Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 12 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3300: Blogoterapia (63): Dicas temáticas: do heroísmo à religiosidade do soldado português (Paulo Raposo)
Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCAÇ 2405 > 1968 > O Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852, esteve cinco meses em Mansoa, antes de partir para a zona leste, o sub-sector de Gamolaro. Aí irá perder 17 homens no desastre do Cheche, no Rio Corubal, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios).
Na foto, a placa toponímica indica que, por estrada, Mansoa distava 96 km de Bafatá, 52 km de Farim e 30 km de Mansabá...
Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados .
1. O Paulo Raposo teve a gentileza de me mandar o seguinte comentário, na sequência da (re) publicação do poste com o relato do seu baptismo de fogo, em Mansoa (*) :
Caro Luís
Vi um apontamento de um relato meu no teu e nosso blogue. Te agradeço a lembrança e o afecto, bem hajas.
Tanto por cá como por África isto está tudo podre e vejo ainda muita gente a querer vender este regime como bom. A honra de um Homem foi substituída por leis. A palavra já não faz fé, apenas a prova.
Gostava de ver outros temas discutidos no blogue:
(i) O heroísmo do soldado português;
(ii) A confiança que os soldados depositavam em nós, os quadros;
(iii) A nosso passagem por África, que benefício social, económico trouxe para Portugal;
(iv) A nossa religiosidade, de então e actual, e porquê a diferença;
(v) As nossas famílias, que amarguras passaram por cá aquando da nossa ausência.
Isto dá pano para mangas...
Um abraço para ti deste teu amigo
Paulo
2. Comentário de L.G.:
Paulo: É tão bom saber que estás vivo da costa, embora desencantado... E como é importante, para a nossa saúde física, mental e espiritual, o encantamento... com a vida, com os outros, com o mundo que nos rodeia, com o país que é o nosso mas que não escolhemos... Ah! esta nossa relação de amor-ódio com este nosso Portugal!
Quanto às tuas sugestões temáticas, para o nosso blogue, serão bem acolhidas por todos nós... Oxalá haja mãos, entre nós, Tabanca Grande, para tocar o piano, quero eu dizer, o teclado do computador... Não vejo que sejam questões fracturantes... Já atingimos um patamar de sabedoria, de tolerância e de garantia de pluralismo que nos permite questionar tudo ou quase tudo, de falar de tudo ou quase tudo...
Admito que são questões difíceis, dificílimas de responder. In limine, impossíveis de responder. Não há investigação científica, historiográfica, sociológica, antropológica, etc., sobre estes temas... Podes dar a tua opinião, defender o teu ponto de vista, usar os teus argumentos, e sobretudo dar o teu testemunho, mostrar o teu exemplo e o exemplo dos teus homens, dos homens do teu grupo de combate, da tua companhia... Como aliás já o fizeste em tempos, de maneira tão sincera, tão humana: aí está justamente o teu testemunho, publicado na I e II Séries do nosso Blogue, e que muitos camaradas, recém chegados ao blogue, provavelmente nunca leram (**).
Um Alfa Bravo. Até um dia destes, até Montemor!
Luís
PS - Paulo Raposo: Transcrevo aqui as últimas palavras da primeira parte do teu testemunho, justamente a propósito do fim da comissão e do fim (?) do pesadelo, com o teu regresso a casa (onde já não morava o teu pai, falecido entretanto)...
"Estavam lá todos, a família e os amigos, mas o meu pai não estava. Desembarcámos. Mais um desfile e vá de ir para casa. Tudo era diferente. Não só eu me tinha transformado, como cá também tudo tinha evoluído.
"Se me custara passar de civil a militar, o inverso depois de 37 meses de tropa foi também muito complicado. A ansiedade que adquiri no fim da comissão nunca mais me largou. Diminui ou aumenta conforme o cansaço. Está sempre dentro de mim.
"Quanto a terrores nocturnos, tive-os durante muitos anos. Por causa de ter adormecido profundamente no mato e não ter ouvido os tiros do inimigo, tive pesadelos pela eventualidade de a companhia avançar e me deixar para trás, só e isolado no mato. Outra situação que me apavorava era a possibilidade de ser novamente chamado para nova comissão como capitão.
"Odeio as guerras".
______________
Nota de L.G.:
(*) 8 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3282: O meu baptismo de fogo (5): Mansoa, 1968, ouvindo a irritante costureirinha (Paulo Raposo)
(**)Vd. os postes publicados no âmbito da série O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70):
12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCVI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (1): Mafra
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (2): Aspirante em Elvas, Tancos e Abrantes
19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (3): De Santa Margarida ao Uíge
5 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (4): Em Bissau com Spínola
7 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (5): Periquito em Mansoa
8 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (6); Mansoa, baptismo de fogo
11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (7): A ida ao Morés: atenção, heli, aqui tropa à rasca
19 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXIV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (8): A ida para o leste
22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (9): Fome em Campatá e Natal em Bafatá
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé
21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P889: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (11): Férias em Portugal
26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P912: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (12): A morte de um pai
6 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P941: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (13): Operação ao Fiofioli
10 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P949: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (14): regresso às tabancas em autodefesa
31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1007: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (15): as colunas logísticas de Galomaro a Bafatá e a Bambadinca
3 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1022: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (16): De novo em Bissau, a caminho de... Dulombi
7 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1029: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (17): Dulombi
16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1034: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (18): O fim da comissão
10 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1060: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (19): regresso a Lisboa e à vida civil (fim)
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1 comentário:
Digo não comentar ou, se o fizer ter cuidado.Agora faço-o porque gostei do "regresso" do Paulo Raposo, da pertinência das questões colocadas e do comentário do Luis Graça. Há um desencanto, meu Caro Paulo Raposo, há um desencanto mesmo, e isso é mais preocupante se vindo de um Homem de Fé e Ética - aqui vista como algo ou principio filosófico de nossa Juventude- são tempos e outros tempos virão. O Mundo está sempre em mudança...quanto ás questões, de facto dá pano para mangas ou fato inteiro:
O Soldado Português foi e é extraordinário. Orgulho-me ao dizer, mundo fora, sou Português;a confiança depositada nos quadros ou o benefício social...é pano para escrito, como o seria a religiosidade ou o sofrimento infligido a nossas famílias.Pior, ás famílias dos que, em nome de um dever, não regressaram...é assunto a reflectir e a tratar.Vou tentar. Abraços do Torcato
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