (...)

13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda


(...) A minha família, descendente de Fulas originários de Macina, no espaço territorial do antigo Sudão Ocidental (actual Mali), e que se consideram a si mesmos de Fulbhê Arábbhê, cujo significado se deve ter perdido na noite dos tempos e que, no entanto, tem uma similitude muito próxima da palavra Árabe, vivia em Kerewane (uma deformação de Kairuan?), localidade situada entre Kumakara (Senegal) e Saré Bacar (Guiné-Bissau), mesmo na linha da fronteira entre os dois países. (...)

6 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4646: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (5): A família extensa, reunida em Fajonquito, em 1968

(...) Em 1968, , o meu pai foi transferido para Fajonquito e com ele toda a nossa família. Todavia, o meu pai não estava satisfeito com a transferência porque ela tinha provocado a separação com o seu irmão Dembaro, cuja família não podia sair de lá naquela época de rigoroso controlo do movimento de pessoas, por parte das autoridades tradicionais fortemente empenhadas na guerra, sem um pretexto muito forte. (...).

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4611: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (4): O ataque dos meus primos a Cambajú e o meu pai que foi um herói

(...) Ainda hoje, a nossa mãe está convencida que este ataque foi obra dos primos do meu pai que viviam do outro lado da fronteira, não muito longe de Cambajú. Aconteceu que, no dia anterior ao ataque, o meu pai tinha recebido uma grande quantidade de mercadorias e, por coincidência, no mesmo dia tinha-se despedido uma pessoa que estava hospedada em casa para tratamento e que voltara junto dos tais primos da outra banda. Assim, nesse dia do ano de 1966, na calada da noite, pouco depois das quatro horas de madrugada, ouvimos tiros. Primeiro os disparos se fizeram ouvir a oeste para os lados do quartel, fazendo pensar que o objectivo era militar, depois se espalharam rapidamente contornando a aldeia.(...).


25 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4580: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (3): A chegada dos primeiros homens brancos a Cambajú em 1965: terror e fascínio

(...) No ano de 1965, altura em que a guerra para a independência se alastrava rapidamente e aterroriza as aldeias daquela área e obrigava a uma concentração maior da população em certos locais com algumas garantias de defesa e protecção militar, Contuboel, Saré-Bacar, Cambajú e Fajonquito constituíam as praças-fortes da área. Em Cambajú foi estacionado um destacamento de milícias que assegurava a defesa da localidade e que mais tarde foi reforçado com um destacamento de tropas portuguesas. Pela primeira vez na minha vida ainda jovem, via pessoas de uma raça diferente. Foi um choque tremendo. (...)

24 de Junho de 2009 > Guine 63/74 - P4567: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (2): Cambajú, uma janela para o mundo

(...) Em Cambajú, pequeno centro comercial, começou o despertar da minha infância, altura em que, saído da pequeníssima aldeia de Sintchã Samagaya, fundada por meus pais, aterrei-me numa aldeia de muito maior concentração de moranças e de gente. Cambaju estava situada mesmo na linha da fronteira com o Senegal, o que lhe emprestava um certo ar cosmopolita onde se cruzavam pessoas de várias origens e destinos e um certo movimento de vaivém de pessoas e mercadorias com as suas três ou quatro casas comerciais, algumas pequenas boutiques e o contrabando pra cá e pra lá das duas fronteiras. (...)


19 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhão

(...) Foi naquela época que, na idade de 4 ou 5 anos, aconteceu a minha primeira visão de uma máquina voadora, que terá sido, provavelmente em meados de 1964, precisamente na altura em que estávamos em Samagaia, pouco tempo antes do ataque à zona que nos obrigaria a deixar a aldeia para nos refugiarmos em Cambajú, onde o meu pai já se encontrava a trabalhar alguns anos antes. (...).


(...) Estimados amigos e irmãos da Tabanca Grande, não tenho palavras para exprimir a minha gratidão para todos os que lêem os meus escritos e me encorajam. Lamento imensamente não ter o tempo necessário para me dirigir, pessoalmente, a todos e, também, discutir sobre diversos aspectos do que se escreve ou escreveu. A todos as minhas sinceras desculpas. (...)

30 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6661: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (16): Canhámina, 1974: o fim do triângulo da vida e do poder do regulado de Sancorlã


(...) Estamos no ano de 1975, alguns meses após a independência. Só agora começamos a compreender todo o tamanho do trama em que estamos metidos. Pessoalmente, estou na fase da readaptação de uma nova vida. Não é fácil para mim, sobretudo, ter de voltar à comida de farinha de milho preto. De manhã vou à escola e à tarde cuido do nosso gado na companhia de outros miúdos. As dificuldades são de vária ordem mas, na memória da criança não há lugar para a saudade. (...).


18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6417: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (15): Obrigado, Mortágua, salvaste-me a vida!


(...) Para todos aqueles que conhecem minimamente terras Lusas, Mortágua deve significar uma aldeia, vila, freguesia ou cidade, situadas algures no centro norte de Portugal. Para as crianças "rafeiras" do quartel de Fajonquito por volta de 1970/72, Mortágua era o nome dado a um dos soldados cozinheiros da messe dos oficiais, situada nas traseiras da casa comercial Ultramarina, onde trabalhava o meu pai. (...) O nosso amigo José [Cortes] demorou a reagir mas gostei das imagens da nossa Fajonquito (**). É mais que óbvio que conheci e convivi com ele no quartel e ainda mais sendo responsável do parque automóvel, a minha zona predilecta de actuação. O José, certamente, se lembrara do Sérgio, o responsavel pelo abastecimento do combustível, de resto, como ele diz, faziam parte da mesma companhia, para além dos meus controversos patrões, o Dias e o Magalhães, também me lembro do Mandinga. Gente porreira. (...)

24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6244: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (14): Cap Figueiredo: Capiton Lelö dahdè ou capitão cabeça inclinada

(...) O que vou dizer pode parecer paradoxal se não incongruente. O Sr. Carlos Borges de Figueiredo, ao contrário de muitos outros, foi um Capitão pacifista pois ele tinha-se distinguido, sobretudo, pela promoção da educação entre as criancas nativas (o número de alunos na escola local tinha aumentado significativamente facto que poderia estar ligado ao ambiente de paz criado e uma grande sensibilidade pelos problemas sociais da população) e organização de eventos sócio-culturais que, não só afastavam, por algumas horas, o espectro da guerra e da morte entre a tropa mas eram também muito úteis e importantes na construção de relações de aproximação e de confiança com a populaçã local, tão prezada por General Spínola. (...). 

12 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6146: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (13): Fajonquito, o blogue, o meu silêncio... e as fotos do José Cortes

12 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Não é um comentário.
Pode,se assim os Editores entenderem, ser retirado.

Cherno Baldé
Esperava a parte II e espero o resto. É um relato dramático de uma situação vivida por vós. Está demasiado bem escrita e descrita para ficar por aí. Tenho uma "pasta"-nos doc. do portátil do Cherno. Vou acrescentar estes dois textos. Gostava que mais viessem, Gostava de ler o que se tem passado por quem o viveu; o menino,o adolescente o homem.É um percurso de vida que nos mostra a Guiné durante muito tempo. A Guiné vista por quem lutou, não de armas na mão mas de outra maneira, de um modo de vida diferente. lembro, quando leio o que escreves os meninos de Candamã e outros lugares, mais de Candamã. Lá estava a escolinha que fizemos, o quadro de tábua pintado de tinta preta, a dificuldade de ensinar o nome das cores, a ginástica,o banho no riacho vindo da bolanha e a partilha do rancho. Por vezes não tínhamos para nós. Disso falava com o Régulo e meu amigo António Bonco Baldé. Disso falei e não volto a falar no blog do Luís Graça. São estórias de vida...amigo e a G3, de preferência estava de lado...
Esta tua escrita tem terminar um dia: neste próspero País, hoje, tantos do tal...
Alonguei-me. Por aonde andarão os meninos de Candamã???
Um abraço fraterno do Torcato

Juvenal Amado disse...

Faço minhas a s palavras do Torcato no que diz respeito ao Cherno.
Quanto ao resto... Quanto às memórias que assaltam o próprio Torcato, cheias de humanidade. E o resto que está por dizer mas que se adivinha?

Um abraço aos dois

Ps Na foto da rua de Bafatá à direita o restaurante do Libanês e mais um pouco abaixo mas à esquerda O Transmontana onde «matávamos o bicho» em dia de coluna logo de manhã cedo.
Na mesma rua a escola de condução e os adidos.«Alojamento para soldados em transito».

Anónimo disse...

Cherno,

O desespero deve ter sido enorme, ao querer imaginar que poderias atravessar para o Cumere com crianças e mulheres e devido à maré baixa teres que fazer imensos quilómetros a ouvir o tiroteio.

Uma experiência rara de veres os teus filhos numa guerra como tu tinhas visto outra com a idade deles.

Mas o que me admira é como tu escreves desta maneira em português depois de estudar na União Soviética, e o que me lembro de se queixarem por exemplo o Oliveira como o Braima Djassi, que sentiam dificuldade no português.

Seria porque eles seriam mais novos que tu, quando foram para lá?

Pelo que noto estiveste no PASI com Leandro e Paulo Fontes quando eu ainda estive no PRI (1991,2 e 3)

Será?

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Cherno

Que texto!
Dramático, de um realismo tal que estamos a ver as imagens e a sofrer com elas. E, acrescendo a tudo isso, os "flash-back" tão a propósito, encaixando tão bem na narrativa presente.
É que, sem este testemunho, só conheciamos os relatos (minimalistas) do que se passou em Bissau...
Alberto Branquinho

Cherno disse...

Não vou comentar porque prefiro que os outros o façam e de forma mais critica possivel.

Simplesmente quero dizer ao amigo Rosinha que, a pergunta que ele fez, já outros a fizeram antes e a resposta é muito simples e consta mesmo na narrativa, na parte final, que talvez ainda não saiu. Quando comecei a frequentar o quartel e partilhar o quotidiano dos Portugueses em Fajonquito teria, no maximo, oito anos (em Cambaju teria sete), de modo que o Português foi, para mim, uma segunda lingua desde a infancia. E se perdi, e muito, foi devido ao periodo passado na ex-URSS porque a aprendizagem da lingua representou para mim, e muito outros, uma autentica lavagem ao cérebro. Após o meu regresso, comecei a recuperar o que estava gravado lá ao fundo, inacessivel. A memoria da gente é qualquer coisa de extraordinário. Bem, não me arrependo, podia não ir mas foi uma opção livre dentro das possibilidades possiveis, na altura, que não eram muitas para a minha condição. O criuolo aprendi mais tarde na cidade.

Efectivamente, de 1991 a 1992 trabalhei ao lado dos Engs. Leandro e Paulo Fontes e ainda o Adolfo Leite de VNGaia.

saudações fraternais,

Cherno AB

Anónimo disse...

"As paisagens da nossa terra são lindas."

Kila i bardadi deee !

Semanas depois do inicio do conflito, chegava eu a Bissau...numa caminhada no sentido contrario, iniciada em Pirada. Vi e convivi com uma Bissau deserta..sem "mandjuas". Todos tinham partido !Na qualidade de hospede solitario do Hotel Tamar (junto a Amura)tinha eu diariamente que "trancar" a sete chaves o quarto..e o proprio hotel...sempre e quando entendesse arriscar uma saida... pelas arterias da nossa capital... Eu que nunca me tinha sentido dono de um Hotel... e de uma Cidade fantasma.

Continue com esse registo desse marco dramatico da nossa historia recente!

Djarama

Nelson Herbert
USA

Anónimo disse...

"As paisagens da nossa terra são lindas."

Kila i bardadi deee !

Nasce-se... cresce-se rodeado de tanta beleza... e nem damos conta disso...

Dos tempos de estudante na "estranja" habitua-mo-nos a (re) entrar no pais- sempre que as ferias estudantis tais oportunidades nos proporcionassem - pela porta da frente -ou seja o aeroporto de Bissalanca.

Mas foi pois durante esse dramatico periodo da nossa historia, que acabei por (re)descobrir a outra face da minha e nossa Guine...

A sua beleza paisagistica-quica as mesmas "Lalas" que acabaram por encantar os teus "herdeiros" ...imagens e cenarios que nos cativam e nos prendem-qual "umbigo" enterrado a escassos meio palmo do solo patrio!

E que cenarios...que tanta falta me fazem hoje, nesta longinqua America !

Mantenhas
Nelson Herbert
USA

Hélder Valério disse...

Caro Cherno

Reforçando o que comentei relativamente à 1ª parte desta narrativa, insisto para que consideres seriamente a continuar com as tuas memórias e a aventurares-ta na escrita de histórias.

No que diz respeito ao texto de hoje, em que continuaste a verdadeira odisseia que constituiu a saída da tua família de Bissau durante os começos da guerra civil, para além das descrições das dificuldades, das angústias, das dúvidas, ficámos também a perceber como se pode ficar contente pelo sentimento do dever cumprido.

Um abraço
Hélder S.

Unknown disse...

Amigo Cherno Baldé, extradionário os seus relatos, creio estar capaz de os absorver sem qualquer reticência, porque acompanhei com afinco alguns outros de outros anos e outras latitudes. Mas, contudo, devo confessar que actualmente não sou capaz de fazer com alguma objectividade o " filme " do que se passa na Guiné.
Primeiro porque as informações são escassas e quase certeza muito deturpadas, para além de não conhecer de todo as principais personagens. Mas de uma coisa tenho a certeza, isto que se passa na Guiné (não pela riqueza disponivel de imediato, mas pelos interesses geopoliticos e outros)é tão só, mãozinha das redes internacionais da droga, e das várias formas de actuar dos neocolonialistas, empareceirados por por dirigentes politicos "enfeitiçados" pela politiquice ocidental.
Só sendo possivel esta actuação, suportada numa falta de capacidade de estabilizar, desenvolver e fortalecer as estruturas de estado, que estavam ainda no seu estado embrionário, a quando a independência. Agravado pela "debandada" colonial, que afectou homens que estavam ao seu serviço, e estruturas de organização da sociedade.
Amigo Cherno,este seu texto, faz parte de outros que guardo.
Por outro lado Amigo Rosinha, que escreveu:

...."Mas o que me admira é como tu escreves desta maneira em português depois de estudar na União Soviética, e o que me lembro de se queixarem por exemplo o Oliveira como o Braima Djassi, que sentiam dificuldade no português."

Repetindo que respeito a sua experiência de vida.
Não evita que, discorde ou que "critique" as suas concepções.
O que acabou de enunciar é no minimo o contrário (se com sinceridade) do muito do que já escreveu nas suas apreciações.
Como vê nem tudo é MEL. E uma coisa é, repito, fazer critica e comentar factos, outra é fazer juizos de valôr ou intenção. Geralmente só nos leva à confusão, e a diálogos um pouco infrutiferos.
Devo dizer-lhe contudo que continuo a ler os seus ecritos com atenção. Tal como os de alguns outros amigos.

Um abraço
Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro

p.s. talvez seja de interesse a consulta de meu blog:
www.foradolugaretempo.blogsupot.com

Unknown disse...

Peço desculpa, pelo erro, poremdevo corrigi-lo.

p.s. talvez seja de interesse a consulta de meu blog:
http://foradolugaretempo.blogspot.com/

Obrigado

Cherno Baldé disse...

O Filipe tem razão, podia até sentir-me ofendido com a pergunta do mais velho, mas para quê? Ele já disse, abertamente, que é "colon" e, por outro lado, compreendo-o pois, a maioria dos jovens quadros Guineenses que estudaram no Leste, de facto, não dominam o Português, porque foram enviados para lá ainda crianças e, em muitos casos, a partir das zonas libertadas o que cria uma certa confusão para quem não sabe fazer a distinção.

-As paisagens da nossa terra são lindas!

É verdade amigo Nelson, mas parece que nós não teremos tempo para a apreciar na sua verdadeira dimensão.

Uma vez, viajando entre Bafatá-Bissau, na companhia da minha mãe, chegados numa daquelas bolanhas extensas a perder de vista situadas ao longo do trajecto depois de Bambadinca, ela que sempre tinha vivido e trabalhado no mato, não se contendo de admiração, disse em voz alta (o que não era habitual nela e entre as mulheres Fulas em geral): Cherno, o mundo começou aqui!

Nelson, o que se passa? faz tempo que não o ouço na Pindjiguiti ou era um outro Nelson Herbert ?

Cherno AB

Anónimo disse...

Penso que os editores do blogue nao levarao a mal..

Caro Cherno..e verdade...a minha ausencia nas retransmissoes da VOA, via Radio Pindjiguiti na Guine Bissau...deve-se as novas funcoes e responsabilidades assumidas num outro departamento ca da casa...

Ja agora ca vao as minhas coordenadas:

nlopes@voanews.com
herbertlopes@yahoo.com

Mantenhas
Nelson Herbert