CONTRAPONTO (12)
DUAS VEZES
Duas vezes vi o Almirante Américo Thomaz.
A primeira vez foi durante o desfile do juramento de bandeira na Escola Prática de Infantaria, em Mafra.
A formatura de cadetes saiu pelo portão do lado direito para quem esteja a olhar o Convento de fronte para a escadaria central. Começara com o habitual “Em frente, marche!!” e continuou a toque de caixa, voltando os vários pelotões à direita, para passarem em frente ao Convento. Começou a ouvir-se a charanga de metais, sopro e percussão, que tocava de forma ensurdecedora o “Angola é nossa! Angola é nossa! Angola é nossa!”. A partir desse momento os pés esquerdos batiam o chão a cada duas vezes que entrava a nota correspondente às sílabas “gó” de “Angola” e “nó” de “nossa”. A altura da música era tal que não podia ouvir-se qualquer ordem do comandante, colocado à frente de cada pelotão.
E foi assim que, sem ter ouvido a ordem de “Olhar direit’UP!”, percebi pelo colega (perdão, camarada) à minha frente que devia olhar à direita. Assim olhei, mantendo a cabeça a olhar (rigidamente) nessa direcção.
Foi, então, que vi o Almirante Américo Thomaz em pé e ao centro da escadaria, em cima de um palanque, recebendo e retribuindo o cumprimento militar. Fiquei a olhá-lo e a olhar a comitiva. Só percebi que já tinha havido ordem de “Olhar frente!” algum tempo depois.
A formatura torneou o Convento e regressou à parada pelo portão do lado oposto.
A segunda vez que vi o Almirante Américo Thomaz foi (talvez) em 1975.
Passeava eu com um grupo de amigos, num fim de tarde, em Copacabana, não naquele passeio largo a que chamam “Calçadão”, mas no outro passeio do lado oposto junto aos edifícios, quando um chamou a nossa atenção:
- Olha… o Américo Thomaz.
O Almirante (que, claro, não estava fardado) caminhava lentamente à nossa esquerda e em sentido contrário, mais próximo da beira do passeio, em passos curtos e cuidados, seguido a pouca distância pela filha. Pressentindo estar a ser observado e, talvez pela nossa atitude ou pelo vestuário, terá adivinhado sermos portugueses. Inclinou levemente a cabeça, cumprimentando-nos. Todos correspondemos. Como não íamos em formatura, não houve ordens de olhar à direita (ou à esquerda, como teria sido o caso).
(A História tem destas coisas…)
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Notas de CV:
- Alberto Branquinho foi Alf Mil de Op Esp da CART 1689, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69
- Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6704: Contraponto (Alberto Branquinho) (11): Você é preto!?
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Mafra, Rio de Janeiro: dois pontos de cambança... A vida é uma sucessão de pontos de cambança. O último é mesmo mortal.
Curioso, Alberto, como ainda te lembras do Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz (1894-1987)... São memórias do século passado. Como somos velhos, meu amigo! Pergunta a um jovem de hoje quem foi... É bom ter memória(s), o que não quer dizer ter saudade(s)... O que é f... no Alzheimer, é que te dá cabo na memória RAM... Senti um raiva do caraças quando a minha mãe não me reconheceu há dois meses...
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