terça-feira, 14 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6983: (In)citações (5): Amílcar Cabral, os portugueses, o colonialismo e o racismo (Cherno Baldé)

1. Comentário, de 9 do corrente,  de Cherno Baldé ao poste P6941 (*):

Amigo Torcato, (**)

Eu estudei na antiga URSS, sim, onde, juntamente com o leite e mel servido na cama individual, também nos serviam expressões agradáveis como " Ó macaco preto,  volta para a tua terra!".

Uma vez, em Kiev, conversando entre amigos e colegas de turma de várias nacionalidades, um Russo nos interpelou cheio de curiosidade:
- Disseram-me que vocês,  africanos,  nos vossos países, vivem em cima das árvores, mas como é que conseguem montar as camas ?

E alguém dos nossos respondeu-lhe:
-Sim,  é verdade,  e se queres saber mais digo-te que o vosso embaixador que vive lá connosco, está hospedado e dorme na árvore mais alta da nossa floresta.

A frase do romancista [ André Schwarz, ]conforme a entendi, e penso que o Filipe já disse o essencial, vai no sentido de que "só quem nos conhece nos pode magoar, prejudicar, ver matar". (***)  E acho que, não restam dúvidas que Cabral conhecia bem o regime Português e os Portugueses também. 

De resto quem quiser saber o que ele pensava dos Portugueses pode consultar o livro das suas obras escolhidas,  intitulado "A Arma da teoria",  num discurso proferido por ocasião do 1º ou 2º aniversário da invasão de Conacri e as causas do seu falhanço. Na minha opinião, aí estão contidas muitas mágoas para um bom Português como ele.

O que interessa reter é que hoje como ontem, em Portugal, vivem e trabalham muitos africanos, muitos dos quais, no fundo, nunca quiseram a ruptura completa e definitiva com Portugal e os Portugueses, mas que queriam simplesmente a sua emancipação. Agora vejam lá, se criam ou não criam mais outros Cabral. [, Foto, acima] (****)

Cherno

[ Fixação / revisão de texto / título: L.G.]
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6941: Notas de leitura (144): Amílcar Cabral Documentário (Mário Beja Santos)


[Comentário de Antº Rosinha, 7/9/2010]

(...) Amilcar Cabral, com a sua cultura e conhecimentos africanos e europeus, podia falar muito bonito para branco entender, mas nunca contou a realidade africana. Nem ele, nem nenhum outro português como ele, quer do PAIGC, MPLA, ou FRELIMO (...).
[Comentário de Cherno Baldé, 7/9/2010]

Numa das passagens do romance de André Schwarz (ver refª abaixo), encontrei uma frase curta mas cheia de significado que diz o seguinte: "Atention, celui qui te connaît appartient pour toi aux bêtes qui tuent ». page 73.

ANDRÉ SCHWARZ BART
in "La Mulâtresse Solitude" , Roman–Points, ed. du Seuil, 1972.

E Amilcar Cabral, no seu tempo, foi daqueles que conheceram Portugal e os Portugueses, julgo eu, mais que qualquer outro Guineense ou estrangeiro que tivesse vivido por lá. Nem me passa pela cabeça imaginar o que ele teria sofrido para terminar com sucesso o seu percurso académico. (...)

[Comentário de ChTorcato Mendonça, 7/9/2010]


(...) Por fim, Amílcar Cabral, estudante.


Tirou certamente o curso de agronomia,  como qualquer colega. Dizem ter sido óptimo estudante. Havia a Casa do Império onde os estudantes, vindos de África,  ficavam. A polícia política certamente estava atenta e atenta estava com outros,  independentemente de sua cor. Racismo? É possível. Infelizmente há sempre gente mal formada. Aí não há? Olhe,  eu fui para militar e depois até aí e queria estudar...e você onde estudou? Talvez no Leste...terras de leite e mel (...).


(**) Último poste da série  (In)citações:

28 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6800: (In)citações (4): A lavadeira Lisboa e o tocador de harmónica Sene Coiaté, com a Júlia Neto, na inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje (Pepito, AD - Acção para o Desenvolvimento)

(***) Variante da célebre frase de Jesus Cristo na última ceia, denunciando o seu traidor: "Quem vai me trair é aquele que comigo põe a mão no prato" (Mateus 26,14-25).

(****) Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe,  editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... Aprimeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB.

2 comentários:

Juvenal Amado disse...

Um homem persegue um ideal sem saber se ele alguma vez se cumpre ou não.
Quem tudo sacrificou por uma paixão, por um sonho, voou mais alto que os outros viu mais além.

Alguém conhece quem partiu para a luta convencido que o seu esforço para nada serviria?

A procura do Homem têm-se feito com luta, com muitas derrotas mas também com muitas vitórias.

Se adivinhasse o Futuro, desistiria da sua luta e nesse caso não existiriam Mandela, Gandhi, Amilcar etc.,e a humanidade estaria na idade da pedra.

Uma boa ideia é passivel de má execução, todos nós conhecemos pelo o menos uma coisa que começou bem e depois deu para o torto.

Algumas recuperam-se as outras não, mas mesmo assim não nos resta senão tentar.

Um abraço Cherno

Juvenal Amado

Torcato Mendonca disse...

Não sabia da resposta do Cherno.

Sei o suficiente de francês para compreender a frase...

Sei o suficiente do Povo Guineense para o saber e ter continuado a respeitar a sua cultura,usos e costumes.As suas crendices, e não só, eram nossas (de alguns claro)e minhas também. Este parágrafo refere-se a outro comentário. Eu aprendi muito com Guineenses, muito.Era um rapaz caramba!Vinte e pouco,tão pouco... E desculpem mas não sou racista...se falei no Leste...tirem as ilações que vos aprouver.

Nada mais digo, eventualmente poderei dizer. tenho ali a "pasta" para responder.Ficou.
Assim não e para certos "peditórios" não dou.

Como eu gostava de abraçar tanta gente de certas Tabancas da Guiné.
Não posso.
Um abraço para vós do Torcato